Edição de Sábado: Fogo e cortinas de fumaça

O ar de São Paulo estava irrespirável nesta semana. Na sexta-feira, pelo quinto dia seguido, a capital registrava a pior qualidade do ar entre as grandes cidades do mundo, de acordo com a plataforma suíça IQAir. Claro, existe a poluição natural de uma cidade por onde circulam diariamente cerca de 6 milhões de veículos a combustão e que é afetada pela produção industrial. Mas quem viu o céu da cidade nos últimos dias sabe que alguma coisa está fora da ordem. Ou talvez alinhada a uma nova ordem, regida pelos eventos climáticos extremos, previstos pela ciência há décadas e largamente negligenciados pelos governos mundo afora.

No caso de São Paulo, a qualidade do ar é impactada diretamente pelas queimadas que atingem o Brasil de Norte a Sul. Apenas neste ano, segundo levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o país já registrou 159.411 focos de incêndio desde janeiro. Mais do que o dobro dos 79.315 registrados no mesmo período no ano passado. Na última quinta-feira, o relatório mensal do Map Biomas mostrou que a área queimada no Brasil em agosto cresceu 149% em relação ao mesmo período do ano passado e atingiu 5,65 milhões de hectares – área que equivale ao tamanho da Paraíba inteira.

Não é só um problema de São Paulo. A fumaça dos incêndios florestais que acontecem na Amazônia e no Cerrado, aliada aos focos de incêndio nas lavouras do Centro-Oeste e do Sudeste têm impactado Estados no Brasil e países vizinhos. Imagens produzidas pelo CAMS (Serviço de Monitoramento da Atmosfera, na sigla em inglês) do observatório Copernicus, da União Europeia, mostram um aumento expressivo da fumaça decorrente das queimadas de 1º de agosto a 9 de setembro e como os focos de incêndio amazônicos atingem o Centro-Oeste e o Sudeste e já se espalham para o Sul. O Cerrado  foi o bioma que teve mais focos entre 7 e 10 de setembro. Foi essa poluição que causou a chuva preta vista em Porto Alegre. Para os próximos dias, mais três Estados além do Rio Grande do Sul podem vivenciar o mesmo fenômeno: Santa Catarina, Paraná e São Paulo.

Se nesta semana o país foi atingido por uma onda de calor da Amazônia até Santa Catarina, que, somada à baixa umidade é uma receita para o aumento das queimadas, as perspectivas para a próxima semana não são melhores. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) prevê  uma nova onda de calor, que fará a temperatura aumentar em até 5 ºC acima da média histórica pelos próximos dias. Os Estados de Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, além de partes do Rio de Janeiro, Minas, e do Amazonas receberam alerta vermelho de “grande perigo”. Em algumas cidades, as temperaturas devem ultrapassar os 40 ºC.

Na Sala de Justiça

Em um primeiro momento, a reação do governo brasileiro à escalada de incêndios foi buscar a culpa nos suspeitos de sempre. Em 25 de agosto, quando as queimadas em São Paulo apresentavam uma escalada, a ministra do Meio Ambiente Marina Silva falava que se tratava de um novo dia do fogo, remetendo aos incêndios criminosos que ocorreram na Amazônia e no Pantanal em 2019. Que boa parte dos incêndios é criminosa é uma suspeita que não pode ser descartada. A situação de São Paulo desde a penúltima semana de agosto tem muita semelhança com o que ocorre na Amazônia, e o Estado registrou o maior número de focos ativos de calor desde o início das medições do satélite de referência, em 1998. Um levantamento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), obtido pela Agência Pública, mostra que, apenas entre 22 e 24 de agosto, foram 2,6 mil focos, 81,29% deles em áreas de uso agropecuário como as ocupadas pela cana-de-açúcar e pela pastagem. Essa onda levou o governo federal a acionar a Polícia Federal para investigar as causas dos incêndios no Estado.

O fato é que o país está em chamas e vulnerável a todo o tipo de implicações para a saúde trazidas tanto pela fumaça quanto pela chuva preta. E isso teria que refletir, em qualquer governo, na busca de soluções de curto, médio e longo prazos. Só que isso não ocorre. Na semana passada, quem trouxe o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a realidade foi o Supremo Tribunal Federal (STF). Mais precisamente o ministro Flávio Dino, ex-ministro da Justiça do petista. Ele cobrou o cumprimento por parte do governo da decisão da Corte tomada na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 743, que foi impetrada pelo PT, PSOL, PSB e Rede ainda durante o governo Bolsonaro. Desde março deste ano o governo deve esse plano ao STF. E a implementação deve ocorrer contra as queimadas mesmo que seja necessário pedir crédito extraordinário ao Congresso. O que não pode é não cumprir a decisão.

A tramitação dessa arguição no STF apresenta traços de ironia. Além do fato de ter sido provocada pelos partidos da base de Lula, o julgamento realizado em março acabou tirando a relatoria das mãos do ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, André Mendonça, e a colocando nas mãos de Dino, titular da mesma pasta de Mendonça nos primeiros anos de Lula e indicado pelo petista para a vaga na Corte. Isso porque, no julgamento da “pauta verde” do STF, Flávio Dino abriu divergência e derrotou a tese de Mendonça. Regimentalmente, portanto, herdou a relatoria da ADPF. O prazo dado pelo STF para o governo apresentar as ações para o Pantanal e Amazôna era de 90 dias. Além disso, o Executivo teria que desenvolver um plano de recuperação da capacidade operacional do Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo).

O tempo passou e nenhuma resposta foi dada à Corte. Diante disso, Dino, em 10 de setembro, convocou uma audiência pública para tratar do tema. Foram chamados a Advocacia Geral da União (AGU), o Ministério do Meio Ambiente, o Superior Tribunal de Justiça, uma vez que, na época, o ministro Herman Benjamin comandava o observatório do clima dentro do judiciário. Também estiveram presentes representantes da Procuradoria-Geral da República (PGR) e dos Ministérios da Justiça, dos Povos Indígenas e da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, além dos partidos políticos autores das ações e de representantes de entidades que atuam como terceiras interessadas na causa, como WWF e Greenpeace Brasil. A ideia era ter efeito prático, o que fez o ministro avisar, na ocasião que era para ninguém ir para a audiência de “mãos abanando”, como disse ao Meio uma fonte do Supremo. Na reunião, só a AGU foi representada por seu titular, ministro Jorge Messias. As demais pastas enviaram secretários executivos. O Meio Ambiente mandou o secretário João Paulo Capobianco.

Dino resolveu cobrar novamente o governo e marcou para o dia 19 de setembro uma nova audiência com representantes do governo federal e dos Estados que compreendem a Amazônia e o Pantanal. No dia 3 de setembro, Dino já havia definido o que queria que o governo respondesse, designando a AGU como responsável pelas respostas. Foram 9 perguntas encaminhadas pelo ministro sobre o plano de combate a incêndios no Pantanal e na Amazônia. Entre elas, Dino quer saber se estava sendo criado e implementado o plano e quais medidas já estão sendo adotadas. O que foi feito para a recuperação da capacidade operacional do Prevfogo? Qual foi o incremento de pessoal nos próximos anos? Se existe um sistema nacional que faça a integração dos dados federais e estaduais? O ministro quer saber também a quantas anda a formação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), um tema espinhoso para muitos ruralistas com mandato na Câmara e no Senado. Dino sabe que o CAR pode deixar explicitas pelas tecnologias de georeferenciamento situações de lavouras que avançam sobre terras indígenas ou áreas florestais, garimpo e até mesmo o local exato onde o fogo começa.

Para responder aos questionamento dos ministro, técnicos do governo chegaram a se reunir na última quarta-feira. Foi um encontro online. Em paralelo, na última quinta-feira, a Ministra do Meio Ambiente Marina Silva disse que prepara uma medida provisória para implementar o Estatuto Jurídico da Emergência Climática. “Ele embute a ideia de uma emergência climática permanente. Vai prever, nas regiões identificadas pelo Cemaden como suscetíveis a crises climáticas, a possibilidade de que seja decretada situação de emergência antes de o desastre acontecer”, disse Marina à CNN. Marina também quer uma medida para retirar do teto de gastos despesas com emergências climáticas, seguindo o exemplo do que ocorreu com o Rio Grande do Sul nas cheias que atingiram todo Estado. Além disso, só agora o governo anunciou a decisão de se criar de uma autoridade climática, promessa de campanha de Lula.

Ao olhar para como o governo tem se comportado em relação aos temas ambientais, é possível levantar algumas dúvidas de se terá capacidade de levar a cabo esses planos. A primeira é uma questão orçamentária. O governo teria como custear essas ações? A segunda é de visão. Nesta semana, ao lado de Marina Silva, em Porto Velho Lula disse que vai retomar as obras da rodovia BR-319, que liga Porto Velho a Manaus. Um obra que começa em 1970, idealizada pelo governo militar. A justificativa é a seca do Rio Madeira, e a impossibilidade do transporte fluvial.

Além disso, o quanto um pensamento voltado para extração de combustíveis fósseis, como a defesa do presidente de explorar petróleo na bacia da Foz do Amazonas, está alinhado às necessidades reais de mitigação dos efeitos do aquecimento global?

Preparando o futuro

Quando pensamos nas questões climáticas, existe uma certeza: não há respostas fáceis para problemas complexos. Entretanto, a ciência tem dado subsídios para que se saiba com bastante precisão os custos da negligência com o aquecimento global. E os chefes de Estado sabem. Sabiam em 1992, no Rio de Janeiro, quando participaram da Eco-92, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento e ratificaram a Agenda 21. Os principais pontos eram, basicamente, implementar mudanças necessárias aos padrões de consumo, a proteção dos recursos naturais e o desenvolvimento de tecnologias capazes de reforçar a gestão ambiental dos países. Durante a conferência, outros tratados foram firmados, como as convenções da Biodiversidade, das Mudanças Climáticas e da Desertificação, a Carta da Terra, a Declaração sobre Florestas. Se o que foi discutido lá tivesse sido posto em prática, não estaríamos na situação em que estamos hoje.

Desde a Eco-92, são realizadas as COPs,  ou conferência das partes, encontros entre os países os signatários da convenção de mudanças climáticas. A próxima acontece em novembro, em Baku, no Azerbaijão. Se sabemos e acompanhamos de perto os efeitos das mudanças climáticas, por que não conseguimos de fato seguir o princípio da precaução e manter a meta do aquecimento global abaixo dos 2ºC até 2030, estipulada no Acordo de Paris?

O economista e ambientalista Sérgio Besserman, que, na semana que vem estreia o  novo curso do Meio “Crise Climática: A História do Século 21”, tem claro que não vamos cumprir o Acordo de Paris. Ele lista uma série de fatores que seriam necessários para diminuir as emissões de gases do efeito estufa, lembrando que, mesmo que parássemos totalmente as emissões, o que é impossível, o problema ainda seria sentido porque a questão “não é o fluxo de gases, mas o estoque”.

Um primeiro ponto é ter uma governança global. Não um governo global, ele frisa, mas um organismo internacional com poder de aplicar sanções, de deliberar em nome dos países e cobrar o cumprimento de metas. O segundo ponto seria obviamente a transição das matrizes energéticas abandonando os combustíveis fósseis. “Você pode até ter uma mar de petróleo, mas é areia, porque aquilo não vale mais nada porque não pode ser usado”. Um terceiro seria uma mudança de cultura em relação ao consumo: produzir menos, comprar menos, comer menos carne, por exemplo. “Nós temos todas as possibilidades tecnológicas e de engenharia social. Podemos criar sistemas de incentivos e desincentivos para mudar a cultura”, diz, em um momento otimista.

Hoje, pensando em como a sociedade está estruturada, é muito difícil acreditar em uma mudança significativa. “Quem comanda o mundo hoje, sejam os chefes-de estado, sejam os CEOs das grandes empresas, são pessoas com mais de 50 anos, que estão mais preocupadas com as eleições próximas e com seus bônus do que com o futuro. Não existe esse espaço decisório para que se possa reverter essa questão em um curto espaço de tempo”, argumenta.

Para entender como estamos hoje, ele usa uma metáfora. Você está em um carro prestes a fazer uma curva. Se a fizer a menos de 120 km/h, todos se salvam ilesos. “Hoje estamos a 460 km/h, se cumprirmos todas as promessas feitas, o carro desacelera para 240k/h. Ainda vamos todos cair na ribanceira.”

E ainda ressalta que nos últimos cinco anos, a realidade tem superado as previsões. "O mais recente relatório da IPCC foi muito contundente, muito explícito e acusado de catastrofismo. Mas muita coisa que a era para acontecer daqui a 15, 20 anos, está acontecendo agora", diz citando, por exemplo, o aumento das ondas de calor.

A mesma percepção tem uma das maiores autoridades em clima no Brasil, o climatologista Carlos Nobre, que construiu sua carreira no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e foi diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Em entrevista ao Estadão nesta semana, ele diz “A crise explodiu. Temos a maior temperatura que o planeta experimentou em 100 mil anos. Desde que existem civilizações, há dez mil anos, nunca chegamos nesse nível, em que todos os eventos climáticos se tornaram tão intensos e muito mais frequentes. São secas em todo o mundo, tempestades, ressacas e, agora, a explosão desses incêndios”.

Ele afirma também que todos os biomas brasileiros estão ameaçados. Se continuarmos nesse ritmo de desmatamento, ele acredita que não teremos mais Pantanal em 2070 e a Amazônia irá perder 50% da área de floresta até o mesmo ano, além de a Caatinga avançar sobre o Cerrado.

Olhando por esse prisma, o que acontece neste ano no Brasil, seja agora com as queimadas, seja nas chuvas do Rio Grande do Sul em maio, são alertas muito contundentes. Mantendo esse ritmo de emissão de gases do efeito estufa, a estimativa mais conservadora apontada por Besserman é termos 350 milhões de migrantes ambientais até 2060 e, para completar o quadro distópico, ele diz que a diferença do aumento de 0,5 ºC  da temperatura mundial significa em número de mortos o equivalente a 65 holocautsos. “Só não sei se consideram holocausto 6 milhões de judeus mortos ou os 65 milhões de mortos da Segunda Guerra Mundial”.  Independentemente de quais forem, não é fácil ignorar esses números.

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O tamanho do PCC na campanha eleitoral

Desde 1993 o Brasil convive com o PCC, o Primeiro Comando da Capital, maior organização criminosa do país. Nesses mais de 30 anos, viu-se como o grupo formado nos presídios de São Paulo conseguiu crescer, avançar por outros estados e orquestrar jornadas de terror, promovendo mega rebeliões e chacinas. O que o Brasil talvez ainda não saiba (ou talvez não queira saber) é quão grande é o PCC na conversa político-eleitoral.

Desde 5 de agosto, quando a Lupa começou a acompanhar (de forma sistematizada e anonimizada, via Palver) o que é dito em mais de 80 mil grupos de WhatsApp e Telegram, pelo menos 888 mensagens únicas citando o PCC e pelo menos um dos candidatos à prefeitura de São Paulo circularam por esses aplicativos.

Fazendo uma média aritmética simples, isso significa que, por dia, são produzidos e disseminados nesses espaços virtuais mais de 22 conteúdos que conectam o grupo criminoso aos políticos que pretendem administrar a maior capital do país. Dá quase uma mensagem por hora. Segundo a Palver, esse material já pode ter impactado pelo menos 640 mil pessoas desde o início de agosto. É mais do que todos os eleitores de uma cidade do porte de Santo André, no ABC Paulista.

E o que tanto se fala do PCC? A resposta é, ao mesmo tempo, fácil e preocupante. Tanto as campanhas (de todos os lados do espectro político) quanto suas respectivas militâncias têm investido pesado em disseminar postagens, com entrevistas, cortes de vídeos e links, que tentam convencer o eleitor de que outros candidatos na disputa têm algum tipo de elo com o grupo criminoso. O resultado é um imenso e perigoso ruído. A ideia de que muitos dos candidatos são supostamente ligados ao PCC afasta o cidadão do processo democrático. Reduz a confiança no poder do voto e, a médio prazo, impacta nos rumos do país.

Nesse tsunami de mensagens das últimas semanas, há acusações graves, ilações e dados fora de contexto ou desatualizados. Desinformação pura. Conteúdos plantados – talvez de forma proposital – para angariar ou tirar votos, sem considerar o estrago que podem provocar logo à frente.

Até a publicação deste artigo, absolutamente nenhum dos candidatos aceitos pela Justiça Eleitoral para disputar a prefeitura de São Paulo tinha qualquer conexão direta comprovada com o crime organizado. Mas as mensagens que viralizam nos aplicativos mais famosos do país dizem outras coisas.

No ranking do número de mensagens que ligam quem disputa a prefeitura paulistana ao PCC, Pablo Marçal (PRTB) é quem aparece em primeiro lugar. Desde 5 de agosto, foram 730 conteúdos únicos em pelo menos 230 grupos públicos que debatem política associando o candidato ao grupo criminoso. Dessas 730 mensagens, pelo menos 10 receberam da Meta (dona do WhatsApp) a seta dupla que indica altos índices de viralização dentro da plataforma.

Nesse universo, há quem questione a origem do dinheiro do ex-coach, quem diga que o “M” que ele faz com os dedos para se promover é, na verdade, um símbolo do PCC e quem distribua links para blogs críticos ao candidato, afirmando que membros de seu partido têm negócios com a organização criminosa. Há também trechos de vídeos (entrevistas ou debates) nos quais tanto Tabata Amaral (PSB) quanto Ricardo Nunes (MDB) acusam Marçal de ser sócio do crime. Tabata foi acionada na Justiça por isso.

Guilherme Boulos (PSOL) aparece em segundo lugar. Em quase 40 dias, pelo menos 165 mensagens únicas relacionando o psolista ao PCC impactaram 87 grupos públicos de WhatsApp e Telegram – espaços que reúnem ao menos 107 mil pessoas. Boulos enfrenta uma enxurrada de “notícias” de que um membro de sua campanha teria recebido dinheiro de um empresário de ônibus supostamente associado ao PCC. Fato é que o indivíduo mencionado nessas mensagens atuou na pré-campanha psolista e que a suposta doação, feita em 2020, não seria para Boulos, mas para a candidatura de vereador do próprio indivíduo. Aqui, quem turbina a narrativa é Marina Helena (Novo). Vídeos dela conversando sobre o assunto com o ex-procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol ficaram entre os conteúdos mais virais desta semana.

Para fechar a lista de candidatos embrenhados em mensagens que citam o PCC, também aparece José Luiz Datena, do PSDB. Trechos do momento em que ele deixou o púlpito do debate organizado pela TV Gazeta e o canal MyNews no último dia 1o supostamente para esbofetear Marçal circulam pelos apps com frases lembrando que, como âncora de TV, Datena sempre atacou o crime organizado. Seria, aos olhos de seus apoiadores, um homem idôneo.

Enganam-se aqueles que pensam que as conversas ligando o PCC aos candidatos de São Paulo ficam dentro das fronteiras desse estado. Mapa feito a partir dos DDDs usados para falar desse assunto em grupos públicos de WhatsApp mostra a nacionalização da conversa. Nenhum dos Estados – nem o Distrito Federal – ignorou a forma como a política paulistana tem feito propaganda se aproximando ou se afastando do maior grupo criminoso do país.

Preocupa o uso aparentemente indiscriminado de uma das técnicas mais utilizadas em todo o mundo para disseminar notícias falsas: a amplificação do medo (ou fear mongering, em inglês). Alguns se lembrarão da atriz Regina Duarte compartilhando seu receio ante uma possível vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na campanha presidencial de 2002. É disso que falamos. O episódio ocupou preciosos minutos de TV e foi motivo de centenas de análises políticas – muitas delas apontando para o risco de misturar medo e política.

Em 2024, o medo também está sendo difundido, mas de forma mais silenciosa, pelo celular, sem que a maioria dos analistas consiga enxergá-lo. O preço a se pagar pode ser a estabilidade da democracia.


*Cristina Tardáguila é fundadora e sócia da agência Lupa. Este texto faz parte da parceria do Meio com a Lupa, que mapeia o que está fervendo em 80 mil grupos públicos do WhatsApp e do Telegram sobre as eleições municipais deste ano e publica na newsletter Ebulição.

Mudar para sobreviver

As corridas de carro existem desde a invenção do automóvel e hoje dividem-se em dezenas de categorias. Vão do Kart, cujos pilotos profissionais começam a correr a 60 km/h com apenas 6 anos de idade, até a Fórmula 1, onde velhinhos de 43 anos como o bicampeão Fernando Alonso (2005 e 2006) voam a 360 km/h. A F1 é a face mais vistosa do automobilismo, uma modalidade que muitos não consideram um esporte. Para acabar com essa dúvida, em 2011 o Comitê Olímpico Internacional reconheceu a FIA (Fédération Internationale de l’Automobile) como uma federação esportiva e incluiu o automobilismo como um esporte possivelmente olímpico.

Será que um dia teremos os três primeiros colocados em um pódio sem direito a champagne? Atletas do kickboxing, squash e caratê (outros esportes que também estão na fila do COI) tem mais chance de ganhar medalhas de ouro antes dos pilotos. Mas não é impossível que a popularidade acabe unindo as duas poderosas federações em alguma Olimpíada do futuro.

Tudo começou com o Rato
Mesmo sendo disputada desde 1950, para mim (e muitos outros brasileiros) a Fórmula 1 começou com Emerson Fittipaldi, quando ele ganhou o campeonato mundial em 1972 com a icônica Lotus preta e dourada, patrocinada pela John Player Special. Foi a primeira temporada com provas transmitidas para o Brasil via satélite (uma novidade) pelas TVs Tupi e Globo. Em 1973 o Grande Prêmio do Brasil, no autódromo de Interlagos, entrou no calendário da competição. Emerson ficou em segundo e, no ano seguinte, foi campeão mundial novamente pela McLaren.

O Brasil estava definitivamente apaixonado pelo “Rato”, apelido de Emerson, e pelo “circo” da Fórmula 1. O ano de 1975 trouxe mais emoção com um outro piloto brasileiro, José Carlos Pace (morto em em acidente aéreo em 1977), que venceu o Grande Prêmio do Brasil, com Emerson chegando na segunda posição, para delírio dos fãs. Fittipaldi terminaria o ano novamente em segundo no campeonato e tudo parecia bem até que o piloto entrou de cabeça num projeto faraônico: construir um carro brasileiro. Nascia a equipe Copersucar Fittipaldi, que produziu belos carros amarelos que nunca ganharam uma única corrida. Um segundo lugar em Jacarepaguá, em 78, e um terceiro lugar em 1980, nos Estados Unidos, foram seus melhores resultados.

Porém os brasileiros já tinham outro ídolo, Nelson Piquet, que chegou em segundo em 1980 e faturou o campeonato em 1981, pela Brabham. Piquet manteve o interesse da torcida vencendo também em 1983 e 1987. E então surgiu Ayrton Senna, também tricampeão em 1988, 1990 e 1991. Estes talvez tenham sido os anos mais loucos, com muita gritaria de Galvão Bueno, Tema da Vitória e um aumento de público, com velhinhos e crianças torcendo pelo ‘bom moço’. A festa acabou no dia primeiro de maio de 1994, quando Senna morreu após um acidente no Grande Prêmio de San Marino.

Daí para frente coube a Rubens Barrichello manter o interesse dos brasileiros pela competição. Mas mesmo com 68 pódios, a falta de um título mundial ofuscou o brilho do piloto. Ou seria o brilho excessivo de Michael Schumacher, seu companheiro na Ferrari, que faturou 5 títulos seguidos? Rubinho viu surgir Fernando Alonso (2 títulos), Lewis Hamilton (7 títulos), Sebastian Vettel (4 títulos) e saiu da categoria em 2011. Felipe Massa foi o último brasileiro a ter uma carreira sólida na F1, pilotando uma Ferrari após a saída de Barrichello e terminando a carreira na decadente Willams. Desde então o interesse dos brasileiros pelo esporte diminuiu, acompanhando um movimento global.

Após 40 anos sob o comando de Bernie Ecclestone, o púbico da Formula 1 estava estagnado e a categoria, endividada. Em 2017, o ‘Formula One Group’ foi vendido ao conglomerado Liberty Media por ‘apenas’ 8 bilhões de dólares. Um ótimo negócio para a empresa americana já que, no ano passado, rejeitou uma proposta de US$ 20 bilhões feita pelo fundo soberano da Arábia Saudita. Como tal valorização aconteceu?

Viva a revolução
Antes de apostar na F1, o Liberty Media já era dono da rede de estações de rádio Sirius XM e da produtora de eventos Live Nation. Decidida a modernizar o evento, a empresa ficou meses pesquisando os fãs e, principalmente, os potenciais novos fãs. O resultado apontou para uma mudança radical em relação às redes sociais, levando também à criação de uma série de produtos digitais e de serviços para o público que vai às corridas.

Ecclestone detestava as redes sociais e desestimulava seu uso pelos pilotos. Quando a Liberty Media assumiu, Lewis Hamilton mostrou dezenas de cartas enviadas pelos advogados de Bernie exigindo que parasse de postar vídeos das corridas em suas contas pessoais. O descaso era tanto que, em 2017, o Youtube da F1 tinha pouco mais de 270 mil inscritos. Sete anos depois já são quase 11 milhões. Hoje o canal apresenta o resumo das corridas, filmagens a bordo dos carros, a reação dos pilotos após as provas qualificatórias, transmissões ao vivo dos preparativos finais e até um resumo das etapas narrados por crianças. Agora pilotos e equipes são estimulados a aumentar sua presença nas redes. O antenado Hamilton colhe os frutos de sua teimosia com 37,5 milhões de seguidores no Instagram, enquanto o atual campeão mundial, Max Verstappen, tem “apenas” 12,5 milhões.

Sem medo de competir consigo mesmo, foi criado um serviço de streaming, a F1TV, rompendo com o histórico modelo de exclusividade de transmissão pelas redes de televisão. Além das corridas e treinos, o serviço tem programas exclusivos de entrevista e análise, documentários e um grande arquivo de competições. A própria transmissão das corridas ganhou mais emoção e informação. Os carros estão equipados com muitas câmeras: umas giram automaticamente para acompanhar as ultrapassagens, outras, instaladas no capacete, mostram o ponto de vista do piloto, algumas alteram a imagem para mostrar a inclinação de algumas curvas ou ficam apontadas para o rosto dos pilotos, mostrando suas reações. Para dar a sensação de estar dentro do carro, uma câmera de 360 graus pode ser controlada por quem assiste a esses vídeos no YouTube. Muita informação é apresentada em Realidade Aumentada, com gráficos e estatísticas projetados no painel dos carros. As equipes recebem dados de mais de 120 sensores e alguns são mostrados ao público, como velocidade, aceleração, ângulo da curva, consumo de combustível e até a força G a que o piloto está sentindo.

Correndo por fora
A ausência de mulheres no grid de largada sempre foi algo marcante. Das pilotas que tentaram se classificar para a categoria, apenas a italiana Lella Lombardi competiu e pontuou, correndo pelas equipes Brabham e March entre 1974 e 1976. Em 2023 começaram as provas da F1 Academy, uma categoria criada para descobrir e preparar as futuras pilotas, combater o sexismo e aumentar a diversidade dentro da pista. Para participar é preciso ter entre 16 e 25 anos e 110 mil dólares no bolso, já que apenas os custos dos carros são subsidiados. A primeira temporada foi vencida pela espanhola Marta García e, neste ano, a inglesa Abbi Pulling, de 21 anos, está liderando. E por falar em sexismo, em 2018 a organização finalmente acabou com as ‘grid girls’, que acompanhavam os pilotos com placas ou guarda-chuvas.

Além de ampliar, eles decidiram rejuvenescer seu público, e o vídeogame faz parte desta estratégia. Na década de 1970 a F1 já era jogada em arcades. Dos fliperamas pulou para o Atari, SEGA, Nintendo, MSX e outros, numa infinidade de versões. O game atual, chamado 'F1 24', da Electronic Arts, pode ser jogado no PC, PlayStation ou Xbox. Ou seja, pilotos não faltavam, bastava criar uma enorme competição. Nascia a Formula One Esports Series, recentemente rebatizada para F1 Sim Racing, que começou em 2017 quando mais de 60.000 jogadores tentaram se classificar para as finais da primeira temporada. Atualmente as equipes são as mesmas da corrida verdadeira, e o prêmio é de gente grande: 750 mil dólares.

Além dos ingressos, que não são baratos (US$ 640 para os três dias no Grande Prêmio do Brasil), foram criados camarotes VIP batizados de F1 Experiences. Neles é possível ver a lendas da Fórmula 1 de perto, assistir a prova no exclusivo F1 Paddock Club Lounge, comer pratos criados por chefs com estrelas Michelin, fazer caminhadas diárias no Pit Lane e beber até cair no Open Bar. Todo este conforto pode custar até US$ 7.000. Para sinalizar todas essas mudanças, adotaram uma nova música tema, redesenharam o logotipo e novas fontes tipográficas (incrivelmente belas) foram criadas unificando o visual do evento em todas plataformas.

Fórmula Netflix
No meio de tantas transformações, um produto é sempre apontado como decisivo para o sucesso: a série Drive to Survive (traduzido para Dirigir Para Viver) da Netflix. Foi com ela que me reconectei à competição após décadas de desprezo. Eu e a torcida do Flamengo, já que 30% público atual veio na boleia da série. Deixando de lado aspectos mais técnicos dos carros e focando nas pessoas, a série injetou um ingrediente novo: o drama. As brigas entre pilotos (muitas vezes da mesma escuderia), as tretas entre chefes de equipe, os escândalos financeiros dos dirigentes, os áudios cheios de palavrões, as tomadas de câmera exclusivas (a parada nos boxes, vista de cima, é a marca registrada da série), os comentário ácidos dos especialistas, o desespero das equipes menores em pontuar, tudo é ampliado para transformar a competição em entretenimento. Não importa se o campeonato será vencido pela Mercedes ou pela Red Bull. Hamilton, o campeão em 2018, mal aparece na primeira temporada da série.

O programa serve ainda para mostrar o apoio da família dos pilotos e de chefes de equipe, exibir ao máximo os patrocinadores e apavorar o público com trombadas cinematográficas. As primeiras temporadas abusam do carisma de Daniel Ricciardo, que troca a RedBull pela Renault e esta pela McLaren antes de sua carreira escorrer pelo ralo e de Guenther Steiner, o explosivo e engraçado chefe de equipe da Haas, infelizmente demitido em 2023. Ao longo da série, assistimos ao retorno da Red Bull à hegemonia e à ascensão de Max Verstappen, atual tricampeão da categoria. Não há melhor maneira de se atualizar sobre os últimos 5 anos da competição. Após maratonar a série (e fuçar a wikipedia atrás de mais informações sobre os personagens) eu estava pronto para acompanhar as provas. A boa notícia é que os anos de dominação da Mercedes e da Red Bull acabaram. Neste ano, Ferrari e McLaren estão disputando palmo a palmo as posições no grid de largada, no pódio e no campeonato de construtores. Haja coração, diria o Galvão.

IMAX e além
E se você acha que a corrida de automóveis atingiu seu pico de glamour, aguarde F1, o blockbuster da Apple e Warner Bros. Com o gostosão Brad Pitt, Kerry Condon, Damson Idris e Javier Bardem no elenco e um enredo sobre a criação da fictícia escuderia APXGP. A inédita parceria entre Hollywood e a Fórmula1 permite acesso da equipe de filmagem às corridas, gravando cenas antes das competições com a participação dos verdadeiros pilotos e o calor da torcida. Portanto vem aí mais tomadas de câmera absurdas, ensurdecedores roncos de motor, cenários paradisíacos, muito mais drama e... Guenther Steiner, desde já cotado para Oscar de melhor ator coadjuvante.

Você sabia?
• Para ser considerado um esporte olímpico, ele precisa ser praticado em pelo menos 75 países em quatro continentes diferentes.
• Em Portugal ainda se ouve a expressão “armado de Fittipaldi” para se referir a pessoa que dirige em alta velocidade.
• O Tema da Vitória, que embalou Piquet e Senna, foi gravado em 1981 pelo grupo Roupa Nova.

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O planeta está literalmente pegando fogo e é preciso fazer algo a respeito. Quer entender seu papel nessa luta? Então participe do curso Crise Climática: A História do Século 21. Sergio Besserman, uma das maiores autoridades no assunto, vai mostrar as causas, consequências e caminhos possíveis para lidar com a crise. Aproveite o desconto de 30% (válido até segunda) e faça já sua inscrição.

A demissão de Silvio Almeida do Ministério dos Direitos Humano e o debate entre os candidato à presidência dos Estados Unidos dominaram os cliques nesta semana.

1. Meio: Troca de mensagens mostram intimidade entre Anielle e Almeida até novembro de 2023.

2. Meio: No Ponto de Partida, Pedro Doria argumenta que o espaço de conversa em casos como o de Silvio Almeida é muito limitado.

3. MSNBC: A íntegra do debate entre os candidatos à presidência dos EUA Kamala Harris e Donald Trump.

4. Washington Post: A fascinante história do adolescente Bradley Cadenhead, vítima de bullying que chantageava crianças para obter imagens explícitas e foi condenado a 80 anos de prisão nos EUA.

5. Meio: No Ponto de Partida, Pedro Doria diz que a tática de Kamala Harris para enfrentar Donald Trump no debate muda o jeito de enfrentar a extrema direita e pode ser uma lição para o Brasil.

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