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Bandeira branca

Sentada em uma cadeira no palco, a presidente do Partido dos Trabalhadores, a deputada Gleisi Hoffmann (PR), não abriu mão da tradicional cor da sigla, vestindo saia e terninho completamente vermelhos. À frente dela, durante um evento em São Paulo no último dia 7, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discursava no lançamento de sua pré-candidatura à Presidência da República. Com terno bem cortado, o petista falava – e atrás dele, uma enorme bandeira do Brasil balançava.

Reunindo cerca de quatro mil pessoas, as tonalidades da celebração destoavam de Gleisi e dos tradicionais encontros do partido. Estavam mais verde e amarelo que de costume. Em 2022, o PT retoma o movimento iniciado já em 2018 de ostentar o duo canarinho com mais destaque do que seu usual vermelho. Esta é somente uma das disputas entre os campos ideológicos que veremos neste ano. Mas talvez seja das mais carregadas de significados.

Alguns sábados antes, no dia 16 de abril, o presidente Jair Bolsonaro (PL) usou seu perfil no Twitter para rebater uma declaração dada pela cantora Anitta a respeito da bandeira brasileira. Nos Estados Unidos, ela subiu ao palco do festival Coachella vestida com roupas verde, amarelo e azul, e disparou: “Ninguém pode se apropriar do significado das cores da bandeira do nosso país”. Em resposta, o chefe do Executivo evocou a velha máxima que marcou a campanha de Fernando Collor e que, atualmente, é música para os ouvidos de seu eleitorado: “Nossa bandeira jamais será vermelha”.

É antiga a disputa pela simbologia da bandeira nacional e de suas cores. Para o cientista político e sociólogo Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é preciso ter em vista que “bandeiras representam identidade. É evidente que essa identidade é disputada”. Ele destaca que, desde a Proclamação da República, o estandarte nacional já foi alvo de litígio em diversos períodos. “Nós tivemos o uso da bandeira brasileira como símbolo de poder, de nacionalidade e opressão durante a Era Vargas, de 1934 a 1945. Então, houve o resgate de seu significado a partir dos anos 1950, com o governo de Juscelino Kubitschek”.

Emblemática, na cerimônia conhecida como “queima das bandeiras estaduais”, em 1937, foram cremadas as que representavam os estados do Brasil, sendo todas elas substituídas por uma só, a nacional. Depois, o símbolo voltou a ser apropriado pelos militares, a partir de 1964. Na época, a bandeira encarnava a luta contra os comunistas, e campanhas como “Brasil, ame-o ou deixe-o”, nos anos Médici, ajudaram a firmar no país um movimento ultranacionalista à brasileira, inspirado em governos fascistas.

“É interessante porque, ao término da ditadura militar, no movimento de redemocratização, o símbolo nacional voltou a ser alvo de disputa pelas forças oposicionistas ao regime. As Diretas Já carregam o amarelo. Mas o símbolo da Anistia era verde e amarelo. O grande momento que marcou a retomada da bandeira e do hino nacional pelo movimento de redemocratização: após a morte de Tancredo Neves, Fafá de Belém canta o hino em rede aberta de televisão. Com esse episódio, as pessoas passaram a ter a sensação de que a bandeira representava todos os brasileiros, não apenas os apoiadores da ditadura”, diz Baía.

De acordo com o professor, a partir de 2016 ocorre mais uma vez o movimento de apropriação. Em 2013, as manifestações são pintadas por bandeiras negras, dos anarquistas; coloridas, relacionadas às pautas de gênero; e as vermelhas, associadas à esquerda. Três anos depois, em resposta, a bandeira nacional é resgatada pelos que desejavam o impeachment de Dilma Rousseff (PT). “Em parte, as oposições ao atual governo têm culpa neste movimento, já que deixaram, com certa facilidade, o grupo que elegeu Bolsonaro se apropriar da bandeira”, analisa Baía.

Porta-bandeiras

Meio ouviu Tomé Abduch, fundador e coordenador do Movimento Nas Ruas, que surgiu em 2014 e ajudou a organizar as manifestações pelo impeachment da petista; e Marco Martins, líder do Movimento Acredito e da campanha Fora Bolsonaro em São Paulo. Ambos dizem querer que a bandeira nacional e suas cores sejam de todos os brasileiros, como símbolo de patriotismo. Suas versões de patriotismo é que mudam.

Abduch argumenta que “as cores do Brasil são e sempre vão ser verde e amarelo. Isso ficou muito apagado nos governos do PT, que enfatizavam as cores da CUT e do MST. O vermelho não representa a democracia, a liberdade de expressão, o nosso país. Para nós, é um motivo de muito orgulho o Brasil ter voltado a ser verde e amarelo. Reunimos pessoas de todas as cores, raças e direcionamentos sexuais em torno do patriotismo”.

Martins, por sua vez, defende que “a bandeira, as cores, representam quem somos como brasileiros. O nacionalismo não é ruim por essência, ter orgulho do nosso país é ter orgulho da diversidade, do Brasil que tem muitos brasis. Mas neste momento, com Bolsonaro, se tornou negativo. Usar o nacionalismo como amplificador de pautas ruins é comum, nós vemos em outros países e outras épocas, e isso se aprofundou demais no atual governo. Ele soube utilizar essa tática, colando à bandeira pautas contra os direitos humanos, contra a vida. Por isso, nossa luta tem sido mostrar que o Brasil não é o Bolsonaro”.

Desde o ano passado, segundo Baía, movimentos sociais, populares e sindicais querem retomar o uso do lábaro nacional. “Agora, a disputa ganha amplitude, sobretudo com o lançamento da campanha de Lula, cujo logo é verde amarelo, branco e vermelho. Mais uma vez, há a divisão entre ‘nós’ e ‘eles’. E esse é o jogo que teremos com as duas principais candidaturas neste cenário polarizado. Para além da política partidária, veremos a disputa pelo símbolo em outros espaços da sociedade, como nos movimentos sociais, nas artes e até no futebol — lembrando que este ano temos Copa do Mundo e eleições”.

Para Abduch, a estratégia do PT é eleitoral. “Eles compreenderam que o Brasil é verde e amarelo e, para atrair o maior número de eleitores possível, estão usando essas cores. Fazem isso da mesma forma como se dizem católicos, cristãos… nós sabemos que não é verdade”, ressaltou o líder do Nas Ruas. Apesar de criticar o uso da bandeira pelo PT, na avaliação dele “não podemos mais separar o Brasil”. “A bandeira pertence a todos os brasileiros, somos uma só nação – não importa se você é de esquerda ou de direita. E quem não usa as cores da nação ou tem qualquer tipo de preconceito com elas, deveria mudar de país.”

Mas Martins explica que, durante as manifestações contra o governo, por meio de um financiamento coletivo com os apoiadores foram distribuídas bandeiras do Brasil, “uma vez que a apropriação de Bolsonaro da bandeira acabou afastando os brasileiros dela. Com isso, tentamos trazer de volta para a oposição a necessidade de mostrar que nós somos os brasileiros, a maioria não é o bolsonarismo, não é a extrema-direita. A disputa pelo Brasil se dá também nessa imagética”.

Entrevero coerente com o que analisa o professor da UFRJ, que coloca que a disputa pelo significado da bandeira sempre vai existir. “Para a oposição, é importante não apenas resgatar a bandeira ou o hino nacional, mas sim reverter seus significados, uma vez que esses símbolos nacionais estão codificados e identificados por cada segmento da população a partir de suas visões políticas de mundo. Aliás, não se trata de reverter significados, mas de uma disputa constante para reafirmá-los”, concluiu.

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