Assine para ter acesso básico ao site e receber a News do Meio.

Edição de Sábado — AfD: o triunfo do neonazismo

Os alemães vão às urnas renovar o Parlamento, e todas as atenções estão voltadas para um partido radical de direita classificado por órgãos do governo como “organização extremista” – seus integrantes chegaram a participar de uma tentativa de golpe de Estado. Criada há apenas 12 anos, a legenda vive uma ascensão meteórica. Seu discurso – baseado no nacionalismo, na xenofobia, no preconceito religioso, no conservadorismo de costumes e na defesa da “cultura germânica” – atrai pessoas de todas as idades, desiludidas com a estagnação econômica e com o que veem como decadência do país sob a democracia liberal. Segundo as pesquisas, será o segundo mais votado, e já há na centro-direita quem não torça o nariz para uma aliança que permita um governo conservador, mesmo que isso venha a turbinar ainda mais os radicais.

Lendo assim, parece a introdução de um documentário sobre a ascensão do nazismo na virada das décadas de 1920 e 30, mas não. A eleição em questão acontece neste domingo, e o partido de que estamos falando é a Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão), a mais radical agremiação de direita surgida no país desde o fim da Segunda Guerra, oito décadas atrás, e primeira a arrebatar corações e mentes de forma mais eficaz. Entre 2014 e 2024, saltou de sete para 15 deputados na bancada alemã do Parlamento Europeu. De acordo com o agregador de pesquisas eleitorais da Reuters, a AfD aparece em segundo lugar no pleito deste domingo, com 20,6% das intenções de votos, atrás apenas da tradicionalíssima legenda de centro-direita União Democrata-Cristã (CDU), que lidera com 29,4%.

Caso esses números se confirmem, a direita controlará metade do Bundestag, o Parlamento, o que impõe pressões diversas sobre Friedrich Merz, líder da CDU e potencial futuro chanceler, título do primeiro-ministro alemão. De um lado, uma eventual aliança com Alice Weidel, candidata à chancelaria pela AfD, garantiria um governo 100% conservador, ainda que isso implicasse incorporar parte da plataforma extremista. Do outro, há — ou havia — um pacto tácito entre as forças políticas democráticas alemãs de criar um “cordão sanitário” que impeça a entrada da AfD em um governo.

Merz dá sinais ambíguos. No final de janeiro, ele contou com os votos da AfD para aprovar no Parlamento uma moção pedindo mais restrições à entrada de imigrantes no país, após um afegão de 28 anos matar a facadas uma criança e um idoso em um jardim de infância e uma série de atropelamentos em massa cometidos por homens oriundos de países islâmicos. O rompimento do “cordão sanitário” foi duramente criticado pela ex-chanceler Angela Merkel, que governou a Alemanha de 2005 a 2021 e é uma das mais respeitadas figuras da CDU.

Especialista em populismo e crises na democracia, o cientista político do IESP-UERJ Pedro Castelo Branco não acredita que Merz vá trazer a extrema direita para seu eventual governo, mesmo que isso o obrigue a uma coalizão no estilo “geringonça” com os social-democratas (com 15,4% nas pesquisas), os verdes (com 13,1%) e o Partido Democrático Livre (FDP, sério), que vem na lanterna com 4,1%. “O que a CDU vem fazendo é tentar atrair os potenciais eleitores da AfD com um discurso cada vez mais duro em relação aos imigrantes, propostas que seduzem pessoas desiludidas com a democracia liberal”, explica.

Os órfãos do muro

Mas, afinal, o que é a AfD, onde vive, do que se alimenta? Do medo e do ressentimento, como sói acontecer com partidos populistas de extrema direita. Sua origem remonta aos protestos contra a União Europeia que varreram a Alemanha e outras partes da Europa em 2012. Naquele ano, Alexander Gauland, Bernd Lucke e o jornalista Konrad Adam fundaram o movimento Alternativa Eleitoral 2013, transformado em partido em janeiro do ano seguinte. O foco era então a oposição ao aprofundamento da integração continental, rejeitando a adoção do euro e a ajuda a países em crise, como a Grécia, e definindo-se como “liberal na economia e conservador nos costumes”. Nas eleições de 2013 obteve 1,9% dos votos, ficando apenas 5% abaixo do mínimo para ter representação no Bundestag.

Assim como sua presença política, o radicalismo de seu discurso cresceu seguindo um padrão visto em populistas de direita em todo o mundo ao se alimentar da desconfiança em relação aos imigrantes “diferentes” e do descontentamento com a aparente incapacidade de a democracia liberal oferecer uma boa qualidade de vida a todos.

A derrubada do Muro de Berlim, em novembro de 1989, e a reunificação alemã no ano seguinte após o fim do regime comunista na Alemanha Oriental foram apontadas como início de um futuro ainda mais brilhante para a locomotiva econômica da Europa. Mas isso não foi verdade para todo o país. Nas regiões orientais, onde havia muito subsídio soviético e um Estado ao mesmo tempo opressor e garantidor de padrões de vida, a mudança foi traumática, como lembra Castelo Branco. “Fez-se muita propaganda, mas houve um conjunto amplo da população na região oriental da Alemanha que perdeu emprego, casas, salário, e essas pessoas se ressentiram muito da política que a Alemanha unificada fez”, explica. A automação/globalização, que nos Estados Unidos teve como efeito colateral alienar economicamente a classe operária, atingiu em cheio o Leste alemão, cuja indústria desenvolvida sob o regime comunista já sofria com a obsolescência.

Foi justamente em regiões como Turíngia e Saxônia, parte da antiga Alemanha Oriental, que a AfD encontrou solo fértil para sua pregação eurocética, negacionista climática e, a partir de 2016, abertamente islamofóbica. Seu manifesto eleitoral para o pleito de 2017 dizia textualmente que o “Islã não tem lugar na Alemanha”, e um célebre cartaz daquela campanha provocava: “Burcas? Nós preferimos biquínis”. “Essas pessoas se tornaram presas muito fáceis para o populismo da AfD”, completa o pesquisador brasileiro.

Parênteses para fins de justiça. O preconceito contra imigrantes e a islamofobia não são invenções da AfD nem consequências da queda do Muro. Em 1983, o jornalista alemão Günter Wallraff se fez passar por “Ali”, um imigrante da Turquia tentando a vida na Alemanha Ocidental. Foi de metalúrgico a atendente de lanchonete, sempre enfrentando racismo, salários de fome, cargas horárias desumanas e não raro violência física. Lançado em 1985, seu livro Cabeça de Turco foi um sucesso mundial e mostrou que os fundamentos da xenofobia germânica continuavam bem firmes.

Como que para fazer eco à pregação da AfD, a economia alemã vem apresentando resultados pífios nos últimos anos, e as perspectivas não são das melhores. A guerra na Ucrânia tornou incerto o antes barato fornecimento de gás pela Rússia, principal fonte de energia do país, cenário ruim ao qual se somam a concorrência com a China e a ameaça de tarifas por parte de Donald Trump.

Sem bigodinho, mas por pouco

Formalmente, a AfD não é um partido neonazista, até porque a apologia ao nazismo e a exibição de seus símbolos é um crime na Alemanha – com exceção para obras de arte, como filmes e, mais recentemente, videogames. Mas as diferenças são poucas. Björn Höcke, líder do partido na Turíngia, já classificou o Memorial do Holocausto em Berlim como “monumento da vergonha” e defendeu uma “guinada de 180 graus” na maneira como o país encara o nazismo. Alexander Gauland, fundador e copresidente da legenda, minimiza o horror do Terceiro Reich, dizendo se tratar de “um pedaço de titica de passarinho em mais de mil anos de bem-sucedida história germânica”.

Em 2022, a polícia alemã prendeu nove integrantes de um movimento conhecido como Reichsbürger, ou cidadãos do Reich, que pretendiam tomar o Bundestag e dar um golpe de Estado na Alemanha. Segundo as investigações, um juiz, ex-deputado pelo AfD, os levou para uma “excursão” à sede do Parlamento a fim de fazerem o reconhecimento do local antes do ataque, que acabou não acontecendo. Não foram poucas as comparações com o “Putsch da Cervejaria”, uma fracassada tentativa de golpe comandada por Adolf Hitler em Munique, em 1923.

“As comparações entre a AfD e o nazismo são coerentes”, argumenta Pedro Castelo Branco, ressaltando, porém que muitas de suas estratégias são comuns a partidos populistas de extrema direita, como transformar em inimigos da população os adversários políticos, os imigrantes etc. “É um partido populista de extrema direita com esse viés nazista e com essa herança resgatada. Existe uma tentativa de criar uma espécie de nacionalismo étnico, mas ela não usa o método que os nazistas utilizavam de eliminação física de seus adversários, como judeus, comunistas, social-democratas. Então há diferenças”, diz ele.

E ambiguidades, muitas delas concentradas na atual líder, Alice Weidel, de 46 anos, uma das raras mulheres na cúpula da legenda. Classificada pelo New York Times, um “estudo de contradições”, ela é apontada como uma das responsáveis pela radicalização do discurso, ao mesmo tempo, tem a tarefa de aproximar a AfD do eleitorado mais amplo. Seu partido combate a imigração, defende o citado nacionalismo étnico e classifica família como “um homem e uma mulher unidos para gerar filhos”. Enquanto isso, Weidel tem uma casa na Suíça onde passa parte do tempo com a esposa, uma mulher nascida no Sri-Lanka e adotada por europeus, com a qual cria dois filhos. Mas ela não se declara homossexual e interrompe qualquer entrevista que aborde sua vida pessoal. Segundo jornais alemães, seu avô foi membro do Partido Nazista e chegou a atuar como juiz militar em Varsóvia durante a ocupação alemã, embora o assunto fosse tabu na família enquanto ela crescia.

Padrinhos de peso

Há uma diferença crucial, pelo menos desde o dia 20 de janeiro, entre a AfD e o Partido Nazista nos anos 1930: a postura dos Estados Unidos. No último dia 14, o vice-presidente americano J.D. Vance chocou os participantes da Conferência de Segurança de Munique com um discurso no qual tratava de forma hostil os tradicionais aliados europeus e culminou comparando a democracia no continente ao totalitarismo soviético, em particular a postura da Alemanha contra a “liberdade de expressão” dos ultraconservadores. Ele não citou a AfD em particular, mas, horas depois, teve um encontro reservado com Weidel.

Mais explícito foi Elon Musk, apelidado de copresidente dos EUA, dado o poder que recebeu de Donald Trump. No fim de janeiro, já atuando no governo americano, o bilionário sul-africano fez uma participação por vídeo em um comício da AfD no qual conclamou o povo alemão a “seguir em frente” e deixar para trás a “culpa do passado”. Não citou o nazismo nem o Holocausto, mas, para bom entendedor... E, claro, apontou Alice Weidel como “melhor esperança para a Alemanha”, capaz de “preservar a cultura alemã” e “proteger o povo alemão”.

As redes sociais, como em vários outros países, têm sido uma ferramenta poderosa no crescimento da AfD. Não apenas pela ideologia de seus donos, mas pela lógica dos algoritmos, que privilegiam tópicos que geram polêmica e engajamento, fazendo ressoar o discurso extremista. Um estudo da ONG Global Witness apontou que tanto o TikTok quando o X privilegiavam o conteúdo ligado à legenda na recomendação de material político. E não era por pouco, não. Na rede chinesa, 78% das recomendações levavam ao AfD; 64% na rede de Musk.

“O que vemos nas redes é um cenário distópico, no qual a extrema direita está muito à frente do centro e da esquerda, no sentido de controlar as mídias sociais”, analisa Pedro Castelo Branco. Segundo ele, os Estados Unidos continuam sendo a grande referência de democracia, mas o fato de as figuras que ora ocupam o poder não serem democráticas tem um peso importante. “Trump apoia a AfD como apoia líderes e partidos de verniz totalitário em diversos outros países, como Hungria e Brasil”, conclui.

Fé nas instituições

Com ou sem “cordão sanitário”, a Alternativa para a Alemanha é um protagonista de peso na política do país, capaz de, na oposição, dar muita dor de cabeça a uma eventual coalizão que já nascerá heterogênea. Dentro de uma economia mundial profundamente integrada, mesmo com o protecionismo de Trump, as forças democráticas têm ferramentas limitadas para lidar isoladamente com a insatisfação popular que turbina a extrema direita. Vale lembrar que uma das estratégias do nazismo para chegar ao poder legalmente foi forçar sucessivas dissoluções do Parlamento e novas eleições, em cada qual via sua participação crescer.

As instituições alemãs estão preparadas para reagir a uma tentativa desmonte das estruturas do estado democrático no caso da ascensão dos extremistas? Pedro Castelo Branco é otimista. “A Carta Alemã, a lei fundamental atual, conseguiu de fato criar mecanismos de defesa da democracia”, explica. “É o conceito de democracia militante, criado durante a República de Weimar (1918-1933), que sofreu pesados ataques tanto dos nazistas quanto dos comunistas. Hoje isso é chamado de ‘democracia defensiva’ e está na Constituição.” São mecanismos que vão do corte de financiamento público a partidos extremistas à sua dissolução, mediante requerimento do Parlamento e decisão do Tribunal Federal de Justiça (BGH, na sigla em alemão), equivalente ao Supremo Tribunal Federal.

A Corte Constitucional é, aliás, outra preocupação. Escolados por exemplos da Polônia e da Hungria, onde governantes de viés autoritário aparelharam os tribunais, legisladores alemães querem alterar a Constituição para que mudanças na organização e composição do BGH só possam ser feitas por dois terços do Parlamento, não pela maioria simples prevista hoje.

Se o século 20 nos ensinou algo, é que uma Alemanha democrática e estável é sempre preferível. O avanço da direita radical é um fenômeno mundial, mas encontra ali uma memória que nos faz olhar com atenção redobrada para a votação de domingo. “O fato de a Alemanha ter essa história muito pesada e ainda viva, de não ter resolvido seu problema com o passado, faz com que tudo que seja recalcado retorne, tornando o cenário de fortalecimento da extrema direita mais perigoso que no Brasil ou mesmo nos Estados Unidos”, conclui Pedro Castelo Branco.

Enhanced Games, os jogos do doping

Cinquenta metros livre em 20 segundos. Cem metros rasos em 9 segundos. Hoje, essas marcas parecem quase impossíveis de serem alcançadas. Os atuais recordes nessas duas modalidades — com números mais modestos — se mantêm desde 2009. O da natação, pertence ao brasileiro César Cielo, que cruzou a piscina em 20s91. Já o da principal prova do atletismo é do jamaicano Usain Bolt, com 9s58. O atleta que quebrar uma dessas marcas pode embolsar nada menos que US$ 1 milhão. É o que promete o movimento Enhanced Games, que, em tradução livre significa algo como jogos aprimorados. Fundada pelo empresário australiano Aron D’Souza. em novembro de 2023, essa iniciativa acredita no “processo médico e científico de elevar a humanidade a seu potencial pleno, através de uma comunidade de atletas comprometidos”. É uma defesa ao fim dos controles e proibições de substâncias capazes de melhorar a performance esportiva, ou seja, um vale tudo para superar recordes.

A polêmica ideia ganhou força no último dia 13, quando o fundo de investimentos 1789 Capital, que tem entre seus sócios Donald Trump Jr., fez um aporte de “muitos milhares de dólares” e relacionou a iniciativa à ideologia Maga (Make America Great Again), defendida por seu pai. “Os Enhanced Games representam o futuro — competição real, liberdade real e recordes reais sendo quebrados. Trata-se de excelência, inovação e domínio americano no cenário mundial — algo que é o objetivo do movimento Maga”, afirmou.

O topo do site oficial dos Enhanced Games destaca o recente investimento do filho do presidente americano com um vídeo de 30 segundos, cujo frame congelado exibe a imagem de Donald Trump. A mensagem é direta: “A mídia afirmou que os Enhanced Games eram impossíveis, mas, nos EUA de Donald Trump, o impossível é o que fazemos de melhor”. E encerra prometendo a realização de “novas olimpíadas, em uma nova era de ouro”. A administração republicana tem defendido uma agenda pouco ortodoxa de saúde, liderada por Robert Kennedy Jr., que já expressou dúvidas sobre a segurança e eficácia de vacinas. Trump Jr., por sua parte, é visto como um conselheiro próximo do pai, mas sem uma posição formal no governo.

Os jogos aprimorados também receberam apoio financeiro do investidor tecnológico Peter Thiel, outra figura com laços estreitos com a Casa Branca, do investidor em criptomoedas Balaji Srinivasan e de Christian Angermayer, um financista alemão que é um dos principais investidores em psicodélicos comerciais.

Super-humanos

O objetivo final é criar um terceiro evento olímpico, que se somaria aos tradicionais jogos de verão e de inverno, mas “desafiando os paradigmas esportivos tradicionais, fundindo o progresso científico com o desempenho atlético de elite”. Apesar de a iniciativa ter sido fundada por um australiano, o "excepcionalismo americano" aparece com força na apresentação do movimento. “Somos os atletas mais rápidos do mundo e temos orgulho de sermos aprimorados, temos orgulho de sermos super-humanos”, afirma o narrador em outro vídeo de 30 segundos sobre o aporte da 1789 Capital. “Esta é a era de ouro EUA, é a hora de criar super-humanos.”

D’Souza diz estar construindo algo revolucionário: esportes sem hipocrisia, em que o melhor pode realmente ser o melhor. Um dos argumentos é o fato de vários atletas terem quebrado recordes e ganhado medalhas olímpicas usando substâncias descobertas apenas anos depois. Para ele, é melhor acabar com a farsa e usar a ciência para alcançaar o máximo do potencial humano. Mas como isso impacta o corpo humano? Ao contrário do que defendem as entidades de controle de dopagem, o movimento diz acreditar que os benefícios da ciência e da tecnologia podem ser utilizados no esporte de forma segura e devem ser celebrados em competições. E destaca que seu dever primordial é proteger a saúde e a qualidade de vida dos seus atletas e que, para isso, desenvolveu um protocolo abrangente de exames médicos. “E estamos contratando os melhores cientistas e médicos para garantir que, quando nossos atletas se tornarem super-humanos, façam-no com segurança.”

As promessas de acompanhamento médico para garantir a saúde e segurança dos atletas não convencem quem lida no dia a dia com a medicina do esporte. O endocrinologista Clayton Macedo, diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, explica que não existe acompanhamento, supervisão ou controle capaz de evitar os efeitos colaterais de esteroides anabolizantes. E o dano a longo prazo é o mais importante. “Há um trabalho científico que acompanhou um grupo por 11 anos e mostra uma taxa de mortalidade três vezes maior entre os que usavam esteroides anabolizantes, com risco de cardiomiopatias 8,9 vezes maior. Além de problemas no coração, há risco de derrame, tumores no fígado, hepatite aguda ou crônica, além de impactos no sistema reprodutor. Também foram registradas alterações neuropsiquiátricas, com aumento da agressividade e ansiedade, além de risco de crimes violentos nove vezes maior”, detalha.

Os Enhanced Games ainda não anunciaram a cidade-sede ou data da competição, que poderia ocorrer já neste ano. Os jogos incluiriam eventos de atletismo, natação e “força”, embora apenas um atleta, o nadador James Magnussen, membro aposentado da equipe olímpica australiana, tenha abertamente se disposto a participar. Ex-bicampeão mundial nos 100 metros livre e medalhista de prata na Olimpíada de Londres, em 2012, o australiano diz que já há atletas seguindo os protocolos dos Enhanced Games nos EUA e que, mesmo aos 40 anos, conseguem atingir o pico de sua performance atlética. A ideia dele é ver o que acontece com sua performance após o uso dessas substâncias. O dinheiro, é claro, também é um dos motivadores. O movimento promete pagar US$ 1 milhão pela quebra do recorde de Cielo, além de pagar todos os atletas que participarem. Segundo os Enhanced Games, 59% dos atletas olímpicos americanos ganham menos de US$ 25 mil por ano.

O movimento conta inclusive com um documento denominado Primeira Declaração Sobre o Aprimoramento Humano, que tem dez artigos. Um deles destaca o dever de respeitar a legislação nacional. E é aí que parece ficar mais evidente que os EUA serão o palco para a “olimpíada do doping”. “Os indivíduos são obrigados a respeitar a lei do país em que vivem, trabalham, treinam ou competem. Os organizadores da competição devem igualmente respeitar a legislação nacional e não devem ultrapassar os soberania das nações na aplicação da lei.”

Risco à saúde e proibição

No Brasil, destaca Macedo, o Conselho Federal de Medicina proíbe a prescrição de hormônios para fins estéticos e de desempenho esportivo. “Aqui, estariam infringindo a legislação médica. Não sei como seria. Do ponto de vista médico, essa iniciativa fere todos os preceitos da ética”, diz. O endocrinologista também lembra que um dos princípios do esporte é ser seguro, não prejudicar o indivíduo. E ser justo. “O vale tudo me preocupa, pois na alta performance o limite já é ultrapassado. Parece que vão tratar o atleta como algo descartável, uma corrida das indústrias que trabalham com essas substâncias sem valorizar o talento. Não consigo enxergar nenhum tipo de propósito.” Ao Financial Times, D’Souza disse que os jogos seriam parcialmente financiados por publicidade de grupos farmacêuticos e de biotecnologia.

A Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD) também mostrou preocupação com os Enhanced Games, destacando que o Programa Mundial Antidopagem foi concebido não apenas para garantir competições justas, mas também para proteger a saúde dos atletas e assegurar que não sejam explorados, intimidados ou pressionados por treinadores, governos ou empresas que buscam resultados a qualquer custo. “O uso de substâncias dopantes contraria os princípios fundamentais do esporte, que são baseados na equidade, na ética e na proteção à saúde dos competidores”, diz em nota.

ABCD ressalta ainda sua preocupação de que competições que normalizam a dopagem impactem negativamente o esporte, incentivando o uso indiscriminado de substâncias que colocam em risco não apenas os atletas, mas também jovens e futuras gerações que se inspiram no esporte. “Os valores do esporte e a integridade devem ser preservados em qualquer competição, garantindo que o esporte continue sendo uma manifestação de superação humana baseado no esforço legítimo e na dedicação.”

A Agência Mundial Antodoping (Wada, na sigla em inglês) vem acompanhando o desenrolar dos Enhanced Games, considerando-os um conceito perigoso e irresponsável. “A saúde e o bem-estar dos atletas são a prioridade número um da Wada. É evidente que este evento colocaria em risco ambos, ao promover a utilização de substâncias e métodos potencialmente nocivos. Como temos visto ao longo da história, as drogas que melhoram o desempenho têm causado um terrível impacto físico e mental em muitos atletas. Alguns morreram”, diz. E desde março de 2024, vem orientando as organizações antidopagem em todo o mundo a testar os atletas envolvidos antes, durante e depois desse evento, a fim de proteger a integridade do esporte legítimo.

O sonho de voltar à Sapucaí

O Carnaval está nascendo na Rua da Gamboa, 345, um velho galpão na Zona Portuária do Rio de Janeiro. Nasce sob um sol inclemente, forjado a marteladas, com cheiro de ferro das alegorias, repleto de isopor e madeira que viram esculturas. A pouco mais de uma semana do desfile, o barracão da Vizinha Faladeira trabalha muito e sonha grande: quer a escola de volta à Marquês de Sapucaí.

Umas dez pessoas dão duro na tarde de quinta-feira, 20 de fevereiro. São aderecistas, costureiras, técnicos, um mecânico e um “faz-tudo”. Entre eles, Roseli da Silva Gomes. Com uma pistola de cola quente, tecido e uma tesoura, pacientemente ela cria mundos. Trabalha no ramo há 60 dos seus 65 anos. É artista e ao mesmo tempo operária do Carnaval. Aprendeu muito nova com sua mãe, que era costureira da ala das baianas e da bateria da Acadêmicos do Cubango. Toda sua família trabalha no Carnaval — na Vizinha estão um sobrinho ritmista, outra sobrinha nas alegorias e um irmão no abre-alas.

“A gente rala, rala e não é reconhecido”, diz Roseli, uma mulher negra, como todos no barracão. “Mas na Vizinha é diferente. O presidente reclama que eu trabalho muito.”

Nem todos conhecem a Vizinha Faladeira, muitos nunca ouviram falar. Quem é bamba, sabe: foi onde tudo começou. Fundada em 1932, é uma das primeiras agremiações da cidade. Foi campeã do Carnaval do Rio em 1937, mas afastou-se da folia e chegou a ficar quase 50 anos sem desfilar, com sua “bandeira enrolada”, como se diz no mundo do samba.

Quando David dos Santos, 37 anos, assumiu a presidência da Vizinha, há dez anos, a escola estava na quinta e última divisão do Carnaval. Com apenas seis meses de gestão, veio o primeiro título. Filho do Morro da Providência, David já era conhecido por todos: pisou naquele chão pela primeira vez aos 6 anos, na ala das crianças. Foi mestre-sala, ritmista, diretor de bateria, diretor de barracão, diretor da escola, até chegar à presidência, um cargo que ninguém queria mais. David quis. Com os bons resultados, a comunidade o apoiou.

“Vizinha é a minha vida. É tudo pra mim, foi onde comecei, foi onde aprendi tudo o que sei”, reflete.

Eles estão a um passo do feito. Para a escola voltar ao Sambódromo, basta ser campeã este ano da terceira divisão do Carnaval carioca, a Série Prata. Apenas as duas primeiras divisões, a Série Ouro e o Grupo Especial, atravessam a pista do Sambódromo. As outras desfilam a 20 quilômetros de distância, na Estrada Intendente Magalhães, em Campinho, no Carnaval mais “raiz” da cidade, com desfiles na rua.

Para conquistar o título, a escola desenvolveu um enredo inspirado nas festas carnavalescas que Joãozinho Trinta organizava para o rei Hassan, do Marrocos, nos anos 1980. A ideia de Carnaval para Gringo Ver é desfilar a riqueza da cultura brasileira, com um pouco de cada coisa que temos de melhor (ouça o samba-enredo).

Nomes importantes do Carnaval começaram na Vizinha. Foi lá que Paulo Barros, quatro vezes campeão do Grupo Especial, assinou seus primeiros desfiles, na época em que ainda trabalhava como comissário de bordo da Varig. Ele costuma dizer que a Vizinha foi a sua “universidade”, e que sonha um dia voltar à escola.

David, que passa os dias correndo entre o barracão e a quadra da escola — na Rua Joaquim Nabuco, ali perto —, contratou este ano o carnavalesco Marcus Ferreira, nada menos que o campeão do Grupo Especial em 2020 com a Unidos do Viradouro. Ele está animado para atravessar a Intendente Magalhães com a Vizinha — um desfile de R$ 600 mil, muito abaixo do que gastam as agremiações da elite, de R$ 12 milhões a R$ 16 milhões.

“Nosso desfile será também um registro da memória dos grandes sambistas que levam a cultura das escolas de samba para além de nossas fronteiras. João revelaria ser amigo do rei. Em uma de suas últimas viagens ao Marrocos, ganhou um frete lotado de especiarias, tapetes mágicos e até joias marroquinas. Desfez-se de tudo assim que desembarcou no Brasil, pois seu luxo era outro”, conta Marcus.

Na segunda-feira, dia 3 de março, a Pioneira, como é conhecida, buscará seu sonho, iniciando o desfile por volta da meia-noite. “O sonho de todos da escola é o mesmo: voltar à Marquês de Sapucaí”, afirma David. “Batemos na trave algumas vezes. Ganhamos corpo com as derrotas. Este ano já estamos com todos os carros em acabamento, nunca conseguimos essa antecedência. Tiramos um carnavalesco do Grupo Especial. O Carnaval da Intendente é muito competitivo, mas este ano a Vizinha vem para ganhar.”

De um lado, os memes de Bolsonaro preso, de outro, a carta que fala do isolamento de Lula, mas entre os extremos, o conteúdo do Meio: a parceira com a World, a análise da simbologia do vídeo do filho de Musk mandando Trump se calar e a opinião de especialistas sobre o Projeto de Lei anti-Oruam. Confira os mais clicados da semana.

1. Poder360: Após a denúncia da PGR que colocou Jair Bolsonaro como o cabeça da trama golpista, a internet foi inundada de memes.

2. World: De olho na segurança digital, o protocolo World se estabeleceu e propôs uma forma inédita de distinguir humanos de robôs na internet sem comprometer a privacidade dos usuários.

3. g1: A carta que o advogado Carlos de Almeida Castro, o Kakay, aliado de Lula enviou a diversos grupos do governo comparando o terceiro mandato do presidente com os dois anteriores.

4. Meio: No Central Meio, Flávia Tavares e Ana Carolina Evangelista discutem o simbolismo do vídeo do filho de quatro anos de Elon Musk que mandou Donald Trump calar a boca no Salão Oval.

5. Meio: Especialistas em direito discutem o Projeto de Lei Anti-Oruam, proposto pela vereadora de São Paulo Amanda Vettorazzo, do União Brasil, que se espalhou pelo Brasil.

Encontrou algum problema no site? Entre em contato.

Já é assinante premium? Clique aqui.

Este é um conteúdo Premium do Meio.

Escolha um dos nossos planos para ter acesso!

Premium

  • News do Meio mais cedo
  • Edição de Sábado
  • Descontos nos Cursos do Meio
  • 3 dispositivos
  • Acesso ao acervo de Cursos do Meio*
ou

De R$ 180 por R$ 150 no Plano Anual

Premium + Cursos

  • News do Meio mais cedo
  • Edição de Sábado
  • Descontos nos Cursos do Meio
  • 3 dispositivos
  • Acesso ao acervo de Cursos do Meio*
ou

De R$ 840 por R$ 700 no Plano Anual

*Acesso a todos os cursos publicados até o semestre anterior a data de aquisição do plano. Não inclui cursos em andamento.

Quer saber mais sobre os benefícios da assinatura Premium? Clique aqui.