Edição de Sábado: O renascimento de um santuário
Durante as queimadas recordes que atingiram o Pantanal no ano passado, o empresário e ambientalista Roberto Klabin teve consumidos pelo fogo mais de 40 mil dos 53 mil hectares de sua propriedade no município de Miranda, no Mato Grosso do Sul. A área incinerada equivale a 40 mil campos de futebol padrão Fifa. “Tive um prejuízo de mais de R$ 7 milhões, fora a perda de vida selvagem, que é incalculável. Foi uma coisa horrorosa ver aqueles bichos todos queimados”, lamenta o proprietário da pousada e refúgio ecológico Caiman, referência no turismo de observação de fauna selvagem.
Aos 69 anos, o empresário de jeito assertivo, raciocínio rápido e forte sotaque paulistano acumula mais de quatro décadas de militância na área ambiental. Na segunda metade dos anos 1970, quando era estudante da Faculdade de Direito da USP, Klabin conheceu nomes como Fábio Feldman, com quem viria a fundar, em 1986, a organização não governamental SOS Mata Atlântica.
O fato de ser herdeiro da gigante de papel e celulose fez com que fosse visto com desconfiança por outros ativistas. Ao mesmo tempo, era tido como excêntrico e comunista por seus pares do mundo empresarial. Mas foi juntando as facetas de homem de negócios e ambientalista que Klabin presidiu a SOS Mata Atlântica por 22 anos, captando recursos e dando visibilidade à instituição. Em 2009, cofundou o Instituto SOS Pantanal e hoje está à frente do Instituto Life, voltado para conservação da biodiversidade. Integra também o conselho de administração e o comitê de sustentabilidade da Klabin e é presidente do conselho da Brazilian Luxury Travel Association.
Vida selvagem
A menina dos olhos do empresário, no entanto, é a Caiman. “É ali onde quero experimentar minhas ideias doidas e deixar o meu legado.” No começo dos anos 1980, o empresário herdou as terras onde passava as férias de infância e adolescência no Pantanal e criou um refúgio ecológico que abriga mais de 500 espécies de animais, incluindo onças-pintadas, antas, jacarés, tamanduás-bandeira, queixadas, veados-campeiros, capivaras, lobinhos e centenas de espécies de aves.
No local, estabeleceu uma pousada de alto padrão, onde os turistas pagam diárias de mais de R$ 5 mil para fazer safáris, trilhas e passeios de canoa em meio à vida selvagem. O ator norte-americano Harrison Ford, o príncipe japonês Akishino, o fundador da Intel, Gordon Moore, e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso estão entre as figuras conhecidas que já se hospedaram na Caiman.
Com a ideia de unir turismo com pesquisa científica, Klabin abriu a propriedade para projetos pioneiros de conservação ambiental. É o caso do Instituto Arara Azul, da bióloga Neiva Guedes, que, desde 1998, desenvolve ali seu trabalho de preservação da espécie que é símbolo do Pantanal. Guedes e sua equipe foram responsáveis por criar ninhos artificiais que ajudaram a arara azul a sair, em 2014, da lista brasileira de animais ameaçados de extinção.
Foi também na Caiman onde, a partir de 2011, a ONG Onçafari passou a oferecer passeios para avistar onças se movimentando livremente na natureza. O modelo de habituar o maior felino das Américas à presença de veículos com turistas foi inspirado nos safáris da África e trazido para o Brasil pelo ex-piloto de corridas Mario Haberfeld.
“Achavam que era coisa de maluco, mas o Roberto apostou nessa ideia. Sem ele, não teríamos tido um lugar para iniciar nossas atividades”, conta Haberfeld, fundador e CEO do Onçafari, que promove a conservação das onças por meio do ecoturismo. Antes das queimadas, a estimativa era de cerca de 60 onças circulando pela propriedade de Klabin.
Paraíso em chamas
A maior parte desse paraíso ecológico, no entanto, virou cinzas com os incêndios de agosto de 2024. “Ao sobrevoar de avião, vi aquilo tudo indo pro vinagre. Foi terrível”, recorda Klabin. O fogo começou a mais de 40 quilômetros da sede da Caiman no dia 23 de julho, quando um caminhão atolou e explodiu numa fazenda da região da Nhecolândia. Por conta da estiagem prolongada, dos ventos fortes e do acúmulo de matéria orgânica, as chamas rapidamente se alastraram pela região e, nove dias depois, chegaram à Caiman.
Mesmo com a ação dos brigadistas, pouco se pôde fazer para conter a força avassaladora das labaredas. “O fogo veio muito bravo, estrilando e arregaçando com tudo. Parecia filme de terror: nosso corpo ficava quente, os olhos ardiam e mal dava para respirar por causa da fumaça. Os bichos corriam de um lado para outro, desesperados. Eu me senti inútil porque não conseguia nem apagar o fogo e nem ajudar os bichos”, conta o assistente de campo Lucas Rocha, que atuou nos combates.
O céu noturno ganhou coloração laranja por conta das labaredas. “Não havia nada que parasse o fogo. Tínhamos 200 pessoas no combate, entre bombeiros, o pessoal da fazenda e do PrevFogo (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais), sete aviões jogando água e, sinceramente, aquilo não fazia nem cócegas”, lembra Haberfeld.
Diante do cenário apocalíptico, os hóspedes foram retirados às pressas do local. Após oito dias de combates aos incêndios, que só foram apagados com a chegada da chuva, a operação hoteleira da Caiman ficou suspensa por quase dois meses. “Não havia o que mostrar aos turistas. A paisagem ficou toda preta, queimada. Foi uma desgraça total”, lamenta Klabin.
Injeção de ânimo
Em meio ao clima de terra arrasada e desânimo geral, o empresário buscou agir rapidamente. “Chorar não adianta. Tenho essa habilidade: quando estou diante de um problema sério, coloco a cabeça para pensar e parto para ação.”
Klabin convocou uma reunião com os gerentes da Caiman e os principais encarregados dos projetos de conservação com objetivo de injetar ânimo na equipe traumatizada pela tragédia. A bióloga Fernanda Fontoura, coordenadora dos trabalhos de campo do Instituto Arara Azul lembra de ver os ninhos das araras azuis carbonizados e as palmeiras que fornecem os frutos que servem de alimento a elas todas queimadas.
“Isso aqui é um momento, o Pantanal vai se recuperar", declarou o empresário em vídeo divulgado nas redes sociais, ressaltando que é preciso aumentar a resiliência da propriedade e adaptá-la para um futuro de queimadas que virão.
Restauração da natureza
Numa primeira etapa, foi criada uma força tarefa junto com os projetos parceiros para restaurar a fauna e a flora da região. “Demos uma missão aos funcionários: como a pousada estava fechada e não havia mais hóspedes para atender, botamos todo mundo para trabalhar na restauração da natureza. Isso trouxe ânimo às equipes”, afirma Klabin.
Tanto a Caiman como o Onçafari e o Instituto Arara Azul lançaram campanhas nas redes sociais para arrecadar recursos e conseguiram levantar mais de R$ 2 milhões. Haberfeld, do Onçafari lembra que houve doações de pessoas físicas de alguns centavos até outras de R$ 100 mil, além da ajuda de patrocinadores e organizações internacionais.
Seguindo protocolo do Ibama, foi implementado um programa de alimentação suplementar para a fauna, já que boa parte das fontes de nutrientes tinha virado cinzas. Caminhões foram enviados duas vezes por semana para o CEASA de Campo Grande para buscar ovos, frutas e verduras. A cozinha do hotel passou a produzir comida para os animais. Funcionários cortavam os alimentos e os distribuíam próximos a locais onde os bichos bebem água.
Abrigos para os animais
Uma série de abrigos foram construídos para proteção da fauna. A ideia surgiu após uma soneca de Klabin. “Achei estranho porque o Roberto nunca se retira às 3 da tarde para descansar. Aí ele volta um tempo depois e diz: ‘Tive uma ideia. E desenhou o que tinha imaginado’”, conta Luciana Fabbri, gerente de operações da Caiman.
A inspiração para os abrigos veio da observação de fotos de onças se refugiando dentro de manilhas (estruturas de concreto normalmente usadas para escoar água) durante os incêndios. “Pensei: se as onças se escondem nas manilhas, posso espalhar pela fazenda um monte de manilhas cobertas por terra. Manilhas de tamanhos diferentes, para animais de maior ou menor porte. Ao lado, furo poços e cavo açudes, que servirão de bebedouro para os animais”, explica Klabin.
Turismo regenerativo
Bichos que ficaram feridos pelo fogo — incluindo duas antas, Melancia e Valente, que tiveram queimaduras graves nas patas — foram resgatados e tratados em recintos do Onçafari. “Usamos pele de tilápia para ajudar na recuperação das lesões”, explicou Ricardo Arrais, veterinário da ONG. Segundo Haberfeld, a ideia é criar uma miniclínica de emergência no local. “Nesse último incêndio, resgatamos duas onças que ficaram feridas e foram enviadas para tratamento em Campo Grande e em Brasília. Muitas vezes esse transporte é feito de helicóptero. Isso causa um grande estresse nos animais. O melhor é levar veterinários para atuarem onde os bichos estão”, explica.
No final de setembro, a Caiman retomou suas atividades hoteleiras, após as chuvas que fizeram o verde voltar a brotar em meio à paisagem queimada. Além das atividades habituais, a pousada passou a oferecer aos hóspedes um “turismo regenerativo”, que permite acompanhar as ações de restauração. Mais de 1.500 mudas de espécies nativas, como piúva e manduvi, começaram a ser espalhadas pela propriedade e, em breve, caixas com abelhas serão distribuídas para ajudar na polinização.
Construindo resiliência
Na visão de Klabin, é preciso aumentar a resiliência aos incêndios do Pantanal como um todo, já que serão cada vez mais frequentes por conta da crise climática. A solução, segundo ele, começa pela prática da queima prescrita, que faz uso controlado do fogo para “limpar” a biomassa de áreas específicas após as chuvas. Com isso, cria-se uma barreira natural para evitar o espalhamento do fogo quando ocorrem os incêndios florestais na época da seca, já que não há matéria orgânica para queimar nesses locais “limpos”.
Para adotar a prática do uso controlado do fogo, os proprietários rurais precisam de autorização dos órgãos ambientais estaduais. Klabin defende que a queima prescrita seja feita logo após as primeiras chuvas, com as licenças dadas rapidamente pelos órgãos responsáveis e acompanhamento das autoridades durante o processo.
“Se a Caiman não tivesse feito queima prescrita em determinadas áreas em maio e junho, a propriedade inteira teria queimado em agosto, inclusive a pousada e a vila dos funcionários”, aponta Eder Merino, professor do departamento de Geografia da Universidade de Brasília. Ex-guia turístico da Caiman, Merino faz o monitoramento de imagens de satélite, umidade do solo e risco de incêndio do local.
Brigadas e retardantes
Klabin propõe o monitoramento e a criação de brigadas por todo o bioma, dividindo o Pantanal em quadrantes de 200 quilômetros quadrados. Cada quadrante teria uma brigada contra incêndio, avião, pista de pouso, infraestrutura de monitoramento e gente treinada. Assim, quando um foco de incêndio começar, a ação é imediata, evitando que o fogo se alastre e se torne incontrolável.
O fogo que atingiu a Caiman no ano passado teve início com um caminhão que explodiu na região da Nhecolândia e andou 80 quilômetros de norte a sul e 60 quilômetros de leste a oeste, queimando um total de 300 mil hectares. “Se tivesse sido apagado no início, nada disso teria acontecido”, diz Klabin.
Tanto Klabin como Haberfeld defendem o uso de retardantes de chamas, produtos químicos misturados à água que é lançada pelos aviões para potencializar os combates contra o fogo. Tais retardantes são usados contra incêndios florestais nos EUA e no Canadá, mas há temores em relação ao risco de contaminação em áreas úmidas como o Pantanal. Mas dizem que vão estudar junto com o Ibama formas de usar esses produtos de maneira segura no Pantanal.
Pacto pela natureza
Klabin integra um grupo de mais de 50 executivos, economistas e empresários — incluindo Candido Bracher, ex-presidente do Itaú Unibanco; Walter Schalka, ex-CEO da Suzano; e Pedro Bueno, vice-presidente do conselho executivo da Dasa — que assinaram um pacto no final de agosto de 2024 para unir esforços no enfrentamento às mudanças climáticas.
“Não temos à mão fórmulas prontas, soluções fáceis. Mas, como cidadãos perplexos com o impacto socioeconômico dos eventos extremos e com o despreparo da nossa nação, manifestamos aqui nosso compromisso de buscar as saídas em conjunto com toda a sociedade”, afirma o “Pacto Econômico pela Natureza” publicado como anúncio pago em jornais de grande circulação.
Klabin integrou o grupo que foi à Brasília entregar o documento à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. “O que gente quis dizer é o seguinte: ‘Em vez de nós, da iniciativa privada, ficarmos reclamando e apontando o dedo para o governo, vamos trabalhar em conjunto?”, afirma o empresário que filiou-se ao Partido Verde na primeira candidatura de Marina Silva à presidência em 2010, mas nunca exerceu atividade partidária.
A primeira bandeira do grupo de empresários e economistas foi atuar pela aprovação do projeto de lei que cria o mercado regulado de créditos de carbono no Brasil. O texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados e sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em dezembro último. “Agora há um pedido para que a gente contribua com o governo com sugestões para o Brasil mostrar bons resultados de descarbonização na COP 30 em Belém”, diz Klabin.
Na avaliação do empresário, a geração de seus netos enfrentará tempos difíceis e perigosos nas próximas décadas, com migração em massa de refugiados climáticos, desertificação, perda de alimentos e de biodiversidade.
“Será uma situação extremamente complexa, mas temos que nos preparar para ela. Não adianta ficar se lamentando: ‘Ai, o mundo vai acabar’. Essas coisas, na realidade, me dão ânimo, fico pilhado, querendo resolvê-las. Posso fazer um monte de besteiras, mas uma coisa ou outra dá certo”, aposta.
Jejum de dopamina?
Oito átomos de carbono e onze de hidrogênio, que constituem a estrutura base, dando forma a um anel aromático e cadeias laterais. Dois átomos de oxigênio se ligam a esse esqueleto, conferindo solubilidade. É essa propriedade, a capacidade de a molécula dissolver-se, que a permite se mover pelo ambiente aquoso dos fluidos corporais, como o sangue, até alcançar e interagir com receptores em diferentes áreas do cérebro e da medula espinhal. Além disso, um átomo de nitrogênio se conecta ao arranjo, formando uma amina – responsável por dar a luz verde para a transmissão de sinais químicos no sistema nervoso. Quando liberada por um neurônio estimulado, essa substância se funde rapidamente aos receptores da célula vizinha, liberando sensações de prazer. Todo esse processo de liberação e ligação aos receptores acontece em apenas 1 ou 2 milissegundos. O bem-estar dura mais, de 5 a 30 segundos. O suficiente para viciar? Ou ainda, será que você está viciado nesta substância?
A última questão, sobretudo, é aventada repetidamente em vídeos que inundam as redes sociais. “Eu estou me desintoxicando do vício em dopamina”, anuncia a influenciadora Isadora Pompeo em um vídeo de 3 minutos e 52 segundos, e 44,6 mil curtidas no TikTok. “Cada pessoa pode ter uma causa. No meu caso, é a internet. Essa sequência de vídeos curtos, de conteúdo fácil, [desperta o que] se chama dopamina barata. Você adquire um prazer tão rápido que não sustenta ou se satisfaz com aquilo. Então você busca, busca e busca. Porque, afinal de contas, a dopamina é a coisa mais viciante que existe. Consegue ser a melhor e a pior coisa, se usada da maneira errada”, completa.
Outra gravação, essa do hipnoterapeuta João Jucá, indica “5 sinais de que você está viciado em dopamina”. São eles: aumento da ansiedade, muito tempo gasto com redes sociais, não conseguir finalizar leituras de livros e atividades corriqueiras, como arrumar a casa, e a falta de interação social. E alerta: “Existem outros comportamentos que estão associados ao vício em dopamina. Se você quer saber mais, curte para a parte 2 do vídeo”.
A dopamina é um neurotransmissor, um mensageiro essencial para regular diversas funções orgânicas. Até meados dos anos 1950, cientistas entendiam a molécula, que recebia o nome de 3,4-di-hidroxifenetilamina, apenas como uma substância formadora de outros produtos químicos. Em 1952, ela ganhou seu nome e estudos voltados a entender sua função. Nessas primeiras pesquisas, feitas com ratos, os cientistas James Olds e Peter Milner implantaram e ativaram eletrodos em diferentes regiões do cérebro dos animais. Perceberam, assim, que os ratos pareciam gostar de determinados estímulos. Depois, deixaram com que eles mesmos acionassem os impulsos elétricos através de alavancas e voilá: os bichanos passavam o dia estimulando as mesmas áreas cerebrais. Desistiram de qualquer outra tarefa, pararam de comer e de se reproduzir: estavam viciados. As zonas identificadas como os centros de recompensa continham uma série de neurônios com receptores para a dopamina. Daí surgiu a associação entre o vício e o neurotransmissor. No entanto, tal ligação direta caiu por terra nos anos 1980, quando outras pesquisas constataram que, mesmo lesionando ou matando células de dopaminas em animais, eles seguiam vivos e buscando outras fontes de prazer.
Associada majoritariamente ao bem-estar, a dopamina atua de maneira muito mais refinada e em diversos processos do corpo. No Sistema Nervoso Central (SNC), em vez de simplesmente gerar prazer como resposta aos estímulos ambientais, funciona como uma espécie de “farol”, iluminando aquilo que é relevante para o nosso cérebro, com base em experiências passadas. Quando somos expostos a algo familiar, ela chama nossa atenção para isso, ajudando a estabelecer conexões entre memória e estímulos presentes. Esse processo é o que os neurocientistas chamam de “saliência de incentivos”. Ela nos motiva, portanto, a nos conectarmos ao que faz sentido para nossas vivências.
É tão mais complexo que a dopamina pode, inclusive, gerar diferentes respostas de acordo com os receptores que ativa. Por exemplo, na região do estriado dorsal, se ela estimula o impulso elétrico nos receptores D1, o cérebro interpreta o estímulo como um reforço positivo — daí a sensação de prazer. Agora, se ativa os receptores D2, o sentimento é de perda ou punição. Essa molécula, então, atua como um modulador que nos orienta a focar no que é relevante para nossa adaptação ao ambiente, com base em experiências passadas.
Em outras palavras, a associação direta entre dopamina e vício simplifica o papel desse neurotransmissor, reduzindo-o a uma explicação fácil para o comportamento vicioso. A visão reducionista sugere que o problema poderia ser resolvido evitando estímulos específicos.
É possível jejuar?
Uma das medidas mais populares, e mais rasas, é o chamado “jejum de dopamina”. Esse conceito se espalhou como rastilho de pólvora pelas redes, ganhando notoriedade como uma solução para os excessos da vida moderna. Ele parte da ideia de que nossos cérebros estão sobrecarregados devido à constante exposição a estímulos, e que uma redução drástica nessas fontes de prazer imediato poderia ser uma forma de restabelecer o equilíbrio, diminuindo os níveis de dopamina e, assim, nos permitindo sentir mais bem-estar. Ou seja: basta parar de scrollar a tela do celular, de encontrar amigos, tomar um bom vinho, fazer sexo ou apreciar seu cigarro por um intervalo determinado de tempo. Integrar períodos de restrição ao cotidiano.
O mais curioso é que este termo, que não possui qualquer respaldo científico, tomou forma justamente no meio acadêmico. Foi criado pelo psicólogo Cameron Sepah, que estudou em Harvard e na Universidade da Califórnia. Ativo no Vale do Silício, Sepah também é investidor e mentor de muitos empresários do polo tecnológico. Ele alegou ter adaptado uma técnica de terapia comportamental chamada “controle de estímulos”, originalmente usada para tratar dependentes químicos, e aplicada aqui para reduzir comportamentos que geram picos de dopamina.
Contudo, um artigo publicado pela própria universidade na Harvard Health Publishing desmentiu a ideia de que o jejum de dopamina seria eficaz. A publicação esclareceu que muitas pessoas estavam encarando a molécula como uma substância nociva, como a heroína ou a cocaína, e realizando esses “jejum” com a crença equivocada de que, dando uma “pausa” para seus cérebros, os prazeres se tornariam mais intensos ao serem consumidos novamente, como se o estoque de dopamina pudesse se reabastecer.
Levar o conceito de “jejum” ao pé da letra, por exemplo, revela uma faceta ainda mais grave porque é impossível jejuar de dopamina sem consequências fatais. Ela é essencial para vários processos vitais do organismo. Atuando em áreas críticas do cérebro, como o hipocampo (responsável pela memória e pelo sono), o hipotálamo (que regula o sono e as funções hormonais), o tálamo (que controla a respiração e a atividade cardíaca) e os gânglios da base (que influenciam a atividade motora), esse neurotransmissor é indispensável para o nosso funcionamento diário. O sistema de recompensa, do qual faz parte, não pode ser desligado sem prejudicar a sobrevivência e o equilíbrio das funções do corpo. “O jejum de dopamina, criado pelo psiquiatra da Califórnia Dr. Cameron Sepah, tem muito pouco a ver com jejum ou dopamina. Infelizmente, com um nome tão chamativo, quem poderia resistir? É aqui que os equívocos começam”, cravou o médico Peter Grinspoon no artigo de Harvard.
De olho na concorrência ao Oscar
Se você está totalmente na torcida por Ainda Estou Aqui no Oscar, é bom saber um pouco mais sobre os filmes que concorrem com o longa de Walter Salles, indicado nas categorias de Melhor Filme, Melhor Filme de Língua Estrangeira e, claro, Melhor Atriz, pela interpretação de Fernanda Torres, que já levou o Globo de Ouro.
Quase todos os filmes que concorrem com o brasileiro poderão ser vistos no cinema ou nas plataformas de streaming até a data da cerimônia do Oscar, que acontece em 2 de março, um domingo de Carnaval. Por isso preparamos um pequeno guia para você conseguir se programar.
Anora, de Sean Baker.
Vencedor da Palma de Ouro em Cannes no ano passado, é uma história de Cinderela moderna. O filme acompanha Ani (Mikey Madison), uma dançarina erótica de Brighton Beach, Nova York, que se casa com Ivan (Mark Eidelshtein), filho mimado de um oligarca russo. A trama se divide em duas partes: a primeira, que apresenta o universo luxuoso e irresponsável de Ivan, e a segunda, que explode em humor e tensão quando a família de Ivan tenta anular o casamento. Com uma estética que alterna entre luzes neon e tons diurnos, Anora equilibra comédia, drama e crítica social.
Indicações no Oscar: Melhor Filme, Melhor Atriz (Mikey Madison), Melhor Direção (Sean Baker), Melhor Ator Coadjuvante (Yura Borisov), Melhor Roteiro Original e Melhor Montagem.
Onde assistir: em cartaz nos cinemas.
O Brutalista, de Brady Corbet.
Vencedor do Globo de Ouro de Melhor Filme de Drama e de Melhor Direção, é um épico de 3h36min que narra a trajetória de László Tóth (Adrien Brody), um arquiteto húngaro judeu que migra para os EUA no pós-Segunda Guerra Mundial. Apesar de sua genialidade no movimento arquitetônico brutalista, Tóth enfrenta miséria, preconceito e vícios até ser descoberto por um magnata (Guy Pearce), que o contrata para um projeto ambicioso. O Brutalista explora a ascensão e queda do protagonista, sua luta por reconhecimento e a subversão de sua arte como reparação histórica.
Indicações no Oscar: Melhor Filme, Melhor Direção (Brady Corbet), Melhor Ator (Adrien Brody), Melhor Ator Coadjuvante (Guy Pierce), Melhor Atriz Coadjuvante (Felicity Jones), Melhor Roteiro Original, Melhor Montagem, Melhor Fotografia, Melhor Trilha Sonora Original e Melhor Design de Produção.
Onde assistir: em cartaz nos cinemas.
Um Completo Desconhecido, de James Mangold.
Timothée Chalamet encarna Bob Dylan nessa cinebiografia do maior poeta da música americana. Com um roteiro escrito por James Mangold e Jay Cokes com base no livro Dylan Goes Electric, de Elijah Wald, o filme do mesmo diretor de Johnny & June pinta um Dylan obcecado pela música. Talvez por isso o ator apareça em cena quase o tempo todo, capturando com maestria todos os detalhes físicos e os trejeitos de Bob Dylan, numa atuação hipnotizante. Um dos trunfos do filme vem da direção de Mangold, que fez o ator cantar de verdade, o que imprime uma autenticidade que não se vê sempre em cinebiografias.
Indicações no Oscar: Melhor Filme, Melhor Ator, (Timothée Chalamet), Melhor Ator Coadjuvante (Edward Norton), Melhor Atriz Coadjuvante (Monica Barbaro), Melhor Direção (James Mangold), Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Figurino e Melhor Som.
Onde assistir: estreia nos cinemas em 27 de fevereiro.
Conclave, de Edward Berger.
O diretor vencedor do Oscar por Nada de Novo no Front recria a tensão e o suspense por trás da eleição de um novo papa, adaptando o livro de Robert Harris. O filme mergulha no ambiente fechado e intrigante do Vaticano, onde cardeais de todo o mundo se reúnem para escolher o próximo líder da Igreja Católica. A trama ganha contornos de thriller político com a morte repentina do papa, a revelação de segredos e a chegada de um misterioso cardeal mexicano. Ralph Fiennes, no papel de um cardeal responsável por organizar a votação, está brilhante ao transitar entre disputas internas e manobras nos bastidores.
Indicações no Oscar: Melhor Filme, Melhor Ator (Ralph Fiennes), Melhor Atriz Coadjuvante (Isabella Rossellini), Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Montagem, Melhor Figurino, Melhor Trilha Sonora Original e Melhor Design de Produção.
Onde assistir: em cartaz nos cinemas.
Duna Parte 2, de Denis Villeneuve.
O diretor mantém a abordagem centrada em Paul Atreides (Timothée Chalamet), priorizando seu conflito interno e jornada messiânica em detrimento de elementos políticos e arcos de personagens coadjuvantes. O filme expande a cultura Fremen, explorando temas como fanatismo religioso, tribalismo e profecias, com cenas perturbadoras e ritualísticas que envolvem alucinações e previsões. Visualmente, é uma obra-prima, com a fotografia transformando o deserto de Arrakis em um personagem vivo e o mundo Harkonnen em um cenário monocromático e cruel. As cenas de ação intensificam a experiência épica, e tornam o filme uma celebração da ficção científica e da fantasia.
Indicações no Oscar: Melhor Filme, Melhor Fotografia, Melhor Som, Melhores Efeitos Visuais, Melhor Design de Produção.
Onde assistir: Max (streaming), Apple TV, Prime Video e YouTube Movies (aluguel).
Emilia Pérez, de Jacques Audiard.
O filme que tem tido a disputa mais polêmica com Ainda Estou Aqui mistura thriller e musical em uma narrativa surpreendente e hipnotizante. Acompanha Rita (Zoe Saldaña), uma advogada subestimada recrutada pelo chefe do narcotráfico mexicano Juan “Manitas” Del Monte (Karla Sofía Gascón) para ajudá-lo em sua transição de gênero e desaparecimento do mundo do crime, assumindo a identidade de Emilia Pérez. Com números musicais inteligentes e coreografias discretas, o filme aborda temas como identidade de gênero, preconceito e redenção, enquanto explora a complexidade psicológica de seus personagens.
Indicações no Oscar: Melhor Filme, Melhor Filme de Língua Estrangeira, Melhor Atriz (Karla Sofía Gascón), Melhor Atriz Coadjuvante (Zoe Saldaña) Melhor Direção (Jacques Audiard), Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Montagem, Melhor Fotografia, Melhor Cabelo e Maquiagem, Melhor Som, Melhor Trilha Sonora Original e Melhor Canção Original (El Mal e Mi Camino).
Onde assistir: estreia nos cinemas em 6 de fevereiro.
Flow - À Deriva, de Gints Zilbalodis.
Única animação indicada a Melhor Filme de Língua Estrangeira nessa edição do Oscar, é bastante minimalista. A história acompanha um grupo de animais — um gato independente, um cachorro brincalhão, uma garça orgulhosa, uma capivara e um lêmure — que, após uma inundação devastadora, embarcam juntos em uma jornada de sobrevivência em um mundo pós-humano repleto de ruínas e elementos fantásticos. Sem diálogos, o filme explora a natureza instintiva dos animais, combinando humor, tensão e descobertas, enquanto a animação em 3D, com texturas chapadas e cores desbotadas, cria uma atmosfera misteriosa e envolvente.
Indicações no Oscar: Melhor Filme de Língua Estrangeira e Melhor Animação.
Onde assistir: estreia nos cinemas em 20 de fevereiro.
A Garota da Agulha, de Magnus von Horn.
Um conto de fadas sombrio e perturbador inspirado no expressionismo alemão, que retrata a luta de Karoline (Vic Carmen Sonne), uma jovem grávida e abandonada na Copenhague pós-Primeira Guerra Mundial. Após ser rejeitada pelo pai de seu filho e perder seu emprego como costureira, Karoline é lançada em uma espiral de miséria e isolamento, vivendo em condições sub-humanas. O filme, em preto e branco, explora temas como a crueldade social, o patriarcado e a luta pela sobrevivência, enquanto a protagonista tenta encontrar luz em meio ao caos.
Indicações no Oscar: Melhor Filme de Língua Estrangeira.
Onde assistir: Mubi (streaming) e Apple TV (aluguel).
Nickel Boys, de RaMell Ross.
Baseado no livro de Colson Whitehead, retrata a história real da Dozier School, um reformatório na Flórida marcado por abusos, segregação e violência. Ambientado em 1962, o longa acompanha Elwood Curtis (Ethan Herisse), um jovem negro injustamente enviado para a Nickel Academy, onde enfrenta brutalidade e exploração. A narrativa em primeira pessoa aproxima o espectador da experiência traumática de Elwood e de outros internos, como Turner (Brandon Wilson), enquanto saltos temporais revelam as consequências desses eventos. Com uma abordagem crua, explora temas como racismo, abuso infantil e resiliência.
Indicações no Oscar: Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado.
Onde assistir: sem previsão de estreia no Brasil.
A Semente do Fruto Sagrado, de Mohammad Rasoulof.
Em Teerã, durante uma crise política, Iman, um novo juiz de instrução, luta contra a paranoia e o esgotamento mental. Quando sua arma desaparece, ele suspeita de sua família e impõe medidas extremas, prejudicando os laços familiares. A trama explora poder, desconfiança e os efeitos psicológicos de crises sociais. Iman tenta equilibrar seu papel profissional com as consequências de suas escolhas pessoais. O desaparecimento da arma revela segredos e o impacto de sua paranoia nas relações familiares. A história questiona os limites da pressão sobre um indivíduo e seus efeitos na dinâmica familiar durante crises.
Indicações no Oscar: Melhor Filme de Língua Estrangeira.
Onde assistir: em cartaz nos cinemas.
A Substância, de Coralie Fargeat.
O filme que transcende o rótulo de terror para explorar medos contemporâneos de forma visceral e crítica. Centrado na personagem Elisabeth Sparkle (Demi Moore), uma estrela da aeróbica dos anos 1980 enfrentando o declínio de sua carreira, o longa aborda temas como o narcisismo, a ditadura da beleza, o envelhecimento e a relação entre criador e criatura, ecoando clássicos como Frankenstein e O Retrato de Dorian Gray. Com uma estética que homenageia o cinema experimental e mestres como David Cronenberg, Brian De Palma e Stanley Kubrick, o filme combina horror corporal e crítica social. Além disso, marca a melhor atuação da carreira de Demi Moore, tornando-se uma experiência cinematográfica ousada e reflexiva, que vai muito além do gênero de terror.
Indicações no Oscar: Melhor Filme, Melhor Atriz (Demi Moore), Melhor Direção (Coralie Fargeat), Melhor Roteiro Original e Melhor Cabelo e Maquiagem.
Onde assistir: Mubi (streaming) e Apple TV (aluguel).
Wicked, de Jon M. Chu.
Baseado no musical da Broadway, é um prelúdio à história do Mágico de Oz. Elphaba, uma jovem de pele verde, e Glinda, uma garota popular e privilegiada, se tornam amigas improváveis na Universidade de Shiz. Suas diferenças de personalidade e objetivos afetam seu relacionamento e como são vistas em Oz. A história explora as origens da Bruxa Boa e da Bruxa Má do Oeste, revelando eventos que precedem a chegada de Dorothy. Cinemão hollywoodiano que surfa no carisma pop de Ariana Grande.
Indicações no Oscar: Melhor Filme, Melhor Atriz (Cynthia Erivo), Melhor Atriz Coadjuvante (Ariana Grande) Melhor Montagem, Melhor Som, Melhor Trilha Sonora Original, Melhores Efeitos Visuais, Melhor Figurino e Melhor Design de Produção.
Onde assistir: em cartaz nos cinemas e Apple TV, Prime Video e YouTube Movies (aluguel).
Nesta semana, nossos leitores foram atraídos por temas bastante variados, de acidente aéreo à explosão do DeepSeek, da cultura hygge aos campeões de audiência Panelinha e Ponto de Partida. Confira os mais clicados.
1. g1: Os vídeos que mostram a colisão entre um avião comercial e um helicóptero militar na região de Washington, nos Estados Unidos.
2. Meio: Contamos a história do DeepSeek, a plataforma de IA generativa chinesa de baixo custo que abalou Wall Street nesta semana.
3. Estadão: Já ouviu falar em cultura hygge? Entenda o conceito dinamarquês que ajuda a criar espaços acolhedores e experiências prazerosas em casa.
4. Meio: No Ponto de Partida, Pedro Doria volta a falar sobre identitarismo, defendendo que, ao encampar uma luta por direitos com intransigência, veremos uma redução de direitos de mulheres, de negros e da comunidade LGBTQIA+.
5. Panelinha: Piadina com salada caprese e rúcula, sanduíche perfeito, criado com um pão que demora menos de meia hora para fazer e é assado na frigideira.