Prezadas leitoras, caros leitores —

De tempos em tempos, acontece uma notícia de tanto impacto que julgamos ser necessário publicar uma edição extraordinária do Meio durante o fim de semana. A tentativa de assassinato de Donald Trump é algo assim.

Políticos que estimulam violência são, também, eles próprios vítimas do ambiente que criam. Foi o caso recente de Jair Bolsonaro, em 2018, mas também do governador do Alabama George Wallace, um político muito parecido com o próprio Trump, nos EUA de 1972. Este tipo de crime é comum na política americana, embora tenha se tornado mais raro conforme se profissionalizou o Serviço Secreto, que garante a segurança de presidentes, ex-presidentes, e daqueles com chances de vir a ocupar o cargo.

As informações colhidas até o fechamento desta edição, com o melhor da curadoria dos melhores veículos jornalísticos, fazem crer que Trump não morreu por muito pouco. Ainda assim, levantou-se com o instinto de quem conhece o poder da imagem e não pouca coragem pessoal. Levantou-se num gesto de força e desafio que vai contrastar com a fragilidade do presidente Joe Biden. É um crime que pode radicalizar ainda mais a campanha e alterar o espaço de mudança que Trump pode vir a ter numa segunda presidência.

História aconteceu neste sábado. O Meio está permanentemente atento e oferece a melhor curadoria do noticiário, além de jornalismo original em diversos formatos. Seja um assinante premium e apoie nosso trabalho.

— Os editores.

Edição extra: Donald Trump sofre atentado nos EUA

A violência na campanha eleitoral dos Estados Unidos saiu da retórica nas redes sociais na tarde de sábado (noite no Brasil) quando o ex-presidente Donald Trump, agora candidato à Casa Branca, foi alvo de um atentado a tiros durante um comício na cidade de Butler, na Pensilvânia. O político e empresário de 78 anos sofreu um ferimento leve na orelha direita. Uma pessoa que assistia ao evento morreu e duas ficaram feridas em estado grave, e o atirador foi morto por agentes das forças de segurança. Trump apresentava à plateia de apoiadores números em um telão quando diversos disparos foram ouvidos. Ele levou a mão à orelha direita e abaixou-se, sendo cercado em seguida por agentes do Serviço Secreto que fazem sua segurança, enquanto a multidão gritava e estampidos continuaram a soar (veja o momento aos 8’30’’ deste vídeo da PBS). O fotógrafo Doug Mills capturou o instante em que uma bala parece passar perto do rosto do candidato. Em seguida, os agentes o retiraram do palanque, mas o ex-presidente, com sangue no rosto, ainda levantou o punho para a plateia, aparentemente indicando estar bem e criando o que deve ser de agora em diante a imagem de sua campanha. Cerca de meia hora depois dos tiros, um porta-voz do serviço secreto, Anthony Guglielmi, disse que Trump estava “seguro” após “um incidente acontecer” durante o comício, e a equipe do ex-presidente publicou uma nota no X informando que ele estava “bem e passando por exames médicos em um hospital” e agradecendo a pronta reação dos agentes de segurança. Após a alta, Trump voou para Nova Jersey, onde passou a noite. Um vídeo mostra o ex-presidente descendo do avião sem dificuldade, mas, pelo ângulo da filmagem, não é possível ver a parte ferida do rosto. O ataque a Trump acontece às vésperas da convenção republicana, que começa nesta segunda-feira e deve confirmar sua candidatura. (New York Times)

Em fotos, o momento do atentado e o socorro a Trump. (CNN)

Horas depois, o próprio Trump usou sua própria rede, a Truth Social, para relatar o atentado: “Eu quero agradecer ao Serviço Secreto dos Estados Unidos e a todos os agentes de segurança por sua rápida resposta aos tiros que aconteceram em Butler, Pensilvânia. Mais importante, quero expressar minhas condolências à família da pessoa que foi morta no comício e à da que está ferida em estado grave. É incrível que algo assim possa acontecer em nosso país. Nada se sabe até o momento sobre o atirador, que está morto. Fui atingido por uma bala que perfurou a parte superior de minha orelha direita. Percebi imediatamente que havia algo errado quando ouvi um zumbido, tiros e imediatamente senti a bala rasgando minha pele. Sangrei muito, e então entendi o que estava acontecendo. Deus abençoe a América!” (Truth Social)

O FBI identificou o autor dos disparos como Thomas Matthew Crooks, de 20 anos, morador de Bethel Park, na Pensilvânia. Ainda não se sabe se ele agiu sozinho nem quais os motivos para a tentativa de assassinato. A inclinação política do atirador também não está clara. Crooks era eleitor registrado do Partido Republicano no estado, mas fez uma pequena doação em dinheiro a um comitê de políticas progressistas no dia da posse de Joe Biden, em 2021. Segundo Kevin Rojek, chefe da agência do FBI em Pittsburgh, ele estava no telhado de um prédio próximo ao local do comício, e sua presença não foi notada antes que começasse a atirar. “Foi uma surpresa”, disse Rojek, destacando a quantidade de disparos que o jovem conseguiu fazer antes de ser morto. (AP)

O presidente Joe Biden, adversário de Trump na corrida eleitoral, disse que falou diretamente com o republicano, horas depois do atentado. Em entrevista, ele disse que tentou o contato mais cedo, mas o ex-presidente estava sendo atendido pelos médicos. “Não há lugar na América para esse tipo de violência. É doentio, doentio”, afirmou aos repórteres. A Casa Branca soltou uma nota oficial na qual Biden disse que ele e a primeira-dama, Jill, estavam “rezando por Trump e sua família e por todos os que estavam no comício” e que o país precisa se unir para condenar a violência política. (ABC News)

Políticos de ambos os partidos vieram a público condenar o atentado, a começar pelo ex-presidente Barack Obama, que publicou no X que “não há lugar para a violência política” na democracia dos EUA. O governador da Pensilvânia, o democrata Josh Shapiro, escreveu nas redes que a “violência tendo como alvo um político ou um partido é absolutamente inaceitável”. O ex-presidente George W. Bush, republicano, classificou o atentado como “um ataque covarde” e se disse “grato” por Trump estar seguro. (CNN)

Líderes mundiais também reagiram nas redes sociais ao atentado. “Estou enojado pelos tiros contra o ex-presidente Trump”, escreveu o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau. Volodymyr Zelenski, presidente da Ucrânia disse que “tal violência não tem justificativa nem espaço em qualquer lugar do mundo”. O premiê israelense Benjamin Netanyahu afirmou estar “rezando pela rápida e completa recuperação” do americano. O presidente Lula escreveu no X que o atentado “deve ser repudiado veementemente por todos os defensores da democracia e do diálogo na política”. (Washington Post)

Enquanto isso, Elon Musk aproveitou o incidente para declarar oficialmente seu apoio à candidatura de Trump. (X)

Na sexta-feira, a Meta havia retirado as restrições às contas de Trump no Facebook e no Instagram. Os perfis dele haviam sido banidos em 2021 por disseminação de informações falsas e discurso de ódio, mas restabelecidos no início do ano passado com uma série de salvaguardas para “evitar repetidas violações” das regras das plataformas. A Meta justificou a retirada das restrições pela necessidade de dar a Trump as mesmas condições do presidente Joe Biden, seu adversário. (CNN)

PUBLICIDADE

Jonathan Martin: “Muitos democratas veteranos já se preparavam para assistir a Trump desfrutando de um impulso na convenção republicana maior do que pudesse esperar em tempos tão divididos. E não foi difícil detectar uma sensação de ruína, de que uma campanha já difícil pode ter ficado fora de alcance. Um estrategista de longa data invocou a frase memorável de Bill Clinton sobre o ‘forte e errado’ sempre superando o ‘fraco e certo’”. (Politico)

Hans Nichols: “Biden fez do combate ao extremismo político o eixo central da sua campanha, dizendo repetidamente aos seus apoiadores que a resposta de Trump ao extremismo de extrema direita em Charlottesville, Virgínia, o obrigou a concorrer. Seu principal argumento contra Trump é pessoal: o ex-presidente não está moralmente apto para ocupar o cargo mais alto do país, diz Biden. Ele frequentemente o chama de ‘criminoso condenado’. Esse é um argumento mais difícil de defender logo após a tentativa de assassinato de Trump”. (Axios)

Patricia Campos Mello: “No Brasil, em 2018, a tentativa de assassinato de Bolsonaro em 6 de setembro, no meio da campanha eleitoral, gerou horas de cobertura na mídia, dominou as redes sociais e ensejou comoção nacional. Durante um tempo, também blindou o então candidato de críticas mais duras que vinha sofrendo e reduziu as pressões para que participasse de mais debates. (...) Com o suposto atentado contra Trump, os democratas, que já estavam com um candidato enfraquecido, perdem sua principal plataforma de campanha”. (Folha)

Stephen Collinson: “Embora Trump não esteja atualmente como presidente, seus ferimentos reforçam a ameaça que sempre paira sobre o cargo e sobre aqueles que a ele concorrem – e especialmente sobre aqueles que o reivindicam. O presidente Joe Biden é o 46º presidente – e quatro dos seus antecessores foram mortos enquanto estavam no cargo, mais recentemente John F. Kennedy em 1963. O fato de Trump ter sido atacado encerra um período de 40 anos em que muitos presumiram que a experiência do Serviço Secreto reduziria enormemente o potencial para tais ataques – e lançará uma sombra que durará anos”. (CNN)

Jonathan Weisman: “Foi a primeira tentativa de assassinato de um atual ou ex-presidente americano na era das mídias sociais, e as teorias da conspiração, acusações e jogos de campanha se moveram na velocidade da internet, muito mais rápido do que os fatos reais do que aconteceu no comício. (...) Mas na era dos memes, posts no X, Truth, Threads e TikTok, a introspecção nunca seria o clima dominante. Raiva, culpa e até comédia foram as palavras de ordem de 2024. Uma imagem de Trump, com o punho erguido e a bandeira americana tremulando no alto, tornou-se icônica num instante.” (New York Times)

Benjamin Wallace-Wells: “Mas o que faz a imagem é Trump. Nos detalhes, ela carrega ecos dos fuzileiros navais de Iwo Jima. Na postura desafiadora e ensanguentada do ex-presidente, evoca até Rocky Balboa. Nesse palco, Trump parecia bem consciente da imagem que estava a criar. É uma imagem que o captura como ele gostaria de ser visto, tão perfeitamente, na verdade, que pode durar mais que todo o resto”. (New Yorker)

George Chidi: “‘O fato de este ser um ambiente de ‘tempestade perfeita’ para a desinformação de todos os pontos do espectro político é algo que me preocupa imensamente’, diz [a pesquisadora Amanda] Rogers. “Porque este é o ‘sonho molhado’ de um aceleracionista… Mas precisamos ter vozes nos meios de comunicação que falem sobre o fato de que esta é uma situação de ruptura. As pessoas precisam se acalmar em relação às especulações.’ Os aceleracionistas são aqueles que estão nas periferias políticas – direita e esquerda – e que querem que uma guerra civil queime o país até as cinzas para que possam começar de novo a partir dos escombros. Notavelmente, o termo ‘Guerra Civil’ começou a ser tendência após o tiroteio de Trump.” (Guardian)

Encontrou algum problema no site? Entre em contato.