Quem foi Peter Blake, herói neozelandês assassinado na Amazônia em 2001

O Brasil e o mundo assistiram, nessa semana, ao início do desfecho do assassinato do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira. Inevitável lembrar de outro caso de violência na região, o do assassinato de Peter Blake, talvez o maior herói esportivo da Nova Zelândia. Em 2001, Blake liderava uma expedição ecológica percorrendo os rios Negro e Amazonas com seu veleiro Seamaster, quando em uma noite de dezembro o barco foi invadido por oito homens armados. Era uma tentativa de assalto. Sem entender o que estava acontecendo, Blake saiu rápido da cabine tentando defender o barco e a tripulação e levou dois tiros no meio do peito, morrendo imediatamente.

Pereira e Phillips foram assassinados brutalmente por pescadores e, embora a Polícia Federal tenha se apressado a dizer que não há indícios de um mandante, suas mortes estão profundamente ligadas a sua atuação na defesa das populações indígenas. No caso de Blake, ao menos pelo que se sabe, o homicídio não estava associado ao seu papel de ecologista ou por ele estar ameaçando interesses locais. Mas é no contexto da violência sem freio na Amazônia que ambos os trágicos episódios aconteceram.

Não chega a ser surpreendente que um país cercado pelo mar, como a Nova Zelândia, tenha um velejador como herói esportivo. Sir Peter Blake começou a velejar ainda criança, em Auckland, onde nasceu, em 1948. Aos 18 anos, construiu um barco de 23 pés no quintal de casa (foto), batizou-o como Bandit e com ele venceu o campeonato neozelandês júnior de vela oceânica na temporada 1967/68.

Sua carreira na vela internacional começou na primeira edição da hoje tradicional regata Cape to Rio, em 1971, saindo Cidade do Cabo, na África do Sul, e chegando ao Rio de Janeiro. Blake foi líder de turno no Ocean Spirit, barco comandado pelo já lendário na época Robin Knox-Johnston, a primeira pessoa a circunavegar a Terra — sozinho, sem paradas, entre 1968 e 1969. Eles não conseguiram terminar a regata, encalharam próximo à costa da Namíbia e a tripulação teve de abandonar o barco.

As cinco voltas ao mundo

Tendo sido testado pelo experiente velejador, Blake foi convidado por Johnston e seu co-comandante Leslie Williams para fazer parte da tripulação do Burton Cutter na primeira edição da Whitbread, hoje conhecida como The Ocean Race, uma nova regata que largaria de Portsmouth, na Inglaterra, e em quatro pernas daria a volta ao mundo, passando pela Cidade do Cabo, Sidney, Rio de Janeiro e voltando à Portsmouth. Na rota, os temidos mares do Sul em que os barcos teriam que enfrentar os fortes ventos dos cabos da Boa Esperança e o Horn, na ponta da América do Sul. O barco de 80 pés não estava totalmente pronto para a largada e os tripulantes tiveram de lidar com goteiras, improvisar e fazer diversos reparos nos primeiros dias da regata. Apesar disso, Burton Cutter cruzou em primeiro a linha de chegada na Cidade do Cabo, com mais de um dia de vantagem.

Na segunda perna, o barco sofreu um dano estrutural ao ser pego por uma tempestade ao atravessar o Cabo da Boa Esperança. Eles tiveram de abandonar a regata. Blake esteve de novo com Johnston e Williams na edição seguinte da Whitbread, em 1977/78. Desta vez, com um barco de 77 pés chamado Condor. Tiveram problemas com o mastro na primeira perna, mas conseguiram completar o percurso. O tempo que perderam, no entanto, havia sido grande demais. Mesmo tendo vencido a segunda e a quarta perna, terminaram a regata em último. Deram a volta ao mundo em 144 dias, contra os 119 do holandês Flyer, o vencedor.

Para sua terceira Whitbread, em 1981, Peter Blake assumiu, enfim, o papel de comandante. Levantou recursos com um empresário local e construiu um barco de 68 pés que batizou com o nome da indústria de seu patrocinador: Ceramco. Blake e sua tripulação venceram diversas regatas preparatórias para a Whitbread e chegaram a Portsmouth como um dos favoritos. Mas 23 dias após a largada, já se aproximando da Cidade do Cabo, o mastro do Ceramco partiu ao meio durante uma tempestade. A solução lógica seria abandonar a regata e ligar o motor para chegar até a Cidade do Cabo. Blake e sua tripulação resolveram insistir, montaram uma armação de fortuna (foto) e seguiram viagem com médias impressionantes de velocidade para a situação. Após consertar o barco, foram os primeiros a chegar em Auckland, sua terra natal, criando um frenesi no país. Blake venceu também a quarta perna da regata, terminando em um respeitoso 11º lugar, tendo dado a volta ao mundo em 127 dias e 17 horas.

Em 1985, Blake voltou comandando o Lion New Zealand e, após uma disputa apertada, terminou em segundo lugar. Só em 1989, comandando o veleiro de dois mastros Steinlager 2, Blake conseguiu vencer a tão sonhada Whitbread. Com isso, tornou-se o único velejador do mundo a ter competido nas cinco primeiras edições dessa tão exigente regata.

Veja: A conquista da Whitbread de 1989 contada em um documentário para a TV neozelandesa.

Tendo conquistado o troféu que por tanto tempo buscou, Blake se juntou novamente com Knox-Johnston e colocou os olhos no recém-criado troféu Julio Verne. Diversos velejadores franceses estavam tentando bater a marca de circunavegar o globo em menos 80 dias. Na primeira tentativa, Blake e Johnston no catamaran ENZA tiveram um desafiante, o francês Bruno Peyron, também em um catamaran chamado Explorer. No 26º dia de viagem, o ENZA colidiu com um objeto submerso e começou a fazer água. Tiveram de abandonar a tentativa e gastaram 16 dias para voltar até a Cidade do Cabo, retirando água de dentro do barco a cada 15 minutos. Enquanto isso, Peyron seguiu viagem e completou a volta ao mundo em 79 dias e 6 horas, tornando-se o primeiro a vencer o troféu Julio Verne. Em 1994, Blake e Johnston tentaram novamente e, apesar de enfrentarem um furação nas proximidade do cabo Horn, conseguiram completar o percurso em 74 dias e 22 horas (Youtube), novo recorde que durou até 1997.

A febre das meias vermelhas

Blake era um entusiasta da vela oceânica, das grandes travessias, daquele constante desafio entre o homem e o mar e nunca havia se interessado pela America’s Cup, o mais tradicional troféu para grandes veleiros, cuja história, inclusive, já tratamos aqui neste Meio. Por insistência do dono da cervejaria que o patrocinava, aceitou fazer parte da tripulação neozelandesa que iria ser uma das desafiantes da copa e que também contava com o patrocínio da Steinlager.

Apesar de uma série de dificuldades, a equipe chegou até a final da disputa entre os desafiantes, mas perdeu para o barco italiano Prada, que disputou e perdeu a America’s Cup para os americanos. Em 1995, Blake liderou um novo consórcio neozelandês em um desafio para a copa. Juntou um time de primeira, construiu dois barcos Black Magic I e Black Magic II. Blake seria parte da tripulação mas o barco seria tocado por Russel Couts, um jovem velejador neozelandês. Foram vencendo todas as regatas, e Blake sempre usando o mesmo par de meias vermelhas que recebeu de presente de sua mulher, Pippa. Quando perderam uma regata, em que Blake não estava a bordo, culparam logo a falta das sortudas meias vermelhas. Logo o país foi tomado por meias vermelhas e Blake e sua tripulação se classificaram como desafiantes e foram vencer os americanos por 5 regatas a zero. Apenas a segunda vez em toda a histórias que os americanos perdiam a copa. Os heróis foram recebidos em parada em carro aberto nas ruas de Auckland (Youtube). Blake ainda liderou o time neozelandês na bem sucedida defesa da copa no ano 2000 antes de passar o bastão de vez para Couts.

Veja: Americas Cup 1995, um documentário.

Blake, o ecologista

Após se afastar das competições, Blake fundou a Blake Expeditions para viajar e estudar regiões com importância ecológica. Em 2001, foi nomeado enviado especial para o meio ambiente pela ONU e partiu para duas expedições com seu novo veleiro, Seamaster. Esteve primeiro na península Antártica e numa segunda pelos rios Negro e Amazonas, no Brasil. No dia 6 de dezembro de 2001, ancorado nas proximidades de Macapá, no Amapá, já na reta final da expedição, Blake foi assassinado tentando defender seu barco e a tripulação de 8 assaltantes armados e mascarados que invadiram o veleiro no meio da noite.

Veja: A cobertura da TV neozelandesa sobre o assassinato de Sir Peter Blake.

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