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Edição de Sábado: Que direita é essa?

Era mais um voo entre Brasília e São Paulo e Valdemar Costa Neto, presidente do PL, havia passado o dia na capital, resolvendo problemas de dinheiro para a reta final da campanha. Ao desembarcar, retornou as ligações e procurou encarar com maior tranquilidade os conflitos que tem sido chamado a resolver. Valdemar é um deão da direita brasileira. Deputado do Centrão conservador por seis mandatos, sobrevivente de escândalos variados, político profissional — atualmente, é sob sua batuta que se orquestra a reorganização do campo ideológico que o bolsonarismo ao mesmo tempo agregou e inflamou. O embate mais comum é entre a turma radical, influente nas redes sociais e boa de voto, e as lideranças tradicionais do partido, representantes da ala fisiológica. Esses são os mais habituados a operar os recursos que irrigam os municípios e abastecem o que deve vir a ser uma vitória vistosa da direita nas eleições municipais. “A questão dos recursos, essa sim, é uma coisa difícil de resolver. Tem que colocar dinheiro aqui e ali e acompanhar de perto, senão dá problema mesmo”, disse Valdemar ao Meio, mal disfarçando que ter verba demais não é exatamente uma adversidade.

Uma das principais divisões eleitorais na direita está entre os que declaram apoio a Ricardo Nunes (MDB) e os que se juntam ao histriônico Pablo Marçal (PRTB) na disputa pela Prefeitura de São Paulo. A eleição na capital paulista se nacionalizou, e Valdemar foi instado a conter ânimos mais exaltados mesmo fora de São Paulo. Mas Valdemar, novamente, não camufla que ter figuras demais na direita capazes de mobilizar nacionalmente não é um problema. E chama o conflito de “dor do crescimento”. A chegada dos influenciadores ao PL, levados pela onda do bolsonarismo, tornou o partido maior. Os recém-chegados se somaram às lideranças antigas, e o PL conseguiu a maior bancada da Câmara. Consequentemente, o maior fundo eleitoral — R$ 886,8 milhões do total de R$ 4,9 bilhões (R$ 267 milhões a mais que o PT). Agora, Valdemar diz que é necessário administrar a fartura de expoentes. “Eu nunca tinha sido presidente de um partido com quase 100 deputados.”

Valdemar diz que anda tendo o trabalho de fazer com que os mais radicais andem na linha. No Meio, usamos a definição do cientista político holandês Cas Mudde para explicar o campo: a diferença entre a direita radical e a extrema direita está na sua relação com a democracia. A direita radical não trabalha pelo rompimento da democracia. Costuma forçar a barra, está disposta a cometer crimes, a manipular regras, busca diminuir o espaço da esquerda a qualquer custo. Mas não trabalha pela mudança de regime. A extrema direita, sim, quer mudar o regime. Jair Bolsonaro quis. Mas Valdemar separa as facções de seu partido em direita e extrema direita, colocando os radicais no mesmo balaio dos extremistas. “Olha, nós temos um problema. Nós temos a direita e a extrema direita. Então, às vezes, o pessoal da extrema direita sai um pouco do trilho”, relatou, referindo-se especificamente ao deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), com quem o cacique do partido conversou depois que o influenciador declarou apoio a Marçal. Valendo-se de sua experiência, contemporizou: “Na minha opinião, tudo que é extremo é exagero. Ricardo Nunes nunca atuou nesses campos da extrema direita. Está certo que ele nunca foi de esquerda, mas nunca foi extremista. Então, eu acho que tem gente no partido que tem restrição a ele pelo fato de não ser extremo”.

Há também um inegável caráter geracional nas duas vertentes da direita que emergiram no Brasil. E Valdemar sabe que não pode prescindir do ímpeto da juventude direitista na conquista de espaços. É nesse contexto que ele tem tentado não enquadrar demais os radicais, sob risco de fazê-los perder a capacidade de mobilizar votos. “O Nikolas é um grande líder. Hoje, ele é um fenômeno. Esse menino, ele tem restrições e tem opinião também. Acontece! Quando o partido fica grande acontece isso.” É possível que passe também por aí o projeto de transferir para Eduardo Bolsonaro, o 03, a presidência do PL — embora o argumento explícito seja o de que o impedimento legal de Valdemar poder se comunicar com o ex-presidente esteja atrapalhando o partido.

Se dentro do PL, o maior partido da direita da atualidade e lar-legenda do bolsonarismo, há essa linha divisória e esse conflito entre as lideranças, imagine o que deverá sair das urnas considerando o leque de partidos que integram a direita, incluindo os partidos que hoje são chamados de Centrão. Que direita será vencedora? Que estilo vai prevalecer após a escolha de quem comandará os municípios e as câmaras de vereadores?

Para entender a situação desenhada na direita nestas eleições municipais, é preciso olhar para três ou quatro pleitos anteriores, na visão do cientista político Jorge Mizael, da consultoria Metapolítica. Em 10 anos, construiu-se uma nova forma de fazer política, com a ampla utilização dos recursos digitais. Nas últimas três eleições, entre gerais e municipais, a direita e o Centrão abrigaram sem pudores influenciadores digitais forjados nos movimentos contra o governo de Dilma Rousseff. Não faltam exemplos. Basta pensar em Kim Kataguiri (UB-SP), Marcel Van Hattem (Novo-RS), Carla Zambelli (PL-SP), Gabriel Monteiro (PL-RJ), o youtuber e ex-vereador que perdeu o mandato devido a acusações de assédio na Câmara do Rio de Janeiro. “É claro que esses grupos começam agora a desafiar antigos capas-pretas da política tradicional, do Centrão raiz, que vem desde a Constituinte costurando e participando de todos os governos. Esse encontro, talvez geracional de alguma forma, mas também de percepção política e de atuação dentro do ambiente digital, tem alguns confrontos. São Paulo e Belo Horizonte são exemplos disso nesta eleição”, avaliou Mizael.

A profusão de egos que a direita precisa administrar nessas eleições contrasta com a dificuldade que a esquerda enfrenta nos últimos anos para construir novos nomes, mesmo tendo Lula na Presidência. E, sem oferta, perde-se uma fatia importante do eleitorado. Jorge Mizael indica que o período de ascendência dos influenciadores na política foi um de esmagamento dos nomes do campo progressista, assolado por uma série de escândalos de corrupção. E esse campo foi tímido na busca por renovar os seus quadros depois de ter passado por um processo que incluiu mensalão, petrolão e a Lava Jato. “Não se conseguiu oxigenar na velocidade necessária. Claro que surgiram jovens lideranças, como o caso do próprio Guilherme Boulos, da Tabata Amaral, mas a direita conseguiu um volume muito maior.”

O esforço de Valdemar de conciliar os dois mundos passa pela consciência de que há uma interdependência entre eles. Se conflagrada, a direita pode sair derrotada das eleições. Se unida, seus representantes podem consolidar um eleitorado tomado do PT ao longo da última década. Internamente, na direita, o desafio é saber quem efetivamente consegue converter suas forças em votos, os que trabalham a política de bastidores ou os estridentes influenciadores.

Os desejos de quem vota

Há um outro ponto a ser considerado, para além da astúcia das raposas políticas tradicionais. O eleitorado tem mudado. Sobretudo o eleitor de classe C, formada por famílias que têm renda mensal entre R$ 2.600 e R$ 4.700, e que corresponde a 53% de quem vota. Uma pesquisa feita pelo Instituto Locomotiva mostrou que três grande preocupações rondam a cabeça dessas pessoas: a pauta de costumes, a economia e a violência. E a direita, principalmente aquela mais radicalizada, responde com mais facilidade aos anseios dessas pessoas que, em sua maioria, pensam que a religião é importante na educação dos filhos (58%), que a educação sexual não deve existir nas escolas (57%) e são a favor da preservação da família tradicional (55%). Além de acreditar que o melhor caminho para ascender na vida é o empreendedorismo (56%), muitas vezes sem se dar conta da precarização do trabalho que vem com a miragem de ser um empreendedor sem capital para investir. Por fim, há a questão da violência urbana. Para um público que acredita que criminosos devem ter penas mais longas e severas (53%) e deseja repressão policial concentrada em áreas mais violentas (51%), o discurso de lei e ordem cai como uma luva.

Citando trabalhos feitos por antropólogos políticos como Rosana Pinheiro-Machado e Isabela Kalil, o professor de Ciências Políticas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Julian Borba avalia que quem está mais bem equipado para responder aos desejos e temores desse extrato do eleitorado é a direita. “Esses trabalhos mostram que uma parte significativa do bolsonarismo estava muito ligada ao discurso de lei e ordem e ao conservadorismo moral. E havia também o elemento do discurso empreendedor, que me parece que é a onda que o Paulo Marçal vai tentando surfar. A ideia de que eu posso, por meio do meu esforço, conseguir organizar minha vida, organizar a minha economia, as minhas finanças e ser um empreendedor”, disse.

A cientista política Marta Mendes da Rocha, do Núcleo de Estudos sobre Política Local, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), pesquisa a atuação da direita no nível municipal com o professor Jorge Chaloub, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Os dados eleitorais no Brasil mostram que a direita sempre teve mais votos.” Segundo a pesquisadora, isso se materializa em uma tendência para valorizar hierarquias, em uma relação difícil com a própria democracia e com a questão da igualdade. “Se você faz pesquisa com brasileiros há muito tempo, vai ver essa ideia de valorização da ordem e uma presença muito forte da religião. Sobre esse ponto, a gente vê uma mudança mais recente por conta da forma como os evangélicos se organizam para influenciar a agenda política.”

Para ela, a diferença fundamental entre os dois grupos da direita está no fato de que a tradicional aceita as regras do jogo democrático e as instituições, ao passo que a direita extrema apresenta intolerância em relação a minorias, uma valorização da hierarquia, da segurança, do punitivismo, além do anti-esquerdismo. “Isso é colocado com um discurso muito agressivo, muito violento. Então, essa direita colide de uma maneira muito mais evidente com os princípios basilares da democracia e do liberalismo, da aceitação do pluralismo, da diferença e da diversidade”, concluiu.

Bolsonaro, domado ou abatido?

Existe outra novidade nestas eleições. Como recorda o professor Julian Borba, nos últimos pleitos municipais, com Bolsonaro no Planalto, o ex-presidente não se engajou nas campanhas locais. Isso muda na campanha de agora. “Após a derrota na eleição presidencial, tem sido feito um trabalho muito forte de organização do partido, com uma atuação pessoal do Bolsonaro no próprio PL no sentido de construir bases organizacionais e capilaridade partidária nos municípios.” Nesse ponto, há de se perguntar: Bolsonaro é um bom cabo eleitoral?

Ao falar do ex-presidente, Valdemar delimitou: “Bolsonaro é extrema direita, não é direita. Mas ele está nos apoiando”. Enquanto Valdemar vê o ex-presidente domado, Bolsonaro, inelegível, é visto por Jorge Mizael como um leão doente, cumprindo o rito felino de se afastar do grupo antes de morrer. “Pablo Marçal saindo das eleições de São Paulo com dois dígitos, algo em torno de 18%, comprova que Bolsonaro passa a ser aquele leão já adoecido na selva, que começa a perder as presas, sua força não é mais a mesma, seu rugido já não assusta tanto”, comparou. “Existe agora um personagem que também tem a expressão do próprio Bolsonaro e uma capacidade muito grande de comunicação. O ex-presidente sentiu esse golpe.”

No Brasil, costuma-se dar o nome de bolsonarismo a essa direita mais estridente, seja ela radical ou extrema. Só que essas eleições municipais são as primeiras em que há um descolamento dessa turma da figura do ex-presidente, hoje impedido de participar das eleições. Para a pesquisadora Marta Mendes da Rocha, “a direita radical se autonomizou de Bolsonaro em alguma medida”. “Você vai encontrar ali dentro o pessoal com uma agenda mais radicalizada, que constrói a sua carreira a partir daí e aquela direita que sempre existiu no Brasil, que costumo chamar de direita tradicional, que defende o Estado mínimo e, ao mesmo tempo, está sempre se beneficiando dos subsídios do Estado.”

O ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT-SP), enxerga o bolsonarismo já captado por Pablo Marçal. “Há uma disputa no campo deles.” Padilha compartilha da ideia defendida pela cúpula do PT de que a direita está dividida, mas que a derrota da extrema direita bolsonarista ocorrerá pelas mãos do campo progressista, independentemente de que tipo de direita saia mais forte das urnas. Ao Meio, ele citou nomes fortes da direita digital que estão disputando eleições e que, em sua opinião, não conseguirão se eleger. Seria o caso do deputado André Fernandes, em Fortaleza, de Éder Mauro, em Belém, de Bruno Engler, em Belo Horizonte, de Silvio Mendes, em Teresina, e de Alexandre Ramagem, no Rio de Janeiro. “Eles não serão derrotados pela direita, mas sim pelo nosso campo”, apostou o ministro.

Mas se a questão geracional, o comportamento nas redes, as concepções do fazer político são fatores que separam essas duas vertentes da direita, a linha capaz de entrelaçá-las passa pelo bom e velho movedor de interesses, o dinheiro. Ainda são os veteranos do Centrão e da direita tradicional que comandam os partidos e o Congresso — e, portanto, os recursos partidários e eleitorais e as emendas parlamentares, secretas ou não. É parte do dilema que o bolsonarismo impôs a seu próprio campo. No discurso, há a intenção anti-sistema, a promessa de autonomia dos velhos atores da política nacional. Na prática, tendo o próprio Bolsonaro sido parte do Centrão à direita a vida toda e precisando dele para escapar de pedidos de impeachment, entregou-se aos políticos tradicionais o poder de se comandar o orçamento do país. Com esse dote, deputados e senadores centrônicos estão enchendo os cofres de prefeituras por todo o Brasil e tornando muito difícil a derrota de seus grupos de poder. “Olhar para o desempenho desses partidos é um indicador importante e o desempenho tende a ser positivo, ao se considerar a importância deles no Congresso e como eles ampliaram o poder sobre o processo orçamentário”, observou a pesquisadora da UFJF. É essa a equação que Valdemar até tenta fazer soar como um “problema”: buscar a fusão entre os captadores do voto e do descontentamento do eleitor, especialmente aqueles das classes baixas perdidas pela esquerda, e os veteranos da política fisiológica e conservadora de sempre. Dessa disputa, seu lado sai certamente vitorioso. “Esse que a gente está chamando de Centrão teria na verdade de chamar de Direitão.”

Apostas, orações e pornografia superam (e muito) debates da Globo

Emissoras da Globo em 78 cidades do Brasil transmitiram ao vivo, na última quinta-feira, debates entre os principais candidatos à prefeitura. Apesar do esforço que mobilizou centenas de profissionais e campanhas eleitorais em todas as unidades da federação, o evento teve pouquíssima repercussão nos grupos públicos de WhatsApp e Telegram.

De acordo com dados da Palver, que monitora mais de 80 mil canais públicos nesses aplicativos, entre 20h de quinta e 8h de sexta-feira, quase 50 mil mensagens únicas circularam pelos apps, atingindo cerca de 8,4 milhões de pessoas. A palavra “debate”, no entanto, só apareceu em 380 mensagens únicas, representando 0,76% do total, e não chegou a impactar nem 500 mil usuários de grupos públicos de WhatsApp e Telegram.

No mar de conteúdos que — sim — viralizaram fica claro o que realmente interessava ao brasileiro na noite de quinta para sexta. Em primeiro lugar, as apostas online (com destaque para o famigerado jogo do tigrinho). Em segundo, as correntes de orações (muitas delas em formato de áudio, dirigidas a pessoas doentes). Produtos à venda surgiram em terceiro lugar, com ofertas de sutiãs rendados no topo da lista, e, em quarto lugar, muita, mas muita pornografia (com vídeos de sexo explícito ganhando seta dupla da Meta por terem atingido altos níveis de encaminhamento dentro da plataforma).

No período analisado, ao menos 214 mensagens únicas de WhatsApp foram identificadas pelo aplicativo de mensagens mais famoso do Brasil com esse sinal, ou seja, foram consideradas virais. Nenhum desses conteúdos, no entanto, mencionava qualquer um dos debates realizados pela Globo país afora.

A política não foi de todo ignorada — afinal, não seria o Brasil da polarização se assim fosse. Críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao ex-presidente Jair Bolsonaro, à primeira-dama, Janja da Silva, e aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) circularam livremente no lugar das esperadas discussões sobre as eleições municipais.

Nesse contexto, nos grupos de direita, pipocaram ironias sobre os problemas aéreos que a comitiva de Lula enfrentou ao retornar do México na última semana. Honrarias a um pássaro que teria entrado na turbina do avião presidencial se misturaram com xingamentos de baixo calão contra Janja. Nos espaços da esquerda, por sua vez, viralizaram vídeos que lembram como Bolsonaro agiu durante a pandemia de covid-19, ressaltando seu grau de negacionismo.

A única conexão entre o que circulou nos apps de mensagem do país naquela noite e a eleição municipal do próximo domingo ficou (infelizmente) por conta de uma série de notícias falsas que insistem em disseminar a ideia de que as urnas eletrônicas não são confiáveis. Como contamos no fim de semana passado aqui neste Meio, esse tipo de mentira perigosa e anti-democrática não morreu. Já alcançou quase 1 milhão de usuários de WhatsApp e Telegram.

E é nesse contexto que fez sucesso na noite dos debates um vídeo (já devidamente etiquetado como falso por diversos checadores do país) que supostamente “alerta” o eleitor sobre não apertar o botão "confirma" da urna quando a palavra “confira” estiver escrita na tela. Segundo a gravação, ao agir assim, o eleitor anularia seu voto — o que é falso. O pior é que o vídeo em questão viralizou com uma legenda que dialoga com a emoção dos cidadãos, sugerindo que forças ocultas estão em ação no sistema eleitoral nacional. “Esta é a pegadinha da urna eletrônica para as eleições de 2024”, dizia o texto. E, vamos repetir: isso é falso. Leia aqui, aqui e aqui.

Outro vídeo com ingrediente igualmente enganoso e contrário às urnas foi visto em meio às mensagens monitoradas pela Palver na noite de 3 para 4 de outubro. Trata-se da gravação de uma sessão plenária na Câmara dos Deputados em novembro de 2010, na qual o ex-deputado federal Fernando Chiarelli (PDT-SP) alega que o sistema eleitoral não é confiável, sem apresentar qualquer prova do que classifica como fraude. Na noite de quinta-feira, esse vídeo foi distribuído em grupos públicos de WhatsApp e Telegram como sendo novinho em folha. “Brasília ontem à noite… Por que a Globo não mostrou?”, questionava a legenda.

Uma busca direcionada por conteúdos diretamente ligados aos debates em Rio de Janeiro e São Paulo confirma que o impacto dos eventos nos grupos públicos dos aplicativos de mensagem foi mínimo mesmo nas principais metrópoles do país.

Pablo Marçal (PRTB) ganhou alguma visibilidade — sobretudo no Telegram — com um vídeo feito por sua equipe dentro do carro, enquanto ele se deslocava aos estúdios da Globo. Já Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB), que tenta a reeleição, só foram mencionados nos aplicativos em conversas que tratavam sobre as pesquisas eleitorais. Nada sobre o que disseram ou deixaram de dizer na televisão.

No Rio, apenas dois momentos do debate mereceram alguns (poucos) comentários. Apoiadores do Delegado Ramagem (PL) comemoraram nos apps quando ele disse ao prefeito e candidato à reeleição Eduardo Paes (PSD) que o prenderia se a Operação Lava Jato ainda existisse. Depois, o mesmo grupo amplificou a posição do político do PL quando ele classificou como “malandragem” a ideia de Paes de oferecer remédio para emagrecer na rede de saúde pública da cidade.

Em ambos os casos, o número de compartilhamentos no WhatsApp e no Telegram não passou de cinco. Muito aquém do total visto quando se tratava das mensagens que, ao longo da noite, remetiam usuários a apostas online, rezas, descontos para compra de sutiãs e pornografia em geral.


*Cristina Tardáguila é fundadora e sócia da agência Lupa. Este texto faz parte da parceria do Meio com a Lupa, que mapeia o que está fervendo em 80 mil grupos públicos do WhatsApp e do Telegram sobre as eleições municipais deste ano e publica na newsletter Ebulição.

Cheirar com os olhos e sentir com a boca

Couro, mirra, tabaco, resina fóssil de âmbar, almíscar, o amadeirado do oud, cedro, incenso e até cheiro de samambaia pré-histórica. Odores fortes que remetem à tradição e ao que é precioso.

Seja em uma luxuosa perfumaria em um dos bairros da elite carioca ou mesmo em uma loja popular de essências no Centro da cidade, a busca dos clientes se repete — e chega a parecer ensaiado: “tem perfume árabe?”

Com preços que variam de R$150,00 a R$8000, os cheiros não são os mais discretos — nem os frascos. Não é preciso nem chegar muito próximo para ser envolvido com os odores e o brilho “do oriente”.

Os altos preços podem ser explicados pela composição dos perfumes. O oud, por exemplo, é conhecido como o "ouro líquido da perfumaria". “Uma árvore de oud só estará pronta para ter o óleo essencial extraído para o perfume depois de 150 anos, então é realmente uma preciosidade. Além de ter peso molecular maior, o que faz a evaporação ser lenta. E todo mundo gosta de que o perfume fique na pele mais tempo”, explica a perfumista Renata Ashcar:.

Enquanto escrevo, tenho em um pulso o Leen, da Al Wataniah, com um forte cheiro de madeira de carvalho e tangerina, que tem o frasco custando entre R$ 250 e R$ 300. No outro, o floral romântico e intenso, Lilac Love, da casa de perfumes de nicho Amouage, numa faixa entre R$ 1900 e R$ 3000.

A confusão de sentidos – que dão fome, agitam, depois inebriam e até podem nausear — tem nome na literatura. A isso atribuímos a figura de linguagem sinestesia. Mas aqui eu chamo mesmo de “apuração de reportagem”, para entender como uma tradição olfativa milenar de repente explodiu no TikTok.

Febre mundial

Não só no Brasil que a procura por perfumes árabes explodiu, é uma febre é mundial. “A tendência vem se mostrando nas principais feiras globais. E o Brasil, por estar entre os cinco maiores mercados de consumo de perfumes, acaba atraindo o interesse dessas marcas”, explica Claudia Carvalho, diretora executiva da Associação Brasileira de Perfumarias Seletivas (ABPS), entidade que promove e desenvolve o mercado varejista de cosméticos de luxo do país.

Como exímios comerciantes, os árabes perceberam uma lacuna no mercado da perfumaria e souberam aproveitar a oportunidade. O paranaense Renan Gandara, estudioso de perfumes e criador de conteúdo no TikTok, com quase 100 mil seguidores, tem uma explicação para o interesse dos brasileiros pelos perfumes árabes mais populares, de marcas como Lattafa, Al Wataniah, Emper, e Al Haramain.

"São perfumes com frascos arrojados, com preço acessível em comparação com a perfumaria tradicional premium internacional. Eles se inspiram em perfumes ocidentais de sucesso e, mesmo não sendo algo original, eles entregam o que o consumidor quer. As pessoas não querem frascos mixurucas, e sim fragrâncias que pareçam exclusivas, a um valor possível”, argumenta.

Pelo preço, não são a pura perfumaria árabe de luxo. Mas a distinção vai além do quanto custam. A perfumista Renata Ashcar explica que os árabes fazem perfumes para eles, mas criam linhas para exportação que podem ser mais palatáveis para outras culturas. “Os perfumes orientais legítimos, tradicionais da região, com ingredientes naturais, resinas, encarecem as fragrâncias. Agora, os perfumes árabes ocidentais encontram seu espaço no mercado porque têm uma direção olfativa similar a de perfumes ocidentais tradicionais. As embalagens são lindas, mas sem o alto custo da perfumaria tradicional, que fica mais próxima da condição financeira dos brasileiros”, pondera a especialista.

Cheiro que gruda no osso

Em uma das franquias da WorldFree, a gerente Alessandra Torres diz que o público é de todo tipo. São homens, mulheres, jovens, idosos que, impulsionados pelas redes sociais e pelo boca a boca, chegam às lojas querendo o tal “cheiro que gruda no osso” dos perfumes árabes. “O que prevalece para esse consumidor é o custo-benefício, não há muito um interesse pela narrativa do perfume, como acontece nas grandes casas como Parfums de Marly, Creed ou Dior”.

Ao perguntar sobre o mais caro disponível na loja, ela surge um frasco que mais parecia uma joia: era o Royal Amber, da Orientica. O preço gira em torno de R$ 1000. Ao questionar sobre marcas mais caras, ela explica que muitas estão em falta no mercado brasileiro. O Royal Amber também é um dos mais caros da iluminada loja da libanesa Rasha, no Mercado Popular da Uruguaiana, no Centro do Rio. Os frascos em formatos de rosas, cartas, cúpulas de mesquitas, com arabescos e outras decorações típicas da cultura árabe chamam a atenção.

Vinda do Líbano há dois anos, a Rasha abriu a loja faz pouco mais de 5 meses. Ela vestia um hijab azul-marinho e tinha um olhar receptivo, mas também um tanto desconfiado quando me apresentei como jornalista. Antes de fazer mais perguntas, logo a parabenizei pela loja tão perfumada e organizada e disse que talvez não sejamos tão estranhas assim. A diferença é que meus avós vieram no início do século passado — fugindo dos mesmos conflitos que hoje testemunhamos. A coincidência nos fez dar risada, apesar da da realidade do país dela. Então ela contou que, ao que parece, o empreendimento valeu a pena.

“Muita gente vem procurando para si, porque viu na internet, e acaba comprando mais dois ou três para presente também, porque o preço é bom. Quem tem dúvida se vai gostar ou não pode comprar o frasco, também vendo o decant. Perfume não é algo urgente, mas todo mundo quer se sentir bem e quer ouvir elogios. Então, a maioria paga parcelado, que aí não pesa tanto”, explica. Decant é o líquido dos perfumes originais vendidos em frascos menores, para experimentar ou colecionar.

Tanto a Rasha quanto a Crissie, vendedora de uma loja de contratipos e essências tabeladas, também no Centro, dizem que o segredo é o cliente dizer qual perfume das marcas renomadas ele mais gosta e, assim, elas conseguem sugerir o árabe que mais se aproxima.

Um dos que mais estourou no TikTok, e estava em falta em algumas das lojas visitadas, foi o Fakhar Rosa, da Lattafa, apelidado de perfume da sereia por conter notas afrodisíacas e feromônios — e que também lembra muito o L’Interdit, da Givenchy.

A lista de perfumes similares é longa. Isso porque contratipos ou “inspirados” são produtos parecidos com outro perfume mais consolidado no mercado, mas não são uma imitação, pois contêm notas de outros elementos ou passam por processos diferentes. E são legais.

Luxo e desejo

O desejo que impulsiona a compra é totalmente diferente em uma perfumaria de nicho, que trabalha com perfumes de luxo. A clientela se interessa pela exclusividade e pelas narrativas por trás das fragrâncias.

A vendedora e estudiosa da perfumaria, Cláudia Martins, da loja Luxe do Village Mall, conta algumas das histórias dos perfumes da marca de luxo Amouage, que tem fábrica em Omã, e suas embalagens muitas vezes banhadas a ouro, desenhadas e adornada com cristais.

“O Amouage Epic tenta traduzir nas notas olfativas uma viagem épica de um homem por paisagens exóticas, e grandes aventuras, em busca de especiarias e tesouros para si e para presentear reis e nobres no caminho. Então, o cheiro da seda, de veludo, especiarias orientais, cardamomo, rosa, incenso, âmbar e oud, além de outras notas que também estão presentes nesse perfume”.

Se não for verdade, pelo menos é bem contado. Nada como uma camada extra de luxo.

Uma análise profunda sobre o conflito no Oriente Médio, um Donald J Trump mais radical na corrida eleitoral americana e uma nova modalidade de turismo competiram com as imbatíveis receitas da Panelinha pela atenção do leitor nesta semana. Veja os mais clicados:

1. New York Times: A análise de Thomas L. Friedman sobre o que realmente está em jogo no conflito Israel-Hezbollah-Hamas-Irã.

2. Panelinha: Um jeito inovador de fazer Lasanha com ragu de cogumelo com uma só panela.

3. Meio: Ponto de Partida em que Pedro Doria mostra como o discurso de Trump na corrida eleitoral americana está mais radical do que nunca.

4. Panelinha: A supercoringa tapenade de limão-siciliano e tomilho que vai bem com omeletes, bolinhos de bacalhau, brusquetas e o que a sua imaginação mandar.

5. CNN Brasil: Já ouviu falar de turismo regenerativo? É uma nova forma de viajar pelo Brasil em que você pode plantar corais.

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