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Edição de Sábado: A criptocracia de Trump

Olhos grudados na tela do computador, movimentos rápidos do mouse, dez, vinte, quarenta, talvez mais de cem janelas abertas no navegador, 475 pessoas observam, analisam, comentam e começam a investir em uma nova moeda digital — uma memecoin — sendo divulgada em transmissão ao vivo por seu criador, um jovem americano de não mais que 15 anos de idade.

No vídeo, o garoto está eufórico ao ver sua moeda ganhar valorização astronômica em poucos segundos com a entrada de mais e mais investidores. Emite grunhidos, grita muitos palavrões, se levanta diversas vezes de sua cadeira. Em poucos minutos, a moeda atinge um novo patamar de arrecadação aparentemente impensável para o rapaz. Neste momento, ainda muito excitado, ele gesticula para a câmera, exclama mais palavrões, cerra os dentes, fecha o semblante, dá uma risada nervosa enquanto levanta o dedo do meio em riste para seus incautos investidores e simplesmente vende toda sua cota de moedas recém criadas, devorando quase toda a liquidez do valor atingido e, num efeito cascata, gerando perdas financeiras significativas para seus investidores, além de um tumulto generalizado na ainda pequena bolha dos cryptotraders. Fim da transmissão.

Todos os dias são lançadas no mercado, em apenas uma das plataformas de criação de memecoins, aproximadamente 50 mil novas moedas. Vamos repetir: todos os dias, 50 mil novas memecoins são criadas.

Episódios como esse que citamos são comuns. Nem sempre com transmissões ao vivo, mas diante da tela de cada trader de memecoin. Eles assistem à dança sinuosa, rápida e perigosa de pequenas barrinhas de cor verde e vermelha, conhecidas no mercado financeiro como candles. Barrinhas que indicam o que se está comprando ou vendendo em movimentos de sobe e desce vertiginosos de preços nos terminais de negociação de ativos digitais.

As criações são as mais diversas: identitárias, políticas, divertidas, tecnológicas, enigmáticas, carismáticas, escatológicas, sem sentido ou cruéis. Tem para todos os gostos e bolsos. Acompanhar o mercado e os lançamentos é uma tarefa árdua que permeia o entendimento de como narrativas são criadas, captadas ou cooptadas. Também é preciso um belo trabalho de investigação, que pode ser feito solitariamente ou em grupos, um tanto de conhecimento sobre investimentos e dinâmica de mercados, o uso de diversos sites e uma pitada de astúcia em espionagem para descobrir carteiras digitais de grandes investidores ou estelionatários e segui-las.

No mundo das criptomoedas, quase tudo pode ser transformado em narrativa, em meme e, consequentemente, em memecoin, especulação e investimento, resultando na formação de novos milionários, empatados frustrados ou grandes novos falidos. Sem dizer que qualquer pessoa sem conhecimento técnico e com baixíssimo investimento pode criar sua própria memecoin.

A cultura das memecoins

Kabosu era o nome de uma cadela da raça shiba inu. É também a face que estampa uma das memecoins mais conhecidas do mundo das criptomoedas, a Dogecoin. O cão fora adotado por uma professora do pré-primário no Japão e tinha sua vida documentada em um blog, tornando-se uma sensação viral por meio de memes criados por usuários onde era comum ter a foto de um shiba inu junto a pequenos textos. Esse meme começou a ser conhecido como Doge e, possivelmente, foi um dos melhores e mais divulgados do ano de 2010.

Em 2013, os programadores Billy Markus e Jackson Palmer queriam criar uma criptomoeda que fosse divertida e que atingisse um público mais amplo do que o Bitcoin conseguira até aquele momento. Também buscavam se afastar de histórias controversas que rondavam outras moedas. Em sua conta no Twitter, Palmer começou a receber indicações de amigos e seguidores sobre o que fazer. Inspirado pelas fotos da Kabosu e dos memes Doge, comprou um domínio na internet chamado dogecoin, pegou então uma das fotos da cadela, aplicou o nome com a mesma fonte dos memes e, a partir dali, estaria criada a Doge(coin), utilizando uma tecnologia própria de transações inspirada por e adaptada de outras moedas.

Em 19 de dezembro de 2013, em apenas treze dias desde sua criação, a Doge obteve uma valorização de 300%, com bilhões de dogecoins transacionadas por dia. Essa valorização foi enormemente impulsionada pelo mercado asiático, onde, à época, o governo chinês estava restringindo e proibindo os bancos chineses de comercializarem Bitcoins.

A moeda do cãozinho atraiu a atenção de Elon Musk em abril de 2019, quando ele fez o seu primeiro tweet divulgando a memecoin. A campanha de pump se estendeu por 2 anos, até o fatídico dia em que Musk foi a estrela convidada do Saturday Night Live. No mesmo minuto em que seu esquete sobre a Dogecoin foi ao ar em um dos programas de maior sucesso da TV americana, para delírio dos fãs, o preço da moeda despencou de US$ 0,70 para US$ 0,25, para desespero dos “investidores”. Um dump bilionário. Pump e dump são a base da estratégia de qualquer investimento, elevados à enésima potência no mundo cripto.

Atualmente a Doge ainda possui uma base de seguidores enorme, tendo Musk como um dos principais “acionistas”, levando até mesmo o nome da moeda ao seu próprio departamento junto do governo Trump: Department of Government Efficience, ou Doge.gov. Num primeiro momento, o site oficial ostentava um meme do shiba ino, que não está mais lá.

A boiada passando

O libertarianismo do universo cripto encontrou em Donald Trump um grande aliado. Os “crypto bros”, a começar com Elon Musk, abraçaram a candidatura republicana e o que começou como uma castiça paquera, na proporção que as doações em criptomoedas foram se acumulando no tesouro do candidato, ganhou ares de sacanagem em festa do P’Diddy. Na Câmara e no Senado, a mesma coisa. Candidatos apoiados pela criptocracia passaram o rodo nos deputados incumbentes que os perseguiam.

Seguindo sua tradição, Trump já foi verborragicamente contrário às criptomoedas, chegando a chamá-las de “desastre prestes a acontecer” em 2021. Até que enxergou como fazer dinheiro com elas. Na sexta-feira que antecedeu a posse de Trump, foi criada a sua memecoin. No dia da posse, a da primeira dama. A memecoin do presidente bombou até sair a $Melania. Aí caiu de US$70 pra US$35 — uma drenagem de liquidez para os donos do projeto —, enquanto a de Melania atraía as atenções na segunda. De terça para frente, as duas se mantiveram estáveis, com tendência de baixa.

Nessa onda, apoiadores de Jair Bolsonaro também lançaram uma memecoin, a Patriota Coin. No perfil oficial no X, os criadores da criptomoeda definem o token como “imorrível, imborchável, incomóvel e intributável”. Está tomando forma a captação das memecoins por políticos que usam essas criptomoedas para angariar apoio de gente que talvez não saiba exatamente no que está se metendo, mas se mete em nome da causa que eles representam. Mais da metade das pessoas que entraram no frenesi das moedas $Trump e $Melania nunca haviam comprado uma criptomoeda antes. É a transmutação de investimento em militância, em que um lado claramente sai no lucro.

A fricção de entrada do dinheiro e usabilidade das carteiras e bolsas descentralizadas está muito melhor do que no último ciclo, há três anos. Isso porque a capacidade de transações da Solana se provou madura e emergiu como uma forte competidora à Ethereum para transações de baixa latência e baixíssimo custo. Em um piscar de olhos, veremos mais e mais celebridades e projetos aderindo a essa nova forma de capitalização.

A adoção de transações em criptomoedas pelo consumidor comum é uma realidade tanto no Brasil quanto no restante do mundo, impulsionada pelo avanço tecnológico, pela integração de novas facilidades oferecidas por operadoras de cartão de crédito e portais de pagamento, passando até pelo receio de que moedas oficiais governamentais, como o real, sejam totalmente digitalizadas (DREX no Brasil). Essa tendência reflete tanto a busca por alternativas financeiras inovadoras quanto a desconfiança em relação ao controle centralizado de moedas digitais estatais.

Imagine agentes de IA autômatos criando narrativas independentes e desenvolvendo sistemas monetários próprios, totalmente à margem do controle humano. Esse horizonte, que já atrai investimentos e experimentações de startups pioneiras, não só abre possibilidades disruptivas como coloca em xeque noções estabelecidas sobre soberania financeira e criação de valor.

O casal mais poderoso do mundo só conseguiu arrecadar bilhões de dólares na semana de lançamento de sua criptomoeda porque a perseguição dos reguladores acabou. Com a SEC sob nova direção, altamente favorável, os brothers estão livres para empreender e transformar os EUA na capital mundial das criptomoedas.

Ok, sabemos que você está doido para aprender como Donald e $Melania $Trump já movimentam mais de US$ 3 bilhões em um único dia de negociação. Ah, já ia esquecendo que talvez você só saiba medir riqueza em ativos fósseis. Pois bem, as duas memecoins oficiais da família Trump já tem um volume diário de negociações 15 vezes maior do que Petrobras. E isso é só o começo. Sente-se na sua poltrona e aperte o cinto: o mercado financeiro está prestes a “dar respawn”.

Como criar uma memecoin

Estamos aqui na redação, na frente de nossos computadores navegando pelo X (antigo Twitter) em busca de pautas e notícias. O dia está moroso, quente, mas as notícias bem frias. É outubro de 2024. Entre uma aba e outra do navegador, voltamos ao X e percebemos as notificações de trending começam a apontar um nome estranho: P’nut. Logo chega a notícia. Um esquilo chamado Peanut (amendoim) foi retirado da casa de seu criador pelo Departamento de Conservação Ambiental do Estado de Nova York com a alegação (depois de uma longa investigação) de que o cuidador do esquilo incorria em diversas ilegalidades, como a de não ter licença para a criação de animais silvestres, etc.. P’nut já era famoso em diversas redes sociais, com uma legião de seguidores.

De uma história muito longa para uma tentativa de resumo: O Departamento de Conservação Ambiental informou que o esquilo mordeu um de seus biólogos logo depois da remoção e o teste sorologia de raiva animal mostrou que P’nut estava contaminado, sendo encaminhado para a eutanásia. Isso tudo já traria uma certa indignação de todos os fãs de P’nut, dos ativistas da proteção aos animais e de amantes de pets. Para concluir, descobriu-se depois que P’nut não estava contaminado…

Por aqui, caro leitor, você já deve ter entendido a capacidade de viralização da notícia, a força da narrativa e, obviamente, já deve saber o que aconteceu: P’nut, além de ter virado estrelinha no céu, também se tornou uma memecoin com alto poder de valorização. A moeda está no mercado até agora, com um volume transacionado de cerca de R$ 1,06 bilhões/dia. Que sua memória não seja apagada, P’nut, the squirrel.

É iniciado no mundo critpo e quer criar a sua? Aqui vai um tutorial rápido de como fazer isso no Pump.fun. Você vai precisar de uma boa narrativa, um meme, começar a montar sua comunidade, investir um pouco em marketing, ter um pouco de criptomoedas e muita criatividade.

Prepare-se:
Tenha uma carteira Solana (ex: Phantom) com SOL para taxas (recomendado 0.5 SOL).
Solanas podem ser adquiridas em corretoras centralizadas (CEX), como Binance, NovaDax, ByBit, ou descentralizadas (DEX), como Uniswap, Pankake e Raydium. Você também pode optar pela compra através da própria carteira digital.

Acesse o Pump.fun:
Conecte sua carteira no site pump.fun.

Configure o Token:
Escolha Nome (ex: $DINDIN) e Símbolo.
Faça upload de uma imagem de meme (até 1MB).
Opcional: Ajuste a oferta total (padrão: 10 milhões de tokens).
Também opcional: Reserve uma quantia para você. Entre 10% e 15% do volume total é um bom valor.

Implante:
Clique em “Create Token” e confirme a transação (custo: ~0.02–0.05 SOL).
Pronto! Seu token estará listado no pump.fun.

Promova:
Compartilhe o link da página do token em redes sociais.
Use hashtags (#memecoin, #solana) e colabore com influenciadores.

Após o lançamento:
Se atingir US$30 mil de market cap, será listado automaticamente na Raydium.
Monitore o preço em DexScreener.

Agora, atenção: 99% das memecoins falham. Vão para zero em valor de mercado em poucos minutos, às vezes segundos. O mercado de memecoins é altamente volátil. É comum dizermos nesse meio que estamos numa espécie de velho oeste digital. Uma mistura de filme do John Ford com Blade Runner. Nessa jornada você encontrará todo tipo de sorte e de pessoas. De investidores com alto poder aquisitivo a nerds, gatunos, hackers, robôs e desesperados.

O jovem americano do começo de nosso texto voltou à plataforma algumas horas depois, pedindo desculpas e lançando uma nova moeda. Não tardou a cometer um novo rug pull (puxada de tapete) e dessa vez a comunidade não perdoou. Elevou o valor de sua moeda a patamares ainda maiores, aproveitando que ele já havia vendido sua cota e também expuseram seus dados pessoais e familiares nas redes.

Tome cuidado!

Esse tutorial não é aconselhamento financeiro. Faça sua própria pesquisa (DYOR).

Dicionário de Memecoins do Meio

Para entender melhor desse mundo, comece se familiarizando com o seu vocabulário próprio.

Memecoin
Moeda baseada em um meme ou tema humorístico, sem utilidade prática (ex: Dogecoin, Shiba Inu).

Token
Ativo digital criado em uma blockchain existente (ex: Ethereum, Solana). Pode representar moedas, utilidades, ou direitos em um projeto. Memecoins são um tipo de token.

Shitcoin
Termo pejorativo para moedas consideradas inúteis ou sem valor real.

Rug pull
Golpe onde os desenvolvedores abandonam o projeto e retiram toda a liquidez, deixando os investidores com tokens sem valor.

Airdrop
Distribuição gratuita de tokens para promover um projeto (geralmente para holders de outra moeda).

Meme tax
Taxa cobrada em transações de algumas memecoins, destinada a marketing ou queima de tokens.

Pump e dump
Estratégia onde grupos inflam artificialmente o preço de uma moeda (pump) para vender em alta (dump), deixando outros no prejuízo.

FOMO
Medo de perder oportunidades (Fear of missing out), que leva a compras impulsivas.

FUD
Medo, incerteza e dúvida (fear, uncertainty, doubt), termos usados para manipular o mercado.

Degen
Abreviação de degenerado, usado para descrever traders que apostam alto em moedas de risco.

Normie
Termo pejorativo para pessoas “comuns” ou não especializadas em criptomoedas, muitas vezes associado a investidores conservadores ou que seguem tendências sem entender o mercado. Exemplo: “Os normies estão comprando nossa memecoin agora que subiu 1000%!”

Whale
Investidor ou entidade que detém grande quantidade de uma moeda, capaz de manipular seu preço.

Moon / To the moon
Expressão usada quando uma moeda sobe rapidamente (“Vamos para a Lua!”).

DYOR
Do Your Own Research (“Faça sua própria pesquisa”), lembrete para não seguir cegamente influenciadores.

Liquidity Pool (LP)
Reserva de tokens em uma exchange descentralizada (DEX) que permite negociações.

Snipe
Comprar tokens imediatamente após o lançamento, antes que o preço suba.

Bag Holder
Pessoa que fica “segurando a bag” (carteira) de tokens que caíram de valor.

Community Coin
Memecoin totalmente dependente do engajamento da comunidade (ex: Dogecoin).

Burn
Destruição proposital de tokens para reduzir a oferta e aumentar a escassez.

GM / GN
Cumprimentos típicos em comunidades crypto: Good Morning (bom dia) e Good Night (boa noite).

Influencer Pump
Quando um influenciador promove uma moeda para inflar seu preço artificialmente.

NGMI / WAGMI
Not Gonna Make It (“não vai conseguir”) vs. We All Gonna Make It (“todos vamos conseguir”), memes usados para motivar ou zoar traders.

Termos de Risco:
CT (Crypto Twitter): Comunidade do Twitter focada em criptomoedas.
No Coiners: Pessoas que não acreditam em criptomoedas.
Rekt: Perder muito dinheiro em trades (destroyed).

Lula, Lira e Pacheco na dança das cadeiras

Quando fevereiro chegar, uma dança de cadeiras inaugurará em Brasília a dinâmica da política em 2025. Os caminhos e com quem seguir trilhando estão sendo decididos agora, principalmente entre três personagens centrais: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estuda uma reforma ministerial; o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que devolverá seu cargo ao aliado Davi Alcolumbre (União Brasil-AP); e Arthur Lira (PP-AL), que espera entregar sua cadeira a Hugo Motta (Republicanos-PB).

O que há de mais previsível é a passagem de bastão nas presidências das duas Casas legislativas. Ninguém aposta que será diferente do cenário articulado por Lira, na Câmara, e por Pacheco, no Senado. Já as conversas sobre o novo desenho da Esplanada de Lula são repletas de especulação e de cálculos, que terão reflexos diretos nas chapas da eleição presidencial e nos estados.

Lula está disposto a dar ministérios aos dois presidentes legislativos de saída, dentro da estratégia de ampliar sua base com partidos do Centrão, tanto em nome de aprovar pautas governistas no Congresso como de olho na montagem dos palanques nos estados para tentar se reeleger. E nessa costura, o presidente segue tentando imprimir condicionantes a partidos como o PP de Lira, o PSD de Kassab e Pacheco e o Republicanos de Marcos Pereira e Hugo Motta. Os três partidos e o União Brasil já têm cargos no governo, mas nunca se obrigaram a entregar apoio.

‘Entregas e política’

Por que dar uma pasta para Lira justamente agora que ele está de saída? Por que oferecer a ele a prerrogativa de indicar mais um nome na Esplanada? Se Lira aceitar ser ministro ou fizer outra indicação, levará o PP para os braços de Lula? Na visão de um petista da cozinha do Planalto, Lula quer duas coisas: “entregas e política”. Isso pode ser traduzido como um mar tranquilo na Câmara e ajuda para a reeleição. Lira já é o avalista do atual ministro dos Esportes, André Fufuca (PP-MA), e Lula sabe que o alagoano não voltará a ser um mero deputado quando deixar a cadeira.

Lira se manteve no controle do orçamento durante o governo de Jair Bolsonaro e manteve a capacidade de emparedar o governo a cada votação de interesse do Planalto na Câmara durante boa parte do primeiro biênio de Lula. Nas eleições municipais, a distribuição de emendas sob seu controle se revelou um poderoso instrumento, permitindo a conquista de um número expressivo de prefeituras pelos partidos do Centrão. E ainda conseguiu fazer seu sucessor. No segundo meado de 2024, Lira continuou demonstrando força, garantindo a aprovação de projetos do interesse do governo na Câmara, como a votação, no apagar das luzes de 2024, do pacote fiscal apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Diante de tudo isso, Lula julga ser melhor manter Lira por perto do que deixá-lo solto, segundo um petista próximo ao presidente. “O potencial de atrapalhar na Câmara é enorme”, disse. Hoje, a pasta pensada para o alagoano é a da Agricultura. Lula teria, dessa forma, que desalojar um ministro que conta com o seu apreço: Carlos Fávaro (PSD-MT). E precisa também resolver a equação com Kassab, que articula o aumento da presença do PSD no governo.

Dois caminhos

Lira gostaria de se eleger senador em 2026. Hoje, duas vias se abrem para pavimentar essa eleição. A primeira seria se manter na Câmara, usando o capital já consolidado de articulador do Centrão e avançar na proposta de criar uma federação entre seu partido, o PP, com o Republicanos e o União Brasil — ideia que ele próprio lançou no final do ano passado. Dessa forma, Lira apostaria na via mais oposicionista, pero non mucho, visto que a cola dessa turma é a pressão para liberação de emendas. A outra forma seria caminhar com o governo e até dividir com seu inimigo Renan Calheiros (MDB-AL) as duas vagas ao Senado, com o apoio de Lula. Essa ideia já foi objeto de conversa de Lira com o presidente em 2024.

Para Lula, ter Lira e Renan no palanque de Alagoas seria o mundo ideal. Até porque ele reuniria as duas maiores forças políticas do estado, com potencial de influenciar outros estados do Nordeste. O presidente do PP, Ciro Nogueira (PI), ex-ministro de Bolsonaro, por exemplo, já baixou o grau de beligerância contra o governo só de ter ouvido falar na possibilidade de pastas para o partido e da possível adesão de Lira. Hugo Motta também é um entusiasta da linha governista e já tratou de trazer para o convívio palaciano outro correligionário: o ex-ministro da Saúde e ex-deputado federal bolsonarista Ricardo Barros (PP-PR).

Mas conselhos chegam a Lira de toda parte. Um aliado da parte oposicionista do União Brasil defende que ele não deve aceitar um ministério. “O caminho dele em Alagoas precisa ser trilhado na oposição ao governo. O povo pode até escolher votar em Lira e Renan, mas não é ele que tem de se colocar ao lado”, disse um deputado muito ligado a Lira. O parlamentar até lembrou que isso aconteceu em 2010, quando o pai de Lira, Benedito de Lira, que faleceu há duas semanas, foi eleito com Renan, em chapas diferentes. Renan, por sua vez, segue alimentando a rivalidade na construção de sua reeleição para mais oito anos no Senado. Na busca de apoio, já conseguiu tirar prefeitos recentemente eleitos pelo PP e levá-los ao MDB.

Lira sempre quis mandar na Saúde, mas Lula não abre mão da pasta e já decidiu manter Nísia Trindade no cargo, inclusive com a missão de construir uma marca pessoal para ela com a ajuda do chefe da Secom, Sidônio Palmeira. A descentralização da gestão dos hospitais federais do Rio de Janeiro seria essa marca a ser construída. Lula também quer tirar da Saúde uma marca para apresentar na campanha em 2026, e Sidônio elencou o programa Mais Acesso a Especialistas, que nada mais é que a organização, em uma só fila, das indicações para consultas e tratamentos especializados. Esse é mais um motivo de Lula não entregar a pasta ao alagoano. Sem contar que estamos falando do maior orçamento da Esplanada.

Pacheco ‘sem condições’

Já em relação a Pacheco, além das questões eleitorais em Minas Gerais, com consequências nacionais, Lula precisará resolver uma equação com o PSD, partido com três pastas no governo e que, na avaliação de auxiliares palacianos, deverá ser a única legenda a aumentar o número de ministérios. O PSD da Câmara reclama representação na Esplanada de Lula e não se sente devidamente contemplado com André de Paula (PSD-PE) no Ministério da Pesca. “Essa pasta é o que o peixe faz: nada”, brincou um deputado bastante ligado a Kassab. Além disso, Fávaro e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (MG), não são mais vistos pelos deputados como representantes do partido no governo, mas como lulistas. E Kassab tem se empenhado para levar essa reclamação nas negociações.

Lula também quer um palanque em Minas e com Pacheco encabeçando a chapa ao governo do estado. Segundo interlocutores do presidente, o presidente identificou Pacheco como único capaz de fazer frente à direita liderada pelo atual governador Romeu Zema (Novo). Pacheco não quer, no entanto, firmar compromisso de sair candidato a governador como condição para ter uma pasta na Esplanada. Pessoas próximas a ele dizem dizem que há a possibilidade de ele se candidatar, mas “sem condições”.

Ao mesmo tempo, seu entorno já se dedica a fazer as contas sobre as chances de vitória para governo de Minas, tendo como base o placar de 2022, quando os eleitores que votaram em Lula somaram 50,9% e, em Bolsonaro, 49,1%. A aposta de Pacheco está na divisão do campo da direita que, além dos possíveis candidatos Cleitinho Azevedo (Republicados) e Nikolas Ferreira (PL), tem de lidar com o desejo do governador Romeu Zema de lançar o seu vice, Mateus Simões, como sucessor. Pacheco, até o momento, se vê sozinho no campo da centro-esquerda, com chances de herdar o eleitorado que votou em Lula no estado.

Disque um poema

Em 1968, o poeta e artista visual John Giorno começou um projeto que levaria adiante ao longo de sua vida. O Dial-a-Poem. Conectado tanto com o mundo das letras quanto com o das artes, a ideia era bastante simples, ao discar um número de telefone, ouvia-se a gravação de um poema na voz do próprio poeta que o compôs ou interpretado por um músico, um artista ou um ativista. Ao todo, são 293 gravações lidas por 135 pessoas diferentes, gente que atravessa diversas épocas da contracultura como Laurie Anderson, Amiri Baraka, William S. Burroughs, Charles Bukowski, Nick Cave, Lydia Lunch, Patti Smith e Allen Ginsberg, só para citar alguns.

Ao longo dos anos, a obra mais famosa de Giorno ganhou versões francesas e mexicanas, e agora, dentro da exposição Sit in My Heart and Smile, aberta no último dia 18 no espaço da Coleção Moraes Barbosa, em São Paulo, ela ganha a sua versão brasileira, que é a peça central da mostra que reúne trabalhos do artista americano, com curadoria de Marcela Vieira.

Ela foi convidada há dois anos para pensar a transposição do Dial-a-Poem para a realidade brasileira. A partir daí, passou a estudar a obra e a biografia de Giorno. “Moro em Los Angeles, e nos últimos tempos tenho visto muitas exposições que contextualizam essa época do final dos anos 1960 e dos anos 1970 e trazem esse encontro entre arte e tecnologia que estava acontecendo em Nova York e em Los Angeles”, diz a curadora sobre a inspiração para montar a mostra de São Paulo.

Para ela, o ponto de virada que faz Giorno expandir a sua prática poética ao buscar outros suportes para explorar a sua relação com a palavra é a convivência com Andy Warhol, de quem foi amante, na Nova York dos anos 1960. “Com Warhol ele começa a ver o que estava sendo feito nas artes visuais, a questão as colagens, de experimentar com a cor e esse encontro entre arte e tecnologia. Aí ele pensa que poderia fazer a mesma coisa na poesia.”

Para abrasileirar o Dial-a-Poem, Marcela parte de seu próprio percurso que começa nas letras e segue para um trabalho com curadoria de arte digital e tradução. Além de convidar poetas e artistas brasileiros que admira para compor o projeto, ela pensou nessa recriação de forma mais abrangente. “Tem a tradução da cultura de um país para o outro, da língua e da mídia, pensado que, quando o original foi feito, o telefone era uma nova mídia e hoje o telefone tem outros usos. Tudo isso é considerado nesse escopo de tradução dessa obra.”

E pensando nos temas prediletos de Giorno, para esse projeto Marcela decidiu trazer um recorte erótico. “A partir daí, ficou muito claro quais os nomes poderiam participar do projeto.” Ao todo são leituras feitas por 54 poetas, artistas, pesquisadores e escritores brasileiros de diferentes origens, influências, regiões, gerações e estilos. Entre eles estão poetas como Ana Martins Marques, Fabrício Corsaletti e Ricardo Aleixo, cantoras como Maria Bethânia, Juliana Perdigão, Ava Rocha e artistas como Denilson Baniwa, Nuno Ramos e Jonathas de Andrade, todos com um trabalho que também leva em conta o peso da palavra.

As pessoas podiam escolher que poemas leriam, mas foram feitas algumas sugestões. O poema Paisagem pelo Telefone, de João Cabral de Melo Neto, por exemplo, é lido por diferentes autores. A maior parte das gravações foram feitas em estúdio em São Paulo, durante um mês, mas algumas foram feitas a distância, quase sempre que possível em estúdio, seguindo a orientação de Marcela.

Quem conseguir visitar a mostra, que fica em cartaz até o dia 15 de março, pode ter contato com a obra no seu formato original, usando um telefone para ouvir in loco e randomicamente as gravações dos poemas. Na abertura, inclusive, alguns artistas fizeram leituras ao vivo, como Arnaldo Antunes, Eliane Robert Moraes e Arto Lindsay. Uma coisa interessante é que Arto estava na lista dos leitores do Dial-a-Poem original.

O mais legal é que, enquanto a exposição estiver em cartaz, será possível acessar esses poemas pelo seu telefone, independentemente de que lugar do mundo você esteja. Basta ligar para dois números. Um é um número gratuito, 0800-01-76362, que desde ontem está temporariamente fora do ar, mas deve voltar em breve, ou pelo (11) 5039-1344. Outra coisa interessante é que, agora que a obra está produzida, ela pode ser usada de diferentes maneiras. “Acho que é um projeto que pode ter outras ativações e novas fórmulas. Porque o Giorno teve uma lista original e depois foi fazendo várias versões diferentes, como LPs, por exemplo, que trabalham a voz, mas também a música e outros elementos sonoros”, diz.  Esses LPs estão na exposição e existe a possibilidade de que os poemas gravados no Brasil também se tornarem discos físicos de vinil no futuro.

Independentemente do formato, discar para um número e poder ouvir um poema é uma ótima maneira de fazer uma pausa na correria do dia e ter um pequeno momento de iluminação, lembrando que Giorno, como muitos poetas de sua geração, era budista.

Era para todas as atenções estarem voltadas para a chegada de Trump à presidência, mas de repente o Brasil se viu totalmente indicado. Confira os mais clicados da semana.

1. Politico: As 21 pessoas do mundo de Trump que você precisa conhecer.

2. Estadão: Os memes criados após as indicações de Ainda Estou Aqui e de Fernanda Torres ao Oscar.

3. Meio: Oito curiosidades sobre Ainda Estou Aqui.

4. g1: As declarações falsas ou enganosas feitas por Trump em seu discurso de posse.

5. Meio: Na coluna Cá Entre Nós, Flávia Tavares fala do figurino de Melania Trump no dia da posse.

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