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Jovens lideranças evangélicas

Aava Santiago e Iza Vicente, duas parlamentares cristãs, explicam a relação do campo com a política e os desafios na comunicação do governo com o segmento

Quando falamos sobre a interface da religião e política, especialmente sobre evangélicos, é importante dar rosto a esses atores e atrizes. Temos destacado que mulheres são a maioria entre o segmento evangélico e que esse e outros fatores como renda, território e raça dizem muito sobre suas realidades, demandas, valores, preocupações e críticas sobre o atual cenário político. Ao fazer esse recorte de gênero, pode-se questionar: quem são as mulheres evangélicas atuantes na política? Como elas enxergam a ligação entre a fé e a vida pública? O que elas destacam como principais desafios para as eleições de 2026?

Para refletir sobre esse cenário, convidamos duas mulheres evangélicas com forte atuação na política: a socióloga Aava Santiago, vereadora em Goiânia pelo PSDB, e a advogada e gestora pública Iza Vicente, vereadora em Macaé pela Rede. O que elas têm em comum? Ambas foram criadas em igreja, tiveram mandatos de vereança em suas cidades, são evangélicas pela laicidade e atuam em prol da defesa dos direitos das mulheres.

Aava Santiago é ativista pela escola pública e pelos direitos das mulheres. Em seu primeiro mandato reestruturou a Ouvidoria da Mulher da Câmara de Goiânia e foi reeleita como a mulher mais votada da história da cidade. Iza Vicente é advogada formada pela UFF, especialista em Direitos Humanos, mestre em Administração Pública pela FGV e foi a única mulher vereadora eleita na cidade de Macaé (RJ) para o mandato de 2021 a 2024. Criou mais de 50 projetos de lei e lutou pela ampliação da Patrulha Maria da Penha e pela criação da Secretaria de Políticas para Mulheres. Duas lideranças que defendem o Estado laico, compartilham os principais desafios na vida pública em um momento em que a fé tem sido usada como arma política.

Como você chegou na política?

Iza Vicente A minha construção na política vem a partir do movimento estudantil, participei de Grêmio, de centro acadêmico e também do meu engajamento com missão e justiça social na igreja evangélica. Então, essas duas vivências me inspiraram a ter uma postura pública de resolução de problemas que são públicos e políticos.

Aava Santiago: Venho de um território profundamente precarizado e brutalizado, ou pela completa ausência do Estado ou pela presença violenta do Estado. Quando entendi que o Estado não é um ente invisível, super poderoso, mas a confluência de estruturas humanas, e que a política era a ferramenta que operava isso, pensei: Poxa, se o que eu vivo, se todas essas tragédias acumuladas, profundas, não são naturais, mas são projetos de alguém, o meu projeto tem que disputar com o projeto dessas pessoas. Então entendi que a política era o caminho para isso. Fui estudar ciências sociais para fazer política pública, para incidir na realidade de pessoas como eu. E aí, ao fazer esse processo de elaboração teórica da minha vivência, entendi que disputar a eleição seria fundamental, para não apenas contribuir como uma técnica na produção de diagnósticos. Foi assim que a política entrou na minha vida de maneira mais objetiva, como uma alternativa às experiências reais de pessoas como eu, de pessoas próximas a mim e de pessoas distantes de mim, mas que compartilhavam das mesmas experiências.

Que diferenças você destaca nas eleições municipais nas quais você se candidatou?

Iza Vicente: Fui candidata em 2020, quando me elegi vereadora, e em 2024 aumentei minha votação, mas por questão de coeficiente eleitoral não fui reeleita. Vejo muito clara uma diferença de narrativa. Nessa eleição municipal, pelo menos aqui no município onde atuo, percebi um pouco mais de enfraquecimento de candidaturas de pastores, candidaturas estruturalmente evangélicas. Acredito que houve uma diferença nessa movimentação, ao passo que também houve um crescimento da influência do poder paralelo no controle dos territórios e isso acaba influenciando no processo eleitoral. Uma maior influência também do poder econômico e financeiro a partir de investimentos em emendas impositivas, orçamento secreto e todas essas movimentações. Isso influenciou bastante nessas eleições de maneira diferente do que em 2020.

Aava Santiago: Em 2020, fui uma zebra. Porque a minha eleição era completamente improvável, já que não fui a escolhida de um grupo, nem do ponto de vista de influência política e econômica, nem tampouco de ser a prioridade no partido. Mas eu tinha o acúmulo de uma vida dedicada à educação popular em direitos, à solução de problemas de mulheres, de mulheres periféricas, de mulheres evangélicas. Então, essas pessoas validaram essa decisão e eu disputei essa eleição. Foi uma eleição muito difícil por não ter dinheiro e por não ter expectativas grandes de sucesso. Porque eu acreditava que o que a gente estava fazendo poderia funcionar. E havia um contexto específico: era pandemia, e meu filho tinha um ano de idade. Então, sem dinheiro, com criança, a gente precisou de muita criatividade para alcançar pessoas dentro desse contexto semiárido. Por outro lado, na eleição de agora, de 2024, já com o mandato, já tendo validado o trabalho, tive outras dificuldades também gigantescas. Se em 2020 eu era desprezada, em 2024 eu era o alvo, porque fui uma pedra no sapato de grandes interesses. Fiquei na vanguarda de uma oposição muito qualificada, então, de fato, eu não ia só para a tribuna com denuncismo, mas levando aquilo que o meu mandato diagnosticava como problema. A gente conseguia sensibilizar setores da sociedade que não votaram em mim para se engajarem na luta, na resolução desse problema. A gente conseguiu acessar de maneira muito qualitativa os órgãos de controle. Por exemplo, avaliamos que quase 500 milhões de reais de contratos suspeitos que estavam em curso foram interrompidos pela atuação do meu mandato. Isso foi muito duro. Por conta disso, em comparação com 2020, teve a facilidade de ser muito mais conhecida e respeitada pelo resultado do meu trabalho. Por outro lado, estava muito mais no alvo da desconstrução e consegui driblar isso me conectando com pessoas que acreditavam que o meu mandato era aquilo que a cidade precisava para a vida melhorar. Por conta disso, eu, inclusive, quadrupliquei a minha votação em comparação a 2020.

Iza Vicente: Não sofro preconceito por ser uma evangélica na política. Sofro preconceito por ser progressista e evangélica. E esse preconceito vem tanto dos evangélicos quanto dos progressistas.

Como entra a identidade religiosa na sua atuação política? Você sofre preconceito por isso na política?

Iza Vicente: A identidade religiosa é fundamental na minha formação política. Foi na igreja, na vivência religiosa, que fundamentei as minhas bases de visão de mundo, de luta social, de importância e de prioridades políticas. Essa identidade religiosa acaba sendo intrínseca à minha atuação política no sentido, principalmente, da luta pelos mais vulneráveis. Não sofro preconceito por ser uma evangélica na política. Sofro preconceito por ser progressista e evangélica. E esse preconceito vem tanto dos evangélicos quanto dos progressistas.

Aava Santiago: A minha identidade religiosa foi mudando dentro da minha atuação política na medida em que fui amadurecendo a minha autopercepção nesse lugar. E também fui identificando outros gargalos do debate público tendo a religiosidade como ponto de partida. Nunca escondi a minha fé, sempre trouxe para a composição da minha persona pública que sou uma mulher evangélica. Sempre. Mas até ali eu não tinha trazido a fé como um valor político agregado para o debate público, porque eu tinha muito receio de que isso causasse um desconforto nas pessoas, lendo essa postura como indo na contramão da laicidade, na contramão do que acredito que seja uma arena pública sem interferências das convicções de fé, que são, em tese, privadas. Acontece que, de repente, essas convicções de fé passaram a pautar o debate público, passaram a pautar a arena coletiva de interesses, e precisei me diferenciar dos meus pares da fé cristã, da fé evangélica, para dizer que é possível ocupar o espaço de fé público, aliás, ocupar o espaço público da política, fazer um debate público sobre a fé a partir de um outro lugar. Foi quando eu mesma amplifiquei quem eu era nesse lugar, sabe? Disputando territórios diferentes, percepções diferentes e, sobretudo, impactos diferentes na vida das pessoas. É o que eu digo: a minha fé é fundamental para ser quem eu sou, porque só priorizo a redução das desigualdades porque o Evangelho de Cristo me ensinou a ser permanentemente inquieta com as injustiças. Só priorizo a defesa dos direitos humanos porque o Evangelho de Cristo me ensinou a chorar com os que choram, a visitar preso, a visitar quem está sem roupa e precisa receber o acolhimento, o agasalho, a me colocar no lugar de quem tem fome. Esses valores foram plantados em mim pelo evangelho de Cristo, aprimorados pelas ciências sociais e agora geram resultados práticos na arena pública por meio de um mandato. E dizer isso dessa forma é muito importante para criar um marcador de que a fé pode, sim, ser não só citada como um elemento que me constitui na minha vida privada, mas como um elemento que me posiciona nas minhas decisões políticas.

Em que medida você identificaria o voto no seu nome? Entre identidade religiosa e agenda política.

Aava Santiago: O elemento da fé sempre me trouxe ganhos e prejuízos. Muita gente votou em mim por eu fazer o que faço sendo evangélica, e muita gente deixou de votar em mim porque, apesar de tudo o que faço, sou evangélica. Aprendi a conviver com isso, disputei, debati isso com as pessoas, de dizer que eu não devia me mutilar nem mutilar a minha fé. Eu devia entrar no debate público de maneira integral e não mutilando quem sou. Por outro lado, de 2022 para cá, quando a minha fé foi fundamental para que eu entrasse no lugar de autoridade na defesa do campo democrático, continuo perdendo votos ainda por ser evangélica. Mas hoje ganho muito mais votos por ser evangélica do que perco, embora esse não seja o grosso do meu eleitorado. O meu eleitorado substancialmente vem do meu trabalho. A fé é um elemento a mais, e arrisco dizer, de quem está buscando personalidades que pautem o debate público e não necessariamente soluções para os problemas da cidade. Ou seja, a fé vem mais para aquele eleitor que não quer tanto um vereador que resolva problemas, e sim um vereador com quem essa pessoa se identifique para um debate de Brasil. Então, acho que quem vota em mim valorizando o elemento ser evangélico e produzir esses resultados, vota em mim pensando em médio e longo prazo.

Iza Vicente: A nossa votação, a nossa base política, está muito atrelada a uma agenda de compromissos políticos, mais do que ao fato de ser evangélica. Assim eu acredito que as pessoas se identificam, votam e nos apoiam, por causa dos nossos compromissos, da nossa agenda política e não só por eu ser evangélica. Ser evangélica é algo que aproxima, é algo que pode gerar uma identificação, mas que pode gerar também um afastamento, dependendo do segmento. Então acredito que hoje as pessoas se identificam com o nosso fazer político, com as nossas práticas políticas, que, de uma forma ou de outra, refletem a minha ética, que é estruturada na minha religião.

Como você vê a relação do campo evangélico hoje com a política, em geral, e com o governo federal em específico? Você vê mudanças importantes desde 2018?

Iza Vicente: Acredito que há hoje um interesse maior dos políticos no nível nacional, do governo federal, de dialogar com os evangélicos, enquanto grupo heterogêneo. No entanto, isso ainda se dá de maneira anacrônica. As estratégias de 24 anos atrás não são as mesmas de hoje. Hoje o segmento tem muitos desafios, ele é majoritariamente cooptado pela extrema direita, no entanto ainda há uma dificuldade de compreender o evangélico também como um sujeito que mora num bairro, que demanda política pública, que tem um determinado gênero, um local social, uma determinada cor. Portanto, há uma necessidade de entender o segmento evangélico para além das grandes corporações, das grandes denominações e dos líderes que dominam as mídias sociais e as TVs e rádios.

Aava Santiago: Com relação ao governo federal em específico, está acontecendo um arrefecimento da distância com esse campo, mas não tanto em função dos acertos do governo, e sim em função da própria identificação dos líderes evangélicos, das comunidades, de que o bolsonarismo causou uma grande crise de autoridade para eles. Vou citar como exemplo o momento atual: a eleição de 2024 foi bem importante para isso, porque nas cidades em que houve segundo turno, com um candidato mais ligado à direita ou ao Centrão e um candidato do Bolsonaro, as igrejas em sua maioria esmagadora apoiaram o candidato da direita contra o candidato do bolsonarismo. Especialmente por serem sempre ou quase sempre quadros já conhecidos, que já têm relação com as igrejas no mundo pré-Bolsonaro e tudo o mais. Então as igrejas apoiaram esses candidatos. E os pastores perceberam que não estavam dando conta de conduzir o rebanho como era antes porque as ovelhas, parte delas radicalizada pelo bolsonarismo, independentemente do apoio do pastor ao candidato de direita, estavam apoiando o candidato do Bolsonaro e criticando os pastores por não apoiarem o candidato bolsonarista. Então, o que os pastores estão percebendo de maneira tardia? Isso eu falo não só de uma observação de cenário, mas da conversas que tive com lideranças importantes de algumas igrejas, que são importantes não só em Goiás, mas no cenário nacional: eles embarcaram na onda bolsonarista, permitiram que essa onda radicalizasse os crentes sem perceber que qualquer radicalismo dentro da igreja também fere a autoridade pastoral. E aí, na hora em que esses pastores quiseram apoiar candidatos diferentes, esse radicalismo se voltou contra eles, a ponto de ouvir pastores dizendo que estão sendo atacados, bombardeados pelos seus próprios crentes, por não apoiar o candidato do Bolsonaro.

É um efeito do bolsonarismo nessa base? Para onde isso caminha na sua opinião?

Aava Santiago: Esse efeito colateral do bolsonarismo está pegando os pastores. Não estou falando de pastores que surfam midiaticamente na onda do bolsonarismo, como é o caso de Silas Malafaia, porque ele é um perfil muito diferente disso. Estou falando de pastores convencionais que estão ali no chão da igreja, dentro de uma convenção a quem eles também respondem à autoridade, que tem um conselho e outras ramificações. Não é o caso do Silas Malafaia, que fundou a própria igreja. Essa percepção está batendo muito forte nos pastores. Mas também não percebo que o governo tenha entendido isso e esteja aproveitando esse momento para entrar para dentro desse vácuo que vai surgindo.

Iza Vicente: Um exemplo disso foi o apoio dos evangélicos  à candidatura de centro, representada pelo Eduardo Paes, na cidade do Rio de Janeiro. O prefeito fez entregas em territórios, compromissos com lideranças evangélicas e venceu no primeiro turno contra uma candidatura bolsonarista. De certa forma, isso pode representar que as lideranças evangélicas reais começaram a observar que a bolsonarismo radicaliza os fiéis e não gera entregas reais para o segmento para além de narrativa e terrorismo ideológico.

Aava Santiago: O que precisa ser entendido é qual é a agenda que esse ministro vai tocar dentro do governo para não ficar parecendo que, só porque é evangélico, ele é alguém de consenso que vai 'representar todo mundo'.

Com frequência surge na mídia o debate “o governo Lula precisa se comunicar melhor com o segmento evangélico". Você concorda com essa afirmação? Na sua visão, o que falta?

Aava Santiago: Não tenho elementos suficientes para avaliar toda a estratégia do governo em relação a isso. Mas acho que o governo tem disposição para acertar, embora ainda não tenha acertado. Ou seja, está buscando, está ouvindo as pessoas, soltou essa coisa de que quer nomear um ministro evangélico, mas a simples nomeação de um ministro evangélico não necessariamente vai resolver isso. O que precisa ser entendido é qual é a agenda que esse ministro vai tocar dentro do governo para não ficar parecendo que, só porque é evangélico, ele é alguém de consenso que vai “representar todo mundo”. Esse ministro precisa ser alguém que conheça profundamente o universo evangélico e que consiga tocar uma pauta de consenso, que seja uma pauta que já está na agenda do governo, ou seja, ele não tem que criar uma pauta nova, ele tem que ser uma pauta que já está na agenda do governo e que precisa ser canalizada para chegar aos evangélicos como sendo a confirmação de que esse é um governo aliado. Ainda não vi nenhum movimento nesse sentido.

Então, eu acho que são leituras que o governo está fazendo de maneira muito demorada. Os dois primeiros anos não teve nenhum aceno, nenhum aceno. O único aceno que teve e que eu considero profundamente equivocado foi o aceno dentro da reforma tributária. E a gente teve o episódio do PL do estupro que mostrou que existe uma bancada evangélica que sequer é composta por uma maioria de evangélicos, eu sempre tenho dito isso. A gente tem uma bancada evangélica composta por youtubers como é o caso do Nikolas Ferreira, do Gustavo Geyer, que não representam a organização evangélica, a dinâmica evangélica, a tecnologia social evangélica, essas pessoas estão engrossando um caldo de uma bancada que quer radicalizar para negociar. E o resultado é que o governo está caindo nessa chantagem.

Estão em votação, por exemplo, as leis complementares da reforma tributária, com um pedido gigantesco de ampliação das isenções, que é um caminho que não vai alcançar 80% das igrejas brasileiras. Como eu tenho dito sempre, vai alcançar aqueles magnatas da fé, aqueles empresários da fé. Isso não vai reverter na base em um processo de desarme do que foi feito pelo bolsonarismo porque essa galera sempre teve dinheiro do governo e, na primeira oportunidade, radicalizaram.

Aava Santiago: Sim, há disposição em relação ao governo mas ele não está acertando ainda, embora eu veja que eles estão correndo atrás para tentar acertar. Antes tarde do que mais tarde ainda. Vejo quem tem disposição entre os evangélicos nesse sentido, por conta do que elenquei antes, os pastores podem até se sentirem constrangidos porque se permitiram radicalizar muito, então eles não vão simplesmente cair nos braços do governo agora, porque isso aprofundaria a crise de liderança, mas eles já entenderam de várias maneiras que o governo não é um inimigo, que o governo pode ser um aliado. E isso é muito interessante.

Agora o governo precisa saber como alcançar essas lideranças, as lideranças de médio porte que precisam de suporte financeiro para tocar os seus projetos sociais, que precisam expandir o alcance dos seus projetos, que precisam sentar na mesa das decisões, que precisam que o seu trabalho seja reconhecido. Essas lideranças de médio porte, de pequeno porte, estão de saco cheio do bolsonarismo. Elas também estão de saco cheio da radicalização que causou uma crise para elas, mas ao mesmo tempo elas não enxergam uma porta de entrada para que esse diálogo seja feito.

A minha avaliação é de que o governo precisa assumir a pauta da família. Tenho batido muito nessa tecla, com a roupagem que a pauta da família tem que ter, que é comida na mesa, que é política pública, que é o Estado resolvendo o problema das famílias e não a agenda de costumes. Enquanto o governo continuar caindo na armadilha de deixar que a pauta da família seja a agenda de costumes, quando na verdade não é, está entregando um campo perfeito para a extrema direita continuar usando essa mesma pauta da família para manter as igrejas dentro do seu campo de atuação política.

Iza Vicente: A gente pode observar um esforço do governo em tentar se comunicar com evangélicos através de isenções, leis simbólicas, reconhecendo dias, iniciativas e tudo mais. Mas acredito que, para além disso, é necessário ver formas de fortalecer lideranças que estão no meio, que não são os grandes líderes que têm acesso a concessões de TV ou que estão com dívidas tributárias que necessitam de isenção, mas as lideranças que, de alguma forma, estão nas bases, que atuam através de projetos sociais, que atuam através de aconselhamento, em frentes de trabalho que muitas vezes são negligenciadas pelo próprio Estado brasileiro. Porque, muitas vezes, essas grandes sinalizações, isenções, concessões, elas não vão se desdobrar em convencimento da base evangélica de que o governo atual é um governo que respeita os evangélicos. Então, para além dessas sinalizações, é necessário a comunicação com as lideranças-meio, que eu vou considerar os pastores, as pastoras, as missionárias. Que estão nas movimentações que ocorrem entre as pequenas denominações e os grandes líderes que, muito bem colocado pela Aava, são os magnatas da fé.

Além disso, algo que tem que ser observado é que, para além dos deputados influencers que pegam para si a pauta evangélica, nós temos os formadores de opinião do campo evangélico, que são teólogos, pastores e estão nos seminários, nos congressos, nas editoras, nas mídias. Têm a sua base numa igreja e também geram conteúdo que tem um alcance numa certa bolha evangélica. E essas pessoas ajudam a disseminar uma visão positiva, negativa, irreal ou mentirosa dos fatos. Então, há necessidade também de estar dialogando com essas pessoas para que elas tenham acesso às informações de como o governo atua em determinadas frentes de trabalho que são prioritárias ou importantes para os evangélicos. Seria um trabalho importante de se fazer.

Quais desafios políticos você destacaria para as próximas eleições em 2026?

Iza Vicente: O grande desafio político para as próximas eleições é comunicar e comunicar bem. É necessário conseguir dialogar com as pessoas, com as suas necessidades, com aquilo que atravessa a vida delas e dar respostas reais. A gente vê muita política pública sendo construída e, ao mesmo tempo, as pessoas revoltadas, porque isso não chega ao conhecimento delas, não chega na ponta. O grande desafio é comunicar e comunicar bem inclusive com os evangélicos: comunicar que existe espaço no Brasil para a liberdade religiosa, que o Brasil é um país livre e que os evangélicos podem dar contribuições públicas para além da pauta em que hoje a bancada evangélica foca. Seria importante esse diálogo respeitoso, fora dos estigmas intelectuais, fora dos estigmas que ignoram a riqueza e a pluralidade do campo evangélico e as contribuições que os evangélicos podem dar ao Brasil para além das polarizações.

Aava Santiago: Complementando o que a Iza disse, é bastante importante ressaltar que o tempo é muito curto e que a oportunidade está muito boa também. Fazer uma leitura com lupa do que foram essas eleições municipais de 2024, a relação da igreja com essas eleições, e a partir disso construir os caminhos, isso precisa ser feito agora. Se isso for feito no segundo semestre de 2025, não vai dar tempo mais. O momento é agora, é já virar o ano com isso engatilhado e no primeiro semestre já ter uma grande entrega concreta em relação a isso porque senão não vai dar tempo.


*Ana Carolina Evangelista é cientista política com mestrado em relações internacionais pela PUC-SP e em gestão pública pela FGV-SP. É pesquisadora e diretora-executiva do Instituto de Estudos da Religião (Iser). Faz cobertura eleitoral desde 2018 com colunas na 'piauí' e no 'UOL'.

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