O nada discreto charme de Artacho Jurado

Fica em cartaz até 15 setembro no Itaú Cultural a Ocupação Artacho Jurado, homenagem ao controverso construtor que fez alguns dos edifícios mais icônicos de São Paulo. A história desse filho de espanhóis é a de um autodidata que acabou se tornando um dos construtores de maior sucesso no primeiro boom da verticalização paulistana. Kitch, exagerado, pronto para fazer o que os clientes queriam, Artacho não só tinha um olho para o que vende, como também um estilo único, que deixava os arquitetos mais sisudos da época de nariz torcido. Até porque sabia agradar como ninguém as elites que estavam migrando dos casarões para os apartamentos.

A mostra na avenida Paulista se propõe a trazer um percurso pela vida e pela obra de um artista que produziu aquilo que acreditou ser sua verdade estética e construtiva. Faz isso por meio de fotografias, documentos, desenhos, maquetes e vídeos. Como toda ocupação do ItaúCultural, existe uma aura de hagiografia. A arquiteta Adriane de Luca, professora do Senac, visitou a exposição e saiu de lá menos impactada pela mostra do que por suas ausências. ”Existe um predomínio em mostrar o caráter mais ornamental das suas obras, mas senti falta de poder ver mais plantas, de ter um olhar mais arquitetônico “, diz, avaliando que uma das principais características que admira na obra de Artacho, a volumetria dos seus edifícios, e a forma como eles dialogam com a cidade, estavam pouco exploradas.

Embora os prédios construídos por Artacho Jurado hoje sejam bastante disputados, nem sempre foi assim, como diz Ruy Eduardo Debs Franco,  autor do livro Artacho Jurado: Arquitetura Proibida, escrito a partir de sua tese de mestrado sobre o conjunto da obra de Artacho.

“Mais do que um arquiteto, Artacho era um empreendedor. Ele sabia fazer dinheiro e do que as pessoas gostam. Ele estudou só até o primário, era quase analfabeto, mas mesmo assim, criou um obra distinta. Os arquitetos modernistas da época menosprezavam suas construções, mas ele foi fazendo sucesso e fazendo sobretudo estardalhaço. Aquilo incomodou um monte. Ele era muito espalhafatoso, e havia uma patrulha ideológica”, diz o pesquisador.

Debs lembra que Artacho começa fazendo pavilhões de exposições em São Paulo, Santos e Campinas, até começar a construir os primeiros empreendimentos, casinhas na Vila Romana, depois fará as casas de Cidade Monções nesse momento juntamente com o irmão Aurelio, que seria seu sócio toda vida. Das casinhas ele passa a construir prédios, como o Edifício Pacaembu, o Duque de Caxias e o General Jardim. “Era uma época em que os casarões de Higienópolis estavam virando cortiços, então ele comprava os terrenos bem barato e construía seus edifícios.” São dessa época alguns de seus prédios mais famosos, como o Piauí, Cinderela, o Parque das Hortênsias e o Bretagne, assim como dois no centro, Viadutos e Planalto, e um na Paulista, o Saint-Honoré. Depois desse boom, do fim dos anos 1950, Debs lembra que a Construtora Monções começa a ter problemas financeiros.  Antes disso, Jurado desce a serra e vai para a cidade balneária de Santos, aproveitar a onda de construções que invadiam a cidade. Ali projeta e constrói entre 1951 e 1958, dois grandes condomínios em frente ao mar; Edifício Parque Verde Mar no boqueirão e na ponta da praia, o Enseada, sendo que o primeiro se tornaria um ícone na orla da praia.

“Artacho era um gênio do marketing. Ele tinha uma conexão com a arquitetura de Miami, mas também com Hollywood. Para um de seus lançamentos ele traz o um dos maiores cowboys do cinema, Roy Rogers.” Se suas obras fizeram um sucesso inicial, houve um tempo em que elas ficaram um pouco por baixo, tudo era muito kitch, as plantas não eram necessariamente incríveis. A partir dos anos 2000, seus prédios voltam a atrair interesse. Não à toa, a revista Wallpaper considerou o Bretagne um dos 10 edifícios mais bonitos do mundo para morar.

Mas o que atrai na obra de Artacho Jurado? O Meio conversou com moradores de seus prédios para entender por dentro seu charme. A arquiteta Anna Juni, sócia do escritório Vão, tem uma dupla vivência com o Parque das Hortênsias, que fica na avenida Angélica. Ela nasceu no prédio e, depois de morar fora de São Paulo, voltou a ter um apartamento por lá. “Minhas primeiras memórias de vida estão lá nesse edifício. Meus pais mudaram pra lá na década de 1970, quando ainda eram namorados, na faculdade, acabaram ficando por lá e aí eu nasci. Para ela, o que a fez voltar para o prédio foi a praça. “Aquele espaço do térreo é tão generoso e incrível. Fico às vezes vendo as crianças brincarem lá embaixo. Me remete a umas memórias de infância, porque vivi ali naquela praça“, diz a arquiteta, que gosta também do estilo irreverente das criações de Artacho. ”Eu descubro coisas novas nesse edifício até hoje, acho muito impressionante, sabe? Tem uma qualidade espacial, assim, muito incrível e uma radicalidade, né?”

A área de convívio foi o que também atraiu o o arquiteto Vinicius Andrade, sócio do Andrade e Morettin, que fez o projeto do IMS na Paulista. “Eu tenho quatro filhos, e a região aqui tem prédios super urbanos, maravilhosos, mas sem espaço para brincar. A maioria dos prédios do Artacho tem essa qualidade, né? Onde o térreo é um espaço de convívio generoso, acolhedor e tal. Então, pra mim, isso pesou bastante na escolha.“O arquiteto conta que uma das coisas que chamam a atenção nos projetos de Artacho é um certo improviso. ”A estrutura é bem mais estilo livre. Quando você vai reformar, vai quebrar uma parede e encontrar um pilar desalinhado do outro, um pilar laminar comprido que não permite que você junte dois ambientes. Ele peca um pouco na eficiência da planta.“ Ruy Debs defende que esse estilo livre de Artacho se deve também ao fato de ele antes de tudo fazer as coisas ao gosto do freguês. ”Se pedissem para tirar uma coluna, ele tirava. O calculista dele ficava louco, e compensavam com lajes de três metros”, ri.

O arquiteto Angelo Bucci, da spbr, morou no Louvre, na avenida São Luís, quando jovem. “Morar no Louvre me agradava muito, a cidade dentro do prédio, mais isso do que a arquitetura propriamente dita. Naquela época, final dos anos 1980, o edifício não tinha grades, tinha escada rolante para a sobreloja aberta na boca da calçada,  a livraria italiana e a Air France na galeria, a rua continuava ali pra dentro. Morávamos num apartamento pequeno, voltado para o fundo, da janela se via a fachada sul do Copan sem brises.” É interessante que essa vista do Copan pelo Louvre acabou virando capa de disco de um de seus moradores. Zopelar, metade do duo eletrônico My Grilfriend, que compôs todo o disco com seu parceiro Benjamin Sallum, que morava no Copan. Na hora de escolher a capa do disco, a escolha natural foi uma foto da fachada do prédio de Oscar Niemeyer visto do Louvre.

Mas quem tem as melhores histórias de um morador de um Artacho Jurado é a estilista Caroline Baum. Ela consegue seu primeiro apartamento no Bretagne, onde morou 11 anos, por sorte. Só moradores poderiam indicar outros moradores para o prédio. “Consegui que uma tia de uma amiga de trabalho me indicasse e fui ver e o apartamento tinha o taco de estrela, um banheiro rosa, com verde piscina. Original. A cozinha toda de pastilha colorida. Falei, meu Deus, é aqui! E aí, eu fui parar lá. Foi uma coisa, um caso de amor.“Ela não mora mais lá, mas ama o prédio. ”Quando lancei a minha marca, Baum & Haut, fiz uma festa lá. Foi lotada, acho que as pessoas foram só pra conhecer o Bretagne.”

O melhor caso de amor viria depois. Morando lá ela conheceu seu futuro namorado. O jornalista Lucio Ribeiro, que também morava no prédio. “Ele ligou pra minha casa pelo interfone e a gente se encontrou no bar do prédio. A gente começou a namorar e acabou que a gente se mudou para um outro apartamento juntos.” Só que seu maior amor, na verdade, era uma camélia. “Ela ficava em casa, linda. Quando fui morar com o Lúcio, ela quase morreu. Então, a levei para a cobertura. Todo mundo que trabalha lá é impecável, mas o jardineiro é maravilhoso e cuidou dela. Lá ela ficou e cresceu, virou uma árvore,  linda.” Só que Carol precisou se mudar, a vida iria pra outros caminhos, e, ao tentar resgatar a camélia, o vaso quebrou. Carol foi e a camélia ficou.

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