Edição de Sábado: O regime apodrece

Após 25 anos no poder, o chavismo enfrenta amanhã a eleição mais importante da história recente da Venezuela. O atual líder, Nicolás Maduro, está desgastado, e aparece em um distante segundo lugar na maioria das pesquisas feitas nas últimas semanas. O ditador, no poder desde 2013, após a morte do líder do movimento, Hugo Chávez (1999-2013), está a pelo menos 20 pontos percentuais atrás do primeiro lugar nas intenções de voto, Edmundo González Urrutia.

Azarão da corrida, na verdade sua postulação foi uma estratégia armada com antecipação. Havia a desconfiança, depois confirmada, de que a líder escolhida em primárias, María Corina Machado, seria impedida de participar por um processo judicial confuso, em que é acusada de “incentivar a sedição e a violência” em sua atuação como congressista.

Ela tentou, então, inscrever uma afilhada política, a filósofa Corina Yoris, mas o regime não aceitou sua postulação. Na paralela, inscreveu-se o discreto Edmundo, um ex-diplomata aposentado, culto, que fala diversos idiomas, mas que nunca havia tentado a carreira política. Pois é neste senhor, com María Corina ativa por trás, que repousa, por ora, a única chance de redemocratização da Venezuela.

A inflação do país é recorde nas Américas, há desabastecimento e o sistema de saúde está sucateado. Além disso, a situação levou 7,7 milhões de cidadãos ao exílio (segundo as Nações Unidas) nos últimos 25 anos — ou um quarto de sua população. O país tem centenas de presos políticos (segundo a ONG Foro Penal), e é tema de informes de organismos internacionais que apontam para diversos abusos dos direitos humanos, dentro e fora das cadeias.

Entre os venezuelanos, o regime tem mais de 85% de rejeição (segundo o instituto Datanálisis, o mais respeitado do país) e Maduro, apenas 15% de aprovação, enquanto enfrenta uma denúncia no Tribunal Penal Internacional. Sobram razões, portanto, para que os venezuelanos castiguem o regime e votem para que ele tenha um fim.

Mas é aí que entra uma matemática mais fina. Para um país que perdeu 25% de seu povo, que preferiram migrar a viver sob uma ditadura, e que potencialmente votariam contra o regime, esse número pesa a favor de Maduro.

O governo havia prometido facilitar o voto de quem vive no exterior, mas isso não se mostrou na prática. Irregularidades, quedas de sistema, longas filas e “ineficiência” foram registradas em várias capitais pelo mundo e deixaram os eleitores registrados no estrangeiro sem a possibilidade do voto. “Além disso, a maioria dos que saíram da Venezuela em dificuldade não estão com seus documentos eleitorais em dia. Ou nem os possui. A oposição tentou uma alternativa, de eles votarem com o documento dos países que os acolheram — hoje, a maioria deles na região oferece o RG para venezuelanos de modo muito rápido e fácil. O governo não aceitou”, conta ao Meio Luis Vicente León, diretor da Datanálisis.

Internamente, Enrique Márquez, ex-vice-presidente do Conselho Nacional Eleitoral, considera que o comparecimento às urnas deve ser alto. “Basta observar as multitudinárias caravanas e os comícios da oposição”, diz. Márquez calcula que se superará o pico histórico, de 70% — da época do início do governo Hugo Chávez, quando este era extremamente popular. Isso seria, afirma, uns 10,5 milhões de eleitores. “Se a abstenção for alta, isso dá muita força ao chavismo. Neste momento, a melhor opção para vencer Maduro é termos uma votação em massa.”

Sistema de votação

Passemos para o sistema de votação, depois de eleições escandalosas, que não foram reconhecidas pela comunidade internacional em 2018. Num dos acordos que o governo fez com a oposição, houve uma melhora no CNE (Conselho Nacional Eleitoral). Seus reitores incluem técnicos, representantes opositores e governistas. Mudou-se o sistema para um eletrônico e auditável. “Pode-se dizer de tudo dessas nossas eleições, podem ocorrer muitos abusos, a oposição está certa de dizer que joga num campo de futebol inclinado. Só não é correto atacar o sistema de votação. Vários organismos internacionais o revisaram. Ele é muito bom hoje, funciona bem e é rápido”, diz León.

A confiabilidade do sistema eleitoral foi o que azedou a relação do regime venezuelano com o Brasil nesta semana — e com outros líderes da região. O presidente Lula havia feito críticas a uma declaração de Maduro, em que o ditador afirmou que uma derrota sua no domingo causaria “um banho de sangue”. Apoiaram a fala de Lula Gabriel Boric, do Chile, e Gustavo Petro, da Colômbia. Maduro, então, atacou o sistema eleitoral brasileiro, dizendo que ele não é auditável, o que é falso e causou o cancelamento da missão do Tribunal Superior Eleitoral que acompanharia a votação de domingo. Agora, o único representante do governo brasileiro que estará em Caracas é o assessor da Presidência, Celso Amorim, que viajou a Caracas com um aumento em sua equipe de segurança. As fronteiras entre os dois países também ganharam reforço do Exército.

Com Urrutia tantos pontos acima de Maduro, um sistema eleitoral robusto e mesmo descontados tantos eleitores que estão fora, por que as chances de Maduro alterar o resultado da eleição ainda são tão grandes?

Porque o chavismo usa métodos menos óbvios do que alterar maquininhas. Começa assinando um acordo com a oposição na presença de um terceiro país confiável. Já foram firmados mais de 14. O da vez é o famoso Acordo de Barbados, em que o governo se comprometeu a realizar eleições livres e competitivas, soltar presos políticos, habilitar os prisioneiros proscritos, em troca da diminuição de sanções. Em Barbados, os Estados Unidos cumpriram o acordo e vinham levantando sanções.

E Maduro? Como nos 13 acordos anteriores, mentiu em cada ponto. A lógica é a de ganhar mais tempo e, enquanto isso, prender mais opositores, jornalistas, defensores de direitos humanos e renovar a inabilitação dos eventuais presidenciáveis. Desta vez foi com María Corina Machado, mas o mesmo ocorreu com Henrique CaprilesJuan Guaidó, entre outros. Depois afirma que, diferentemente do que prometeu no acordo, não haverá observadores internacionais. Neste caso, ele recusou os da União Europeia. É certo que estarão presentes comitivas do Centro Carter e das Nações Unidas, mas são equipes técnicas que não terão acesso à contagem de votos, nem viajarão ao interior do país para acompanhar a votação.

Essas são as medidas mais vistosas. No varejo são muitas mais, e beiram a sordidez. Há ameaças a famílias de pessoas que estão presas por motivos políticos nas mais temidas prisões do regime, a do Helicóide (antigo prédio futurista construído no boom do petróleo) e a Tumba (tem esse nome por não ter nada de luz).

Outra técnica é a de derrubar a internet de pessoas de quem se desconfia serem contra o regime, ou de uma região inteira onde há um protesto. Também se retira a energia e se fazem buscas sem razão na casa das pessoas.

O jornalista Roberto Deniz, que trouxe à tona o caso do espião e corrupto Alex Saab, teve de se mudar a Bogotá, mas, em Caracas, o apartamento de seus pais é revirado com frequência. “É um custo social muito alto o que pagamos por nos colocarmos contra o regime. Claro que meus pais e amigos ficam com medo de sair para votar na oposição. E, como eles, muitos que têm filhos ou pessoas queridas atuando na oposição no exterior.”

Uma estratégia clássica que tive a oportunidade de presenciar em todas as eleições que cobri foi a troca de postos de votação em cima da hora. Fulano está registrado para votar na escola de seu bairro, no dia anterior chega um aviso, quando chega, de que seu centro de votação agora é num outro lugar, em geral fora de mão, para que tenha de se deslocar. Formam-se filas imensas para tentar esclarecer o que ocorre. A pessoa insiste em ir ao outro centro, as ruas estão cortadas, por proteção a protestos, pelo Exército. O processo pode durar o dia todo. E aí já se perdem uns tantos votos.

Existe também, claro, a máquina do Estado, que monopoliza os meios de comunicação, com programas feitos especialmente para achincalhar opositores ou inimigos do regime e são destrutores de reputação. Um dos mais conhecidos é levado adiante pelo segundo homem mais poderoso do chavismo, Diosdado Cabello, e chama-se Con el Mazo Dando (algo como 'golpeando com um tacape').

Por fim, só para ficar no caso desta eleição, há de se lembrar que o candidato da oposição não é “nem o plano A, nem o plano B da oposição, é um distante plano C”, diz León. “As dificuldades são enormes.”

Além disso, correndo pelo meio e por fora, há candidaturas-fantoche, que se dizem de “oposição”, mas que muitos sabem que recebem benefícios para se postular dessa maneira, conta Juan Guaidó, hoje autoexilado com a família nos EUA. “Sempre que queriam dinamitar nossas ideias [quando estavam na Assembleia Nacional por ele dirigida], os que vinham com impugnações, vetos ou colocavam dificuldades não eram os chavistas, eram fantoches do chavismo que se diziam de oposição.”

Pode mudar?

Este ano pode ser diferente? Claro que sim. O que se relata acima é o que está acontecendo até hoje.

Porém, mesmo entre chavistas, ouvidos recentemente pelo Crisis Group, são possibilidades até aqui não usadas. Uma muito utilizada pelo peronismo na Argentina pode acontecer agora. Quando a situação econômica está tão ruim, deixa-se a oposição ganhar para camelar e escorregar na própria lama. Depois o peronismo volta e fica com as glórias de recuperar o país.

Essa seria uma opção da qual Maduro não gosta. Afinal, no momento em que estiver sem sua imunidade de presidente, poderá ser preso. E, com ele fora do poder, vários altos mandos civis e militares perderão seus benefícios, seus salários de lealdade e a proteção de não irem a julgamento por sua atuação na exploração ilegal de minas, de petróleo e na construção, para não falar das acusações que já existem e que envolvem altos funcionários e o crime organizado.

Em entrevista realizada recentemente com o ex-presidente Juan Manuel Santos, ele me disse: “a única maneira de fazer Maduro deixar o poder é por meio de uma ponte de ouro. Precisamos ter um grau de anistia a seus crimes, e que ele saia com a garantia de que não irá preso”.

Mas o que mais se discute nos bastidores chavistas é “roubar a eleição antes”, “durante” ou “depois”. Engana-se quem pensa que já há uma solução única sendo arquitetada.

“Roubar antes” poderia ser simplesmente eliminar a candidatura de González por algum tecnicismo já usado contra outros candidatos. “Roubar durante” poderia ser feito causando confusão nos centros de votação, impedindo trânsito de eleitores. E “roubar depois” seria impugnar o resultado dizendo que houve irregularidades ou usando uma estratégia também já batida. Por exemplo, numa eleição a governadores, em vez de o chavismo se declarar vencedor em todos os estados, entregam cinco à oposição. E, já na segunda-feira, ao lado do escritório em que se instalava a nova autoridade, colocava-se um outro, o do Protetor do Estado, um chavista, claro. Não é piada, costuma ocorrer muito no chavismo.

Algo parecido ocorreu em 2015, quando a oposição venceu de forma legítima a votação para o parlamento. Menos de um ano depois, o chavismo lançou a ideia de criar uma nova Assembleia Constituinte. A oposição decidiu não aceitar porque a estratégia era clara: substituir o parlamento existente. E foi o que aconteceu. Em 2017, houve eleições apenas com chavistas e o Congresso eleito de forma democrática foi superposto.

As esperanças de que vejamos uma Venezuela novamente democrática é um desejo de muitos. Mas Maduro está menos debilitado do que parece. O que acontecerá no dia 28 será marcante para a região e para as eleições dos EUA, preocupados que estão os candidatos com as novas ondas migratórias.


*Sylvia Colombo é historiadora, jornalista especializada em América Latina, colunista da ‘Folha’ e vive em Buenos Aires. É autora de ‘O Ano da Cólera’

Pequeno guia para curtir os Jogos Olímpicos

Tem quem curta muito as aberturas e encerramentos, existem os fissurados nas modalidades clássicas, há quem goste daquelas que muitos relutam em chamar de esporte. Eu mesmo espero quatro anos para ver as competições de esgrima, saltos ornamentais e tiro com arco. Esportes que quase nunca ganham tempo de tela fora dos Jogos Olímpicos. Seja qual for o seu estilo de entrar no espírito olímpico, uma coisa é certa: é muito difícil ficar indiferente à atmosfera dos jogos enquanto eles estão acontecendo.

Os Jogos Olímpicos de Paris tiveram sua abertura fluvial ontem, quebrando as tradições, com as delegações de atletas acenando de cima de embarcações que navegavam pelo Sena aos som de música francesa, da tradicional chanson ao heavy metal, com direito até a can-can da Lady Gaga. Acompanhado ao vivo pelas pessoas às margens do Sena ou nas sacadas dos prédios com vista para o rio, esse desfile cortando a cidade já trazia para essa edição um clima diferente.

A abertura não é a única novidade desses primeiros jogos sem a sombra da pandemia de covid-19. Em Paris, vamos ver duas novas modalidades, o breaking e a canoagem cross, e algumas mudanças pontuais em esportes que já frequentam as Olimpíadas há anos, como é o caso da vela, com seus barcos mistos, e da marcha atlética, que terá revezamento misto por equipes.

As mudanças, entretanto, não são restritas apenas às quadras, aos tatames e às águas de Paris. Assim como vimos na última Copa do Mundo, o streaming vem transformando a forma como acompanhamos as competições. O fim do predomínio da TV na cobertura dos Jogos Olímpicos não é exatamente uma novidade. Desde a popularização da internet de banda larga, nós já temos outras formas de acompanhar aqueles esportes que não atraiam um grande público. Agora, as opções se multiplicam e quem quer acompanhar os Jogos com profundidade tem muitas opções disponíveis.

Uma novidade está na página oficial das Olimpíadas que, além de todas as informações básicas, como calendário dos jogos, quadro de medalhas, traz um streaming próprio. A única questão é que a narração da transmissão é em inglês. Para acompanhar os jogos em bom português, nesta edição os direitos foram divididos entre a Globo, incluindo quatro canais do Sportv, e o canal gratuito do YouTube CazéTV. Se você, como eu, também trocou a TV a cabo pelos apps de streaming, vai poder acessar a Globo gratuitamente pela Globoplay ou os canais Sportv com uma assinatura paga. Já a CazéTV não só é gratuita no YouTube, como pode ser vista também pelo PrimeVideo e pela SamsungTV Plus.

Com uma diferença de 5 horas de fuso entre Paris e Brasília, boa parte dos jogos vai acontecer durante o horário de trabalho. Para quem ainda está em home office, não faz muita diferença, mas para quem precisar estar presencialmente no escritório e sem uma TV por perto, dá pra conseguir todas as informações relevantes dos jogos em modo silencioso pelo Google. Basta buscar Jogos Olímpicos e você já pode ver quadro de medalhas, programação e resultados, além de links para assistir ao vivo.

Outra opção são as redes sociais. No Instagram, o mais óbvio é seguir o perfil oficial do Comitê Olímpico Internacional em português, mas existem aqueles que vão um pouco mais fundo, com informações, análises e uma certa bossa. É o caso de páginas de loucos por esporte como a Jojoca e de atletas brasileiros que participam dos jogos. Para quem prefere o TikTok, vale seguir o canal oficial do Brasil Olimpíada Todo Dia e de boa parte das confederações brasileiras. E, claro, para o tempo real, sempre é bom dar uma espiada nos canal oficial dos jogos no X.

Já para quem curte esporte ao pé do ouvido, alguns bons podcasts são o Off the Podium, o Keep the Flame Alive, o Podcast Olímpico, e o Rumo ao Pódio.

Uma novidade deste ano é um chatbot no WhastApp feito pela Meta com o Comitê Olímpico Brasileiro para quem quer saber, entre outras coisas, a agenda dos jogos, a classificação dos atletas brasileiros e o quadro de medalhas. Para iniciar a conversa, basta acessar este link ou adicionar o número +55 (11) 3506-8253 aos contatos.

Agora, como a internet não é só pra coisa séria, já saíram os primeiros memes sobre a cerimônia de abertura dos Jogos. E é só o começo.

Um jogo de duplos

A orquestra parece que ainda está afinando os instrumentos, há um ruído circular que, da plateia, sem ver o poço, aguça os sentidos. Ao mesmo tempo as cordas parecem arranhadas, abafas, com um ou outro rompante em que soam mais alto. E vez por outra escapa o ar de um instrumento de sopro. Então Judith entra no palco, sozinha, em meio a uma projeção mineral e escura, e começa a declamar um texto em português que evoca um estado interior, sombrio. Não estamos, definitivamente, no prólogo tradicional da ópera simbolista O Castelo de Barba Azul, composta pelo húngaro Béla Bartók em 1911, com libreto de Béla Balázs, que teve sua primeira performance em 1918 em Budapeste. Tudo aqui é denso, um tanto angustiante, e convida de pronto quem está assistindo a entrar em um estado de alerta.

A projeção para, e sobra apenas um cenário espartano, feito de uma enorme parede preta. Pela porta sai outra Judith, e a orquestra põe em marcha a composição de Bartók, uma ópera de uma hora de duração, escrita apenas para duas vozes, Judith e Barba Azul, interpretados pela mezzo-soprano Denise de Freitas e o baixo-barítono Hernán Iturralde. A partir daí se desenrola a história, que parte do tradicional conto de fadas de Charles Perrault  – o escritor francês de outros clássicos como A Bela Adormecida e o Gato de Botas – publicada em 1697 .

A história original de Perrault já é bastante sombria. Um duque muito feio, com sua barba azul, já havia casado seis vezes mas ninguém sabia do paradeiro das esposas. Ele procura um vizinho para desposar sua filha caçula. A família, com medo, aprova o casamento, e os dois vão morar em seu castelo. Um dia, ele viaja e deixa as todas as chaves da casa com a esposa, não sem antes proibi-la de entrar em um dos quartos. A mulher não segura a curiosidade e abre o cômodo. Encontra manchas de sangue no chão e seis as mulheres penduradas na parede. Quando Barba azul retorna, ele percebe o que a esposa tinha feito e investe contra ela, que consegue se esconder. O nobre acaba morto pelos irmãos dela.

Balázs leva essa história a um outro plano. A primeira modificação é dar o nome de Judith à mulher. Existe inclusive uma especulação sobre a escolha desse nome. Uma hipótese, levantada pelo musicólogo Carl Leafstedt, lembrado em um texto coordenado por Ligiana Costa no libreto, é de que a personagem seria batizada a partir da figura bíblica que mata Holofernes para salvar seu povo. Assim, o texto do húngaro colocaria Judith em pé igualdade com Barba Azul.

De fato, no Castelo de Barba Azul, a relação entre Judith e o duque se dá mediada pelo amor. Estruturalmente, a ópera é um diálogo em que a curiosa esposa vai conseguindo, com juras de amor, a permissão de abrir as portas uma a uma. Mas vai encontrando cenários que fazem crescer o sentimento de terror. Começa pela câmara de tortura, passa ao arsenal, a um jardim florido, a um quarto de lágrimas, à vista do reino, ao tesouro até chegar à sétima porta, proibida. Diferentemente do conto de fadas, o final não é feliz. Ao abrir a porta, Judith dialoga com cada uma das mulheres mortas, e entende que seu lugar é, para sempre, a escuridão do castelo. Uma espécie de limbo.

Por ser uma peça curta, ela normalmente é apresentada em um programa duplo. Contudo, no mundo da ópera, não é fácil encontrar um obra que dialogue com a criação de Bartók. E aí está a beleza do projeto O Olhar de Judith, que fica em cartaz no sábado, no domingo e na terça no Theatro Municipal. O encenador belga Wouter Van Looy teve a ideia de comissionar uma ópera contemporânea à compositora sueca Malin Bång e propôs uma coprodução internacional envolvendo a sua companhia, Musiktheater Transparent, o Folkoperan de Estocolmo e o Theatro Municipal.

A ópera criada por Bång, Eu, Vulcânica, estreou na Suécia em maio passado, com libreto da também sueca Mara Lee. Apresentada um pequeno teatro, já contou com a colaboração de dois brasileiros, que ficaram cinco semanas em Estocolmo produzindo vídeos que serviriam de cenário para o espetáculo: o designer de vídeo Raimo Benedetti e a assistente de videografismo Cecília Lucchesi.

Para a apresentação no Municipal, apenas parte desse trabalho chegou à encenação. As dimensões do teatro paulistano pediram adaptações na montagem, e recorreu-se a uma cenografia que desse conta do tamanho do espaço cênico, utilizando menos recursos audiovisuais. Também a parte musical foi repensada. Na Suécia eram 14 instrumentos, a Orquestra Sinfonica Municipal, regida por Roberto Minczuk, tem mais de 80 integrantes. E Bång veio ao Brasil para fazer a adaptação de sua composição para uma orquestra desse tamanho.

Eu, Vulcânica dialoga com Bartók em diversos níveis. Musicalmente, como é uma composição contemporânea, é muito mais abstrata. Usa não só instrumentos não convencionais de percussão como faz com que a maneira de tocar os instrumentos clássicos também seja pouco usual. Mas em algumas passagens tonais, usa fragmentos melódicos da obra de Bartók.  Do ponto de vista da estrutura, também segue sete estágios. Mas aqui tudo gira em torno de Judith, e o número sete serve para nos conduzir por meio de seus estágios de luto, como se aquela personagem que termina a ópera de Bartók em um castelo escuro tivesse de encontrar sentido em sua escuridão interna.

De novo, Judith é dividida entre uma atriz que recita as falas, papel de Gilda Nomacce nas duas óperas, e a soprano sueca Alexandra Büchel, contracenando com três escuridões interpretadas por Laiane Oliveira, Flavio Mello e Flávio Karpinski. Em cada estágio há variações no canto, que vai de gritos a sussurros.

O impacto de ver as duas obras juntas é tremendo. Eu, Vulcânica traz uma outra camada de significado ao Castelo de Barba Azul. Aporta também a questão de gênero, e se prova um duplo muito interessante ao contrapor a criação de dois homens do começo do século 20 com duas criadoras do começo do século 21. Isso sem falar em como trata um tema que atravessa a humanidade, dos contos de fada aos dias de hoje: as muitas facetas da violência contra a mulher.

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A vice-presidente dos Estados Unidos e maior aposta democrata para a corrida eleitoral Kamala Harris recebeu mais cliques nesta semana, mas o leitor do Meio não estava só com fome de política nos últimos dias:

1. Politico: 55 coisas que você precisa saber sobre Kamala Harris.

2. TikTok: Kamala Harris dançando na chuva.

3. g1: a morte do ator de Pantanal Thommy Schiavo.

4. CNBC: Oito alimentos e sua relação com a longevidade no Japão.

5. Panelinha: Torta de queijo com cebola caramelizada.

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