Edição de Sábado: Força bruta
Foi como se um tornado tivesse cruzado por Passo de Estrela. De repente, tudo se foi, como se nunca tivesse estado ali. Casas, ruas, prédios, bichos, gente, tudo desapareceu em poucas horas, deixando marcas de uma violência brutal. Do alto, era quase impossível acreditar que, até poucos dias atrás, milhares de pessoas viviam em mais de 500 casas desse bairro simples de Cruzeiro do Sul, uma cidade às margens do rio Taquari, a quase 150 quilômetros de Porto Alegre. Só de baixo, caminhando pelos destroços, era possível encontrar sinais do que fora uma comunidade bem estabelecida até poucas semanas.
Quase todas as casas desapareceram por completo. Não sobraram vigas, não sobraram paredes, não sobraram escadas. Em quase todas, apenas partes do piso estavam lá, lembrando o que um dia teria sido uma sala, talvez um quarto, quem sabe uma cozinha. Em algumas áreas, nem isso. Placas de concreto se soltaram das fundações e flutuaram até encontrar algum obstáculo maior. As ruas asfaltadas que cortavam o bairro desapareceram e os carros estavam espalhados como se tivessem caído do céu. Alguns com as rodas para cima, outros sem portas. Um Fusca azul piscina contrastava com o marrom do barro e da lama que dominava tudo em Passo de Estrela.
As poucas casas que ficaram de pé se tornaram o refúgio de árvores imensas, algumas com quatro, cinco metros de altura, encostadas nas paredes que, por alguma razão, não se partiram. Troncos de quase um metro de diâmetro cruzavam portas e janelas. Pequenas lembranças de vida pontilhavam a destruição completa. Um vaso sanitário em um banheiro sem paredes ou telhado se manteve firme no solo. Uma bicicleta infantil rosa, sem a roda da frente, repousava ereta sobre uma laje que um dia, é bem provável, fora um teto. Pedaços de uma cama de metal se misturavam a um cofre.
Daqui já foram recuperados 10 corpos. Alguns estavam presos nos restos de suas casas, que colapsaram. Outros, sobre as árvores que porventura não se foram. Alguns, quilômetros rio abaixo. Há ainda nove pessoas desaparecidas. Podem estar em qualquer parte, podem não ser mais achadas. Centenas de animais também pereceram, deixados para trás na fuga desesperada de quem acreditou que as águas jamais chegariam aqui. Na semana passada, moradores que sobreviveram caminhavam em meio aos entulhos numa tentativa desesperada de encontrar os que se foram. Escolhiam os locais de busca pelo cheiro acre da carne em decomposição. Em uma coluna de árvores que se manteve de pé, um homem entrava mato adentro com um bastão na mão, acreditando que um dos seus vizinhos pudesse estar ali. “O cheiro está muito forte, há algo morto aqui, só não sei o que”, dizia ele, sem querer me dar seu nome.
Aqui, no meio da lama, das árvores derrubadas, dos entulhos, o cheiro não é tão intenso, tão disseminado. Muita coisa desceu o rio, incluindo gente e animais. Dados oficiais do governo do Rio Grande do Sul contabilizavam até sexta-feira 163 mortos, e outras 72 duas pessoas desaparecidas. Vai levar tempo para que todos sejam encontrados. Em algumas áreas, há camadas de até dois metros de lama sobre o terreno original. Na Lagoa dos Patos, o destino final de tudo isso, as águas estão se renovando a cada 15 horas, ao contrário dos oito dias costumeiros. Os parentes das vítimas seguem em busca dos seus, sabendo que talvez alguns deles jamais sejam encontrados.
Olhando toda aquela destruição, era difícil definir o que havia acontecido ali. Busquei na memória as enchentes que cobri e não consegui achar paralelo. Me lembrei dos deslizamentos de terra que acompanhei como repórter, mas ali era tudo plano, não havia as típicas montanhas de lama. Pensei nas tantas guerras que cobri. Nas vilas dizimadas pelas artilharias russa e ucraniana nas linhas de frente do Donbas; na cidade velha de Mosul, atacada por B-52s e suas bombas de muitas toneladas; ou mesmo nas ruas de Aleppo, bombardeadas incessantemente pelas tropas de Assad por quase cinco anos. Nenhuma dessas experiências se encaixava com Cruzeiro do Sul.
É comum ouvir pessoas que jamais foram a uma guerra definir algo extraordinário como um “cenário de guerra”. Quase sempre, estão erradas. Fazem analogias sem muito sentido — em extensão, em impacto, em sofrimento. Olhando de longe a devastação em Passo de Estrela, me senti tentado a usar a expressão. Talvez, de fato, aquela fosse uma cena típica de uma área de combate. Mas então me dei conta de que a devastação era maior do que eu já havia presenciado. Mesmo nas guerras, nos bombardeios, nas grandes batalhas, há resquícios de vida, lembranças de histórias, marcas de que ali era uma área habitada. Nem bombas de uma tonelada fazem desaparecer ruas inteiras, casas inteiras ou prédios inteiros. Me lembro da primeira vez que entrei em Al Raqqa, a antiga capital do Estado Islâmico na Síria, que foi intensamente atacada pelas forças americanas. Não havia uma casa ou um prédio ileso. Mas seus escombros estavam lá, suas estruturas não haviam desaparecido.
Em Cruzeiro do Sul e em várias cidades do Vale do Taquari que visitei na última semana, bairros completos sumiram sem deixar muitos rastros de seu passado. A única referência que encontrei para descrever o que via foi exatamente uma experiência que nunca vivi. Jamais vi o estrago que um poderoso tornado pode causar. E, talvez por isso, quando vi o que vi, pensei em Dorothy voando pelos céus do estado americano do Kansas em sua casa intacta, levada por um tornado que colhia tudo que encontrava em seu caminho. Mas não ventou em Cruzeiro do Sul.
Foi uma confluência de fenômenos climáticos inéditos que devastou muitas cidades como Cruzeiro do Sul. Em algumas regiões, principalmente na cabeceira dos rios, o volume de chuvas foi até dez vezes maior do que a média histórica. Os rios, córregos e arroios que desaguam no Taquari começaram a encher nas cabeceiras dias antes de passarem destruindo tudo. Junto com as águas, vieram sedimentos, árvores, animais, vegetação e destroços. Quando as águas chegaram a Cruzeiro do Sul, o nível do Taquari já estava 30 metros acima do normal. Mais do que isso, a correnteza vinha com tanta força que o rio simplesmente abandonou seu leito natural. Desceu por onde havia menos resistência. Foi o que aconteceu em Passo de Estrela, um bairro em uma área baixa e em uma curva do rio.
Marcos Pereira, de 53 anos, é um laçador experiente. Gosta tanto de cavalos que os adotou como seu nome: Marcos dos Cavalos é como é conhecido e como gosta de ser chamado. Naquele dia, ele percebeu que algo diferente estava acontecendo. “A gente chegava perto do rio e ouvia um barulhão lá no fundo, como se tivesse um monte de coisa batendo, acho que era pedra.” Marcos tem um pequeno rancho na parte alta de Passo de Estrela, onde mantinha dez cavalos e um pônei para o neto brincar nas visitas semanais. Logo a água começou a alagar o bairro, mas ele estava tranquilo. Mesmo nas enchentes mais duras pelas quais a região passou, nunca houve risco de seu rancho ser alagado. “De repente, as águas já tinham chegado no estábulo, minha casa estava ilhada. Quando a noite chegou, eu estava no telhado e fomos resgatados por uma lancha. Perdi pelo menos seis cavalos, desapareceram.” O relato de Marcos dos Cavalos se assemelha ao de quase todos com quem conversei por esses dias em diferentes cidades do Vale do Taquari. Além da força e da rapidez com que as águas chegaram, o som foi algo profundamente marcante para quem viveu esse evento de proporções inéditas.
Encontrei Rudinei Lancini, um pescador aposentado de 62 anos, em uma dessas cenas surreais que só são possíveis após momentos de cataclisma. Ele estava à beira do rio Taquari, onde um dia fora uma estrada, diante de um bambuzal imenso, arrancado pelas raízes e que encontrou seu repouso ao lado de uma árvore ainda de pé, mas como se tivesse sido retorcida por uma mão que tentara quebrá-la. Com um facão, cortava pedaços de bambu para improvisar uma janela de lona em sua casa, uma das poucas de pé nessa região de Encantado, uma cidadezinha cerca de 40 quilômetros rio acima. Todas as casas de seus vizinhos se foram, mas a dele sobreviveu.
Rudinei assistiu às águas subirem com incredulidade. Sua casa está distante do rio e pelo menos 25 metros acima do nível normal do Taquari. “Eu nunca imaginei que chegaria até aqui, nunca mesmo, fiquei a noite inteira aqui no segundo andar e, quando já era de madrugada, precisei subir para o telhado”, me contou ele, dias depois. “Me lembro da escuridão e do barulho. Era muito barulho, alto mesmo, com tudo se batendo, e a gente não sabia o que era.” Rudinei já tinha visto o Taquari subir, mas nunca como agora. Quando as águas chegaram ao segundo andar de sua casa, achou que teria o mesmo destino do irmão, que morava mais perto da margem e morreu na enchente de setembro do ano passado — ficou em casa e ababou levado pelas águas do rio. “Passei a noite pedindo socorro, mas acho que ninguém me ouvia. Pela manhã, uma lancha veio e me pegou. Tive sorte.”
Quando as notícias de que as cabeceiras dos rios do Vale do Taquari estavam subindo chegaram, muita gente se lembrou de setembro de 2023. Um ciclone extra-tropical influenciado pelo fenômeno El Niño trouxe um volume de chuvas anormal para o Rio Grande do Sul naquele momento, causando a maior enchente da região (até então) em 150 anos. Mais de 50 pessoas morreram e os rios chegaram a áreas que jamais haviam chegado. Elisete Petri mora em Arroio do Meio, uma pequena cidade entre Cruzeiro do Sul e Encantado. Quando soube que poderia haver uma cheia como a de setembro, ela decidiu que não iria ficar para ver o que poderia acontecer à sua casa. “Da outra vez, a água chegou ao nosso quintal, vi amigos perderem muita coisa, aquilo me deixou impressionada.”
Ela convenceu o marido a contratar um caminhão de mudanças e retirar os bens mais preciosos. Na rua, diz ela, os vizinhos faziam troça de que estava exagerando, que estava apavorada. “Quando saímos daqui, já havia água nas canelas. Quando voltamos, não tínhamos mais casa. Tudo se foi.” No sábado passado, Elizete voltou pela segunda vez para ver o que sobrou. O telhado da casa em que viveu por mais de 40 anos estava no quintal. A porta principal estava presa no alto de uma imensa mangueira, a mais de 100 metros de distância. “Foi tão brutal, tão rápido, que eu sonho que essa cena é um pesadelo dentro de um sonho. Aí eu acordo, e é verdade.”
As águas do Taquari encontraram seu destino final no rio Jacuí, que por sua vez deságua no Guaíba, o grande lago que desemboca na Lagoa dos Patos e que banha a capital gaúcha, Porto Alegre, e as cidades de sua região metropolitana. O Guaíba recebe água de toda sua bacia hidrográfica, um conjunto de rios que desce das montanhas por meio de vales íngremes até encontrar as águas do lago, nas imediações de Porto Alegre. Tanto a capital quanto diversas outras cidades da área metropolitana experimentaram alagamentos históricos, jamais registrados, deixando meio milhão de pessoas desabrigadas.
Muita gente perdeu tudo que tinha, muita gente morreu. Mas Porto Alegre não experimentou a brutalidade que as cidades do Vale do Taquari testemunharam. Por ali, as águas subiram de forma acelerada, mas constante. Muita gente precisou ser resgatada e muita gente também morreu tentando escapar das cheias. Mas a destruição teve uma natureza diferente, também dramática, só menos violenta. “A gente ficou monitorando o nível a todo momento, achando que não ia ser um problema sério. Aí, de repente, nos vimos presos em casa, sem poder sair, no meio da noite e esperando alguém vir nos resgatar”, me contava Paulo Cardoso, 49 anos, na beira de uma rua alagada no bairro Mathias Velho, em Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre. “Agora, estamos aqui, esperando a água baixar, para limpar tudo e continuar a vida”.
No Vale do Taquari, a vida não vai continuar como era. Mesmo entre os mais empedernidos há consenso de que continuar não será possível. “A gente vai ter que recomeçar em outro lugar, aqui não há mais o que fazer, a gente precisa respeitar o que a natureza está nos dizendo e ela está gritando que esse pedaço de terra aqui não é nosso, é dela. Se acabou”, me contava Elisete, diante da imensa mangueira que represara sua porta, junto a poltronas, janelas e dois bonecos de Papai Noel que ficaram presos em outros galhos. Arroio do Meio, onde Elisete mora, ficou isolada por dias depois das cheias e só conseguiu se conectar com a principal cidade da região, Lajeado, por meio de uma ponte improvisada construída pelo exército. Na quinta, voltou a chover, e a ponte dos militares foi levada pela correnteza.
Os impactos das cheias deste maio de 2024 serão duradouros em todo o Rio Grande do Sul. Campos de refugiados estão sendo construídos para receber parte dos desabrigados, obras de infraestrutura orçadas em dezenas de bilhões de reais serão necessárias e um processo lento e longo de recuperação econômica está apenas começando. A natureza deu seu recado.
Porto Alegre em sépia
Às 15h de terça-feira, 21 de maio, o caminhão-pipa a serviço do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) de Porto Alegre está estacionado na Travessa dos Cataventos, a ruela localizada entre as entradas da Casa de Cultura Mario Quintana. Cinco homens, com vassouras, rodo e uma mangueira que jorra a água vinda do caminhão, esfregam o chão e as paredes marcadas por água que subiu cerca de 1,5m.
“Não vai ser melzinho tirar essa lama toda da cidade”, alerta Carlos Augusto, de 63 anos, que coordena os demais e dirige o caminhão. Ele é o único que não está vestindo o uniforme laranja da Cootravipa, a cooperativa responsável pela limpeza da cidade. Um dos colegas segura a mangueira no ombro, Carlos segura a mangueira direcionando a água e um terceiro usa a vassoura para tirar a lama que está grudada no chão.
É o primeiro dia em que é possível acessar o histórico prédio do Hotel Majestic, que foi casa de Mario Quintana por 12 anos, após o Guaíba tomar a cidade. Ao cruzar a Rua Sete de Setembro, na ala leste da Casa, a Travessa Araújo Ribeiro ainda está tomada pela água. Virando tanto à direita quanto à esquerda, caminha-se uma quadra e o Guaíba ainda está ali. Pela Rua dos Andradas, no lado oeste, há lama, mobilização de limpeza dos estabelecimentos e marcas do caos. Parado na esquina da Travessa dos Cataventos com a Rua Sete de Setembro, o segurança temporário da Casa de Cultura externa o contraste: “olhar para trás e ver o Guaíba baixando, mas olhar para frente e ver todo o estrago causado”.
“Devido aos eventos climáticos, a Cinemateca Paulo Amorim não abrirá na sexta, dia 3”. O aviso foi colocado na porta do cinema, que conta com as salas Paulo Amorim, Eduardo Hirtz e Norberto Lubisco, e é coordenado pela jornalista Mônica Kanitz. Nas vitrines, a programação ainda é de 2 a 8 de maio. O tempo parou na Casa de Cultura.
Quadros da exposição Verter — ou como falar sobre direitos das pessoas com útero ainda preenchem as paredes do 5º andar, o mesmo que dá acesso ao Jardim Lutzenberger. Com a porta fechada, há outro aviso: fechado para manutenção. Como um centro cultural, a casa não é um espaço de barulho, é um ambiente calmo em meio à vida corrida do centro da capital. Entretanto, o silêncio absoluto nos andares, interrompido apenas pelo barulho do caminhão-pipa funcionando, é um aviso de que a manutenção será barulhenta e, provavelmente, demorada.
Com galochas altas e máscara para enfrentar o cheiro forte, os funcionários limpam o acesso à uma das salas e à bilheteria. Ainda não é possível dimensionar o tamanho das perdas, entretanto, as salas foram as mais atingidas, já que ficam no térreo.
Mônica explica que será reformado um espaço por vez. Enquanto conversa, olha para baixo, parece visualizar cada sala mentalmente e explica: “os carpetes precisarão ser substituídos, as poltronas também”. “Em uma das salas o ar condicionado fica no subterrâneo”, diz movimentando as mãos em direção ao chão, “precisamos de luz para ver se está funcionando ou não.” Em quase 10 anos de casa, não esconde o orgulho de também ser curadora de um espaço tão apreciado pelo público. Seleciona filmes que façam diferença na vida das pessoas, que levem a uma reflexão, destaca.
Quem projeta os filmes selecionados por Mônica é Tiago. Antes com a lava-jato, agora parafusa uma das portas da casa por conta da segurança. “A Cinemateca mudou a minha vida”, afirma, de forma tímida. Não muito dado a entrevistas, segundo ele mesmo, narra de uma forma nostálgica os 20 anos em que trabalha na Cinemateca. Sem uma formação oficial, tudo que aprendeu sobre cinema e projeções foi atuando no cinema da Casa de Cultura. No início da carreira, projetava os filmes de 35mm, não sente falta do barulho da projeção, mas, melancolicamente, diz que a tecnologia deixou para trás o encanto de projetar um filme.
Às 15h da quarta-feira, 22 de maio, os funcionários da Cinemateca removem poltronas que mofaram por conta da umidade. Onde no dia anterior estava estacionado o caminhão pipa, na quarta dá lugar a alguns dos 260 assentos que precisarão ser substituídos. A poucos prédios dali, Paulo Rossi, proprietário do restaurante Rossi Grelhados, pinta de preto a grade do estabelecimento. O local serve apenas um prato há 27 anos: alaminuta — mais conhecido como PF no restante do país. Aos sábados, a fila para o almoço costuma dobrar esquina da Rua João Manoel.
Se no cotidiano de uma vida normal, o centro é a cultura viva de uma cidade, o de Porto Alegre encara dias inertes e silenciosos. São poucos carros que circulam pelas ruas do centro histórico. O barulho vem dos geradores de energia, das mangueiras lavando as calçadas e da vassoura esfregando o chão. É um bairro em tons de sépia, mas a paisagem da fotografia não é agradável aos olhos. Das poças d’água é possível ver o reflexo dos prédios, que levam as marcas de cada centímetro que o Guaíba foi atingindo e devastando com o alto volume de água. Nas esquinas, sofás, cadeiras, estantes, mesas. “É a história de uma vida sendo levada pela água”, lamenta o segurança da Casa de Cultura.
A chuva, novamente
Às 15h de quinta-feira, 23 de maio, chove em Porto Alegre desde as 5h e a cidade está alagando. Bairros, ruas, avenidas que até então não haviam sido afetadas têm água transbordando. A água invade estabelecimentos que haviam feito mutirões de limpeza no decorrer da semana. Quem havia voltado para casa, se vê novamente ilhado. Lixos boiam pelas ruas, entopem bueiros que jorram água pelas calçadas. Choveu 129,4 mm durante o dia. Entretanto, em coletiva de imprensa, a prefeitura afirma que não houve colapso na cidade.
“A chuva desta quinta já nos causaria problemas com o sistema de bombeamento trabalhando a pleno, com ele trabalhando parcialmente, causou esse colapso”, explica Fernando Dornelles, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
É como um acidente de avião, não é apenas um fator que ocasiona o que acontece em Porto Alegre, esclarece o professor. “Além da falta de bombeamento, a sujeira e os resíduos que estão nas ruas obstruem as bombas que estão funcionando”, acrescenta.
Às 15h de sexta-feira, 24 de maio, chove em Porto Alegre e o nível do Guaíba está em 3,40m, conforme a empresa de meteorologia MetSul, que emitiu um alerta de que o volume da água está subindo rapidamente e que passará de meio metro de elevação.
Em 1948, sete anos depois da até então maior enchente da história de Porto Alegre, o poeta que dá nome à Casa de Cultura escreveu o curto poema em prosa Reminiscências:
“Entrava-se de barco pelo corredor da velha casa de cômodos onde eu morava. Tínhamos assim um rio só para nós. Um rio de portas a dentro. Que dias aqueles! E de noite não era preciso sonhar: pois não andava um barco de verdade assombrando os corredores?”
A commodity do século 21
Nesta semana, o mercado cripto foi tomado por uma nova onda de entusiasmo quando o Ethereum disparou, ganhando US$ 70 bilhões em valor de mercado em um único dia. Para colocar em perspectiva, isso é comparável ao valor de mercado de gigantes como Vale ou Petrobras! Dois acontecimentos principais catalisaram essa valorização: a aprovação de um pacote de leis denominado “Financial Innovation and Technology for the 21st Century” (FIT-21, Inovação Financeira e Tecnologia para o Século 21) no congresso americano e a surpreendente aprovação de ETFs (sigla para Exchange-traded funds ou fundos negociados em bolsa em português) de Ethereum pela SEC (Comissão de Valores Imobiliários dos Estados Unidos).
Regulando direitinho, todos transacionam
A FIT-21, aprovada pelo congresso e que agora se encaminha para aprovação no Senado, estabelece um marco regulatório claro para a negociação de ativos digitais, incluindo criptomoedas como o Ethereum. Este passo crucial proporciona maior segurança jurídica, atraindo investidores que antes estavam receosos devido à falta de regulamentação. A aprovação da FIT-21 é vista como um divisor de águas, oferecendo um ambiente mais seguro e previsível para alocação de capital no mercado cripto.
Outro fator significativo foi o recente progresso dos ETFs de Ethereum. Na quinta-feira, a SEC aprovou os formulários de requisição de algumas gestoras, um passo crucial para o lançamento desses fundos no mercado. Embora ainda não estejam liberados para negociação, essa aprovação representa uma mudança de postura importante da SEC, que há mais de 4 anos não mostrava engajamento com os emissores desses ETFs. Essa mudança abrupta, provavelmente motivada pela entrada da questão cripto econômica na corrida presidencial, enviou ondas de otimismo pelo mercado. Os candidatos começaram a perceber a importância da cripto economia, tornando-a um tema central em seus discursos.
Por que o Ethereum?
O Ethereum é a segunda maior blockchain em valor de mercado, atrás apenas da blockchain do Bitcoin. Ela é mais preparada para realizar a tokenização de ativos do mundo real. Sua capacidade vai além das transações financeiras básicas; ela permite a execução de “smart contracts” ou contratos inteligentes. Esses contratos são programas autoexecutáveis que garantem a realização de acordos sem a necessidade de intermediários. Essa funcionalidade torna a plataforma ideal para tokenizar ativos como imóveis, títulos e outros bens valiosos, criando um mercado mais eficiente e acessível.
Com a aprovação regulatória e seu status descentralizado, o Ethereum está bem posicionado para se tornar a infraestrutura base para um novo mercado global de ativos tokenizados. Sua arquitetura robusta e altamente segura garante que transações complexas possam ser realizadas com confiança, atrapalhando o modelo tradicional de negociação de ativos. Além disso, a blockchain do Ethereum é amplamente adotada e apoiada por uma comunidade vibrante de desenvolvedores e inovadores, garantindo um contínuo avanço tecnológico.
Um ponto essencial para entender o futuro do Ethereum é sua classificação. No mercado financeiro, ativos podem ser “securities” (títulos) ou “commodities” (mercadorias). A diferença é significativa: títulos são altamente regulamentados, enquanto mercadorias, como ouro e petróleo, enfrentam menos restrições. Devido à sua natureza descentralizada e funcionalidade ampliada, o Ethereum provavelmente será formalizado como uma commodity, evitando as rigorosas regulamentações aplicáveis aos títulos e facilitando ainda mais sua adoção.
Tokenização: A Revolução dos Ativos Digitais
A clareza regulatória e a aprovação dos ETFs de Ethereum estão pavimentando o caminho para uma migração massiva de ativos do mundo real para o digital. Este processo, conhecido como tokenização, envolve transformar ativos físicos em tokens digitais que podem ser negociados na blockchain. Por exemplo, títulos do tesouro, imóveis e até mesmo ouro podem ser tokenizados, oferecendo benefícios como divisibilidade, liquidez e acesso global.
Empresas como Goldman Sachs e J.P. Morgan já estão explorando esse mercado, criando tokens que representam ativos reais. Durante a Paris Blockchain Week, que relatei anteriormente, ficou claro que a tokenização é uma tendência dominante. A Blackrock, maior gestora de ativos do mundo, lançou recentemente um token na Ethereum lastreado em US$ 1 bilhão em títulos do tesouro americano. Com a nova legislação e a aprovação dos ETFs, esta tendência deve se acelerar ainda mais.
O aumento do valor do Ethereum esta semana é mais do que um simples reflexo de especulação; é um sinal de que a cripto economia está amadurecendo e ganhando espaço no mainstream financeiro. A provável aprovação da FIT-21 no senado e a recente aceitação dos requerimentos para ETFs de Ethereum estão redefinindo o cenário financeiro, tornando a blockchain do Ethereum uma plataforma essencial para inovação e segurança financeira.
À medida que mais ativos são tokenizados e migrados para blockchains, a linha entre o físico e o digital continua a se desvanecer. Isso não só aumenta a eficiência e reduz os custos, mas também democratiza o acesso aos mercados financeiros, permitindo que mais pessoas participem da economia global de maneira mais direta e transparente.
O Ethereum está se consolidando como um pilar central dessa transformação, mostrando que o futuro dos mercados financeiros está cada vez mais digitalizado e descentralizado. A riqueza “on chain” promete ser a norma nos próximos anos, e quem acompanhar essa tendência estará bem posicionado para aproveitar as oportunidades dessa nova era financeira.
Pedro Doria nos leva por uma viagem histórica pelo liberalismo onde ele explica o que é ser liberal e, mais importante, o que não é ser liberal. É ser a favor do estado mínimo? É defender os ricos? É acreditar na meritocracia? Se você acha que liberalismo é isso aí, você precisa assistir essa aula inaugural gratuita. Depois dela, se quiser saber mais, faça o curso Você pode ser liberal e não sabe.
Nesta semana só o clipe da banda finlandesa de metal sinfônico e um uso diferente de talos de couve competiram com os conteúdos criados pelo Meio:
1. Meio: Bolsonaro versus Lula em 2026 no Ponto de Partida.
2. Meio: Você pode ser um liberal e não sabe, o novo curso de Pedro Doria.
3. YouTube: O clipe de Perfume of the Timeless, do Nightwish, com seus mais de 8 minutos.
4. Panelinha: Que tal um picles rápido de talos de couve?
5. Meio: Conversa com o historiador Eduardo Bueno sobre as enchentes no sul.