Europa Centro-Oriental: Os jovens e a extrema direita

Queda no entusiasmo com o multiculturalismo e erosão dos valores da UE são as principais razões para adesão à direita

Os partidos de extrema direita da Europa Centro-Oriental estão observando atentamente a mobilização de um segmento inesperado de eleitores: os jovens adultos. Os programas partidários deixam isso evidente. O partido Revival da Bulgária condena o “monstruoso colapso demográfico” do país e propõe “ações direcionadas a fim de criar incentivos para que os jovens búlgaros” lá permaneçam ou retornem ao país em vez de trabalharem no exterior. A Alliance for the Union of Romanians (Aliança para a União dos Romenos) afirma que “a Romênia deve deixar de ser uma grande exportadora de mão de obra barata” e que “seu estatuto garante o acesso de jovens às estruturas de liderança do partido, em todos os níveis, em proporções significativas”. O Homeland Movement da Croácia solicita que o Estado realize uma “revitalização demográfica” oferecendo aos jovens incentivos para que permaneçam na Croácia, tais como subsídios para moradia e programas de benefícios profissionais. A ala jovem do Estonian Conservative People’s Party (Partido Popular Conservador da Estônia — EKRE), conhecida como Blue Awakening (Despertar Azul), é responsável por apresentar aos jovens valores nacionalistas e uma visão de mundo conservadora, oferecendo-lhes a oportunidade de serem socialmente ativos e influenciarem a política do Estado estoniano, expandindo seus horizontes em questões sociais e proporcionando aos membros a possibilidade de criarem laços de amizade com pessoas de opiniões semelhantes. O Our Homeland Movement (MHM) da Hungria detalha um programa de um novo despertar “no qual os jovens não sonham com o trabalho e a vida no exterior”. A preocupação da extrema direita com o iminente colapso demográfico intensificou os esforços para conquistar o coração e a mente dos jovens eleitores.

Mas será que a extrema direita tem motivos para acreditar que uma parcela significativa dos jovens da Europa Centro-Oriental pode ser de apoiadores latentes? Se pensarmos na compatibilidade ideológica em termos estáticos, a resposta é não. Pessoas entre 18 e 30 anos de idade constituem o grupo etário mais progressista da região quando se trata dos direitos das mulheres, da comunidade LGBTQ e dos imigrantes. O European Social Survey indica que a adesão à União Europeia (UE) e a consequente integração Leste-Oeste, ocorrida há cerca de duas décadas, conseguiram criar uma convergência nos valores liberal-democráticos fundamentais, principalmente entre os jovens que cresceram com seu país já pertencendo à UE. Os jovens adultos da Europa Centro-Oriental superam as gerações anteriores em nível de escolaridade e renda, bem como em atitudes cosmopolitas, o que lhes confere uma tendência a valores consistentes com o liberalismo ocidental.

À medida que o apoio aos imigrantes diminuiu, a aprovação a uma maior integração da União Europeia enfraqueceu.

Se, em vez disso, nos concentrarmos nas tendências temporais dos valores geracionais, podemos identificar dois motivos pelos quais as plataformas de extrema direita reverberam cada vez mais entre jovens de países da Europa Centro-Oriental membros da UE. Primeiramente, as pesquisas de opinião e os grupos focais indicam que o entusiasmo inicial pelo multiculturalismo liberal do Ocidente diminuiu. Esse efeito parece particularmente pronunciado entre a mais nova geração de eleitores da Europa Centro-Oriental. Esse grupo mais jovem absorveu muitas das opiniões anti-imigração que são comuns na região. À medida que o apoio aos imigrantes diminuiu, a aprovação a uma maior integração da UE enfraqueceu, e as pessoas que hoje têm entre 18 e 30 anos são menos propensas a concordar com a importância dos direitos das minorias para a democracia. Simplificando, a narrativa nacionalista linha-dura promovida por líderes como Viktor Orbán, da Hungria, Robert Fico, da Eslováquia, e Andrzej Duda, da Polônia, no auge da crise dos refugiados, fez com que as atitudes dos jovens da região se deslocassem à direita.

Armadilhas da democracia

No mesmo período, os jovens adultos ficaram atrás de outros grupos em relação ao entusiasmo pela democracia. Isso tem mais a ver com as armadilhas da democracia na prática do que na teoria. Houve uma deterioração significativa na percepção dos jovens da Europa Centro-Oriental sobre a integridade das eleições nacionais. Em uma escala de zero a um, eles têm 0,12 ponto a menos de probabilidade de acreditar que as eleições são livres e justas, comparando com a coorte de uma década anterior, e 0,14 ponto a menos de acreditar que o voto é uma forma eficaz de punir os partidos governistas por um desempenho ruim.

Isso ocorre porque eles atingiram a maioridade durante um período de hegemonia de um único partido e líder, no qual o poder raramente mudava de mãos, se é que mudava. O partido Fidesz de Orbán está no poder desde 2010. O partido de direita Law and Justice (Lei e Justiça) governou a Polônia de 2015 a 2023; Jaroslaw Kaczynski é presidente do partido há 20 anos. Robert Fico, da Eslováquia, foi primeiro-ministro de 2006 a 2018, com uma interrupção de dois anos, enquanto seu partido (sozinho ou por meio de uma coalizão) dominou a política eslovaca de 2006 a 2020. Na República Tcheca, o partido populista ANO fez parte da coalizão de governo de 2013 a 2021. A Croatian Democratic Union (União Democrática Croata) governou durante toda a década de 1990, em seguida participou de uma coalizão de 2003 a 2011, e voltou ao governo em 2016 também por meio de coalizão. O Reform Party da Estônia tem participado da maioria das coalizões governamentais desde 1995. Janez Janša, da Eslovênia, foi o primeiro-ministro de seu país três vezes entre 2004 e 2022.

A reação anti-imigração

As experiências geracionais pelas quais as pessoas passam na adolescência e no início da vida adulta tendem a desempenhar um papel importante na formação das perspectivas políticas mais duradouras. Para a mais nova geração de eleitores em toda a Europa, a experiência mais significativa pode ter sido a crise dos refugiados sírios de 2015. Embora muitas vezes se afirme, ou se insinue, que os europeus mais jovens aceitam o multiculturalismo, enquanto os mais velhos permanecem céticos em relação a ele, tanto as pesquisas de opinião com séries temporais quanto as evidências qualitativas de grupos focais e entrevistas levantam dúvidas sobre essa suposição, sobretudo nos Estados-membros da UE da Europa Centro-Oriental.

Por que os jovens da Europa Centro-Oriental não são tão favoráveis à imigração e ao multiculturalismo quanto frequentemente se supõe? A explicação pode estar na forma como a crise foi “recebida” na Europa Centro-Oriental, diferentemente da Europa Ocidental. Os líderes da primeira região foram, na melhor das hipóteses, indiferentes em relação à chegada de refugiados e, em alguns casos, os rejeitaram por completo, juntamente com a proposta da UE de alocar os migrantes nos Estados-membros, atribuindo a cada país uma cota que deveria ser respeitada. Nada parecido com a mensagem “refugiados são bem-vindos” apresentada pela Suécia na época, ou a declaração da chanceler alemã Angela Merkel de que “Wir schaffen das!” (“Vamos conseguir!”) foi reproduzida na Europa Centro-Oriental. As diferenças nas atitudes dos líderes nas duas partes da Europa produziram efeitos significativos na socialização política dos jovens da Europa Centro-Oriental.

Há poucos motivos para esperar que os jovens da Europa Centro-Oriental sejam mais tolerantes do que a geração da década anterior.

Além disso, foi demonstrado que essa exposição de baixa qualidade aumenta o apoio a políticas restritivas de asilo e imigração e estimula o engajamento político necessário — inclusive o voto na extrema direita — para efetivar essas políticas excludentes. Em suma, há poucos motivos para esperar que os jovens da Europa Centro-Oriental sejam mais tolerantes do que a geração de jovens da década anterior, visto que um conjunto significativo de pesquisas embasa a plausibilidade teórica de um sentimento de hostilidade duradouro.

Esse ponto foi confirmado por entrevistas detalhadas e grupos focais com jovens da Europa Centro-Oriental. Em 2018, o National Democratic Institute (NDI) dos EUA fez um estudo com jovens da Hungria, Polônia e Eslováquia e constatou que o apoio à integração na UE foi verificado junto com uma série de valores políticos que vão contra a estrutura multicultural da integração. O sentimento anti-imigração foi comumente expresso nessas pesquisas. Setenta por cento dos participantes na Polônia e 80% na Hungria e na Eslováquia discordaram da noção de que os imigrantes contribuíram positivamente para sua sociedade.

Nas regiões ocidentais da UE, os jovens podem achar que se autodenominar de direita significaria correr o risco de serem estigmatizados. Entretanto, na Europa Centro-Oriental, os jovens adultos estão cientes de que suas opiniões são de direita e não se esquivam desse rótulo. Com exceção da Polônia, mais jovens da região se dizem de direita e do que de esquerda. As preocupações com a segurança no emprego e a ameaça do terrorismo levam quatro em cada dez jovens poloneses e seis em cada dez jovens húngaros a dizer que sacrificariam alguns princípios democráticos — como direitos e liberdades civis — para manter um padrão de vida mais alto e proteger a segurança nacional.

Direitos das mulheres e dos homossexuais

Atualmente, a principal divisão de valores entre os jovens da Europa Centro-Oriental e a extrema direita é o progressismo contínuo — e crescente — dos jovens eleitores com relação aos direitos das mulheres e da comunidade LGBTQ. De acordo com a série temporal do European Social Surveys, os jovens adultos da região têm agora (em uma escala de zero a um) 0,1 ponto a menos de probabilidade de justificar a discriminação sexual nas contratações de funcionários do que os jovens adultos da década anterior. Embora o aumento da diversidade étnica e religiosa seja percebido como a mudança mais negativa na sociedade europeia, o aumento da igualdade de gênero é visto como a mais positiva em todas as pesquisas de opinião e grupos focais do NDI. A desestigmatização da identidade LGBTQ e a aceitação dos direitos dos homossexuais também se deram rapidamente entre os jovens da Europa Centro-Oriental. Mesmo no país mais religioso da região (Polônia), o European Value Studies indica que a distância social em relação à comunidade LGBTQ diminuiu substancialmente nos últimos 20 anos. Em 1999, 38% dos poloneses com idade entre 15 e 29 anos classificavam essas pessoas como vizinhos “indesejados”; em 2021, apenas 12% faziam o mesmo.

Embora sejam avanços sociais relativamente recentes, esses valores liberais são estáveis e difíceis de mudar por dois motivos. Primeiro, o European Social Surveys indica que os jovens adultos estão “afastando-se da religião” muito rapidamente. Essa mudança aumentou seu compromisso com a política social laica: mais de três quartos afirmam que os valores religiosos não devem desempenhar nenhum papel, ou ter um papel pouco relevante, na política e nos assuntos públicos. Além disso, entrevistas qualitativas indicam que a redução da distância social em relação à comunidade LGBTQ diminui o preconceito dos jovens da Europa Centro-Oriental e promove a abertura cultural por meio de contatos pessoais positivos.

Esses desenvolvimentos atitudinais sugerem que o foco da extrema direita nos valores cristãos não é atraente para uma juventude em grande parte não religiosa e com valores seculares, principalmente quando tal foco é combinado com plataformas anti-LGBTQ.

Um equilíbrio frágil

Uma visão panorâmica da política jovem na região sugere que a aceitação da cultura da UE por essa geração é frágil e condicional. Isto é, ela aceita a cultura da UE que a beneficia com maior facilidade de deslocamento entre fronteiras, melhor acesso a salários e padrões de vida mais altos, e liberdades pessoais adicionais na forma de (por exemplo) direitos das mulheres e LGBTQ. No entanto, há fundamentos do projeto liberal-democrático que os jovens cidadãos da região não percebem como benéficos, e que seus governos podem até mesmo estar afirmando que acarretarão custos pessoais para eles. Uma grande quantidade de evidências de pesquisas, entrevistas e grupos focais confirma que o apoio à UE está diminuindo, particularmente quando se trata de multiculturalismo e proteções aos direitos de minorias. Se a extrema direita continuar a mobilizar esse grupo etário, esse frágil apoio só aumentará em importância para toda a UE.

Atualmente, muitos estudiosos e especialistas têm uma visão excessivamente simples e otimista dos jovens na Europa Ocidental e Meridional, considerando que são progressistas idealistas desiludidos com as instituições de direita. A situação real é mais complexa. Quando os partidos populares perceberem que suas bases tradicionais estão encolhendo e que devem se reorientar para ter um apelo mais forte junto aos eleitores jovens, esses partidos rapidamente se darão conta de que não têm a vantagem de terem sido os primeiros a avançar nessa área, pois a ambiciosa extrema direita os terá derrotado.


*Laura Jakli é professora assistente de administração de empresas na Business, Government, and the International Economy Unit da Harvard Business School. A íntegra deste artigo estará na edição de outubro do ‘Jornal of Democracy’, publicado pela Plataforma Democrática (Fundação FHC e Centro Edelstein de Pesquisas Sociais)

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