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A era de contrarreforma da China

O principal objetivo de Pequim não é mais a mudança social ou o crescimento econômico, mas a estabilidade do regime

Setenta e cinco anos atrás, em 1º de outubro de 1949, o presidente do Partido Comunista Chinês (PCC), Mao Zedong, ficou diante de um conjunto de microfones na varanda da Porta da Paz Celestial, com vista para a Praça da Paz Celestial em Pequim, e proclamou o nascimento da República Popular da China (RPC).

A China de Mao era a China da revolução. O PCC, que ele levou ao poder, nasceu no caos dos senhores da guerra da década de 1920, cresceu em meio a lutas brutais contra os nacionalistas chineses de Chiang Kai-shek, bem como contra os invasores imperiais japoneses durante a década de 1930, e chegou ao poder vencendo a titânica guerra civil do final da década de 1940, fazendo com que os nacionalistas fugissem para a ilha de Taiwan.

A aparição de Mao na varanda não pôs fim a essa era revolucionária. Pelo contrário, as três décadas seguintes veriam uma campanha política turbulenta após a outra abalar as bases de seu vasto e antigo país. Sob Mao, o PCC buscava remodelar fundamentalmente a China. As autoridades do partido confiscaram terras e tentavam expurgar a sociedade de todas as crenças que consideravam “superstição feudal” e qualquer sentimento que considerassem “contrarrevolucionário”. Estabeleceram uma rede de controles do PCC em todo o Estado e na sociedade. A ideologia era onipresente, pois a China se fechou tanto para o capitalismo ocidental quanto para o que Mao via como um “revisionismo” soviético inaceitável da doutrina marxista-leninista.

Depois da morte de Mao em 1976, a China mudou de rumo. Abalados pelos horrores de suas revoluções sem fim, os líderes de Pequim conduziram a China a uma era de reformas. Os controles ideológicos foram afrouxados. A China se abriu. Faculdades e templos foram autorizados a funcionar novamente. Acadêmicos e quadros do partido aventuraram-se no exterior. Ideias, estudantes e cultura estrangeiros fluíram para dentro do país. Politicamente, os oficiais do Partido deram um passo atrás em relação às vidas das pessoas. As comunas foram dissolvidas; terras privadas retornaram aos agricultores por meio de arrendamentos de longo prazo. Economicamente, a China prosperou.

Nos últimos quinze anos, a RPC entrou em uma nova era, bastante diferente da era das reformas. A economia chinesa, cujas taxas de crescimento impressionantes tornaram-na uma maravilha do mundo, está desacelerando. Ideologicamente, o regime está se fechando. E, politicamente, as normas parcialmente institucionalizadas da era das reformas estão perdendo espaço à medida que o partido-Estado volta a se tornar um regime cada vez mais personalista.

Essa era — a época de Xi Jinping — é a era da contrarreforma. O principal objetivo de Pequim não é mais a mudança social revolucionária ou mesmo o crescimento econômico, mas a estabilidade do regime. Esse fim vem sendo perseguido a todo custo. Em seu nome, os líderes chineses estão eliminando elementos centrais de ambas as eras anteriores (a abertura ideológica do período das reformas e os legados socialistas residuais da era revolucionária) enquanto revivem práticas de governança maoístas ruinosas (como o governo de um homem só e a mão de ferro do PCC sobre o Estado e a sociedade).

Oficialmente, nem Washington nem Pequim enquadram a China dessa forma. Para Pequim, a China é uma Terra do Nunca na qual a guinada de Xi de volta ao governo de um homem só leva vagamente, mas inexoravelmente, a um futuro nebuloso de “Sonho Chinês” envolto em vermelho maoísta e amarelo imperial. Oficialmente, Washington chama isso de um “Pesadelo Chinês”, retratando a RPC como um gigante hipercompetente de quinze metros de altura com um plano secreto magistral para dominar o século 21. Mas a China não está em ascensão. À medida que Pequim se aprofunda no pântano da era da contrarreforma, a RPC está, na verdade, tornando-se muito mais fraca e menos estável.

A Era da Contrarreforma

Nove anos atrás, argumentei que “estabilidade política, abertura ideológica e rápido crescimento econômico foram as marcas registradas da era das reformas da China. Mas elas estão terminando. A China está entrando em uma nova era, a era pós-reformas”.

Todas as tendências que observei à época estão se aprofundando agora.

A abertura ideológica da era das reformas está desaparecendo. Isso não é meramente um produto transitório das políticas de covid-zero em 2020–22, que viram Pequim isolar a China do resto do mundo enquanto o número de estrangeiros presentes no país despencava, as autoridades fechavam cidades inteiras e os controles digitais limitavam os movimentos dos cidadãos na esperança de conter o vírus. Em vez disso, o fechamento ideológico reflete uma deriva mais ampla, de décadas, de volta à securitização do Estado e da sociedade chinesa. Autoridades do PCC obcecadas pela estabilidade, sempre atentas contra riscos potenciais, veem riscos em toda parte. No início dos anos 2000, eram os advogados de causas de interesse público que pareciam ser vetores de ideias anti-PCC. Na década de 2010, as mídias sociais, a sociedade civil e a academia juntaram-se aos advogados. Em toda parte, os controles do Partido foram reafirmados, prisões e sentenças de prisão distribuídas e o desejado “efeito inibitório” restabelecido.

A tendência ao fechamento está se espalhando. Autoridades de segurança regularmente alimentam temores de espionagem estrangeira. Uma repressão antiespionagem em 2023 em empresas de consultoria chocou corporações estrangeiras que tentavam realizar pesquisas estatísticas e due diligence. Grupos LGBTQ+ da China, por sua vez, estão preocupados com as novas mensagens oficiais de que não apenas suas atividades organizacionais, mas as próprias identidades sexuais e de gênero de seus membros podem ser politicamente problemáticas. Novas leis criminalizam a difamação de mártires e heróis designados pelo regime. O acesso a bancos de dados comerciais e acadêmicos foi restringido. Até mesmo grandes esforços patrocinados pelo Estado, como o Projeto da História Qing (registrando a narrativa oficial da última dinastia imperial da China) ou o China Judgments Online [julgamentos chineses online] (tornando dezenas de milhões de documentos judiciais acessíveis ao público) estão sob suspeita e foram politicamente retificados.

Economicamente, a China continua a desacelerar. Lockdowns devido à Covid, o rápido envelhecimento da população e a implosão de uma enorme bolha imobiliária afetaram a outrora vibrante economia. O crescimento anual, que registrou 6,7% em 2016, vem caindo constantemente. Para 2024, espera-se que a taxa oficial não ultrapasse 5% (segundo projeção do FMI) e pode chegar a 3% (segundo o Rhodium Group, com sede em Nova York).

Politicamente, o afastamento das normas parcialmente institucionalizadas da era das reformas está ganhando tração. O retorno do governo personalista está se tornando cada vez mais claro. Em outubro de 2022, no vigésimo congresso do partido, Xi se ungiu líder máximo para um terceiro mandato. Isso era esperado. Mais surpreendentemente, ele também promoveu uma mudança nos altos escalões do PCC para que pudesse preenchê-los com seus próprios apoiadores e bajuladores. Os limites tácitos de idade que regem a promoção de altos funcionários foram ignorados; tecnocratas foram expulsos do Politburo e aposentados. E, em uma incomum variação de um evento normalmente bastante ensaiado, o antecessor imediato de Xi, Hu Jintao, de 81 anos, foi literalmente retirado de seu assento ao lado de Xi durante a cerimônia de encerramento e escoltado para fora do salão pelos assessores de Xi enquanto as câmeras filmavam e a mídia mundial assistia.

Os órgãos de propaganda do partido-Estado têm divulgado retratos de Xi com o crescente aroma de um culto à personalidade. Retratos oficiais dele estão cada vez maiores, enquanto publicações do PCC estão cada vez mais repletas de suas citações.
Sob Xi, Pequim vem revertendo a pouca separação entre Estado e PCC que marcou a era das reformas. Sucessivas rodadas de reformas governamentais desde 2016 viram o partido canibalizar órgãos estatais.

Xi tem revivido modelos maoístas de vigilância de bairros. Além disso, desde 2017, as detenções políticas em massa na região noroeste de Xinjiang viram mais de um milhão de uigures e outras minorias étnicas serem enviados para campos de reeducação.

Controles mais rígidos sobre a vida privada também estão retornando. Para evitar o espectro de agitação social, Xi tem revivido modelos maoístas de vigilância de bairros. Além disso, desde 2017, as detenções políticas em massa na região noroeste de Xinjiang viram mais de um milhão de uigures e outras minorias étnicas serem enviados para campos de reeducação.

Pequim, no entanto, está indo além da rejeição das práticas da era das reformas. Também está abandonando elementos centrais da própria herança revolucionária da China de 1949. Livros didáticos baseados em políticas étnicas de estilo soviético dos anos 1950, celebrando uma multiplicidade de minorias nacionais (compreendendo cerca de 9% da população da RPC), estão dando lugar a um novo currículo que promove uma assimilação agressiva em uma única identidade étnico-nacional estreitamente definida por Pequim. Resquícios do feminismo socialista estão dando lugar a discursos sobre o “papel especial” das mulheres e à promoção oficial do casamento e da procriação.

A China de hoje está se aprofundando cada vez mais na era da contrarreforma — uma era marcada por uma economia em desaceleração, regressão ideológica e erosão política.

Futuros

A história não é linear. As nações evoluem em ciclos — reforma e retrocesso, revolução e restauração. Com 75 anos de reviravoltas da revolução para a reforma e depois para a contrarreforma, para onde a China irá a seguir? Posso esboçar três cenários gerais.

Retorno imperial. Se entendermos a propaganda estatal de maneira literal, a resposta é simples: de volta ao passado da China.

Pequim tem vestido o partido-Estado comunista com trajes imperiais. Em 2021, o Comitê Central publicou uma resolução sobre a história que pedia a infusão do marxismo com “cultura tradicional refinada”. O próprio Xi agora permeia seus discursos com expressões clássicas, enquanto a televisão estatal apresenta um programa que explica suas referências históricas e as vincula aos slogans do PCC e às realidades sociais atuais.

À medida que o vermelho revolucionário se dissolve no amarelo imperial, pode-se ver o esboço de uma nova narrativa oficial tomando forma: os líderes atuais de Pequim são os sucessores dos governantes imperiais do passado. Apoiados pelo peso civilizacional de milhares de anos de história, tradição e ideologia chinesas, eles também estão prontos para governar de maneira segura e majestosa por muito tempo no futuro.

Essa guinada para o neotradicionalismo tornará o regime cada vez mais personalista da China mais estável? Não. Primeiro, substituir a retórica marxista por ditados confucionistas não mudará os principais desafios de governança que a China enfrenta. Na verdade, a mudança destaca os riscos subjacentes do governo personalista. Dinastias imperiais surgiram e caíram em função de líderes individuais.

Também importa quais períodos históricos Pequim decidirá apresentar como modelos nas próximas décadas. Elogiará o cosmopolitismo da dinastia Tang (618–907), cujos governantes descendiam em parte de nômades das estepes não-Han? Ou elevará a dinastia Ming (1348–1644), que se voltou para dentro e cortou os laços da China com o resto do mundo?

Em segundo lugar, a adoção da ideologia neotradicionalista por Pequim exacerbará as divisões sociais existentes. Jovens graduados que enfrentam uma economia fraca e perspectivas de emprego sombrias se irritam ao serem repreendidos por funcionários idosos por “ficarem deitados” em vez de simplesmente se esforçarem como seus antepassados fizeram no século passado. Os novos textos universitários e aulas obrigatórias que enfatizam uma concepção mais racializada e centrada nos Han da nação são um mau presságio para as relações étnicas. E a decisão do Politburo do PCC de levar o país de volta aos papéis tradicionais de gênero e políticas pró-natalistas para enfrentar o envelhecimento demográfico colocará Pequim em rota de colisão com toda uma geração de mulheres jovens educadas. Nas cidades, cerca de metade delas diz que não tem planos de se casar, e queixas online sobre discriminação de gênero e normas patriarcais são comuns.

Em terceiro lugar, o passado imaginado de estabilidade imperial ao qual Pequim supostamente busca retornar é uma miragem. A verdadeira fonte de estabilidade da China tradicional não era o imperador, muito menos qualquer conjunto de declarações ideológicas vindas de Pequim. A China Imperial era um Estado de alcance limitado. Para o bem e para o mal, a verdadeira estabilidade da sociedade e do governo imperiais tinha raízes em uma rede arraigada de instituições sociais — laços familiares extensos, clãs, templos, guildas mercantis e vínculos entre proprietários e inquilinos — que estruturavam e ordenavam o dia a dia das pessoas comuns.

Não haverá retorno ao passado clássico da China, porque o Partido obliterou todos os laços com ele. A China de hoje não pode cultivar organicamente algo novo, porque o Partido está constantemente arrancando qualquer broto que surja — e salgando a terra para evitar que outros criem raízes.

De volta para o futuro: a China dos anos 1950. Se a história imperial e a tradição clássica não podem fornecer uma forma alternativa de governança, o que dizer das versões anteriores do governo do PCC? Poderiam ser uma opção?

É para onde Xi quer ir. Ele busca um retorno a uma forma idealizada de governo do Partido no estilo dos anos 1950, com ele no centro. Em 2017, ele citou Mao no Congresso Nacional do Povo: “Partido, governo, militares, civis, academia; leste, oeste, sul, norte, centro — o Partido lidera tudo”. Então ele colocou o slogan na carta do PCC como um princípio político central. Em uma reversão da era das reformas, o Partido agora está aumentando seu controle sobre empresas privadas, “sinicizando” religiões como o islamismo e o cristianismo e retornando os funcionários do PCC à gestão do ensino superior.

Ao querer voltar aos anos 1950, Xi está dando um amplo espaço ao caótico maoísmo dos anos 1960. Ele quer controle de cima para baixo, não movimentos de rua de baixo para cima. De fato, o slogan central — yi gui zhi dang, yi fa zhi guo (“usar regulamentos [do Partido] para governar o Partido, usar a lei para governar o país”) — é a linguagem de um gerente de nível médio assoberbado, e não de um revolucionário de sangue quente. Se Mao nos anos 1960 dizia às pessoas para “bombardear o quartel-general”, a versão de Xi nos anos 2020 é “fiquem quietos e sigam as ordens”.

Superficialmente, a ideia de governar a China por meio de um PCC renovado, expurgado do populismo maoísta, não é implausível. De fato, alguns argumentariam, isso tem base nas próprias forças institucionais da China. O partido-Estado chinês não é algo insignificante, mas uma tecnocracia bem-organizada, com capacidades profundas e tradições milenares de governança burocrática eficaz. Esse partido-Estado não navegou pelos recifes e escolhos da era das reformas por décadas por meio de um planejamento cuidadoso de longo prazo? Por que não seria capaz de fazê-lo no futuro?

E é aí que reside o problema.

Quanto mais qualquer instituição — seja na China ou em outro lugar — concentra o poder em uma única pessoa, mais a própria instituição se deteriora. As distinções entre a pessoa do líder e a própria instituição entram em colapso. Subordinados temem cada vez mais relatar más notícias. Canais de informação se fecham. Cultos de personalidade se formam. A perícia técnica dá lugar à adulação ideológica. Cortesãos lutam por favores. As políticas de Estado começam a mudar de forma errática. A política de sucessão bizantina começa a ganhar destaque.

Obviamente, o declínio da China está apenas em seus estágios iniciais. Órgãos-chave do PCC ainda se reúnem, ainda que em horários mais erráticos. Ministros de Estado desaparecem sem explicação, mas — ainda — não aparecem mortos. Centros do “Pensamento de Xi Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era” estão proliferando nas faculdades chinesas, enquanto jornais do PCC que costumavam publicar densos ensaios sobre a ideologia marxista agora publicam apenas citações de Xi. Mas as próprias reflexões ideológicas de Xi ainda não foram reduzidas a algo tão cativante, harmonizado ou fácil de comunicar como as de Mao.

Aumento dos riscos internos. Como seria esse futuro? É aqui que alguns políticos e comentaristas de Washington pintam os líderes de Pequim como mestres do mal, dotados de recursos ilimitados, elaborando cuidadosamente planos de longo prazo com títulos impressionantes para alcançar a dominação regional ou até mundial. E isso logicamente leva outros a começarem a falar sobre a suposta necessidade de uma nova Guerra Fria de décadas para derrotar a China.

Mas essa China hipercompetente de potencial ilimitado não é o que vejo. Para mim, essa é uma versão distorcida. O que vejo, em vez disso, é uma China em decadência. O país hoje se assemelha menos a uma potência em rápida ascensão, como a União Soviética ou o Japão na década de 1950 — cheios de vigor, à beira de uma expansão de décadas — e mais a uma mistura da estagnada URSS da era Brezhnev e do Japão dos anos 1990, após o colapso de sua bolha econômica e a entrada em um longo período de crescimento lento. Descansando como uma colcha de retalhos sobre tudo isso está um mosaico de políticas maoístas não resolvidas, tensões sociais latentes da era das reformas (a desigualdade agora é tão acentuada quanto nos Estados Unidos) e a realidade iminente de a China se tornar (por volta de 2050) a sociedade mais envelhecida do mundo.

Nada disso é para negar os riscos muito reais de confrontos sino-americanos durante a próxima década sobre uma série de interesses conflitantes, como políticas industriais ou Taiwan. Mas a retórica distópica e exagerada emitida por Washington (e Pequim) em relação aos temores de (ou reivindicações de) um “século chinês” ou de um “desafio geracional” é imprecisa.
A própria era da contrarreforma de Xi está no centro dos crescentes problemas internos da China. Muitos acham o ambiente ideológico sufocante. Outros temem que seus filhos enfrentem perspectivas econômicas reduzidas e que as tendências políticas estejam minando a governança na RPC.

Preocupados com o futuro, alguns na China já estão procurando uma saída. O número de milionários deixando o país está aumentando constantemente, de 10.800 em 2022 para 13.800 em 2023 e uma projeção de 15.200 em 2024. Os ricos da China estão cada vez mais optando por redirecionar seu dinheiro para Cingapura, enquanto um número crescente de profissionais de classe média está optando por cruzar o Pacífico e enfrentar as selvas sem estradas e infestadas de bandidos do Tampão de Darién em uma perigosa jornada por perspectivas incertas na fronteira dos EUA.

A erosão política e o mal-estar econômico da era da contrarreforma correm o risco de reativar uma cepa virulenta e perigosa da política chinesa que esteve dormente por décadas.

Os piores perigos para a China e seus cidadãos, no entanto, estão por vir. A erosão política e o mal-estar econômico da era da contrarreforma correm o risco de reativar uma cepa virulenta e perigosa da política chinesa que esteve dormente por décadas. Políticas de divisão e mobilização em massa foram ferramentas centrais de governança sob Mao. As autoridades colocavam segmentos da sociedade uns contra os outros — muitas vezes violentamente — para consolidar o domínio do Partido, impor conformidade ideológica, comprar lealdade com recursos saqueados e promover alguns líderes ou classes enquanto rebaixavam outros.

Com a era das reformas, pensava-se que essas táticas haviam sido relegadas à história por uma geração de líderes que carregavam cicatrizes pessoais da Revolução Cultural. Mas na China de hoje, é fácil imaginar como os novos governantes de Pequim — assim como seus colegas em outras partes do mundo — poderiam decidir tirar o pó do manual populista de Mao para lidar com a raiva social sobre a economia, ou para acelerar ainda mais a China no caminho do governo personalista de um homem só. E muitos dos movimentos recentes de Pequim — aumentando os temores de movimentos separatistas de minorias, suscitando preocupações sobre espionagem estrangeira e tirando da internet referências aos fundadores bilionários de algumas das empresas privadas mais conhecidas da China — colocam o país perigosamente perto de falhas sísmicas que atravessam profundamente a sociedade chinesa. Se elas se abrirem em um momento de crise, a China poderá ser arrastada ainda mais para os recessos sombrios de seu próprio passado.

No septuagésimo quinto aniversário do nascimento da RPC, essa é a verdadeira ironia. À medida que a China avança mais profundamente na era da contrarreforma, os piores inimigos do país não são as ameaças externas que Pequim imagina em cada esquina, nem as crescentes tensões domésticas que o regime quer desesperadamente suprimir. São os próprios demônios históricos e institucionais da China que os líderes da RPC estão em processo de reviver.

***
Outras edições do Journal of Democracy, da Plataforma Democrática (Fundação FHC e Centro Edelstein de Pesquisas Sociais), estão disponíveis de graça.


*Carl Minzner é professor da Fordham Law School e pesquisador sênior de Estudos da China no Council on Foreign Relations. Ele é autor de "End of an Era: How China’s Authoritarian Revival is Undermining its Rise" ["O fim de uma era: como o renascimento autoritário da China está minando sua ascensão"] (2018).

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