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Edição de Sábado: O Y da questão

Se tem um personagem que está no centro das mudanças políticas e da guinada à direita que vemos no cenário mundial, é o homem de classe média. No caso do Brasil, essa é uma classe que passou a representar a maioria da população no primeiro mandato de Lula na Presidência, surfando a onda de estabilidade levantada pelo Plano Real de FHC. Mas, do final do governo Dilma para cá, esse homem tem de encarar perdas em cima de perdas. Reais e simbólicas, de posse e de crença. E parece ter de remar contra tudo e todos. Mesmo chegando à universidade, não tem a garantia de um emprego e de uma mudança de status, vê sua masculinidade fragilizada pelo crescimento do papel das mulheres e é seduzido por discursos hiperindividualistas e pelo populismo de extrema direita, que consegue dar materialidade a sua raiva e frustração.

Esses são alguns dos diagnósticos que três pesquisadores convidados pelo Meio para discutir as dimensões públicas e privadas desse homem traçaram ao longo de quase duas horas de conversa. O mais interessante é que cada um deles trazia na bagagem suas largas experiências em pesquisas de campo. Doutora pela USP, Isabela Kalil é uma antropóloga que pesquisa a extrema direita e o bolsonarismo, com foco em conservadorismo, neoliberalismo e políticas anti-gênero, ativismo digital e internet. Vinícius do Valle é sociólogo e cientista político, diretor do Observatório Evangélico, além de autor do livro Entre a Religião e o Lulismo. Por fim, Renato Meirelles lê o mundo pela ótica da comunicação. Presidente do Instituto Locomotiva, que há 20 anos faz pesquisas qualitativas com a classe C, atua também como professor do Ibmec, onde é o titular da cadeira de Ciências do Consumo e Opinião Pública. Os três analisaram meticulosamente a formação desse homem de classe média e traduziram alguns de seus sonhos.

A íntegra dessas conversa está disponível em vídeo no streaming do Meio. Assista por lá ou leia os principais trechos aqui.

Guilherme Werneck: O Brasil mudou muito depois da redemocratização, principalmente depois do Plano Real, e uma das maiores mudanças foi na classe média. Nos últimos anos, com a economia desafiadora, ela é o setor que se vê mais rapidamente perdendo o status que alcançou. Eu queria começar essa conversa sobre o homem de classe média, pensando como esse cenário se reflete nesse sujeito.

Renato Meirelles: Tenho estudado a classe média há mais de duas décadas. Ela já teve vários nomes: classe C, nova classe média, antiga classe média, antiga nova classe média. Basicamente, é aquela turma que está no meio da pirâmide de renda no Brasil — lembrando que o Brasil é um país com uma renda muito mal distribuída. Provavelmente, o leitor do Meio se acha de classe média, mas deve fazer parte pelo menos dos 10% mais ricos do Brasil. Havia uma situação pré-Plano Real de inflação de 80% ao mês, as pessoas tinham aqueles freezers horizontais gigantes em casa porque as aplicações financeiras, como o overnight, não estavam disponíveis para a maioria. A saída era estocar alimento. Aí, tivemos um processo de estabilidade, as pessoas começaram a pensar no longo prazo, começou o governo Lula, que teve um dos mais radicais modelos de distribuição de renda. Milhões de brasileiros deixaram a condição de miséria, de fome e fizeram parte do que foi chamado nova classe média. No final do governo Dilma, a situação começa a despencar e, se tem uma coisa que eu aprendi nessas duas décadas, é que perder dói muito mais do que deixar de ganhar. Uma coisa é você adiar a sua viagem de avião, a outra coisa é, depois de ter conhecido o avião, ter que voltar a andar de ônibus. Esse homem de classe média passou a estar frustrado, a viver uma crise de perspectiva, a buscar inimigos e a radicalizar as suas opiniões.

Isabela Kalil: É difícil a gente medir o que é classe média, porque há diferentes formas de fazer isso. Dá para medir por renda, escolaridade ou consumo, ou ainda numa combinação das três coisas. Olhando uma série histórica, é complicado lidar com esses números porque eles divergem um pouco. Mas, aproximadamente, pode-se dizer que, do Plano Real para cá, a classe média saiu de 30, 35% da população para algo em torno de 50 e 55%, o que é uma mudança muito significativa. Agora, numa dimensão menos econômica e mais no plano da consciência e da cultura, no final dos anos 1970 e nos anos 1980, houve uma mudança nas cidades, a expansão das favelas, das periferias. Também aconteceu um aumento da criminalidade e uma série de questões que, na época, eram chamadas de problemas urbanos. O Brasil passa a se conhecer. Antropólogos e sociólogos passam a fazer pesquisa para entender esse Brasil. Pense nas novelas, um produto que no Brasil era super importante até os anos 1990. Elas mostravam um Brasil muito diferente da realidade. Tinha aquele café da manhã farto, aquela família aparentemente de classe média, mas que era super elitizada, rica, com hábitos brancos, com um tipo de cultura e um modo de vida que, quando a população brasileira assistia, estranhamente, não causava uma grande diferença. As pessoas consumiam aquilo com uma relativa naturalidade. Com o tempo, vai havendo uma tomada de consciência: “Não, espera, essa novela não me representa mais”. Para quem gosta de novela, uma que mudou muito isso é Avenida Brasil, que passa a mostrar um outro Rio, um outro Brasil, de uma perspectiva diferente. Essas pessoas se olham e pensam: “Pera, eu sou diferente dessa pessoa na novela, mas também sou diferente daquela pessoa que recebe Bolsa Família”. Vão surgindo uma série de segmentações. A classe média é complexa, e tem classe média alta, baixa, e um abismo entre esses dois segmentos.

Vinícius do Valle: Um aspecto que eu queria salientar é que ao ao longo do século 20, principalmente a partir dos anos 1930, o Brasil foi se industrializando e foi também se urbanizando. Depois, nos anos 1990 a gente teve uma solução para a questão da inflação que incluiu um tanto de gente na classe média. Ao longo dos anos 2000, uma nova fase de inclusão nos governos Lula com mais um contingente entrando nessa porção da sociedade. Parece que estava havendo um movimento de inclusão e ascensão social no Brasil. De repente, esse movimento parece que para. Muitas pessoas vislumbram, além de uma estagnação, uma queda mesmo no seu padrão de vida. Isso está por trás de muitos fenômenos que vemos hoje em dia, de uma revolta social, da ascensão de lideranças populistas, de lideranças autoritárias, do aparecimento de um discurso antissistêmico. Estamos vendo uma crise dessa classe média e que as pessoas bateram num teto social muito difícil de ultrapassar. Tem muita coisa que explica isso. Mudanças no mercado de trabalho, crises que o Brasil passou, que não têm a ver com a economia mundial, mas com as nossas próprias escolhas econômicas, com os nossos processos internos. Mas essa porção da sociedade está encontrando bastante dificuldade e está muito revoltada.

RM: Tem uma questão muito legal entre o que a Isabela e o Vinícius falaram. Lembro o que foi o fenômeno da Avenida Brasil. Algumas candidaturas [das eleições municipais de 2012] adiavam comícios por causa da final da novela. Foi uma história que se passou na periferia e, mais do que isso, que esculhambava a Zona Sul carioca, os hábitos da elite. Foi algo que rompeu com o padrão. A novela era representação de uma perspectiva de futuro muito legal. É verdade que as pessoas se reconheceram e é verdade que o consumo tem a ver com isso, porque ele tinha que responder a uma classe C ou uma nova classe média que se tornou majoritária no consumo ao passar dos 50% da população brasileira. Isso tem muito a ver com com que o Vinícius falou, que é uma crise de perspectiva que se deu a partir das jornadas de 2013. Imagina que nós temos a primeira geração de universitários, de muitas famílias da classe C. Pessoas que não tinham acesso à universidade e passaram a ter. Nós tivemos nesse movimento um crescimento gigantesco da tecnologia. Então, passaram a conviver numa classe média pessoas que não tinham o primeiro grau completo com doutores, primeiros universitários da família. Pessoas que chegavam a declarar o telefone fixo no imposto de renda e jovens que não entendem a expressão “caiu a ficha” porque nunca usaram orelhão. O que une essas pessoas? E aqui estou falando mais dos homens mesmo, do gênero masculino. Um monte de gente que achava que ia ser doutor e acabou trabalhando, só como exemplo, como balconista de farmácia. Absolutamente nada contra os balconistas de farmácia. Mas o cara achava que ia ser, quem sabe, um médico. É essa a crise de perspectiva. E é, ao mesmo tempo, a maior dificuldade que o governo Lula tem. O início do [primeiro] governo Lula vem do Plano Real, mas historicamente foi onde a classe C atingiu a maioria absoluta da população brasileira. Ele oferecia uma perspectiva de um trabalho com carteira assinada que hoje as pessoas não querem mais, de um curso superior que hoje não garante absolutamente mais nada. Então, qual é o próximo sonho para isso? A crise de perspectiva faz crescer o antissistema. De novo, não é só grana. É grana, é a cultura, como a Isabela disse, é a educação e uma revolução tecnológica que já era gigantesca e, depois da pandemia, ganhou dimensões ainda maiores.

GW: Todas essas coisas atingem homens e mulheres, mas os comportamentos são muito diferentes quando separamos os gêneros. Tanto do ponto de vista político quanto do econômico e social. Como vocês vêem essas diferenças?

VV: Hoje, parece que a gente vive muitos tempos diferentes ao mesmo tempo. E ainda existe essa visão de o homem se ver como tendo a obrigação de prover. E há essa crise no mercado de trabalho e de quem acessou a educação superior. Como o Renato disse, foi muita gente que entrou na universidade e esse é um marcador importante dessa passagem de ascensão social. Do que é ser classe média e ter um certo status na sociedade. Só que esse status não veio acompanhado efetivamente de um incremento de renda. E esse homem, que ainda tem em boa parte esses valores de que ele deve ser o provedor, se sente em crise. Junto com isso vem a ascensão das mulheres e dos movimentos feministas. A mulher começa a ganhar mais espaço no mercado de trabalho, no espaço público. Uma parcela de homens se vê ameaçada com essa ascensão feminina.

A promessa era que todo mundo iria, de certa maneira, melhorar de vida ou ter ascensão social. Isso não se realiza, muito pelo contrário. Essa promessa se transforma, em alguns contextos, no acirramento das desigualdades.

IK: O que é a falta de perspectiva? É quando não tem mais futuro. Ou quando em vez de ter um futuro, um horizonte, você tem uma barreira. É a nossa falta de capacidade de sonhar, pensar em algo melhor ali na frente. Isso realmente aconteceu, por uma série de razões, que não têm a ver só com o Brasil. Inclusive na ciência social há uma literatura muito interessante sobre o esgotamento da esperança na globalização. A promessa era que todo mundo iria, de certa maneira, melhorar de vida ou ter ascensão social. Isso não se realiza, muito pelo contrário. Essa promessa se transforma, em alguns contextos, no acirramento das desigualdades. Seja por que razão for, tanto no sentido global quanto no local, houve uma mudança de perspectiva. O futuro não é mais possível. E o que acontece? Paradoxalmente, a tentativa de olhar para o passado. Começam a aparecer esses discursos: “Ah, bom mesmo era no tempo em que as mulheres respeitavam os homens“, leia-se, eram dependentes financeiramente ou eram submissas do ponto de vista social. Mas é um passado que não se sustenta. Esse lugar não existe mais. A sociedade não é mais assim, porque as mulheres não são mais assim. Surge um conflito de homens querendo voltar para o passado e mulheres com muita perspectiva de futuro. Elas começam a entrar no mercado de trabalho, vão para a universidade. E uma coisa que começou a aparecer nas nossas pesquisas, a partir da década de 2010, são meninas, jovens, que vão para a universidade e começam a contestar os saberes do pai. Isso é uma coisa nova. Esse homem não foi educado para lidar com isso, ele foi educado para ser ele a voz da razão, o chefe de família. Acontece essa mudança educacional que o Renato citou, com esse pai que às vezes não tem curso superior, e aí ela passa a contestar até a relação entre o pai e a mãe. O mundo mudou, mas as mulheres passaram a conseguir se organizar e buscar soluções coletivas. Os homens ficaram presos em soluções individuais. Acreditam cada vez mais em soluções que dependem só deles, na meritocracia, no hiperindividualismo, que apenas o empreendedorismo vai dar conta, no fim do Estado. As mulheres tendem a achar que políticas públicas, o Estado, aquilo que é coletivo vai trazer trazer mais saídas.

VV: E há uma consequência política muito visível disso. Quando vemos as pesquisas eleitorais, notamos que são justamente os homens que têm uma tendência muito maior de apoiar lideranças autoritárias, plataformas políticas que representam isso que a Isabela colocou tão bem, esse desejo de voltar ao passado. A masculinidade parece estar passando por um processo de crise.
Com o crescimento do movimento feminista também ressignificando os papéis de gênero, estamos passando até por cima das questões de classe social. É uma questão do papel do gênero masculino na nossa sociedade hoje.

IK: Eu acho, Vinicius, que estamos falando aqui em pensar homens e mulheres, mas talvez o futuro seja pensar que existem homens, mulheres e pessoas não binárias. Nosso ponto de partida é sempre binário. Até que ponto dividir o mundo de maneira binária vai se sustentar ao longo do tempo?

GW: E até que ponto essa divisão binária alimenta a polarização? Vinícius falou do feminismo, mas a gente pode falar também da questão LGBTQIA+, das drogas, da questão religiosa, todas dividem a sociedade e fazem uma pressão especial para esse homem reacionário. Ou seja, essas pautas que acabam trazendo uma vanguarda de pensamento, uma mudança comportamental muito grande e às vezes tracionando bastante a corda para um dos lados, acabam fazendo esse homem que está inconformado com seu papel esticar a corda por outro lado, não?

RM: Eu queria incluir a perspectiva do poder. Estamos sempre tratando de disputa de poder, de ocupar espaços de poder. E esse homem, nos últimos tempos, perdeu espaço de poder. Dentro de casa,  no mercado de trabalho, o homem branco perde espaço de poder na política. Quando a opinião dele dentro de casa passa a ser contestada, ele está perdendo poder, seja pela filha, pela esposa, pelo filho, ou pelos próprios vizinhos. O argumento da força, seja do dinheiro ou da força física, também vem  perdendo importância. Se ele ameaçar a mulher de deixá-la sem dinheiro e de bater nela, vai preso. Ele vai ter que pensar. E isso diante de uma mulher que já era, na média, mais escolarizada que ele. Não só a filha, mas a esposa também. Parte da estratégia que os homens utilizaram para recuperar poder é a desqualificação do outro e de outras causas. Não foi uma mulher que inventou o termo “mimimi”. E isso também leva a uma radicalização maior das opiniões, no sentido da polarização. Nós fizemos aqui na Locomotiva um estudo sobre polarização. A relação é muito simples: 2/3 dos polarizados são homens, 2/3 dos não polarizados são mulheres. Como o Brasil pode voltar a a se encontrar com ele mesmo? Sem dúvida nenhuma, isso passa pelas mulheres. Pensando na História, as mulheres eram as grandes responsáveis pela criação dos filhos. A função gregária da família, na grande maioria das vezes, coube à mulher. Inclusive com a família do marido. Era ela que fazia esse movimento gregário. Quem mais se incomodou com o fim dos grupos de WhatsApp, dos almoços de domingo, foram essas mulheres. Se você junta isso ao fato de que quem usa os serviços públicos, quem leva o filho na escola, na creche, no posto de saúde, e quem leva até o marido no posto de saúde. São as mulheres. São essas mesmas mulheres que vêem tanto quanto o homem a violência como um grande problema. A diferença é que os homens querem andar armados. As mulheres morrem de medo de arma ir parar na mão de um coleguinha do filho, que vai dar um tiro na escola. Não vejo nenhuma saída para o processo de polarização que o Brasil vive que não passe necessariamente pelas mulheres.

IK: Concordo totalmente que o Brasil precisa passar por um debate de gênero. Faço pesquisas relacionadas a extremismo, à extrema direita, aos processos de radicalização, e me causa estranheza como a gente ainda discute política sem discutir gênero. Isso não faz sentido. Não é porque tem que incluir uma mulher, não é isso. É porque isso é o cerne do problema. Não tem como entender extrema direita hoje sem entender esses padrões de masculinidade. Não entender o que o Trump significa do ponto de vista simbólico, o que o Elon Musk significa, o que Zuckerberg está dizendo quando fala em recuperar uma energia masculina. Não é que esses homens estejam reclamando de uma coisa que não existe. Existem problemas reais que eles atravessam. O problema está mais no diagnóstico e na solução que esses homens têm encontrado. Esses homens têm uma angústia, uma ansiedade que de fato existe. Só que, em vez de pensarmos no que está causando isso — em larga medida são questões relacionadas ao mercado de trabalho, à própria estrutura do capitalismo —, esses homens aderem a um discurso de lideranças de extrema direita que vão dizer: “O problema é a cultura woke, o problema são as mulheres, o problema são as pessoas trans, o problema é o feminismo”. Porque essas lideranças não querem enfrentar o problema. É muito difícil explicar que ele perdeu o emprego porque a própria estrutura do capitalismo mudou, não está mais numa estrutura da era Ford, que precisava dessa mão de obra. É mais fácil dizer que ele foi substituído por uma máquina ou explicar que os imigrantes, as mulheres ou alguém que usa cotas pegaram o seu emprego. O problema é complexo, só que essas lideranças, principalmente masculinas e de extrema direita, acabam dando uma resposta que parece parece  simples. Como eu disse, as respostas dessas lideranças masculinistas são hiperindividualistas. E o que pode uma pessoa sozinha frente a uma estrutura? Daí, recai nos homens a culpa quando vem um fracasso, se ele não prosperou. É o discurso do coach. Se você não prosperou é porque não tentou ou acreditou o suficiente.  As novas gerações não têm o mesmo padrão de consumo e de vida que as gerações anteriores. Seja porque o capitalismo mudou, seja porque o próprio planeta não comporta mais isso. Aquele sonho do capitalismo do pós-guerra não se sustenta mais para ninguém, a não ser para os milionários. E isso é outro ponto: embora a classe média tenha aumentado, os super-ricos aumentaram muito, muito mais. A gente tem um acirramento da desigualdade. E no pós-pandemia os super ricos ficaram ainda mais ricos.

VV: É muito interessante isso que a Isabela falou sobre as respostas que essas plataformas mais radicais, seja de extrema direita ou de outras linhas políticas, dão. Elas dialogam com essa raiva. É um discurso feito para quem está sentindo raiva. E como disse o Renato, em certo sentido, o homem perdeu poder na sociedade, o homem branco particularmente. Mas, ao mesmo tempo, ao conversar com um homem branco de periferia, se você fala isso para ele, a resposta é: “Pô, eu não me sinto todo-poderoso, pelo contrário, eu tô muito mal das pernas”. E ele está com raiva. Esses discursos raivosos ecoam, fazem muito sentido para ele. É isso que cola.

GW: No que esse homem acredita? Como esquerda e direita atendem esse homem de de classe média?

IK: Muito do que se achava que era a normalidade dentro das relações, inclusive interpessoais, eram relações que, para as mulheres — e aí com diferenças significativas entre mulheres brancas e mulheres não-brancas —, eram, no mínimo, de desconforto. Dito isso, uma questão recente e que chegou a aparecer em algumas das nossas pesquisas é a do apoio à escala 6 por 1. Fazia muito tempo que eu não via uma agenda com tamanha penetração em diferentes gerações, diferentes segmentos de classe, homens, mulheres, diferentes lugares do Brasil. É um exemplo interessante por que uma das pessoas que mais encamparam o debate no Congresso foi a Érika Hilton, uma mulher trans, que não é branca e que representa tudo aquilo que poderia encarnar o fantasma desse inimigo. Apesar disso, o que acabou acontecendo é que, pelo menos nas entrevistas, fomos falando com homens mais conservadores, alinhados à direita, e há quase um consenso de dizer que o fim da escala 6 por 1 é uma questão urgente. Ouvimos coisas como: “Não importa quem esteja defendendo, essa causa eu apoio”. Isso bagunça um pouco esse esquema de quem apoia o quê, porque foi uma causa em que ela até emparedou políticos da própria direita, como 0 Nikolas Ferreira, que se colocou contra e começou a ser cobrado pelos seus próprios apoiadores.

RM: Antes disso, vamos entender a esquerda um pouquinho. Para mim, a esquerda erra antes de tudo num lado bélico. O ódio é o território da extrema direita. O que é a extrema direita? Ela é a aglutinadora dos ódios. Objetivamente, o que tem de proposta é acabar com o outro. Quando você pergunta hoje para os brasileiros quem é o responsável para você melhorar de vida a resposta que lidera é: eu, o meu trabalho, Deus, minha família, a sorte e depois o governo federal. Ou seja, o governo aparece depois da sorte. Quando você pergunta: qual é o seu sonho profissional, você quer empreender, ser um funcionário público ou ter um trabalho com carteira assinada? Trabalho com carteira assinada aparece lá embaixo. Como sonho, não como realidade. Algumas pessoas leem isso como um crescimento de um pensamento liberal. Não, isso é uma crise de perspectiva de um Estado que não tem sido capaz de oferecer igualdade de oportunidade para as pessoas. Não é que de repente as pessoas ficaram liberais. Fizemos uma outra pesquisa na Locomotiva e, entre as pessoas que se auto-identificam como esquerda e se auto-identificam como direita, a diferença com relação à função do Estado é mínima. A diferença está nos costumes. Bom, como é que eu transformo tudo isso numa política pública proposta pela esquerda que traga mais consensos do que dissensos? Acho que uma questão é a de pautas, e a pauta do fim da escala 6 por 1 é fantástica. Só que os homens de esquerda tiveram dificuldade em aceitar a escala 6 por 1. O movimento sindical defendeu a redução da jornada por 40 anos, mas foi uma mulher trans que propôs, e boa parte dos homens de esquerda falando: “Opa, calma, não é bem assim”. Vamos falar de um tema muito polêmico, como o aborto. Aliás, eu adoro os homens liberais sendo contra o direito ao aborto, contra as relações homoafetivas, mas se dizem liberais na economia. Coisa de liberalismo brasileiro. Mas, voltando, sabe qual foi o único momento em que o aborto teve a posição “favorável” da maior parte da população brasileira? Quando não se usou o termo aborto. Foi na discussão da PEC apelidada de PEC de estupradores. A discussão era: você acha que uma mulher que foi estuprada tem que carregar o filho na barriga até ele nascer? Ou que tem que ter uma pena maior do que a pena de quem estuprou? Nesse momento, todos os brasileiros passaram a ser contra, e quando eu falo todos são quase 80%. Então, por que usar marcas que desagregam? Vai usar o termo aborto ou chamar de fascista? Tem falsas polêmicas que fazem com que a discussão do mérito se perca. E a discussão do mérito é favorável às camadas mais progressistas da sociedade. Não quero nem chamar de esquerda, quero chamar de progressista. As pessoas defendem a solidariedade. O Brasil é um país cristão que defende uma segunda chance para as pessoas. O Brasil defende que o Estado ofereça igualdade de oportunidades para todos. Não é verdade que o brasileiro defenda posições mais reacionárias. Os números não comprovam que os brasileiros defendem o Estado mínimo. Pelo contrário, o brasileiro sabe que tem um território onde o Estado mínimo existe. Eu costumo falar: você quer conhecer o Estado mínimo no Brasil? Vai visitar uma favela. Vai conversar com um dos 17 milhões de brasileiros que moram em favela, nas mais de 13 mil favelas brasileiras. Lá o Estado não tem nenhum monopólio, nem o da força. Estou fazendo essas provocações para tentar entender como acabar com as falsas polêmicas, para gerar um espaço para o debate. Se a esquerda fizer isso, ela vai ver que o Brasil é mais progressista do que parece.

VV: Eu não discordo do Renato de forma alguma, existe uma questão da forma como a esquerda faz o debate público. Mas estamos passando por uma fase no mundo, não só no Brasil, que não é muito favorável à esquerda. Vamos olhar, por exemplo, para a utopia socialista. Ela não está mais na agenda política como esteve no passado. Teve a queda do muro de Berlin, levou um tempo até isso ser compreendido pelas forças de esquerda. Tudo bem. Os sindicatos que antes organizavam os trabalhadores hoje são instituições muito mais fracas. Tivemos a uberização, a pejotização do mundo. Um mercado de trabalho muito mais individualizado, certo? Aí, temos as pautas das identidades, principalmente da questão racial, de gênero e das identidades LGBTQIA+, que são pautas civilizacionais, mas que, na sua gramática de comunicação, acabam ficando restritas a ambientes mais progressistas. E aqui estou falando de universidades, de grandes centros urbanos. Chega a direita, em especial a extrema direita, e fala o quê para quem está numa situação de precariedade, de raiva, porque não conseguiu a ascensão que queria e que lhe foi prometida? Olha, a questão não está com o Estado, está com você. Você precisa de disciplina, de religião, Deus que vai te ajudar, e precisa de muita força de vontade. Isso está muito próximo dessa pessoa. É um discurso que faz sentido com com a vida material que ela está tendo. Pautas mais coletivistas, como a de investimento na educação, não se converteram exatamente e proporcionalmente em incremento de renda, de status e de poder como era esperado por essas pessoas. Então, a onda, vamos dizer, o vento desse zeitgeist está mais favorável para um tipo de política feita com uma emoção forte da raiva, do ódio. E um tipo de política que é mais voltado para o indivíduo. A esquerda ainda precisa se encontrar nesses novos modelos, do mercado de trabalho, dessa preocupação com a segurança, principalmente entre classe média baixa, que é quem mais sofre com violência. A gente fala de violência e parece que estamos falando de um super-rico sendo assaltado. Isso acontece raramente. O que acontece é o trabalhador que tem o celular furtado no ponto de ônibus. E que o tipo de discurso que vem com carregado de ódio, “bandido bom, bandido morto”, faz muito sentido para uma pessoa que acabou de perder o celular no ônibus.

GW: Qual é o peso da religião, dessa mentalidade da religião evangélica, na construção dessa identidade, e quais são os diálogos dela com o empreendedorismo?

VV: A religião tem um um papel super importante, que é às vezes muito mal compreendido pela esquerda. Num mundo em que o coletivo vem perdendo força, a igreja ganha muito espaço. A igreja é isso: uma vida comunitária que a pessoa ganha. São relações que ela passa a ter naquele espaço, que dá ao indivíduo que o frequenta um incremento substancial nas suas habilidades. São habilidades de leitura, música, teatro, todo esse tipo de coisa.

RM: Lembrei de um estudo que fizemos anos atrás, em que o ROI, o retorno sobre o investimento do dízimo rendia mais do que aplicar na bolsa. O que é isso? Imagina um sujeito que é um dos 6 milhões de migrantes nordestinos do estado de São Paulo. Aí, o cara sempre estava bêbado, todo mundo desqualificava ele. Voltando pra casa um dia, saindo do boteco, ele encontra um cara de terno e gravata na porta da garagem dele, pedindo para ele entrar, e logo diz: “Você vai vencer na vida porque Jesus está em você”. Esse homem gostou do que ouviu, começou a frequentar cada vez mais esse lugar, depois de três meses arranjou um emprego, porque foi indicado por um irmão de fé. E repare como os evangelistas falam: “Ah, ele é da minha igreja, é honesto, é trabalhador”. O católico não fala que ele é da “minha igreja”. Bem, ele conseguiu um emprego, foi a encontros da igreja e aconteceu o que os economistas chamam de diluição dos custos fixos. Ele casou. Então, o retorno sobre o investimento daquilo foi muito maior. Nós estamos falando da igreja como uma mudança do capital social dessas pessoas. E a mudança desse capital social aumenta a renda. O capital social é o network. Os evangélicos têm entre 30 e 35% da população, dependendo do jeito que você pergunta e tudo mais. De cada 100 vezes que alguém pisa num templo, em 59 é num templo evangélico. Ou seja, eles são um terço da população e quase dois terços de idas a templos. E agora nós estamos tendo a segunda geração de evangélicos. As pessoas nasciam católicas e se tornavam evangélicas. Hoje já estão nascendo evangélicas.

Tanto o discurso das igrejas quanto o discurso do coach, que está falando de disciplina, eles têm uma materialidade, porque se você não tiver disciplina também, meu amigo, você pode tentar qualquer coisa que nada vai dar certo para você.

VV: E o Guilherme tinha falado da questão do empreendedorismo. Tem muita muitas igrejas que falam disso, que dão até cursos — além das oportunidades que a pessoa tem ali dentro de trabalhar com o irmão, com o fulano, com o sicrano. É sempre importante levar em consideração que esse universo evangélico é super heterogêneo e tem de tudo ali. Mas algumas igrejas, principalmente as que focam mais no assunto prosperidade, têm esse papel de incentivar e de criar conexões para a pessoa empreender. Então, é mais uma coisa que de certa forma leva esse indivíduo que está na igreja a escutar mais o político que está falando de empreendedorismo. Vamos ser sinceros, é muito mais fácil você se dar bem se acredita que existe uma força que está por trás das suas ações, que está ali contigo. Tanto o discurso das igrejas quanto o discurso do coach, que está falando de disciplina, eles têm uma materialidade, porque se você não tiver disciplina também, meu amigo, você pode tentar qualquer coisa que nada vai dar certo para você.  Claro que é preciso apontar que isso não vai resolver o problema social que enfrentamos hoje. Coletivamente, em termos de plataforma política, isso não é a resposta para uma crise social, mas do ponto de vista do indivíduo, esse discurso tem materialidade.

GW: E qual a leitura política que você faz disso? A expressão política disso, Isabela?

IK: Eu vou bagunçar um pouco o esquema, também com uma coisa que é bem mais recente. Mas antes eu vou fazer um disclaimer para dizer o seguinte: eu concordo, a antropologia é uma disciplina que tradicionalmente estuda a religião, estuda o fenômeno neopentecostal há muito tempo, antes mesmo de isso ser visível na política. Então, vejo muito isso que Vinícius falou das relações comunitárias, o que significa separar o que são as lideranças religiosas dos fiéis. Mas há trabalhos como, por exemplo, os da Jacqueline Teixeira, pesquisadora super importante no campo, e que mostram que, quando se fala dos evangélicos, estamos falando de uma mulher preta e parda e pobre. Dito isso, tem um outro fenômeno mais recente, que se materializou com o Pablo Marçal, que é o que alguns especialistas têm chamado de teologia coaching. Basicamente, esse coach ou essa liderança não é exatamente uma liderança religiosa no sentido clássico — não é um pastor, não é um padre, é alguém que se diz cristão e que, sem a mediação religiosa, da igreja, de uma certa forma faz uma espécie de pregação digital. O Pablo Marçal é um exemplo disso. Ele se coloca como se atuasse como um pastor. Isso complica esse cenário, porque a pessoa não precisa ter nenhum ônus. Quando você participa de uma igreja, há um investimento, porque é participar de uma comunidade, é como participar do almoço de domingo na família. Tem um ônus, tem um investimento, isso custa. Pode não custar financeiramente, mas vai custar seu tempo, vai custar sua energia, seus afetos. No caso disso que o Pablo Marçal é o expoente, não há o ônus da vida comunitária. É o discurso do coach, da ascensão social misturado com elementos religiosos, mas sem a vida comunitária. Então, você se comunica e de uma certa maneira se liga a esse coach, que é e não é um pastor, fica nesse meio termo. Você se diz cristão, mas um cristão sem a mediação institucional e sem laços. Isso é hiperindividualista. E é muito perigoso, porque, minimamente, quando você tem espaços comunitários, há barreiras de contenção para situações que são mais extremistas. De novo, uma coisa são as lideranças religiosas, outras coisas são os fiéis. Vimos que mulheres religiosas, cristãs, mas principalmente mulheres desse segmento que estamos chamando de evangélicas começaram a ser muito críticas à postura do Bolsonaro na pandemia por uma série de razões. Elas também não queriam mais armas. Agora, quando você tem um fenômeno religioso indo para um campo hiperindividualista e a exploração de elementos que supostamente são elementos cristãos, quanto na verdade não são, é para vender livro, aí a gente tem um problema muito grande.

VV: Esse fenômeno que a Isabela está descrevendo tão bem é impulsionado pelo fato de hoje termos uma parcela de evangélicos na sociedade que permita que a gente fale em evangelicalismo também como uma cultura e não só como uma prática religiosa. Do mesmo jeito que a gente via as pessoas se expressarem no seu dia-a-dia com figuras de linguagem que vinham do mundo católico: passa em frente de um lugar e faz o sinal da cruz; vai expressar um acontecimento e fala o nome de um santo; etc. Também está começando no Brasil uma cultura que vem desse universo religioso evangélico, com os seus signos, seu linguajar, sua gramática. Vamos lembrar que a religião é vista como algo virtuoso pela sociedade. Tirando uma parcela muito pequena das pessoas que são ateias, a maior parte do Brasil é religioso e vê com bons olhos se usar figuras religiosas no discurso público e no discurso político também. E isso acaba alimentando toda essa cultura da teologia coaching, essa gramática religiosa sendo utilizada para outros fins. Isso tem um impacto muito grande. A Isabela falou: “Não sei se isso vai crescer ou não”. Também não tenho bola de cristal para prever, aqui a gente simplesmente está apontando coisas, mas se fosse para dar um palpite, eu diria que que é uma tendência.

RM: Só para completar, isso não se expressa apenas na política. Por exemplo, uma das maiores bets dos jogos nacionais tem como slogan “Profetiza!”. E eu estou falando de jogo. Inclusive não se vendia como jogo, se vestia como investimentos, porque parcela dos evangélicos não topa jogo. Entender esse léxico, como o Vinicius falou, é bem importante na hora de encontrar saídas para tudo isso. Primeiro, vale uma pergunta: isso seria possível sem os algoritmos da internet? Sem o crescimento das redes sociais e a forma de se agruparem, sem ter um espaço físico que represente isso? Talvez fosse muito mais difícil. Esses mesmos algoritmos que servem para juntar uma série de coisas levam a um processo de individualismo. Algoritmo é uma fórmula matemática que, em busca de engajamento, forma grupos cada vez mais homogêneos entre si e heterogêneos entre eles. Ou seja, faz com que se você gosta de futebol e mora na Moóca, na sua rede social você vai ter certeza que tem mais torcedor do Juventus do que do Corinthians. Então, você vai reafirmando isso, com relação às informações que você recebe de política, de religião, de música, de futebol. E aí você fica também com uma dificuldade de ter grupos que se interligam. Quando você tem um fenômeno como o Marçal, que é transversal a isso, ele pula das lideranças políticas. Ninguém está nem aí para o Malafaia. E uma parcela, que é um movimento mais organizado, tem esses líderes, outros não têm. Mas olha a oportunidade que surge daí. Bom, a gente viu que os algoritmos têm um papel muito grande, que existe uma lógica sendo criada do esforço individual, cada vez maior. Uma lógica que apresenta a meritocracia como se ela não dependesse da igualdade de oportunidades, que é um outro valor que a grande maioria dos brasileiros concordam. Brasileiro concorda com a meritocracia e com a igualdade de oportunidades. Com as duas coisas. E nós temos uma ampliação da tecnologia e das pessoas com o celular. Agora imagina o seguinte: se você tem um aplicativo do governo em que diz exatamente quantos médicos tinham que ter naquele posto de saúde. E você pega um QR Code e fala se aqueles médicos estão lá ou não. Se tem vaga na creche ou não tem vaga na creche que recebeu o dinheiro para ter, ou na escola. Ou se essas pessoas que são um brasileiro comum sabem por esse app, se aquela obra que está sendo feito lá e que tem o QR Code, recebeu o dinheiro, está andando ou não está andando? E se aquela rua foi ou não foi asfaltada? Sabe o que que é isso? É dar poder para as pessoas. Sabe quem essas pessoas defendem que acham que você é responsável por melhorar de vida, é ela. Então é ela passando a ocupar o sistema de fiscalização do Estado. E talvez isso possibilite uma mudança desse pensamento anti-establishment que coloca as pessoas à parte do Estado, à parte do Brasil.

GW: E com o que sonha esse homem de classe média?

IK: Tem um um sonho que é o de estabilidade, principalmente econômica. Hoje, uma coisa que que eu escuto muito nas entrevistas, quando a gente pergunta: você está satisfeito com a sua vida? A resposta em geral tende a ser: eu estou feliz, estou satisfeito com a minha família, estou feliz, estou satisfeito com os meus filhos. No entanto, meu trabalho... E aí você tem uma série de questões que vão desde ter dois, três empregos para conseguir fazer o supermercado, até trabalhar muito e não ter tempo para ficar com a família. Ou não ver possibilidades de crescer no trabalho . Enfim, expressam de diferentes maneiras uma situação de instabilidade. Essa situação de instabilidade corrói a nossa subjetividade, nossos sonhos, qualquer possibilidade de pensar algo parecido com um projeto. Se você não sabe se você vai conseguir ter dinheiro para comprar comida daqui a uma semana, como é que vai ter qualquer projeto possível? Uma das características desse segmento da classe média é a dívida. Talvez se eu pudesse dizer uma palavra que define a classe média, entendendo que estamos falando de classes médias diferentes, o maior compromisso que essas pessoas têm é com a dívida. E essa dívida as obriga a ter um estilo de vida e um tipo de mentalidade, que é uma uma situação muito dura.

VV: Eu concordo demais com a Isabela, as pessoas estão muito preocupadas com o trabalho, que se tornou muito mais incerto. Existem ainda alguns marcadores que são bastante importantes. Ter uma casa. Para muita gente ainda ter um carro é muito importante. São coisas que encareceram absurdamente nas últimas décadas. Tem uma música do Racionais, Vida Louca Parte 2, que fala: “às vezes um preto como eu só quer um terreno no mato só seu”, e aí ele continua “sem luxo, descalço, nadar num riacho sem fome, pegando fruta no cacho”. Essa imagem eu acho maravilhosa, aliás, como quase tudo que o Racionais produziu. Ela traz essa ideia de estabilidade, de previsibilidade, de estar longe desse furacão que parece que o mundo hoje se tornou. Mas eu não poderia deixar de falar também que eu acho que a gente está falando de uma parcela da sociedade que é muito grande e principalmente ali entre quem é mais jovem, o sonho hoje está permeado por um tipo de publicidade da vida boa, do influenciador. Essa publicidade está incessantemente oferecendo coisas que a pessoa quer, que a pessoa gosta nas suas redes sociais. O jovem passa muitas horas nas redes sociais ou no celular. E está sendo bombardeado ali por coisas que quer comprar e por ideais de vida que são, em certo sentido, totalmente fora das suas possibilidades. A gente vê em pesquisa: “Tá todo mundo vivendo uma vida boa e eu não estou”.

Existe uma necessidade real de esses homens recuperarem a sua autoestima. A má notícia para esses homens é que se essa valorização significa retroceder ao passado, ele vai ter muito mais dificuldade de conseguir isso.

RM: Bom, vamos lá. Concordo acima e abaixo com ambos. O que torna a minha vida um pouco mais difícil agora, né? Mas vou tentar separar o que é uma necessidade presente do que é um sonho. A necessidade do presente está em conseguir respirar, que pode ser o nome que a gente dê para estabilidade. E o ativo que a classe C tem, já que ele não tem poupança, é o tempo. Essa pessoa negocia o seu tempo de trabalho como motoboy ou como trabalhador CLT que quer o fim da da jornada 6 por 1. Para poder fazer o que quiser com esse tempo, ficar com a sua família, conseguir outro emprego, ir na igreja. E a pressão que cada vez mais existe é pelo valor desse tempo. Mas ainda tudo isso está no território do presente. Mas uma das grandes angústias dessas pessoas é não ter perspectiva de futuro. Quando você fala em sonho, é a capacidade de sonhar mesmo, de pensar lá na frente e de ter restabelecida a sua autoestima. Essa autoestima tem a ver com o poder se olhar no espelho e falar: “Eu sou um bom pai de família”. “Eu estou sustentando a minha família.” “Eu tô sendo um companheiro legal para minha esposa.” Para as mulheres, é, “Eu olho no espelho e tenho orgulho de verdade do que eu vejo. E portanto, eu não preciso me preocupar com os outros.” “Eu não preciso me preocupar em desqualificar o outro, em ter as melhores respostas para todo mundo que se queixou na minha questão de poder.” Existe uma necessidade real de esses homens recuperarem a sua autoestima. A má notícia para esses homens é que se essa valorização significa retroceder ao passado, ele vai ter muito mais dificuldade de conseguir isso.

O vencedor da semana foi uma imagem da barreira de som sendo quebrada, mas, na realidade, todos os cliques forma pra Ainda Estou Aqui quebrando a barreira do Oscar. Veja os mais clicados:

1. CNN: Imagens incríveis da Nasa, que mostram o fluxo de ar, capturaram as ondas sonoras quando a aeronave XB-1 da Boom Supersonic quebrou a barreira do som em 10 de fevereiro.

2. CNN: Olhando pelo prisma fashion, a 97ª edição do Oscar proporcionou uma noite elegante e, em alguns momentos, dramática, com muitas estrelas reservando seus melhores looks para o mais importante tapete vermelho de todos.

3. Instagram: Um belo compilado de imagens do brasileiro torcendo pelo Oscar e, sobretudo, por Fernanda Torres no domingo.

4. Instagram: Aliás, Fernanda Torres disse que não queria clima de Copa do Mundo. Não adiantou muito.

5. Instagram: E mais imagens da torcida por Ainda Estou Aqui no Oscar. Ainda bem que a estatueta é nossa!

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