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Templos, líderes religiosos e isenções tributárias

Com a aprovação da Emenda Constitucional que definiu as bases da reforma tributária no Brasil e as recentes aprovações de novas regulamentações das mudanças, apontam-se contornos também para as regras do jogo com relação ao funcionamento de templos religiosos. É nessa hora que o debate fica ainda mais acalorado. Para muitos, são mudanças consideradas um abuso. Para outros, uma moeda de troca política. Mas a cobertura e o debate público sobre os benefícios fiscais para templos e atividades religiosas nem sempre se direcionam para onde deveríamos estar olhando e podem ser fonte de desinformação ou de reafirmação de conceitos pré-definidos sobre um campo.

A cobertura jornalística tem se concentrado, na maioria das vezes, no leva e traz de trocas de favores entre governantes e lideranças religiosas beneficiárias de tais medidas, sem se ater ao mérito das alterações legais e se, de fato, aquilo representou mudanças reais. Muitas vezes, trata-se de alguma medida na tentativa de reafirmação de um benefício que já estaria determinado em leis complementares anteriores ou pela própria Constituição Federal de 1988, mas o foco da mensagem acaba direcionada aos atores envolvidos e na sua fama pregressa, e não no próprio conteúdo que se quer reportar.

O advogado Eduardo Pannunzio, em artigo recente publicado no JOTA, relata a cobertura incompleta, por exemplo, sobre se o provento de religiosos teria sido prejudicado ou não com a retirada de isenção fiscal no atual governo federal, e qual gestor concretamente teria sido o responsável pela mudança. Spoiler: não era o gestor da vez que estava sendo atacado ou tirando seu proveito para faturar politicamente com sua suposta autoria, ou retirada, de benefícios a um determinado grupo.

Em muitos casos, foca-se apenas nos templos e suas figuras mais midiáticas e conhecidas e não se amplia a lente para todo o ecossistema de atividades e serviços prestados por eles, sem colocar em contexto o universo extremamente amplo de templos religiosos, quais perfis de instituições realmente se beneficiariam e quais impactos teriam nos cofres públicos e no fornecimento concreto de serviços sociais.

No caso das igrejas evangélicas – as mais presentes no noticiário das demandas fisiológicas encampadas por magnatas da fé, e seus representantes diretos no Congresso –, esses benefícios na prática impactam em grande medida às maiores e mais poderosas, mas sequer chegam ao grosso dos pastores das milhares de pequenas e médias igrejas. Em sua maioria, esses pastores pagam seus impostos nas diversas ocupações que desempenham para sustentar as suas vidas, além de sua dedicação voluntária, ou quase, aos serviços pastorais. Benefícios estes que tampouco se estendem para a massa da população evangélica, que paga seus impostos como cidadãos e ainda contribui com seus dízimos para a manutenção das igrejas que frequentam.

Grandes corporações evangélicas estão lá, costurando na Reforma Tributária, a ampliação das condições hiper favoráveis nas quais já operam.

Ao mesmo tempo, grandes corporações evangélicas estão lá, costurando na Reforma Tributária, e por outros caminhos legais e jurídicos, a ampliação das condições hiper favoráveis nas quais já operam.

Para onde olhar?

Para onde deveríamos estar olhando então? O que de fato está mudando, ou mudou recentemente? Onde estão – ou apontam – os maiores favorecimentos recentes aos templos religiosos?

A imunidade tributária aos templos de qualquer culto está prevista, fundamentalmente, no artigo 150 da Constituição de 1988 e em algumas regras complementares. Uma das principais justificativas para a isenção de alguns tributos é a proteção da liberdade religiosa, uma vez que, reduzindo seus compromissos financeiros, entidades de qualquer tipo ou credo teriam mais liberdade de atuação. Apesar de a imunidade tributária ser significativa, as igrejas não estão livres de todos os tributos.

Como era, então, até o ano passado, antes da aprovação da Emenda Constitucional 132 de 2023? A Constituição (Art. 150, alínea b) afirmava que “templos de qualquer culto” não podem ser tributados – pela União, por estados e municípios – em bens e serviços que são considerados essenciais para o exercício de suas atividades, como os edifícios e veículos vinculados às entidades. O que significa dizer que as Igrejas são isentas de impostos como: Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto de Renda (IR), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

Com a Emenda Constitucional aprovada em dezembro de 2023, ampliou-se essa isenção para organizações assistenciais e beneficentes ligadas a confissões religiosas, como creches, asilos, comunidades terapêuticas, entre outras – “entidades religiosas e templos de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes“. Uma das principais regulamentações da reforma tributária, recém aprovada pela Câmara, o PLP 68/2024 que institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS) mantém essa ampliação de escopo, isentando “as operações realizadas por entidades religiosas e templos de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes“.

Mas um ponto importante tem passado despercebido sobre as regulamentações e alterações garantidas no PLP 68/2024: enquanto as organizações assistenciais sem fins lucrativos em geral são obrigadas a cumprir o art. 14 do Código Tributário Nacional, segundo o qual essas entidades não podem distribuir patrimônio ou rendas e devem aplicar seus recursos integralmente em território nacional, as igrejas e templos religiosos – e agora as organizações assistenciais e beneficentes a elas ligadas – não estariam sujeitas às mesmas regras. Isso em teoria, mas não sabemos ainda como será a interpretação dos tribunais na prática em caso de recursos que defendam ou questionem a aplicação dessas obrigações.

Além disso, ainda está em tramitação a PEC 5/23, que amplia outros âmbitos de isenção a templos religiosos, proposta pelo deputado federal Marcelo Crivella (Republicanos-RJ). Aprovada pela Comissão Especial da Câmara em fevereiro de 2014, a proposta expande a proibição da cobrança de tributos sobre o patrimônio, em si, a renda e os serviços diretamente relacionados com as finalidades essenciais das entidades, para uma isenção de tributos também para a aquisição de bens ou quaisquer serviços necessários à formação do tal patrimônio – renda e serviços prestados. É o caso dos salários das lideranças religiosas.

Outra frente importante de atenção, análise e cobertura geralmente ausente dos holofotes é a alteração da lei de participação nos lucros e resultados (lei n. 10.101/2000). Mudança realizada supostamente por pressão das igrejas, especialmente grandes corporações evangélicas, ela foi feita pela lei n. 14.020, durante o governo de Jair Bolsonaro, e passou a admitir a “participação nos lucros ou resultados” em instituições sem fins lucrativos – não apenas religiosas – quando utilizados “índices de produtividade ou qualidade ou programas de metas, resultados e prazos”.

Decisões do Supremo Tribunal Federal têm ampliado o entendimento sobre que tipo de atividade ou serviço das entidade religiosas deveriam ser tributados.

Fora do escopo e dos holofotes da reforma tributária aprovada pelo legislativo, outra frente que vai abrindo caminhos são as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que têm ampliado o entendimento sobre que tipo de atividade ou serviço das entidade religiosas deveriam ser tributados – se apenas aqueles considerados essenciais para o exercício de suas atividades ou não. E aqui estamos falando desde atividades amplas de assistência social e educação até aquisição de bens para a decoração dos templos, como a importação de pedras preciosas. Sim, você leu corretamente: “importação de pedras preciosas”.

Em 2022, por exemplo, o STF decidiu que entidades religiosas também podem se beneficiar da imunidade tributária conferida às instituições de assistência social, abrangendo, além de impostos sobre o seu patrimônio, renda e serviços, os tributos sobre a importação de bens a serem utilizados na consecução de seus objetivos estatutários. Em agosto de 2023, outra decisão do STF, em reação a um Recurso Extraordinário com Agravo apresentado pela Igreja Universal do Reino de Deus de São Paulo, autorizou a isenção de impostos para a importação de pedras preciosas para os templos. A decisão, do relator do recurso, ministro André Mendonça, foi ratificada posteriormente pela 2ª Turma do STF. Essas decisões do STF abrem precedentes relevantes, em paralelo, que também precisam ser considerados no debate público.

Como se vê, há muito mais nuances e singularidades constitucionais, jurídicas e políticas que têm sido ignoradas pelo debate apressurado da cobertura sobre os interesses, especialmente das igrejas evangélicas, na reforma tributária e por quais mecanismos reais eles estão sendo atendidos e quem são seus maiores beneficiários no final do dia.

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