A Nova Direita americana — mais perigosa, menos conspiracionista
Na noite de quinta-feira, as três grandes redes de TV americanas e os principais canais de notícias — exceção da FoxNews — transmitiram ao vivo a primeira sessão da Comissão Parlamentar que investigou o ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. A audiência foi grande, 20 milhões de pessoas, e a conclusão dos deputados é dura. Eles defendem, a partir da análise de depoimentos e muitos vídeos, que o ex-presidente Donald Trump incentivou, conscientemente, uma tentativa de golpe de Estado. A primeira desde que George Washington tomou posse como presidente, em 1789. Não está claro se a CPI terá alguma consequência — dela só faz parte uma deputada republicana, Liz Cheney, filha do ex-vice-presidente Dick Cheney e um dos raros nomes no partido que se convenceu de que há uma ameaça à Democracia dos Estados Unidos. E, enquanto isso, a direita radical americana segue se desenvolvendo, segue autoritária, segue populista — mas está perdendo os traços conspiratórios e paranoides. Tem dinheiro em caixa. Está mais influente.
No centro desta Nova Direita estão três jovens intelectuais, dois deles na disputa por cadeiras no Senado. Um, o mais conhecido, é J. D. Vance, de 37 anos, autor de um livro de memórias particularmente sensível chamado Hillbilly Elegy, tornado filme da Netflix em 2020 (Assista.) Pelo desempenho em um dos papeis, Glenn Close foi indicada ao Oscar. O outro é Blake Masters, de 35 anos, um advogado que passou por Stanford e Duke. Vance quer se candidatar por Ohio, Masters pelo Arizona, e ambos têm o apoio de Trump. Devem ser os candidatos republicanos. Aos dois se junta Curtis Yarvin, um blogueiro de 48 anos, que sequer se descreve como conservador. Prefere o termo reacionário. É imensamente influente. Estudou na Johns Hopkins, fez o mestrado em Brown e é doutor em Ciência da Computação por Berkeley. Os três são ligados a Peter Thiel, fundador do PayPal, que de libertário nos últimos anos vem migrando para posições que descreve como mais nacionalistas e populistas. (Thiel, aliás, um dos principais amigos de Elon Musk.)
A ideia de mundo que os três defendem parte da oposição ao que chamam de otimismo liberal — a de que o progresso tecnológico e científico inevitavelmente tornam o mundo melhor. Eles discordam. Suas influências intelectuais são diversas. Passa pelos Jacobitas, um grupo reacionário que defendia o retorno da Casa Stuart e do absolutismo ao trono inglês, nos séculos 17 e 18. Inclui críticos do pensador marxista italiano Antonio Gramsci — eles falam de marxismo cultural como Olavo de Carvalho falava. Entra no jogo, até, Ted Kacynski, o terrorista anti-tecnologia que nos anos 1990 ganhou o apelido de Unabomber.
Yarvin defende que existe um regime não confesso que domina os Estados Unidos. Ele o chama de a Catedral — reúne, em essência, as principais universidades e a imprensa tradicional. “Essa pseudo estrutura tem uma doutrina e uma perspectiva”, ele escreveu. “Ela sempre concorda consigo mesma. Mas não é estática, evolui de forma previsível.” No centro da ideia está o conceito de que uma elite foi beneficiada pela globalização, pelo desenvolvimento de uma economia ancorada no sistema financeiro e no poder crescente das companhias de alta tecnologia. O jogo não é combinado, mas tanto nas universidades quanto no jornalismo quem produz informação sempre defende este sistema. Um sistema que, na visão desses pensadores, opera contra os interesses do americano médio.
Não se trata de uma teoria conspiratória — nenhum deles acredita que exista algo combinado, planejado. Como marxistas, defendem que existe uma luta de classes em curso. Também como marxistas, defendem que o regime democrático beneficia essa elite. Mas, diferentemente de marxistas, acreditam que a solução passa por um líder forte. Há alguns anos, Yarvin usava o termo ditador no sentido romano da palavra. Mais recentemente tem evitado — choca. A ideia de um chefe de Estado nacionalista, antenado aos interesses populares, e que com braço forte reorganiza o governo eles continuam defendendo. Embora tenham o apoio de Trump, consideram Trump útil, mas não o melhor representante para suas ideias.
Benito Mussolini os compreenderia.
Na edição de maio da Vanity Fair, o jornalista James Pogue mergulhou no mundo da Nova Direita americana. Está viva e crescente.