Por onde anda o cabo eleitoral Lula?
Há um pessimismo quase inconfesso pairando sobre o PT quando se fala nas eleições municipais deste ano. Se há dois anos a volta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia reacendido o ânimo para tomar da direita e do centro político municípios importantes e capitais nas eleições vindouras, hoje, membros da legenda se deparam com a perspectiva de terra arrasada. Talvez pior que em 2020, quando o partido acreditava ter chegado ao fundo do poço, conquistando, em todo país, somente 179 prefeituras. Nem 2016 havia sido tão ruim. Na época, a legenda de Lula enfrentava denúncias da Lava Jato e Dilma Rousseff era apeada do poder. A petista desceu a rampa do Planalto em setembro, após o impeachment e, em outubro, o PT conquistou 256 prefeituras.
Agora, na presidência, com a economia reagindo, com a taxa de desemprego baixa, a inflação sob controle, o PT corre risco de fazer menos prefeitos do que fez no fatídico 2020. E é isso que intriga. Explicações das mais variadas estão sendo aventadas. Uma delas é a de que a estrela não tem grandeza suficiente para ofuscar, por exemplo, o volume de recursos despejado nos municípios por meio das emendas orçamentárias. Petistas argumentam que, com Arthur Lira (PP) presidindo a Câmara e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) no comando do Senado, o Centrão fez jorrar dinheiro nos cofres municipais. Agora, alegam, é difícil bater a popularidade de prefeitos que tiveram suas imagens beneficiadas com essas verbas.
Um petista chegou a contar ao Meio um episódio que o deixou intrigado já em 2020. Em visita a Caetés, cidade natal de Lula no Agreste pernambucano, viu o então governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), anunciar cerca de R$ 1,5 milhão em ações para o município. Era pouco. Ouviu do prefeito da cidade que só um deputado havia mandado R$ 10 milhões na semana anterior para os cofres da prefeitura. “É difícil competir com prefeituras com cofres cheios de recursos do orçamento secreto. E foi o que aconteceu nos últimos anos. O que tem de prefeito que será reeleito!”, apontou. “Não foi Lula que mudou. Mas o Brasil”, disse outro petista, interlocutor da direção do partido. “Quem manda no país hoje é o Centrão. O orçamento de guerra na época da pandemia, o orçamento secreto e a impositividade das emendas empoderaram demais esse grupo”, reclamou.
Esse é apenas um dos fatores que fazem petistas acreditarem que Lula não é mais aquele cabo eleitoral capaz de fazer diferença, como fazia no passado. Tem também quem reconheça que a esquerda perdeu a chamada guerra nas redes sociais para a direita, e esse aspecto pesa nas cidades maiores. Tem ainda quem reclame das escolhas feitas pelo partido para a disputa nas capitais. E há quem lamente o desinteresse de Lula em se embrenhar nas campanhas, principalmente em municípios onde, por exemplo, o PSD, de Gilberto Kassab e Rodrigo Pacheco, leva candidaturas viáveis. É o caso de Belo Horizonte. Tudo que o deputado Rogério Correia quer é caminhar com Lula pelas ruas da capital mineira, tê-lo em seu palanque, mesmo que seja em um local fechado. O presidente ainda não deu as caras.
Fontes ligadas a Lula dizem que ele pode visitar Belo Horizonte, Cuiabá, Porto Alegre e Goiânia na última semana de setembro, depois de voltar da viagem aos Estados Unidos. Segundo interlocutores, Lula ainda quer voltar a São Paulo, onde apoia o candidato do PSOL, Guilherme Boulos. Membros da campanha mineira, porém, acham que pode ser tarde demais. As pesquisas mostram Correia em quinto lugar com 8% das intenções de voto, atrás do atual prefeito, Fuad Noman (PSD), candidato apoiado por Pacheco, que está com 14%. Quem lidera a disputa, com 29%, é Mauro Tramonte (Republicanos). Na frente de Correia tem ainda o bolsonarista Bruno Engler (PL), com 13%, e Duda Salabert (PDT), com 12%.
A cronologia de prefeituras conquistadas pelo PT de 1982 até 2020 diz muito sobre a decadência da legenda nos Executivos municipais. Nos anos 1990, a trajetória da sigla foi ascendente. Saiu de 38 cidades, conquistadas em 1988, para 54, em 1992. Em 1996, fez mais que o dobro: 116. Depois, o PT inaugurou os anos 2000 administrando 187 municípios. Com a chegada de Lula ao poder, em 2003, o PT conseguiu 409 prefeituras no ano seguinte. E esse número cresceu para 558 em 2008, e 635 em 2012. Foi o ápice. A curva começou a descendente em 2016, com 256, até chegar aos 179 municípios, em 2020.
“Agora, se fizer uma ou duas capitais estará de bom tamanho”, disse um petista do diretório nacional, em reservado, ao Meio. Um chute raro diante das apostas feitas pelo partido. Nas 26 capitais, o PT tem candidatura em 13 delas e apoia partidos aliados em outras 13, com alianças ou coligações. Desses apoios, somente em 8 capitais o partido participa da chapa concorrendo com o candidato a vice. O partido lançou 121 candidaturas para municípios com mais de 100 mil eleitores, sendo 52 em cidades com mais de 200 mil eleitores — onde ocorre 2º turno — e 56 nos municípios cujo eleitorado varia de 100 mil a 200 mil eleitores. Nesse conjunto de municípios, o partido não tem candidatura majoritária só em 16 cidades.
O fiapo de esperança de que o partido poderá melhorar o péssimo resultado de 2020 está ligado a dois pontos. Um deles é de que a sigla ainda tem uma militância que costuma trazer resultados nas últimas semanas da eleição. Outro alento é que o partido ainda considera que, diante das apostas feitas, poderá conquistar cidades com mais de 100 mil eleitores. Membros da direção do partido citam Uberlândia, no Triângulo Mineiro, onde a deputada Dandara tem chances de ir para o segundo turno.
O empenho de Lula no segundo turno é mais esperado. Em Goiânia, a deputada Adriana Accorsi (PT) tem chances na disputa com o ex-deputado Sandro Mabel (União Brasil). Em Porto Alegre, apesar de ter decaído nas últimas semanas, a deputada Maria do Rosário (PT) ainda tem possibilidade de disputar o segundo turno com o atual prefeito da capital, Sebastião Melo (MDB). Lula não foi a nenhuma dessas capitais para eventos de campanha. Se for a Cuiabá no final desse mês, o presidente tentará colocar o deputado estadual Lúdio Cabral (PT) na disputa do segundo turno com Eduardo Botelho (União Brasil). Para isso, o petista terá que suplantar o bolsonarista Abílio Brunini (PL), que está em segundo lugar nas pesquisas.
Em contraposição a quem desacredita do poder de Lula como cabo eleitoral ou mesmo quem aponte que ele não teve o empenho que se esperava na campanha, interlocutores da cúpula do PT têm dito que “o melhor apoio que Lula pode dar aos candidatos do PT é governar” e apresentar números melhores para a economia como a queda do desemprego, por exemplo. Além disso, fontes ligadas à direção do partido argumentam que o presidente gravou mensagens para os candidatos do partido de cidades com mais de 200 mil habitantes. Outra justificativa é de que houve a opção da legenda em abrir mão de lançar candidatura e apoiar, mesmo não estando formalmente nas chapas, nomes que reúnem condições de combater o bolsonarismo.
Só que essa posição da cúpula não arrefece o clima de insatisfação interna. Dois exemplos acabam sendo bastante citados nesse contexto: em Recife, onde o atual prefeito, João Campos (PSB), será reeleito em primeiro turno, e no Rio, onde o mesmo deve ocorrer com Eduardo Paes (PSD). Embora esteja no apoio dessas candidaturas, o PT nem lutou para ter a vice nas chapas e isso incomoda integrantes da legenda. “Os eleitorados de Campos e de Paes são deles. Não são de Lula e não são do PT. E isso representa perda”, disse um membro do diretório do partido.
E o sucesso de Campos em Recife, associado ao insuficiente desempenho da deputada federal Natália Bonavides, em Natal, ainda exacerba outro sentimento de descaminho no PT: o das capitais nordestinas, onde Lula sempre teve hegemonia. No estado governado pela petista Fátima Bezerra, Natália amarga o terceiro lugar, com 18% das intenções de voto. O segundo turno deve ocorrer entre Carlos Eduardo (PSD), hoje com 41%, e Paulinho Freire (União), que marcou 24%. E em Fortaleza, o candidato petista, Evandro Leitão, está em quarto lugar. Não parece fácil dissipar o pessimismo.