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O teto que falta sobre as cabeças

“Se fazer a quantidade de casas que nós estamos fazendo [8 milhões] ainda não dá conta de vencer esse tal de déficit habitacional, é preciso que a gente seja criativo e pense mais”. Essa fala do presidente Lula foi dita na última terça-feira, durante o Encontro Internacional da Indústria da Construção, em São Paulo. Segundo o chefe do Executivo, há mais de 50 anos faltam 7 milhões de moradias adequadas no Brasil e que, por isso, o país estaria “enxugando gelo” nesse problema.

Muito além da contagem de casas, o déficit habitacional no Brasil é medido por um conjunto de fatores que revelam as condições precárias em que vivem milhões de brasileiros. São consideradas moradias inadequadas aquelas feitas com materiais frágeis, improvisadas, em áreas de risco ou com número excessivo de moradores por cômodo, especialmente nos casos de coabitação forçada. Residências sem acesso a esgoto, energia elétrica ou água encanada, embora precárias, não entram nessa conta, pois o foco do cálculo está na necessidade de novas unidades habitacionais e não na ausência de infraestrutura.

O indicador é composto por quatro parâmetros: habitações precárias ou improvisadas, coabitação familiar, o comprometimento excessivo da renda com aluguel entre famílias de até três salários mínimos de renda e o adensamento elevado de moradores por dormitório em imóveis alugados.

Os dados mais recentes sobre o déficit habitacional no Brasil, calculados pela Fundação João Pinheiro, em parceria com o Ministério das Cidades, foram divulgados em 2024 e são referentes ao ano de 2022. Segundo o estudo, são mais de 6,2 milhões de domicílios brasileiros, o equivalente a 8,3% das habitações ocupadas, que não atendem aos critérios mínimos de moradia adequada. Embora o número absoluto tenha crescido 4,2% desde 2019, a proporção relativa segue praticamente inalterada.

A maioria dos casos se concentra entre famílias com renda de até dois salários mínimos, sendo as mulheres as principais responsáveis pelos lares em situação de déficit (62,6%). Entre os fatores desse quadro, destaca-se o peso do aluguel: mais de 3,2 milhões de domicílios têm pessoas que gastam mais de 30% da renda mensal apenas com moradia. O retrato também revela um recorte racial, com a população não branca sendo majoritária entre os afetada pela inadequação.

Zerar o número de moradias inadequadas do Brasil, porém, não é uma tarefa simples. Como pontua Duda Alcântara, especialista em habitação social e CEO da Reurba Incorporadora Social, boa parte dos especialistas considera o número real maior do que os dados mostram.

Mas o Programa Minha Casa Minha Vida não está ajudando a reduzir esse problema? A política de habitação social foi criada em 2009, no segundo governo Lula e consiste em subsidiar ou facilitar a aquisição de moradias. Para isso, são divididas faixas de renda, priorizando as famílias de menor poder aquisitivo. Por exemplo, no Faixa 1, são atendidas pessoas com renda bruta familiar mensal de até R$ 2.640. Nas faixas 2, 3 e 4 (esta última lançada neste mês), há a chamada “aquisição financiada”, onde são atendidas famílias com renda de até R$ 12 mil mensais, dialogando diretamente com a classe média.

Detalhada nesta semana pelo ministro das Cidades, Jader Filho, a Faixa 4 permitirá o financiamento de imóveis de até R$ 500 mil, com juros subsidiados de 10,5% ao ano e prazo de até 420 meses. Segundo o ministro, a expectativa é atender até 120 mil famílias nessa nova categoria até 2026.

Ponteiro parado

Alcântara lembra ainda que o Minha Casa, Minha Vida entrou em vigor no contexto da crise financeira de 2008, quando se fazia necessária uma resposta econômica anticíclica para incentivar o setor de habitação. A população, deste período para cá, cresceu em cerca de 20 milhões de pessoas. Para completar, apesar de terem se construído cerca de 9 milhões de unidades habitacionais, o problema persiste, pois boa parte do déficit habitacional está ligado ao aluguel. Ela aponta a contradição de aumentar os subsídios para a classe média, que, em geral, não faz parte das pessoas em moradias com condições precárias. “O ponto é que quando você fomenta classe média, a pessoa que quer uma casa maior, um imóvel de renda para alugar, quer sair da casa dos pais. Nenhum desses casos mexe o ponteiro no déficit habitacional. É super importante o mercado estar aquecido, ele gera emprego, ele dá novas oportunidades, mas déficit habitacional é uma coisa, desenvolvimento do mercado é outra. São coisas que têm se mostrado antagônicas”, afirma.

Apesar disso, Duda Alcântara acredita que o mercado tem potencial para ser aliado no combate à mazela social, mas apenas se o Estado for uma figura intermediária entre os interesses privados, a garantia de direitos e a priorização à população mais vulnerável. “Se quase um terço da população recebe menos de R$ 700 por mês, como você quer que o mercado imobiliário resolva o problema? Então, tem que ser política pública, fundações sem fins lucrativos ou algum outro modelo”, completa.

Já Luciana Royer, professora de planejamento urbano e coordenadora do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da FAU-USP, afirma que o conceito de déficit habitacional não dá conta de mensurar a moradia no Brasil, menos por qualquer problema do dado e de sua medição e mais porque a falta de habitações adequadas e acessíveis é mais complexa. Nesse sentido, a especialista reflete que déficit é o oposto de superávit, e a questão não é apenas falta de construção de moradias. “Temos um déficit de cidade, precisamos urbanizar, fazer melhorias habitacionais e trabalhar com outras dimensões relativas à cidade”, diz.

A professora lembra o papel de fatores macroeconômicos no acesso à habitação, no aspecto da renda de uma família e a capacidade de ela arcar com prestações de casa própria ou do aluguel. Outro fator que torna o problema complexo para ser resolvido apenas com o mercado é a habitação não ser igual a outra mercadoria. “O preço do arroz está caro, eu inundo o mercado com arroz e o preço cai. Na habitação não acontece isso, é uma mercadoria inelástica. Não tem a ver apenas com a oferta e demanda.”

No ano passado, os preços de imóveis aumentaram 7,73%, na maior variação desde 2013, segundo o Índice FipeZAP de Venda Residencial. O número é bem maior que a inflação oficial do país, de 4,83%. Em boa parte dos anos, o aumento do custo de moradia superou o aumento geral dos preços, com exceção de momentos específicos, como a pandemia, quando os juros baixos favoreceram a demanda por financiamentos, apesar da crise econômica. Já a inflação do aluguel, medida pelo IGP-M da FGV, subiu 6,54% em 2024.

Então, como os números mostram, o Brasil segue produzindo habitações em ritmo acelerado, mas a conta do déficit habitacional continua alta devido à desigualdade de renda, dificuldade de acesso a programas voltados à classe média e a falta de políticas públicas orientadas para a urbanização e o direito à cidade.

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