Edição de sábado: Quatro estrelas e uma sentença

Cinco votos, não necessariamente em uníssono, mas com a mesma conclusão, escreveram nesta semana um novo capítulo no manual de como o Brasil lida com as tentativas de solapar a democracia. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) transformou em réus por tentativa de golpe de Estado oito acusados, encabeçados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Tão importante quanto — talvez até mais importante que — a abertura do processo contra o antigo chefe do Executivo é a inclusão de quatro nomes: os generais de exército Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e da Casa Civil), Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional) e Paulo Sérgio Nogueira (ex-comandante do Exército) e o almirante de esquadra Almir Garnier Santos (ex-comandante da Marinha), todos hoje na reserva. O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, completa a lista de réus fardados.
Pela primeira vez em nossa vida como país, militares de alta patente vão passar pelo devido processo legal em função de uma tentativa de golpe. É um precedente importantíssimo, mas, para que seja de fato efetivo e mude nossa maneira de lidar com o desrespeito à ordem constitucional, é necessário que, se condenados, os réus cumpram suas penas e sirvam de exemplo para quem venha a ter a mesma ideia. Essa, infelizmente, jamais foi a regra no Brasil.
Golpes de Estado ou tentativas estão ligados de maneira indissociável a nossa República, ela própria nascida de uma insurreição militar comandada em 1889 pelo marechal Deodoro da Fonseca. Pesquisadores ainda debatem se a intenção dele era de fato derrubar o regime do imperador Pedro II ou apenas o gabinete do visconde de Ouro Preto, mas o fato é que o vício de origem golpista estava instalado, como lembra o historiador Carlos Fico, um dos maiores especialistas brasileiros em regimes autoritários. “Até hoje prevalece nas Forças Armadas a visão de que elas são um ‘poder moderador’ com o dever de tutelar a República. Daí a necessidade até pedagógica de punir os golpistas”, avalia.
Três em um
O ineditismo que estamos vendo hoje se refere a uma investigação da Polícia Federal, uma denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República e uma deliberação do juízo competente, o STF, o que se espera em uma democracia liberal. Mas oficiais de alta patente, ex-ministros militares e até ex-presidentes serem presos por tentativa de golpe não são um fato único. Houve um precedente que, aliás, concentrou as três características, o do marechal Hermes da Fonseca. Como conta Pedro Doria — sim, o diretor de jornalismo cá deste Meio — em Tenentes - A Guerra Civil Brasileira (Record, 2016), a prisão de Hermes na noite de 2 de julho de 1922 acabou catalisando a insurreição contra o presidente Epitácio Pessoa e seu sucessor eleito, Arthur Bernardes.
Oficial mais graduado das Forças Armadas, ministro da Guerra de 1906 a 1909 e presidente da República entre 1910 e 1914, o marechal cavou a própria prisão ao repreender por telegrama o coronel Jaime Pessoa, primo distante de Epitácio, por comandar uma ação contra manifestantes que resultou em civis mortos em Pernambuco. A repressão atendia a uma ordem presidencial, o que transformou o telegrama em insubordinação.
Hermes passou apenas 17 horas preso no 3º Regimento de Infantaria, na Urca, mas sua detenção colocou em movimento uma rebelião que tinha entre os líderes seu filho caçula, o capitão Euclides, comandante do Forte de Copacabana. O movimento começou na noite de 4 de julho, e cabia ao velho marechal sublevar a Escola Militar e a Vila Militar, ambas em Realengo, na Zona Oeste do Rio. Foi bem-sucedido com a primeira, mas não com a segunda, e acabou mais uma vez preso. A revolução, como chamavam seus participantes, havia fracassado, e na manhã do dia 6, somente o Forte de Copacabana continuava sublevado. O capitão Euclides foi detido ao tentar negociar uma rendição, e os homens que restavam na guarnição decidiram enfrentar as tropas legalistas, no episódio conhecido como os “18 do Forte”, embora o número fosse maior. Somente os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes sobreviveram.
O marechal Hermes passou seis meses preso, até ser libertado por um habeas corpus em janeiro de 1923 devido à saúde debilitada — ele morreria em setembro daquele ano. Na presidência, Arthur Bernardes se recusou a anistiar os revoltosos, o que motivou outras insurreições do chamado movimento tenentista. Mas todos acabaram recebendo anistia e sendo reintegrados às Forças Armadas quando Getúlio Vargas tomou o poder na revolução de 1930.
Golpes, contragolpes e anistias
Getúlio permaneceria no poder por 15 anos, mais da metade como ditador, após instituir o Estado Novo em 1937. Enfrentou sublevações de comunistas e integralistas, movimento de inspiração fascista que havia apoiado inicialmente o autogolpe do presidente, mas sua relação com as Forças Armadas foi tranquila até 1945, quando o regime já dava sinais de exaustão. Pressionado, Vargas suspendeu a proibição de partidos políticos e convocou eleições presidenciais, mas, paralelamente, estimulou um movimento para se manter no poder, o “queremismo”, derivado do slogan “queremos Getúlio”. No dia 29 de outubro de 1945, os militares convenceram Getúlio a assinar uma carta-renúncia, marcando o fim da ditadura. Em troca, nem ele nem integrantes do governo responderam pela quebra da ordem constitucional em 1937 ou pelos crimes cometidos pelo regime. Mais uma vez a pacificação se sobrepôs à Justiça.
Cinco anos depois, Getúlio se mudou de novo para o Palácio do Catete, agora pelo voto, mas seu governo foi marcado por intensa instabilidade política. Um de seus opositores mais ferozes, o jornalista e futuro político Carlos Lacerda sofreu um atentado na noite de 4 de agosto de 1954. Escapou com um ferimento leve, mas o major da Aeronáutica Rubens Vaz, que lhe fazia segurança, foi morto, dando início a um confronto cada vez mais intenso entre o Executivo e os militares. No dia 22, 19 generais do Exército assinaram um manifesto pedindo a renúncia do presidente, que propôs se licenciar do cargo. O golpe para depô-lo estava em marcha, mas Getúlio o abortou de forma radical: matou-se com um tiro no peito na madrugada do dia 24.
Em vez de pacificar o país, a morte do “velho” acirrou ainda mais os impulsos golpistas, agravados pela vitória de Juscelino Kubitschek (PSD), em dezembro de 1955, tendo como vice João “Jango” Goulart (PTB), herdeiro político de Getúlio. A Constituição não exigia maioria absoluta, mas o fato de o presidente eleito ter obtido apenas 35,68% dos votos deu margem para que a UDN, principal partido de oposição, e setores militares questionarem a legitimidade de JK. Uma tentativa de golpe parlamentar para impedir sua posse e de Jango foi abortada por um contragolpe do ministro da Guerra, o marechal Henrique Teixeira Lott.
Mas a rebelião estava em marcha. Juscelino havia assumido havia apenas dez dias quando, no sábado de Carnaval, dois oficiais da Aeronáutica, o major Haroldo Veloso e o capitão José Chaves Lameirão, roubaram um avião com armas no Rio de Janeiro e tomaram a Base Aérea de Jacareacanga (PA). De lá, pretendiam iniciar um movimento que derrubasse o presidente, mas faltou quem os apoiasse. Lameirão fugiu e Veloso foi preso, mas ambos acabaram anistiados imediatamente por JK.
Se a ideia com a anistia era serenar os ânimos, o tiro saiu pela culatra. O ciclo do getulismo parecia estar se encerrando com a perspectiva de vitória do governador de São Paulo, Jânio Quadros, apoiado pela UDN, nas eleições presidenciais marcadas para outubro de 1960. Em dezembro de 1959, porém, Jânio desistiu da candidatura – ele desistiria da desistência, mas foi o suficiente para levar pânico aos antigetulistas, derrotados nas três eleições anteriores. Boatos (como se chamavam as fake news da época) de que JK mudaria a Constituição para se reeleger e de que Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul e cunhado de Jango, tentaria uma revolução esquerdista acirraram ainda os ânimos.
No dia 2 de dezembro, um voo da Panair que ia do Rio para Manaus foi tomado — nosso primeiro sequestro de avião — e desviado para a cidadezinha goiana de Aragarças, na divisa com o Mato Grosso. Lá também chegaram três aeronaves roubadas de bases aéreas com armas. A semelhança com Jacareacanga não ficava por aí. Entre os conspiradores estava o mesmo major Haroldo Veloso, e o destino foi igual: derrota por falta de apoio.
“Dessa vez Juscelino não queria conceder anistia”, revela Carlos Fico. “Ele estava arrependido de ter anistiado os revoltosos de 1956 e achava que um novo perdão seria prejudicial, mas o Congresso aprovou a anistia de uma forma meio envergonhada”, explica.
Jânio foi eleito em 1960, mas logo entrou em conflito com a UDN e renunciou em 25 de agosto do ano seguinte — supostamente como parte de um plano malsucedido de voltar ao poder “nos braços do povo”. Como na época o vice-presidente era eleito separadamente, o cargo era ocupado mais uma vez por Jango, odiado pela UDN e por boa parte dos militares. Para que ele tomasse posse, foi instituído o parlamentarismo, derrubado com folga em um plebiscito. Em março de 1964, um golpe civil-militar o depôs e mergulhou o país em uma ditadura que duraria 21 anos.
Em 1979, com o ocaso do regime já no horizonte, foi aprovada uma anistia que abrangia não só os exilados e presos políticos mas também os agentes do governo que cometeram uma infinidade de crimes ao longo da ditadura. Em tese, o perdão cobria o que acontecera até ali, mas crimes posteriores de militares como a tentativa de atentado ao RioCentro, em 1981, também ficaram impunes.
Caráter pedagógico
Esse padrão nos ensina que, em vez de pacificar, uma anistia ao golpismo funciona apenas como incentivo a novas tentativas de desmontar a democracia. Daí a importância que Carlos Fico atribui à decisão da Primeira Turma do STF. “São dois ex-comandantes de armas e dois generais ex-ministros. Acredito que a eventual condenação deles pode ter uma expressão pedagógica muito importante sobre as Forças Armadas. Deve afetar a prevalência dessa ideia de poder moderador. Porque há o efeito inverso. Esse intervencionismo permanece em decorrência das sucessivas anistias”, avalia.
Em um sinal de que esse efeito pedagógico já pode estar presente, o Superior Tribunal Militar (STM) confirmou na última quinta-feira a condenação por desobediência do major do Exército João Paulo da Costa Araújo Alves. Ele foi preso em 2022 e condenado em primeira instância no ano seguinte por ignorar uma orientação do comando e fazer publicações de cunho político, sempre em apoio a Bolsonaro, mesmo estando na ativa, o que é proibido. Segundo analistas, a confirmação da pena de prisão sinaliza que a Justiça Militar está interessada coibir o uso político da caserna e deve ser rigorosa com os militares golpistas que forem condenados pelo Supremo.
Mas por que somos tão lenientes com os ataques à democracia, especialmente por parte de militares? Na crônica Touradas, publicada em 1988, Luís Fernando Verissimo arriscava uma analogia do rescaldo das ditaduras no Brasil e na Argentina e com a pouco conhecida tourada portuguesa, na qual, ao contrário da espanhola, o touro sai da arena estressado, mas vivo. “Os argentinos são da raça que mata o touro, nós somos da que o poupa. (...) Eles julgaram e condenaram os responsáveis por seus anos de martírio e nós deixamos o touro sair da arena vivo e ainda indiscutivelmente touro”, escreveu. Carlos Fico, que está prestes a lançar o livro Utopia Autoritária Brasileira (Planeta), vê o outro lado: “Aqui no Brasil compõe muito o imaginário social a ideia de que nós temos uma história incruenta, uma história pacífica, o que é uma grande tolice. Nossa história é muito violenta. Mas os mitos têm muito mais força do que a realidade histórica”. Ou seja, quanto mais somos gentis com o touro, mais ele é violento conosco.
Os símbolos do Signalgate
Pete Hegseth
We are clean on OPSEC. Godspeed to our warriors.
Michael Waltz
The first target — their top missile guy — we had positive ID of him walking into his girlfriend's building and it's now collapsed.
JD Vance
Excellent!
Michael Waltz
👊🇺🇸🔥
Steve Witkoff
🙏🙏💪🇺🇸🇺🇸
É, os vazamentos de informações confidenciais de Estado estão diferentes. Sai o frenesi de encontros sigilosos em garagens, de sobretudos e pastas amarelas, de espiões super treinados com suas táticas de sedução e conquista. Entram os emojis 🕵.
O diálogo acima é apenas um pedaço, entrecortado, da extensa troca entre autoridades de segurança nacional dos Estados Unidos que aconteceu no aplicativo Signal em um grupo chamado Houthi PC Small Group — e que de small, hoje, não tem nada. Para quem não acompanhou: o jornalista Jeffrey Goldberg, editor-chefe da revista The Atlantic, foi convidado por Michael Waltz, conselheiro de Segurança Nacional de Donald Trump, para entrar nesse grupo no Signal. Ou por um usuário com esse nome 📝.
Goldberg lá entrou e, cumprindo seu dever jornalístico, duvidou que aquilo tudo fosse verdade. Que aqueles outros 18 membros — incluindo, entre outros, o vice-presidente da República, JD Vance; a chefe de gabinete do governo Trump, Susan Wiles; o secretário de Defesa, Pete Hegseth; o secretário de Estado, Marco Rubio; a diretora nacional de Inteligência, Tulsi Gabbard; e o enviado especial para Oriente Médio e Ucrânia, Steve Witkoff — estivessem mesmo discutindo planos de ataque militar a outro país num grupo extra-oficial de um aplicativo 🤯.
Quando, depois de receber detalhes da hora e do local do ataque, pôde confirmar no noticiário que realmente os EUA haviam atacado os houthis, levando a 53 mortes, exatamente como os planos descreviam, teve certeza. Havia sido incluído ali por engano e isso tinha passado despercebido por toda a cúpula militar e de segurança da maior potência nuclear do planeta. Então, novamente seguindo seu dever jornalístico, publicou uma reportagem narrando a patacoada 💣.
Se na campanha, os democratas tentaram colar nos trumpistas a pecha de “esquisitos”, agora estão insistindo que eles são burros. Claro que dar um ar de burrice, estupidez, incompetência ao que é essencialmente diabólico, como o governo Trump, pode ser uma armadilha. Transformar o episódio numa “grande confusão da turminha do barulho” é minimizar a gravidade de um vazamento desse naipe, que poderia ter colocado (mais) vidas em risco. Mas quem resistirá à tentação de apontar o duplo ato falho desse show de horror? Eu é que não. E muito menos Hillary Clinton 🤐.
A começar por ela, então. Não há muita dúvida entre analistas políticos: Hillary perdeu para Donald Trump, em 2016, em boa medida por conta do escândalo envolvendo seus emails. Ela foi secretária de Estado entre 2009 e 2013. Montou em sua residência um servidor e o usou tanto para correspondências eletrônicas pessoais quanto profissionais ao longo dos quatro anos. Argumentou que era para facilitar sua vida, mas críticos diziam que ela queria mesmo é ter total controle do que a Casa Branca saberia de sua atuação. Fato é que a legislação sobre o tema era um quê nebulosa e, portanto, seus atos não eram necessariamente ilegais e a punição deveria ter caráter administrativo. O caso foi revelado pelo New York Times em 2015, mas ressuscitado estrategicamente às vésperas da eleição de 2016, quando o FBI anunciou que reabriria a investigação. Trumpistas passaram a gritar “Lock her up!” (“Prendam-na!”) em todos os comícios. Ainda gritam. A CNN ainda nos fez o favor de compilar momentos em que aqueles que estavam no grupo do Signal insistiam que Hillary deveria responder criminalmente pelo caso 🗣.
“Não é a hipocrisia que me incomoda; é a estupidez.” É assim que ela abre seu artigo no mesmo New York Times sobre o Signalgate. “Estamos todos chocados —chocados!— ao descobrir que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e sua equipe não se importam de verdade com a proteção de informações confidenciais ou com as leis de retenção de registros federais. Mas isso já sabíamos. O que é muito pior é que altos funcionários do governo Trump colocaram nossas tropas em perigo ao compartilhar planos militares em um aplicativo de mensagens comercial e, sem querer, convidaram um jornalista para o bate-papo. Isso é perigoso. E é simplesmente burrice.” Quando Hillary diz que já se sabia do descaso de Trump com documentos oficiais e sensíveis, ela certamente está se referindo àquelas fotos sensacionais de caixas e mais caixas de papéis sigilosos no banheiro do presidente 🚽.
Os envolvidos inicialmente negaram que as informações compartilhadas no grupo fossem sigilosas — mas não se deram ao trabalho de negar a autenticidade do grupo. Por isso, a Atlantic tomou a decisão de divulgar as mensagens na íntegra. Uma a uma. E ali havia coisas do tipo “TIME NOW (1144 et): Weather is FAVORABLE. Just CONFIRMED w/ CENTCOM we are a GO for mission launch. 1215et: F-18s LAUNCH (1st strike package)". Olha, não é preciso nem falar inglês nem militarês pra entender que esses são dados sobre um ataque. E que, muito provavelmente, não deveriam estar sendo discutidos num aplicativo não aprovado pelo governo americano como comunicação oficial. Ainda mais com um penetra 👀.
Esse é o ato falho número 1. O número 2 (sem emoji) é que este é o autoproclamado governo da meritocracia. Da eficiência — tem até departamento com esse nome. E da segurança dos Estados Unidos acima de tudo. E então toda a cúpula da Segurança Nacional, que cuida do Pentágono ao FBI, das relações internacionais para além da diplomacia à política de fronteiras, está trocando emojis sobre uma ação armada de seus militares num ambiente que, embora criptografado, claramente não tem os requisitos mínimos de proteção. Ainda por cima, num grupo cujo nome tem a sigla PC — que quer dizer principals comittee, algo como diretoria. E com uma mensagem do secretário da Defesa, Hegseth, garantindo que estava tudo certo com a OPSEC do papo, ou seja, com a segurança operacional da troca de informações 🤦🏻♀️.
Não estão claros o estrago que esse caso vai causar no trumpismo ou as consequências jurídicas que os envolvidos vão (ou não) sofrer. Um dos efeitos até aqui foi dar uma reanimada nos democratas, que vinham apaticamente assistindo ao desmonte dos Estados Unidos diante de seus olhos. O que não vai dar para evitar é que se comente tudo isso da forma que eles merecem. 🤡
Uma cidade à disposição em 15 minutos
Imagine morar numa cidade em que você pode se mover para qualquer compromisso, seja a pé ou de bicicleta, em até um quarto de hora. Em metrópoles com trânsito caótico como São Paulo e Rio de Janeiro, um projeto como esse poderia melhorar a qualidade de vida dos moradores e ser saudável para o meio ambiente. Diferentes lugares ao redor do mundo têm optado pelo conceito do pesquisador franco-colombiano e professor associado da Universidade Paris 1, Carlos Moreno, de cidades de 15 minutos, no qual as pessoas devem ter à disposição tudo o que precisam para o seu dia a dia, como trabalho, lazer e comércio, sem perder tanto tempo com deslocamento. Essa teoria urbana recebeu o Prêmio Obel 2021, em reconhecimento ao valor do conceito para a criação de ambientes urbanos sustentáveis e centrados nas pessoas.
Cidade luz e pioneira
Mesmo sendo reconhecida por seu charme histórico, Paris viveu um boom automotivo durante as décadas de 1960 e 1970 que congestionou e poluiu a cidade. Foi nesse período que as margens do Rio Sena ganharam avenidas e rodovias por onde passavam mais de 40 mil veículos todos os dias, colaborando para as taxas de poluição atmosférica e milhares de mortes por ano na capital francesa.
Apropriando-se do conceito urbanístico de Moreno, Paris se tornou pioneira na transformação de uma cidade de 15 minutos. A margem direita do Rio Sena, antes uma via de trânsito rápido, se tornou um parque linear livre de carros em 2016. Essa medida era parte de um amplo esforço da prefeitura para melhorar a qualidade do ar e de vida dos parisienses, promovendo uma ampla gama de investimentos públicos em transporte, sustentabilidade e novas políticas de governança.
Em 2001, o então prefeito Bertrand Delanoë deu início a uma série de reformas e investimentos sociais e ambientais na cidade, incluindo o primeiro grande programa de bicicletas compartilhadas do mundo. Surgem as ciclofaixas, que chegaram a encurtar pela metade o tempo de trajeto entre os deslocamentos das pessoas. O programa ganhou fôlego e virou uma agenda ampla para transformar Paris em um lugar onde as pessoas poderiam ter acesso a empregos, comércio, tratamentos de saúde e serviços culturais a uma curta distância de suas casas.
Com a vice-prefeita, Anne Hidalgo, sendo eleita para assumir a prefeitura, em 2014, a cidade passou por uma nova etapa de mudanças, que continuaram nesta semana. Em um referendo votado pela população no último domingo, a cidade deve fechar mais 500 ruas para carros e remover 10 mil vagas de estacionamento atuais, abrindo caminho para pedestres, ciclistas e áreas verdes. Desde 2020, outras 300 ruas passaram por este processo, e mais 10 mil vagas de estacionamento foram limadas do mapa.
Sucesso na Europa
Mesmo antes de Moreno cunhar o termo em 2015, as cidades europeias já eram adeptas de modelos semelhantes ao proposto pelo professor da Sorbonne. Por décadas, Amsterdã defendeu um modelo centrado em bicicletas, onde é possível caminhar e ter bom acesso ao transporte público, enquanto Estocolmo e Copenhague já ofereciam opções para suprir necessidades básicas da população que poderiam ser encontradas a 15 minutos de caminhada ou de bicicleta.
Um estudo publicado na revista Nature Cities, analisando mais de 10 mil cidades ao redor do mundo, avaliou como cada região pode se adequar ao conceito urbanístico. Uma plataforma online disponibilizada pelos pesquisadores mostra que a maior parte das cidades que se encaixam na estrutura de oferecer serviços essenciais em até 15 minutos estão localizados na Europa.
Modelo americano
No estado americano de Utah, começa a surgir a primeira cidade planejada do zero incorporando esse modelo urbanístico, conhecida como The Point. O projeto, localizado nos arredores de Salt Lake City, conta com uma área de 242,8 hectares onde será construída a Comunidade de Inovação de Utah, que promete inovação e avanço tecnológico, com parques e espaços abertos, além de uma área prioritária para pedestres, um centro verde, conexões regionais de trilhas, desenvolvimento voltado para o trânsito, e uma mistura equilibrada de empregos, moradia, varejo, compras e entretenimento.
A primeira fase de desenvolvimento abrange uma área de aproximadamente 405 mil m² com lojas de varejo, compras e locais de entretenimento de nível mundial, além de uma rua principal focada nas pessoas com opções de ciclismo, caminhada e transporte público. A área terá um Beco da Inovação (Innovation Alley), que tem por objetivo dar suporte a um ecossistema de inovação que promova um ambiente de startup e facilite relacionamentos significativos entre universidades, empresas e empreendedores. O Centro Verde (Central Green) terá um parque com mais de 10 mil m² no centro urbano, que será adaptado para acomodar atividades sazonais apropriadas durante todo o ano. Também terá um espaço de cerca de 186 mil m², com mais de 20,6 mil m² de lojas, restaurantes e supermercados próximos de 3 mil unidades habitacionais familiares.
Ahhh, os asiáticos…
Se há modernidade e conceitos inovadores nas cidades de 15 minutos, claro que a Ásia também faria seus testes. Ainda na década de 1970, o Japão lançou seu terceiro Plano Nacional de Desenvolvimento, que já enfatizava o espaço de convivência, onde as atividades diárias dos moradores como compras, lazer, deslocamento e socialização — poderiam ser realizadas caminhando ao redor de suas residências.
Com a pandemia de covid-19, novos projetos surgiram, incluindo um plano ambicioso na capital coreana. O Project H1 busca transformar uma antiga zona industrial de Seul em uma cidade inteligente e interconectada. Combinando oito edifícios residenciais com escritórios de coworking, locais de entretenimento, academias de ginástica, piscinas e até fazendas urbanas hidropônicas, o distrito de 25,5 hectares também será livre de carros. Os responsáveis por sua construção afirmam que todas as conveniências da cidade estarão a 10 minutos de caminhada das casas das pessoas.
Na China, o planejamento urbano mudou seu foco, da “terra” para o “ser humano”, o que favoreceu o crescimento de projetos baseados em cidades de 15 minutos nos últimos anos. Um estudo publicado na Nature indica que Xangai apresentou a mais alta qualidade dos serviços no círculo de vida comunitária de 15 minutos entre megacidades chinesas analisadas, como Pequim, Shenzhen e Wuhan, que também adotam o modelo.
Aula Inaugural - Política Brasileira: Origens
A história política do Brasil é feita de heranças, rupturas e contradições. No curso Política Brasileira: Origens, Christian Lynch revela como ideias vindas da Europa moldaram nossa estrutura de poder — e ainda influenciam o cenário atual. Quer ter um gostinho? Assista a aula inaugural gratuita que já está disponível no canal do Meio no YouTube. Conheça na prática por que os Cursos do Meio têm se destacado: são instigantes, acessíveis e feitos para quem quer pensar o Brasil a sério. E aproveite um desconto de 30% para quem se inscrever no curso até a próxima segunda-feira.
O julgamento que transformou Jair Bolsonaro e outros sete acusados em réus praticamente monopolizou as atenções dos leitores esta semana, mas com direito a uma espiada nas estreias dos cinemas, porque relaxar é preciso. Confira os mais clicados:
1. Poder360: A fábrica de memes que é o Brasil não perdoou o ex-presidente Bolsonaro após o STF aceitar a denúncia contra ele.
2. Meio: Mas esse assunto é sério, e o Ponto de Partida alerta que está se criando um caminho que pode livrar o ex-presidente e os militares da cadeia.
3. Meio: E também no Ponto de Partida Pedro Doria aborda um assunto polêmico, as penas impostas pelo STF aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
4. UOL: Sete pontos para entender a denúncia contra Bolsonaro apresentada pela Procuradoria-Geral da República.
5. Meio: As estreias da semana nos cinemas, que, para não fugir do assunto, destacam A Batalha da Rua Maria Antônia, premiado filme sobre um momento marcante da ditadura militar.