A pragmática corrida pela sucessão na Câmara e no Senado

Quando o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ungiu o deputado Hugo Motta (PP-AL) para sua sucessão, as correntes políticas ainda contabilizavam seus territórios alcançados com as eleições municipais e, claro, mediam o gramado do vizinho. Lira deu o pontapé inicial, fazendo acelerar as negociações que já se desenhavam. Após o anúncio feito no jardim da Residência Oficial da Câmara na última terça-feira, as legendas passaram a definir apoios na Câmara e no Senado num ritmo incomum. Até chegar o fim da semana com a sensação de que tudo está consumado: Motta presidirá a Casa Baixa e não há páreo para o senador Davi Alcolumbre (UB-AP) na sucessão de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no Senado. Só a contagem das cédulas será capaz de mostrar se os negócios fechados nesta semana significaram a largada ou o sprint final das eleições que ocorrerão somente no da 1º de fevereiro de 2025.

De saída, Motta contou com apoio do PP de Lira e do Republicanos. Angariou em seguida PT, MDB e Podemos. A foto do jardim já anunciava o amplo leque de apoios com deputados esticando os pescoços para aparecer ao lado de Lira e Motta, entre eles Dr. Luizinho (PP-RJ), Romero Rodrigues (Podemos-PB), Rubens Pereira Júnior (PT-MA), Silvia Waiãpi (PL-AP) e Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL). 

Insatisfações

É fato que a presteza dos passos de Lira e de Motta e os apoios colhidos causaram o sentimento de “já ganhou”, mas também deixaram alguns insatisfeitos. O principal deles é o PSD, partido que saiu campeão das eleições, com 887 prefeituras, que tem a Presidência e a maior bancada do Senado e a quarta maior bancada na Câmara, com 45 deputados. O presidente da legenda, Gilberto Kassab (SP) esperava que a musculatura adquirida pela legenda nas urnas pudesse influir nos apoios ao nome de Antônio Britto (PSD-BA). Só que acabou assistindo, ao longo da semana, sucessivas decisões que acabaram por isolar a candidatura defendida pelo partido.

A decisão que teria deixado Kassab mais irritado foi tomada pela bancada do PT: a de declarar apoio a Motta, numa velocidade somente explicada pelo pragmatismo de poder indicar o próximo ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). “O que eu posso dizer é que se abriu no PSD uma discussão para avaliar nossa relação com o governo federal. Para nós, o PT deu um tiro no pé ao declarar apoio a um candidato que claramente é nosso adversário”, disse, em reservado, um membro do partido. Lembrando ainda que Motta é aliado do ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha, principal artífice do impeachment de Dilma Rousseff.

A ida de Isnaldo Bulhões (MDB-AL) ao anúncio de Motta não foi vista com tanto espanto no PSD. Isso porque a adesão do emedebista foi entendida como consequência de um erro cometido por Brito: deixar de lado Isnaldo, que era pré-candidato, ao costurar uma proposta de dobradinha com Elmar Nascimento (UB-BA).

Brito ainda diz ser candidato, apesar de o União Brasil ter rifado Elmar na quarta e decidido dar apoio a Motta. Lira, por sua vez, quer convencer Brito a desistir fazendo gestões junto a Lula para um ministério. Os deputados do partido querem que ele vá até o fim, mesmo se for para perder.“Não é estranho Lira negociar ministério?”, ironizou um membro do PSD. 

Café quente”

Mas o que importa em uma eleição parlamentar? Com o fim das eleições municipais, a lógica das disputas ideológicas sai de cena e o que entra em evidência agora é a antiga forma pragmática de divisão dos espaços de poder. E esses espaços estão nas mesas diretoras da Câmara e do Senado, nas comissões permanentes, nas relatorias de projetos importantes, na presidência da Comissão Mista de Orçamento (CMO), e na reforma ministerial que está por vir. “E dentro dessa lógica, a divisão que existe na Câmara e no Senado entre os partidos vai se desfazendo. Nesse contexto, o Centrão e a direita estão se unindo de novo para continuar no controle, para seguir no poder”, avalia Raquel Alves, analista política da BMJ Consultores Associados.

Diante de uma perspectiva de chegada de Motta ao poder, Raquel Alves avalia que o grande vencedor dessa eleição será o presidente da Câmara que, mesmo com o fim do orçamento secreto, determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e da perspectiva de não disputar as próximas eleições, conseguiu se manter influente. “Eleger Motta com uma margem de 300 votos, como ele já contabiliza, significará que deu certo o modelo de condução política do atual presidente da Câmara, que também soube se adaptar ao fim do orçamento secreto.” Na linguagem usada pelos parlamentares, Lira soube manter seu “café quente” até fazer seu sucessor.

E no Senado?

Com a candidatura escanteada na Câmara, a tendência é que o PSD fique sem o comando das duas Casas legislativas, mesmo tendo a maior bancada no Senado, com 15 senadores e o atual presidente, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Davi Alcolumbre (UB-AP) é tido como “já eleito” e viu essa condição ser endossada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro na tarde de terça-feira, mesmo antes de a bancada do PL decidir formalmente, o que só ocorreu no dia seguinte. No PSB, Pacheco apoia o amapaense. E tem a turma que defende candidatura própria, mesmo considerando que essa articulação já chega atrasada na corrida pela cadeira.

A articulação puxada pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA) conta, inclusive, com o apoio do ex-presidente José Sarney (MDB-AP), hoje com 95 anos e há 10 anos fora de mandatos eleitorais. Sarney está inconformado com a real possibilidade de ver Alcolumbre novamente na cadeira que já foi sua. Na terça, logo após o anúncio do nome de Motta, ele ligou para a senadora Eliziane e disse que vai conversar com os senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Eduardo Braga (MDB-AM), para retomar a ideia de MDB e PSD juntos em uma chapa encabeçada por sua conterrânea contra seu desafeto. No mesmo dia, o senador Otto Alencar (PSD-BA) retirou seu nome da disputa em uma mensagem enviada para o grupo de WhatsApp da bancada. Após conversar com Kassab, por telefone, Eliziane pediu apoio no mesmo grupo ao partido. Alencar, por sua vez, chamou uma reunião presencial da bancada para a próxima terça-feira para decidir sobre esse assunto. No MDB, no entanto, o pedido de Sarney pode não encontrar eco, uma vez que qualquer oposição a Alcolumbre é vista com ceticismo. “Ninguém quer embarcar em um projeto que a gente sabe que vai perder”, disse um interlocutor do partido.

Mas, apesar do clima de “já ganhou”, deputados e senadores sabem que os ventos podem mudar. Na sucessão, o voto é secreto e, no escurinho da cabine, a chance de ter a insatisfação como conselheira é tão grande quanto os acordos pragmáticos.  

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