Edição de Sábado: Diversidade em jogo
A partir do próximo dia 26, o mundo se volta para Paris. Os Jogos Olímpicos de Verão vão reunir cerca de 10.500 atletas de 206 países. Pela primeira vez, o total de competidores terá 50% de homens e 50% de mulheres. E entre os 277 membros do Time Brasil, também de forma inédita, o total de mulheres supera o de homens: 153. Mas em um mundo onde a questão do gênero vai além da definição do momento do nascimento, a representatividade no olimpismo de atletas transgêneros, o que inclui pessoas não binárias, é bem pequena. De fato, há poucos transgêneros dedicados ao esporte de alto rendimento. Por trás disso, há uma complexa discussão, especialmente na categoria feminina. A questão central é o quão justa é a competição entre mulheres trans que tenham passado pela puberdade masculina e atletas que não foram expostas a testosterona nos mesmos níveis durante a adolescência.
Em 2021, em Tóquio, a levantadora de peso da Nova Zelândia Laurel Hubbard, então com 43 anos, tornou-se a primeira mulher trans a competir nas Olimpíadas. Antes de realizar três tentativas frustradas de levantar 87 quilos, ela teve de enfrentar um grande debate sobre se deveria ou não comparecer aos Jogos. Atletas, defensores do esporte feminino e ativistas de um esporte justo questionaram se Hubbard, que competiu na categoria masculina antes de abandonar o esporte por dez anos, teria uma vantagem sobre as demais competidoras. Outros acreditam que as categorias binárias dos Jogos Olímpicos não consideram a diversidade dos atletas.
Os questionamentos enfrentados por Hubbard não apareceram para a corredora Nikki Hiltz, de 29 anos, que disputará em Paris a prova dos 1.500 metros pelos Estados Unidos. Ambas são atletas transgênero. Mas enquanto Hubbard nasceu homem, Hiltz nasceu mulher, mas não se identifica com o gênero feminino e se define como pessoa não binária. A sua fisiologia feminina é o que a credencia a competir com mulheres sem grandes questionamentos.
O Comitê Olímpico Internacional (COI) elaborou em 2021 um documento de seis páginas com 10 princípios sobre justiça, inclusão e não discriminação com base na identidade de gênero e variações de sexo. E estabelece que cada Federação Internacional, considerando a especificidade das diferentes modalidades, deve determinar quais são as condições para a participação de atletas transgêneros no esporte. E o COI nem mesmo informa quantos atletas transgênero estarão em Paris.
O Comitê Olímpico do Brasil (COB), que não terá qualquer atleta transgênero no Time Brasil, segue as determinações do COI, delegando as definições para as federações. Mas considera que o debate é fundamental para a evolução em qualquer tema. Em nota ao Meio, o COB diz que “essa é uma questão que está colocada sobre a mesa e que o movimento olímpico mundial precisa debater abertamente. O esporte é inclusivo em sua essência”.
A inclusão de transexuais no esporte vem sendo discutida e estudada há alguns anos por médicos e federações esportivas. Do ponto de vista da ciência, há poucos transexuais de alto rendimento esportivo para a realização de pesquisas. E isso dificulta o trabalho. “Estamos indo passo por passo, começamos com o público geral, depois atletas amadoras, até que em algum momento a gente consiga chegar a atletas de elite”, explica o médico endocrinologista Leonardo Alvares, que é pesquisador da fisiologia trans durante a terapia hormonal.
A questão hormonal
Sheilla Freitas estreou como jogadora em um time de futebol em outubro de 2020, aos 29 anos. O clube que abriu as portas para uma das primeiras jogadoras transexuais de futebol feminino no Brasil foi o baiano Desportiva Lusaca. Mas Sheilla começou a jogar futebol a contragosto. Em Biritinga, no interior da Bahia, seu pais a obrigavam a praticar o esporte por ser uma modalidade de homens.
“Eu odiava jogar bola. Fui porque meus pais eram muito preconceituosos e diziam que eu tinha que jogar bola para virar homem. Quando aprendi, percebi que eu estava jogando em um público que eu não me encaixava, que era o masculino”, conta a atleta, que ainda sonha em ser a primeira jogadora transgênero da seleção feminina de futebol do Brasil. Atualmente a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) não tem nenhum atleta transgênero registrado. Entretanto, conforme a instituição, para se federar é necessário apenas o documento de identidade com o nome já alterado. A Fifa e a Conmebol ainda não têm uma política específica.
Sheilla só iniciou a transição com tratamento hormonal aos 21 anos, já adulta. E uma das preocupações em absorver mulheres transgênero no esporte é garantir que a disputa seguirá sendo justa. Antes da puberdade, meninas e meninos cis apresentam um desempenho físico muito semelhante. No entanto, a partir desse período de transformação, os homens começam a produzir mais testosterona, o que provoca diversas alterações corporais que aumentam seu desempenho esportivo. Ao final dessa fase, eles têm de 15 a 20 vezes mais testosterona do que as mulheres, o que resulta em uma transformação corporal significativa. Em média, os homens têm de 30% a 40% mais força e uma capacidade aeróbica entre 30% e 35% maior do que as mulheres, com algumas medidas chegando a 50% de diferença.
Com o objetivo de avaliar a capacidade cardiopulmonar e aeróbica de transexuais que realizavam atividades físicas regularmente, mas sem o objetivo de competir, o endocrinologista iniciou, em 2018, um estudo sobre mulheres transgêneros no esporte. As participantes já utilizavam hormônios femininos havia 14 anos e iniciaram a transição após a puberdade masculina. “Chegamos à conclusão de que elas apresentavam uma musculatura intermediária entre homens e mulheres cis, assim como a capacidade cardiopulmonar. Foi uma nova fisiologia observada, um terceiro padrão de funcionamento durante o exercício físico”, explica.
Posteriormente, Alvares realizou um estudo com jogadoras amadoras de vôlei transexuais e chegou a um resultado um pouco diferente. “Mulheres trans que treinam vôlei na mesma forma ficam na mesma condição que mulheres cis que treinam vôlei. Ambas com menor capacidade desportiva que os homens cis”, aponta o médico, cuja hipótese é de que o hormônio feminino impacta a musculatura das mulheres trans, fazendo com que ela se adapte de forma mais lenta aos esforços físicos. “Quando se coloca uma mulher trans e uma mulher cis para treinar, a cis ganha mais rapidamente capacidade do que a trans. É como se o maquinário da mulher trans demorasse mais para ganhar aquela capacidade.”
A Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE) considera que não há estudos suficientes para criar políticas e regras para equiparar pessoas transgênero e cisgênero nas competições. Para o diretor da entidade, Bernardino Santi, é preciso analisar cada esporte e suas especificidades. “Uma mulher trans já teve exposição aos hormônios masculinos por décadas. A memória muscular persiste por décadas também. Por mais que se realize a redução hormonal, ainda persiste uma memória muscular do gênero masculino. Portanto, não há uma mudança brusca e imediata.”
Apenas a modificação do perfil hormonal não é o que define se mulheres trans estão em condições de disputar nas mesmas categorias que mulheres cis, avalia o médico da SBMEE. Parâmetros cardiovasculares, ortopédicos e o próprio corpo têm uma formação biológica distinta. “A explosão muscular é diferente, por exemplo. Resultados preliminares mostram que mesmo com a modificação do perfil endócrino, a musculatura da mulher trans ainda é superior à da mulher cis. Os músculos ainda têm resquícios da atividade muscular relativa ao biológico. Isso leva décadas”, afirma o diretor, que considera que ainda há muitas perguntas sem respostas, que carecem de estudo.
As pesquisas feitas por Alvares indicam que, quando mulheres trans começam a terapia hormonal, as capacidades físicas começam a diminuir. Em esportes amadores, parece que, com o mesmo treinamento, elas podem alcançar um desempenho semelhante ao das mulheres cis. No entanto, ainda é inconclusivo quanto tempo de terapia hormonal é necessário para que as capacidades se igualem. “Não temos dados específicos sobre quando isso ocorre, seja após um mês, seis meses ou um ano de terapia hormonal. Os estudos disponíveis até agora são limitados e variam em suas abordagens”, destaca Alvares.
Alto rendimento
Se são ainda são poucos os estudos sobre pessoas trans no esporte, este número é reduzido drasticamente quando se olha para a elite esportiva. Doutora pela Universidade de Loughborough, na Inglaterra, onde fez três pesquisas com pessoas trans em diferentes modalidades esportivas, a médica Joanna Harper é especialista em mulheres trans e em esporte de alto rendimento. Para ela, as diferenças entre trans e cisgêneros também dependem da atividade física que é praticada.
“É razoável afirmar que a terapia hormonal reduz a capacidade atlética de mulheres trans, resultando em diminuições substanciais. No entanto, isso não elimina todas as diferenças entre mulheres trans e mulheres cis. Em muitos esportes, acredito que, após a terapia hormonal, as diferenças entre mulheres trans e mulheres cis serão pequenas o suficiente para permitir que esses dois grupos compitam entre si de maneira justa”, ressalta.
Estudos realizados com uma ciclista transgênero mostraram que, após 18 meses de terapia hormonal, sua capacidade máxima de transporte de oxigênio e potência no ciclismo diminuíram entre 15% e 20%, equiparando-se à diferença observada entre ciclistas masculinos e femininos de alto nível. Sua força na parte inferior do corpo caiu de 20% a 30%, enquanto a força na parte superior foi reduzida em entre 20% e 25%, menos do que a diferença típica entre homens e mulheres, explica Harper.
Outros estudos com corredores, nadadores e halterofilistas trans revelaram que as perdas de desempenho foram geralmente semelhantes às diferenças entre homens e mulheres, com algumas variações. Em corredores, a perda de velocidade foi comparável à diferença entre homens e mulheres. Na natação, houve uma perda de capacidade, mas menor do que a diferença esperada. Já o halterofilista trans homem ganhou força, mas não alcançou a diferença completa entre os gêneros.
Harper enfatiza que é inegável que qualquer pessoa que passe pela puberdade com testosterona adquira vantagens atléticas substanciais em comparação com alguém que não receba o hormônio masculino. Mas destaca que, para mulheres trans, se a terapia hormonal for iniciada no início da puberdade, muitas dessas vantagens podem ser evitadas. “Nós não sabemos o quanto a puberdade influencia. Precisamos pegar um número grande de pessoas, que estejam neste tratamento e acompanhar até a fase adulta, para então chegar à conclusão. Levaremos uns 10 anos até ter respostas”, complementa o diretor da SBMEE Bernardino Santi.
Na prática, o dilema que a inclusão coloca é esse. Não há como garantir, hoje, com certeza científica, que a disputa é justa. Então, a decisão de algumas federações internacionais e confederações de esporte, como natação e atletismo, é de proibir que atletas trans compitam. Mas isso também dificulta o avanço científico, que já é limitado devido ao pequeno número de esportistas trans.
“Para nossos estudos, pegamos os melhores atletas que pudemos encontrar, e não há muitas pessoas trans no ambiente esportivo. Há tão poucas mulheres trans de alto nível para estudar que isso representa um desafio. As regras que proíbem atletas trans de competir em níveis altos de alguns esportes tornará ainda mais difícil tentar obter dados”, lamenta Harper.
Espaço de inclusão
Indo além da arena de excelência dos Jogos Olímpicos, copas e mundiais, o esporte é essencialmente um espaço de inclusão. Na adolescência tende a ser ainda mais importante nesse sentido, sem falar na sua relevância para a saúde. E esse é o aspecto que, para Alvares, deve ser abordado quando se pensa em pessoas transgênero no esporte.
“A gente se preocupa com o esporte de elite, mas estamos em uma sociedade em que adolescentes e jovens trans têm menos acesso ao esporte do que a população geral. Então, é um paradoxo discutir sobre uma possível atleta de elite trans se ele não consegue nem fazer a educação física da escola”, destaca o pesquisador.
E essa inclusão é um desafio, que vai do acesso a banheiros e vestiários, passando por uniformes até a aceitação em grupos esportivos. No extremo, vale lembrar que o Dossiê 2024 de Assassinatos e Violências contra pessoas trans, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), mostra que, em 2023, a expectativa de vida de pessoas transexuais no país era de 35 anos. Além disso, no ano passado, houve um aumento de mais de 10% nos casos de assassinatos de pessoas trans frente a 2022. A vítima mais jovem tinha apenas 13 anos. A população trans experimenta níveis mais altos de ansiedade, depressão e ideação suicida do que a população em geral, e o esporte pode ser uma forma eficaz de inclusão e melhoria do bem-estar.
“Em aula, frequentemente, surge o questionamento da necessidade de criar uma terceira categoria para mulheres trans no esporte. No entanto, devemos lembrar que estamos discutindo o ápice da montanha enquanto a base da inclusão ainda precisa ser construída. Como médico, quero que todos façam exercícios físicos. Então, precisamos discutir lá em cima, mas não podemos esquecer da base”, ressalta Alvares.
Harper faz coro e destaca a importância de muitos esportes para a inclusão social, principalmente na fase juvenil. “Excluí-los do esporte é prejudicial e errado. É fundamental encontrar formas de garantir que todos possam participar e se beneficiar dos aspectos positivos do esporte.”
Além disso, a exclusão de pessoas trans na base faz com que elas estejam sub-representadas em instâncias decisórias. Doutoranda em psicologia social com foco em pessoas trans no esporte, Flavia Noro explica que isso dá margem para as federações se utilizarem de posicionamentos pautados no machismo, proibindo a participação das pessoas trans. “Tanto a divisão binária de gênero no esporte quanto a tentativa de exclusão das atletas trans são muito pautadas num cenário machista e patriarcal. Utilizam critérios exclusivamente biológicos/hormonais para pautarem essas exclusões. O que vemos são pessoas cis tomando as decisões. Nunca soube de nenhuma pessoa trans ou não binária que estivesse ativamente nessas posições para representar”, critica Noro.
O que acontece é que, com isso, os poucos atletas trans, ou de outras letras da comunidade LGBTQIA+, se sentem isolados. Em 2023, o ex-goleiro Emerson Ferretti foi eleito presidente do Esporte Clube Bahia. Ele é o primeiro jogador do futebol profissional brasileiro assumidamente gay. A declaração veio há pouco mais de dois anos, quando já estava aposentado dos campos. Ferretti aponta que o futebol masculino é uma grande bolha e muito resistente em ser furada, mas que as discussões estão evoluindo, ainda que atrasadas. “A saúde mental é uma questão que preocupa. Eu tive depressão várias vezes e pensei em abandonar a carreira. Você não pode se abrir com alguém, com medo de que, se você conversar, isso pode de alguma forma prejudicar sua carreira. Isso traz uma solidão muito grande.”
O corte nobre da reforma tributária
Um puxa daqui outro de lá. Cada setor da economia, cada estado ou município, cada ala do governo e parlamentares tentam influenciar ao máximo o texto que regulamenta a reforma tributária, já aprovado na Câmara e que, agora, começará a tramitar no Senado. Não à toa o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), tratou de enfatizar duas palavras assim que seu nome foi divulgado para relatar a proposta que define os dois impostos (CBS e do IBS): “Previsibilidade e transparência”, disse.
O amazonense estava, com isso, se prevenindo em relação às abordagens que, certamente, virão. Ele sabe que sua posição de relator é alvo de todos os lobbies. Sabe também que pode ser acusado de negociatas, que cada decisão de acatar ou não emendas ou pedidos mexe com os humores do governo, do mercado, da sociedade. Ele terá pela frente um semestre inteiro de discussão. Agradar a um poderá significar o desagrado de outro. Além disso, ele próprio tem seu pleito: garantir no texto a permanência do regime especial da Zona Franca de Manaus. “Não falo aqui como relator, mas como senador pelo Amazonas e nós queremos a manutenção daquilo que a Zona Franca de Manaus possui, sob pena de perdemos investimentos e empregos”, avisou o senador.
O texto, com mais de 500 páginas, está agora sob análise com consultores do Senado, e Braga só quer falar sobre propostas de modificações ou ajustes na redação da Câmara no próximo mês. A escolha dos relatores setoriais e o cronograma de audiências públicas ocorrerão após o dia 7 de agosto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Braga avisou: “Nada será feito às pressas”, com uma crítica implícita ao que ocorreu na Câmara no primeiro semestre, com a regulamentação tramitando em regime de urgência. E é por isso que ele pediu ao Palácio do Planalto a retirada dessa urgência sobre o projeto. No dia 7 de agosto, estará aberta oficialmente a nova temporada de lobby, uma caça que promete ser tão intensa quanto foi a da Câmara.
“É difícil a gente ter algum setor que não atuou na reforma. Como ela mexe no sistema tributário integralmente, todos os setores foram afetados e estavam no Congresso de uma maneira ou de outra. Alguns setores mais mobilizados do que outros.”, observou, em conversa com o Meio, o cientista político Lucas Fernandes, coordenador de análise política e Legislativo da BMJ Consultoria. “Alguns setores já entraram com a sensação de que, de fato, perderiam. O setor de serviços, por exemplo. Então, a gente teve diferentes tipos de atuação. Mas, de uma maneira mais concreta, todo mundo que está no setor privado, que produz alguma coisa, algum bem ou serviço foi impactado, e acabou participando das discussões”, destacou Fernandes.
Na Câmara, o relator da proposta, Reginaldo Lopes (PT-MG), reconhece que a decisão mais difícil se deu em relação à incidência do imposto sobre as proteínas animais. “Esse foi o debate mais intenso, mais acalorado. Entendemos que havia o desejo de toda sociedade brasileira para que a carne entrasse na cesta básica, havia um pedido do presidente Lula, e foi preciso construir essa ideia com a equipe econômica”, disse Lopes, em entrevista ao Meio.
Lula falou sobre a intenção em dois momentos: o primeiro quando lançou a nova cesta básica. Outro foi no lançamento do plano Safra. Lopes, por sua vez, não teve alternativa a não ser negociar, junto com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e com o secretário extraordinário para a reforma tributária, Bernard Appy. Para a equipe econômica e para todos os integrantes dos grupos de trabalho, desonerar as proteínas animais teria um impacto muito grande na alíquota.
Gabriel Junqueira, analista da Santa Fé Investimentos e especialista em agronegócio, entende como legítima a defesa do setor para seus interesses, sobretudo pensando no seu impacto na economia. “O setor do agronegócio hoje é extremamente representativo no PIB, com cerca de 30% de participação. Sendo assim, a questão política de negociação da Reforma Tributária passa muito pelo seu crivo e de seus players. A legitimidade disso tudo é clara, uma vez que os parlamentares representam seus eleitores e esses têm ligação direta com o setor agropecuário.” Junqueira também pondera o efeito final da inclusão das proteínas animais para o IVA, mas entende que o consumidor final será beneficiado, pois se houvesse taxação, “os frigoríficos passariam a pagar um preço maior ao pecuarista pelo gado e venderiam a um preço maior para os varejistas. Isso decorre da simples inclusão da taxação e o repasse natural na cadeia produtiva”. Outro fator que deve ser considerado, para ele, é o do chamado “caráter inelástico da demanda”, termo complicado que explica um conceito simples: aumentos pequenos de preços não costumam afetar o apetite do consumidor em ter o produto, isto é, alguma proteína sempre fará parte das compras do brasileiro médio.
Na Faria Lima
Enquanto isso, na Faria Lima, como tem sido a recepção do mercado financeiro ao projeto até aqui apresentado? É claro que existiria imprecisão em se homogeneizar apoio ou oposição à Reforma Tributária, mas, de forma geral, a percepção é positiva, no entendimento de que a reforma pode corrigir distorções do antigo sistema tributário, impulsionando o crescimento econômico e a produtividade do Brasil. O mercado observa de perto estudos que estimam um crescimento adicional de até 20% do PIB brasileiro em 15 anos devido à reforma e sobretudo seus impactos na arrecadação — e como isso pode se relacionar com o endividamento público e também o efeito de diminuição do chamado risco-país, indicador que reflete a percepção dos investidores sobre a probabilidade de um país não cumprir com suas obrigações financeiras, o que facilitaria a captação de recursos para investimentos.
O que freia o otimismo é justamente a dinâmica de força entre diferentes grupos econômicos e isso deve permanecer até que a transição da política de tributos de fato comece. O mercado financeiro tem a natureza de antecipar acontecimentos, mas desta vez, por se tratar de uma transição de longo prazo, iniciada apenas em 2026, é provável que as ações sejam menos impactadas em um primeiro momento, e o efeito se dê sobretudo na curva de juros longa e no dólar. Segundo o Bradesco BBI, em relatório, setores como agricultura, alimentação, distribuição de combustíveis, infraestrutura de transportes e construção civil de baixa renda terão impactos positivos. Outros setores, como financeiro e farmacêutico, terão impacto neutro. Já bebidas, educação, mineração, petróleo, aluguel de carros e shoppings enfrentarão impactos negativos.
Não estão claros, por exemplo, todos os impactos que o setor imobiliário e de construção civil terão, pois enfrentarão um aumento na carga tributária com a transição para um regime uniforme de tributação do IBS sem nenhum benefício, elevando a alíquota dos atuais 8,65% para o valor do IVA de 26,5%. No entanto, a incorporação e construção de imóveis, locação e arrendamento seguirão o regime especial de tributação, com uma alíquota diferenciada. Os imóveis podem ficar mais caros tanto para aluguel quanto para compra. Em números estimados: com o aumento da carga tributária, aluguéis podem subir em média de 5% a 10%, dificultando o acesso ao aluguel e ao crédito imobiliário, especialmente para famílias de baixa renda.
‘Divertida Mente 2’ pelos olhos de João
Ingressos na mão, óculos 3D no rosto, poltronas na sexta fileira. Estamos em um cinema de Botafogo, no Rio de Janeiro, para ver Divertida Mente 2, maior sucesso da história da Pixar, bilheteria recorde no cinema brasileiro e filme mais rápido a atingir US$ 1 bilhão de faturamento. É bom avisar logo: tentarei não dar spoiler, mas duvido que consiga.
Com João em férias escolares, é a segunda vez que veremos o longa. Na primeira, no fim de semana de estreia, a sala estava lotada. Agora nem tanto. Ao contrário do que possa parecer, não somos especialmente fãs do filme. Não nos fantasiamos de personagens, não pintamos os cabelos de vermelho como Riley – é verdade que nem cabelos tenho mais.
Confesso que se eu não tivesse insistido para João ir comigo, ele ficaria feliz em casa vendo um dos três De Volta para o Futuro, encantado que está com as aventuras de Dr. Brown e Marty McFly como viajantes do tempo. Insistiu para ver os dois no mesmo dia – um em casa, outro no cinema –, mas eu quis evitar excesso de tela e acabei sendo chamado de “pior pai do mundo” pela primeira vez por isso. Eu ri, mas me veio uma discreta vontade de chorar – e a lembrança de minha mãe dizendo como é difícil dizer “não” para um filho.
Decidi voltar ao filme, e convoquei meu pequeno cinéfilo de seis anos, para tentar entender como ele se tornou esse rolo compressor de bilheterias. E cá estamos de novo vendo Riley aprendendo a lidar com suas emoções enquanto tentamos lidar com as nossas. No início, surge Alegria, líder na sala de comando da mente da garota, agora com 13 anos e entrando na puberdade. Alegria explica para Tristeza que “todas as memórias criam convicções, e quando a gente junta essas convicções, elas formam o senso de si”.
Tudo aquilo que acreditamos sobre nós mesmos “faz a gente ser quem a gente é”, continua Alegria, antes de saber que novas emoções iriam invadir a sala e expulsá-la junto com Tristeza, Raiva, Medo e Nojinho para o fundo da mente da personagem. Quem manda no jogo – e na mente de Riley – agora é Ansiedade, a princípio uma vilã da história. Começo a me perguntar se é saudável para um menino da idade do João ver um filme sobre o início da adolescência. Não estarei antecipando etapas e dramas? Olho para ele e vejo um sorriso de quem está gostando. Faço perguntas tolas sobre o que está achando e qual sua emoção preferida na história. Ele pede silêncio: não quer ser interrompido.
Estamos no meio do filme. Talvez eu esteja me identificando com a Ansiedade. Como se embarcasse no famoso DeLorean, o carro-máquina do tempo em De Volta para o Futuro – novo filme preferido de João e, claro, tema de seu aniversário de 7 anos –, volto aos meus 13, chegando no Rio de Janeiro, recém-saído de São Paulo, tentando ser aceito por cariocas mais velhos e descolados. Riley quer entrar no time do Ensino Médio. Sonha ter novas amigas e se sentir pertencendo. Sei o que é isso. Sabemos todos.
“A Ansiedade faz ela treinar e ser melhor”, diz João, enquanto Riley acorda mais cedo para praticar hóquei no gelo sozinha. Ele matou a charada. “Esse filme é diferente porque é uma história sem vilão. A Riley precisa de todas as emoções”, continua meu bacuri. Tem razão. Mas, João, o que fazer com essa voz que não cala e continua repetindo “Não sou boa o bastante”? Sua resposta me faz rir: “Ah, isso eu não sei”.
Divertida Mente 2 acolhe nossas fraquezas. Joga tudo no lago das emoções. Aceita o comportamento mais ridículo de cada um, a porção mais insegura. Abraça o espectador como em uma das cenas finais, quando as emoções se unem. É também um filme sobre estar junto, sobre velhos amigos que a vida leva, sobre aceitar quem somos: começando pelos nossos medos. Meu amigo Paulo, que morreu nos meus braços em 2013, diria que estou “psicolojando”. Ele sempre tinha razão.
Depois do filme, vamos comer um hambúrguer. João conta ter aprendido com Riley que crescer é difícil, pois nos faz “sentir emoções diferentes”. O que é difícil também pode ser bom, respondo. “Você vai estar comigo na puberdade, pai?”, ele me pergunta. Digo que sempre estarei com ele – mesmo quando não estiver mais. Viajo novamente no tempo. Apenas alguns anos atrás, João era só um bebê. Hoje conversamos sobre filmes, livros, alegrias, ansiedade. “Desculpa por te chamar de pior pai do mundo”, diz João, olhando para mim. “Na verdade, você é o melhor”, ele me fala, enquanto devora seu lanche feliz.
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Nesta semana, os links mais clicados foram para imagens, mas de polos opostos: de um lado, o atentado a Donald Trump e, de outro, o casamento de Anati Ambani, filho mais novo do homem mais rico da Ásia, Mukesh Ambani.
1. New York Times: A foto que captura uma das balas no atentado a Donald Trump.
2. PBS: Vídeo que mostra o momento da tentativa de assassinato do candidato do Partido Republicano.
3. CNN: A sequência de fotos que mostram os tiros na Pensilvânia.
4. Vogue India: Os looks das celebridades que estiveram no casamento de Anati Ambani.
5. BBC: As fotos do casamento que reuniu famosos como Kim Kardashian e estrelas de Bollywood.