Edição de Sábado: Arthur Lira, o artífice

O tapete vermelho estava estendido desde a porta da Chapelaria. Subia as escadas, contrastava com o carpete verde do salão e chegava à porta do plenário da Câmara dos Deputados. Poucas horas antes do início do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade das emendas de relator, o mestre no manuseio dessa ferramenta cuidava da política. Como se nada estivesse para acontecer no outro vértice da Praça dos Três Poderes.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), abriu a sessão que, ao mesmo tempo, concedeu medalha do Mérito Legislativo à primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e rendeu homenagem póstumas ao jornalista Dom Phillips e ao ambientalista Bruno Pereira, mortos na Amazônia durante uma missão para denunciar a degradação ambiental. Foram condecoradas 31 pessoas. Lira abotoou a honraria no pescoço de Michelle, primeira a receber a medalha, por indicação da deputada evangélica Rosângela Gomes (Republicanos-RJ). Ficou no palco por mais alguns minutos para condecorar duas indicações suas: o presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanovicz; e o diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Rafael Vitale — o mesmo que, um dia antes, havia deixado de comparecer a uma audiência da Comissão de Viação e Transportes para esclarecer denúncias de corrupção investigadas pela Polícia Federal.

Lira nem viu quando a viúva de Dom Phillips, Alessandra Sampaio, chorou ao receber a honraria. Coube ao líder do PT, Reginaldo Lopes (MG), consolá-la e aparecer na foto, ao lado também da antropóloga Clarisse Jabour, que representou o indigenista Bruno Pereira na cerimônia. Após passar as funções ao vice, deputado Lincoln Portela (PL-MG), Lira percorreu todo o plenário entre cochichos e cumprimentos. Vencido o corpo a corpo, alcançou o elevador do cafezinho, que o levou direto para a Chapelaria. Dali, partiu para a Residência Oficial, onde um almoço com o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, e a cúpula do PSB o aguardava. No percurso, Lira chegou a ser questionado sobre suas expectativas em relação ao julgamento do STF que estava para acontecer. “Como vou ter expectativa em relação a julgamento do Supremo?”, devolveu e seguiu o baile.

No encontro com Alckmin, os dois chegaram a comentar en passant a PEC da Transição que vai à Câmara na próxima semana. Mas o assunto principal foi menos indigesto: o apoio do PSB à recondução de Lira à presidência da Câmara em 2023 e, em contrapartida, a intenção de Lira de não criar problemas para o novo governo.

“O alagoano não é de ideologias.” É assim que o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder da bancada evangélica, traduz Lira em conversa com o Meio. O pastor tenta um espaço como vice na Mesa Diretora da Câmara na chapa — até agora unânime — de Lira. “Ele é pragmático. O maior diferencial dele é a capacidade de dialogar com a esquerda e com a direita, com a mesma facilidade e com o mesmo respeito. E agradar a todos”, elogiou. A síntese do Centrão profissional.

Na parte da manhã, porém, os evangélicos haviam experimentado outra característica conhecida de Lira: a de não prometer o que não pode cumprir. A bancada o chamou para uma ceia em um dos auditórios da Casa. Diante de uma mesa enfeitada com toalha rendada, flores, pães e ramos de trigo, Lira recebeu uma listinha de desejos. Não acatou. “Minha vida não é difícil de ler. Sou correto, muito correto com os amigos e previsível nas ações. Eu não ofereço nada mais e nada menos do que posso entregar”, respondeu.

Entre os pontos elencados, estava o Estatuto do Nascituro, proposta que pressupõe direitos a fetos e que contrasta com as permissões de aborto presentes na lei brasileira. Outro ponto era a proposta que permite o “homeschooling”, que se opõe à lei vigente que obriga os pais a mandarem os filhos para a escola. A negativa sutil de Lira aos religiosos, segundo petistas, tem tudo a ver com um compromisso já assumido com o futuro governo: o de descontaminar a pauta da Câmara de matérias “de costumes” e priorizar temas econômicos.

O julgamento do STF se enveredou pela tarde de quarta e foi suspenso no início da noite pela ministra Rosa Weber, presidente da Corte, com a promessa de ser retomado na próxima quarta-feira (14/12). Interlocutores de Lira disseram que ele sequer ligou a TV para acompanhar os arrazoados apresentados. Após o almoço com Alckmin, seguiu sua rotina eleitoral. Recebeu líderes partidários, entre eles o do MDB, Isnaldo Bulhões (AL). À noite, de volta à Câmara, também não teceu nenhum comentário sobre o STF. Manteve o foco em conversas individuais com parlamentares no gabinete.

Essas conversas, tratadas como privadas por seus auxiliares, têm sido a principal rotina de Lira desde o desfecho das eleições. Ele recebe um por um dos atuais deputados. E tem aqueles que servem de cicerones para os novos eleitos. Faz parte do “tour de boas-vindas” a Brasília passar pela casa ou pelo gabinete de Lira. O presidente os recebe com toda atenção e espera, é claro, o retorno.

Muito acordo, pouca ideologia

Mas de onde vem tanto poder? Lira tem fama de “cumpridor de acordos”. Essa é a principal característica citada por deputados de todas as tendências existentes na Câmara. Os parlamentares de direita atestam que o que o diferencia de Eduardo Cunha, ex-presidente da Casa que deu início ao impeachment de Dilma Rousseff, é a falta de apreço pelas “ideologias”. Já os deputados de esquerda apontam que ele não é chantagista. Lira também não é de holofotes e sempre preferiu as negociações de pé-de-ouvido, dessas fechadas nos corredores e dentro dos gabinetes. “Acordo fechado com ele é assim, você pode virar as costas e ir cuidar da vida”, disse o deputado Ênio Verri (PT-PR), que foi líder do partido no ano passado. “Pelo menos durante a minha liderança, foi assim”, ressalta.

Não é só com o PT que Lira mantém boa relação no campo da esquerda. A conversa com o PCdoB, por exemplo, tem sido cotidiana e bastante próxima. A deputada baiana Alice Portugal (BA) é uma amiga. Lira chegou a intermediar conversas dela e da deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC) com o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, quando as duas tocavam na Câmara a pauta do piso salarial para a enfermagem. Alice brinca com Lira, dizendo que, se ele tem fama de coronel, ela o considera um “coronel pós-moderno”. “Não venha dar uma de bolsonarista. Isso você nunca foi. Eu te conheço”, provocou a deputada, certa vez, se dirigindo a Lira em uma das conversas em meio a votações. “Ele é um pragmático. Mas não é um bolsonarista. Nunca foi”, repetiu, enfática, a deputada ao Meio.

Quem o conhece desde antes de ele chegar à presidência da Casa diz que sempre foi assim. Lira se dedica mais às articulações feitas nos bastidores e, na maioria das vezes, fora da Câmara, longe dos olhares da imprensa. Tanto é que ele estabeleceu uma rotina semanal inédita desde que chegou ao poder: levou as principais discussões para a Residência Oficial onde, todas as terças, planeja a semana com um café da manhã com os líderes da oposição e um almoço com os da base. Não é uma coisa tão certinha assim. Tem deputado do PT que vai almoçar e tem gente da base que toma café da manhã. Tem ainda os mais chegados que vão nos dois encontros.

O pragmatismo político fez com que Lira, apesar de ter sido o maior articulador da base bolsonarista, mantivesse boa relação com petistas. Odair Cunha (MG), Reginaldo Lopes (MG), Enio Verri (PR), José Guimarães (CE) e até a presidente do partido, Gleisi Hoffmann (PR), estão entre os interlocutores mais assíduos, apesar das divergências.

A abertura da conversa com Lula não dispensou, no entanto, uma satisfação a Bolsonaro. No início de novembro, véspera da reunião marcada com o presidente eleito, Lira esteve no Palácio da Alvorada. Encontrou um presidente abatido pela derrota. Ficou cerca de 30 minutos e avisou-o sobre a agenda que ocorreria no dia seguinte.

A postura depressiva de Bolsonaro, sem reconhecer o resultado das eleições, foi tema de uma das conversas de Lira com o PL. O presidente da Câmara, dessa vez, abusou da sinceridade, provocando olhares perplexos dos recém-eleitos que ainda esperavam que algo acontecesse e mudasse o resultado do pleito. “Sinto informar, mas nada vai acontecer”, disse Lira. “E alguém precisa ir lá e falar com ele (Bolsonaro). Se precisar, eu vou.” Foi desencorajado, no entanto, pelos amigos do presidente. Na mesma reunião, criticou a insistência dos novos eleitos na pauta armamentista. “Essa discussão já passou do ponto.”

Me ajude a te ajudar

Não se constrói uma reputação de cumpridor de acordos em Brasília sem algo a se oferecer em troca. O “toma lá, dá cá”, afinal, tem duas pontas. Foi aí que Lira teve uma sacada na administração das emendas de relator para atender as demandas apresentadas pelos deputados nas “reuniões privadas”. Parlamentares dizem que isso fez com que eles parassem de rodar a Esplanada “com pires nas mãos” suplicando por audiências com ministros e, muitas vezes, tomando um belo “chá de cadeira”. “É muito melhor se comprometer com o presidente da Câmara do que com o ministro de Estado ou com o presidente da República. É bem mais confortável”, disse um deles, sob reserva.

É com esse argumento que Lira vende seu peixe. Ele tem dado um conselho a deputados do centrão após a vitória de Lula. O de que ninguém ganha sendo oposição. Ganha mais quem for independente. E é assim que pretende se manter. Dessa forma, a negociação caso a caso entre o Executivo e o Legislativo fica mantida. Tudo sustentado na lógica de que, com R$ 19,4 bilhões — total destinado para emendas de relator no projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA) do próximo ano — para administrar, não há por que ser governista. Pelo menos por enquanto.

“A gente vê muito essa lógica de vender dificuldades para o governo eleito. Ficar independente pode ser estratégico nesse momento, até, para depois, vender mais caro, caso haja adesão no futuro, conseguir melhores cargos, melhores ministérios”, avalia o cientista político Lucas Fernandes, da consultoria BMJ e que acompanha o dia a dia das discussões sobre orçamento na Câmara.

A construção do orçamento secreto

O poder do Congresso de fazer alterações no orçamento vem da Constituição de 1988. Até 2015, as emendas eram apresentadas e aprovadas, só que o governo não era obrigado a executá-las. A primeira alteração constitucional determinou que parte das emendas individuais, ou seja, apresentadas pelos parlamentares de forma independente, teria execução obrigatória. A partir daí, a imposição sobre o Executivo só aumentou. Em 2019, essa obrigatoriedade se estendeu também para as emendas de bancada, aquelas propostas pelas bancadas dos partidos ou dos estados.

Só em 2019, na gestão de Rodrigo Maia, as emendas de relator passaram a ser identificadas com a sigla RP-9, forma que aparece no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siaf). Rodrigo Maia também fez uso desse mecanismo para atender demandas de deputados. Só que, com Lira, essa prática ganhou robustez, principalmente em contraste com a decisão de Bolsonaro de abrir mão da função de controlar a execução orçamentária.

“Esse poder todo que Lira teve na presidência da Câmara não veio a troco de nada. Houve um vácuo no papel de negociação do governo federal. Bolsonaro não quis formar uma base usando a negociação com partidos e se isentou dessa discussão orçamentária. Isso fez com que ele começasse a puxar mais pelas emendas de relator. Até então, elas tinham um papel mais residual no orçamento e passou a ter um papel estratosférico”, apontou Fernandes.

O caráter secreto das emendas vem do fato de que os nomes dos deputados que as requisitaram e foram atendidos não ficam disponíveis para a população. As reclamações apresentadas pelos partidos Cidadania, Rede, PV e PSOL, de oposição ao governo de Jair Bolsonaro, ao STF apontam falta de critério para essa distribuição. Aos amigos do rei, tudo. Aos inimigos, a lei. “Como o relator é indicado por Lira, ele passou a turbinar a base bolsonarista com essas emendas. Foi uma enxurrada de dinheiro para ganharem a eleição”, criticou um parlamentar, sob reserva. No ano passado, o relator do Orçamento era o deputado Hugo Leal (PSD-RJ), membro do Centrão, de quem Lira hoje é virtualmente o dono.

Sem isonomia e transparência, brotam escândalos. Há denúncias de compras de tratores superfaturados; cidades pequenas que tinham cerca de 85 caminhões de lixo saltaram para uma frota de 488 veículos; o governo aceitou pagar até R$ 567,6 mil por um ônibus que deveria custar, no máximo, R$ 361,8 mil, além de uma verdadeira inundação de ambulâncias no Piauí, terra do ministro Ciro Nogueira (PP).

Mas é no Maranhão que fica o caso mais emblemático e que está sendo ainda investigado após uma reportagem feita pela revista piauí. "O município de Pedreira tem 39 mil habitantes e, para justificar as emendas recebidas pelo relator, informou ter realizado mais de 540 mil extrações dentárias. Significa ter tirado 14 dentes de cada habitante, incluindo os recém-nascidos, que não tem dente”, disse a senadora Simone Tebet (MDB-MS), durante a campanha eleitoral, em entrevista ao podcast Flow. A reportagem da piauí mostrou ainda que outro município do interior do Maranhão informou ter realizado mais testes de HIV/aids do que toda a cidade de São Paulo, com 12 milhões de habitantes.

Apesar dos escândalos, Fernandes acredita que não haverá por parte do STF uma proibição do mecanismo. “A tendência que estamos projetando é que o orçamento secreto não deve ser declarado totalmente inconstitucional. Deve haver algum tipo de determinação do Judiciário com o objetivo de trazer mais transparência e algum grau de isonomia”, aposta.

Agora, cabe a Lula tentar retomar o controle do orçamento. Fernandes identifica que Lula sinaliza para um caminho diferente daquele de crítica mais incisiva, adotado na campanha, para não melindrar a relação com Lira — afinal, depende dele para aprovar a PEC da Transição. A condenação do orçamento secreto desapareceu do discurso do petista desde a vitória nas urnas. Em vez de atacar o “orçamento de Lira”, Lula tratou de ter o seu próprio orçamento. “Lula tem duas maneiras de retomar esse controle orçamentário. Uma delas seria acabar com as emendas do relator, neste volume, pelo menos. A outra é ampliar o gasto federal como um todo, mantendo as emendas de relator. Parece que é isso que ele está fazendo. Ao propor uma PEC para retirar o Bolsa Família do teto de gastos, Lula tem mais de R$ 100 bilhões para gastar e mobilizar sua base. Me parece que é esse o jogo”, diz Fernandes.

De seu lado, Lira, pelo menos por hora, silenciou sua defesa do semipresidencialismo, pauta que levantou durante seu mandato e que retira atribuições do presidente da República, transferindo competências para o Congresso Nacional. Há cerca de dois meses, o presidente da Câmara também não toca no assunto do “orçamento municipalista”, nome que tentou emplacar para o orçamento secreto, logo após o resultado do primeiro turno.

Lira, o opaco

Da mesma forma que prefere a conversa de bastidor com parlamentares, Lira nunca gostou de sair da reunião de líderes na Câmara e se deparar com um batalhão de jornalistas perguntando o que foi discutido no encontro. Aliás, sua relação com a imprensa demonstra um jeitão meio armado, pronto para contra-atacar.

No ano passado, depois de uma das suas raras derrotas no plenário da Câmara, Lira não se conteve diante de uma pergunta sobre o que havia ocorrido na negociação da proposta que mudava a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), pauta que teve seu empenho pessoal para ser aprovada. “Me faça uma pergunta séria que eu respondo. Essa é deboche”, disse ao jornalista. Só depois desse contratempo, ele respirou e conseguiu dar uma resposta mais condizente a respeito das decisões dos parlamentares. “O plenário vota, nós temos que obedecer o resultado em relação a isso. Não penso em vitória e nem em derrota.”

Mas essa relação mais arredia com a imprensa se desenhou logo no início de seu mandato, quando ele desalojou o comitê de imprensa do espaço que tinha acesso direto ao plenário — e fez dele o seu gabinete. A mudança serviu ainda para evitar que Lira tivesse que atravessar todo Salão Verde, desde o antigo gabinete, até a entrada do Plenário e nesse percurso, ser acompanhado pelos repórteres.

Ao final do ano de 2021, porém, essa postura arredia se arrefeceu sob o aconselhamento de assessores que o orientaram a quebrar o gelo. Lira recebeu jornalistas na Residência Oficial para um almoço de confraternização. Bateu papo, respondeu perguntas, mostrou obras de arte nas paredes da casa. Neste ano, ainda não houve o convite, mas assessores acreditam que ele acontecerá. Afinal, o todo-poderoso está em campanha.

As histórias que restam nesta Copa

Bandeiras dobradas, camisas no cesto de roupa suja, goles de cerveja que descem menos macios do que de costume. Agora é a hora do desabafo do torcedor e da torcedora, frustrados em seus desejos de mais festa, mais confraternização. A Copa do Qatar se encerrou para o Brasil no estádio da Educação, em Doha, e é até difícil falar que houve lições a serem aprendidas. Porque é muito, muito difícil saber quais.

Depois de 118 minutos de amplo controle defensivo do Brasil, uma defesa que não foi nem um pouco ameaçada por Luka Modric e sua turma cedeu o que não podia. Num inexplicável contra-ataque rápido, parável principalmente no meio-campo, a bola chegou de Mislav Orsic, alcançou Bruno Petkovic. O camisa 16 chutou, auxiliado por um desvio no joelho de Marquinhos, um zagueiro que não merecia carimbar a trave na quarta cobrança de pênalti – aquela que encerrou os trabalhos, sem permitir que Neymar tivesse a oportunidade de cobrar o que seria o quinto, talvez não o último, ante uma Croácia que converteu todos os quatro chutes que deu. Antes, Rodrygo, que abriu as cobranças e tinha melhorado o Brasil ao entrar como ponta esquerda no lugar de Vini Jr, desperdiçara o seu.

A derrota é reflexiva. Vasculharemos tudo que essa seleção fez de errado, uns com mais, outros com menos lealdade. O gesto de Tite, indo ao vestiário assim que as cobranças se encerraram, será esquadrinhado como aquilo que nunca se viu e soará como uma das culpas da derrota. Talvez seja mais difícil enxergar o brilho do goleiro Dominik Livakovic, 27 anos, que viu o Brasil acertar a direção de 11 de 19 chutes e só permitiu a entrada de um, quando Neymar simplesmente o driblou e chutou alto, após receber o passe de Lucas Paquetá. Um Neymar que, com esse gol, igualou os 77 gols que Pelé marcou contra seleções. Mas jamais imitará o gesto de ocupar o pódio mais alto do futebol mundial.

Se Neymar confirmar que essa é a sua última Copa do Mundo, encerra-se uma era. Sim, porque Neymar foi uma era na seleção brasileira desde 2010, quando se cogitou, pela primeira vez, que o menino do Santos pudesse ser levado por Dunga para a disputa da Copa do Mundo na África do Sul. O postulante brasileiro a suceder Lionel Messi e Cristiano Ronaldo como maior do mundo sucumbiu (in)justamente ao time de Luka Modric, o meia criativo com traços de Deborah Colker no rosto, o cara que conseguiu aproveitar o vácuo da Copa do Mundo de 2018, em que nenhum jogador se destacou tanto assim, e abocanhou o prêmio da Fifa e outros mais.

O que mais dói é perder essa atmosfera, esse grande parque de diversões mental, que bloqueia os dutos do noticiário e suaviza até mesmo as importunações do trabalho. As crianças, tadinhas, serão salvas daqui a pouco por Papai Noel. Nós, os adultos que atravessamos o inesquecível Rubicão do 7 a 1 e só queríamos um pouco mais de ópio do povo, não; teremos que viver a realidade de um mundo em que alguma magia é emprestada por esse grande Concerto das Nações que, realizado no deserto qatariano, nos legou apenas areia, politização do irrelevante e uma passagem de bastão entre ídolos que não viraram heróis. Saem Thiago Silva (por idade) e Daniel Alves (idem). Neymar ainda não se decidiu. Ficam Marquinhos, Casemiro, Vini Junior, Rodrygo, Antony, Raphinha e Gabriel Martinelli, na mais estonteante geração de pontas que o Brasil apresenta desde Garrincha, Zagallo e Joel. Tite deixa a seleção com uma Copa América de 2019, um vice na mesma competição em 2021 e um trabalho que não começará do zero para quem quer que venha a ser seu sucessor.

Mas ainda há Copa para alguns. A Argentina bateu a Holanda num jogaço que chegou a estar 2 a 0 para os vizinhos. A Holanda buscou, levou para a prorrogação numa jogada ensaiada — e a Argentina ainda botou uma na trave no final. A disputa, que quase descambou para cenas lamentáveis umas três vezes, foi para os pênaltis. Messi foi o primeiro bater. Converteu. O goleiro argentino Emiliano Martínez pegou dois. Argentina é semifinalista. Lidemos com isso.

Neste sábado, chegamos àquele momento em que o futebol recria batalhas por meio daqueles que mal as estudaram. França e Inglaterra reencenam a Guerra dos Cem Anos, num confronto em que Kylian Mbappé, o mais entusiástico candidato a melhor jogador da Copa, enfrentará a mais interessante geração de jogadores ingleses. Os jornais da terra do rei Charles III se debruçaram, tática e liricamente, sobre a tarefa de como parar o fulgurante artilheiro do Paris Saint-Germain. Dono de uma arrancada comparada a de gente como Ronaldo Fenômeno e Jairzinho, Mbappé chega a essa quarta de final numa equipe favorita. Mas não será rei da França se não for rei da Inglaterra, invertendo o que Henrique V dizia na peça de Shakespeare, antes da vitória em Agincourt, disputada em 1415.

Ser rei da Inglaterra, nesta acepção, será passar pelo produto que mais evoluiu com a Premier League, a organização fundada em 1992 que transformou o Campeonato Inglês de futebol na competição anual mais lucrativa do mundo. Repleta de craques, essa seleção aprendeu a correr certo, aprendeu a dibrar e a formar jogadores com enorme repertório na sua base. Nesse caso, estamos falando de Phil Foden (Manchester City), Jude Bellingham (Borussia Dortmund) e Bukayo Saka (Arsenal), a mais nova geração a tentar levar o futebol “de volta para casa”. O principal astro é Harry Kane, centroavante habilidoso do Tottenham Hotspur, que terá vida dificílima diante da marcação de Dayot Upamecano (Bayern München) e Varane (Manchester United).

Na outra partida, portugueses e marroquinos acertam as contas da lendária batalha de Alcácer-Quibir, à qual o rei Dom Sebastião se lançou em 1578 para nunca mais voltar — a não ser como criador do sebastianismo, essa palavra que tomamos emprestada sempre que esperamos o retorno de um grande salvador da pátria. A nobreza portuguesa foi destruída, encerrou a dinastia de Avis (nenhuma relação com a locadora de carros) e custou a Portugal 60 anos de independência. Gerou ainda uma ópera do italiano Gaetano Donizetti, que só os mais estudiosos do gênero são capazes de assoviar.

Trata-se também de um Portugal questionando seu monarca. Depois de ter manifestado desgosto em público por ser substituído, Cristiano Ronaldo foi sacado da última partida e não fez falta alguma no time de Fernando Santos, esse senhor de corpo fechado em paletó amarrotado. Gonçalo Ramos entrou, fez três gols na Suíça, o placar foi fechado em 6 a 1, Portugal assombrou o mundo e pode estar realmente credenciado a ser campeão do mundo — caso passe pelos marroquinos.

Os magrebinos liderados por Ziyech e Brahim Hakimi tentam aquilo que nenhuma equipe africana conseguiu: chegar às semifinais do Mundial. Camarões perdeu para a Inglaterra (3 a 2) em 1990, Senegal se despediu na antiga regra da morte súbita contra a Turquia, num fatídico gol de ouro de Ilhan Mansiz, e Gana caiu nos pênaltis ante o Uruguai em 2010. Chegam até aqui apresentando uma das defesas mais ferozes da Copa do Mundo e credenciados pela eliminação da Espanha, nas oitavas, e da Bélgica, na fase de grupos. A Copa do Mundo continua, graças a Deus. Nós é que não temos mais nenhuma história para contar, até que a CBF anuncie o sucessor de Tite, uma nova história, outras camisas de diferentes tons de amarelo, e o palco se reabra na América do Norte, à espera de 48 seleções e um planeta de sonhos.

*Márvio dos Anjos é jornalista e crítico musical. É head de Relações Institucionais da OneFan. Foi repórter na “Folha de S.Paulo”, editor no “Jornal do Brasil”, “Destak Brasil” e “O Globo”, onde chefiou a editoria de Esportes. Apresenta o podcast “Deus te Ouça”, na Folha, e escreve para “O Globo” e “The Times”. Na Copa do Qatar, apresenta o #MesaDoMeio Especial Copa, com Pedro Doria e David Butter, no canal do Meio no YouTube.

BDSM, prazer

Nas paredes de uma cripta em Monterozzi, na Itália, traços revelam dois homens flagelando uma mulher. Essa cena erótica pintada na Tomba della Fustigazione em 4 a.C é o primeiro registro histórico que remete às práticas BDSM. A reprodução da pintura está logo no começo do quadrinho Amarras, lançado na CCXP2022, que mergulha no mundo Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo. Folheando mais, uma enorme ilustração toma uma página dupla e desenha como funcionam as sessões de BDSM. Nela, estão quatro mulheres seminuas, duas dominadoras e duas submissas. Uma delas pratica o spanking, outra é amarrada. “O importante é que seja um ambiente seguro e controlado”; “antes de partir para a prática, ambos negociam o que será feito. Quais são os limites de cada um e qual será a palavra de segurança”; “durante a prática, o dominador aplica no submisso aquilo que foi combinado e cada um joga com seu prazer” — as explicações vêm em balões em torno da imagem.

Acompanhando a vida de praticantes e traçando uma linha do tempo para recuperar a história do BDSM no mundo, a obra foi construída para preencher o vácuo de informações a respeito do tema, muitas vezes é distorcido em representações na cultura pop. É o que conta uma das autoras, a jornalista Giulia Tartarotti. Além dela, escreveram e ilustraram o livro Barbara Teissere e Cecília Marins, respectivamente. Em entrevista ao Meio, Tartarotti analisou que as práticas BDSM não podem ser entendidas apenas como sexuais.

Como você define o BDSM?
O BDSM é um jogo de poder. Não necessariamente precisa ter dor ou sexo envolvidos, a não ser que os praticantes queiram. A grande questão é a dominação, dominar ou se submeter a alguém. Mas a noção de dominação e submissão é completamente individualizada. Pode ser uma dominação física ou psicológica. Fora do sexo, por exemplo, há quem leve o BDSM como estilo de vida em relacionamentos 24/7, nos quais pessoas se submetem a outras integralmente. Também há a submissão doméstica, quando o submisso cuida da casa do dominador. Sem falar no findom (financial domination), um fetiche em que o dominador recebe dinheiro e presentes, também numa forma de humilhação. Esses são alguns casos, mas existem infinitas possibilidades. Mesmo assim, as práticas mais conhecidas são sim ligadas ao sexo. É importantíssimo ressaltar que, sexuais ou não, todas devem ser feitas com responsabilidade e, sobretudo, consentimento dos participantes.

O que o praticante ganha ao se envolver com BDSM?
Por lidar com a dor, há quem diga que o BDSM é uma válvula de escape. Isso é muito errado. Trata-se de uma válvula de prazer. Não é para compensar algo ruim de sua vida, é para aproveitar, ter um momento compartilhado de confiança extrema. Quando você percebe que consegue realizar todas as suas fantasias e que, quando quiser, pode parar com tudo aquilo imediatamente acionando uma palavra de segurança, acaba se permitindo experimentar novas sensações.

Por que contar essa história em quadrinhos?
O quadrinho foi uma forma de fazer com que nosso público não apenas lesse sobre BDSM, mas conseguisse visualizar, para que a prática seja desmistificada. Pesquisando, percebemos que não existem muitos materiais oficiais sobre o tema. As informações estão espalhadas em fóruns, sites, blogs e perfis em redes sociais. Não vemos livros, best-sellers, ou representações fiéis na TV ou no cinema. Então, decidimos fazer esse livro-reportagem em quadrinhos. Nele, traçamos uma linha do tempo que recupera as primeiras referências a práticas que ligam dor ao prazer. A mais antiga é de 4 a.C, quando um ato de flagelação foi pintado na Tomba della Fustigazione. Pouco depois, foi escrito o Kama Sutra que já indicava pontos do corpo humano mais sensíveis ao toque e à dor. Avançando para o século XVIII, na França, o roteirista de peças de teatro Marquês de Sade escrevia cenas escandalosas — o que fez seu nome dar origem à palavra sadismo. Mesmo que o 120 Dias de Sodoma, seu livro mais famoso, jamais tenha sido concluído, ainda hoje toma o imaginário das pessoas. Depois, o chicote se popularizou na Inglaterra, surgiu a figura da Dominatrix, foram inaugurados bares fetichistas em todo o mundo e o resto é história. Mas é fundamental esmiuçá-la porque diz respeito a vontades, muitas vezes, reprimidas. Por falar nisso, aqui no Brasil, algumas práticas de BDSM foram consideradas distúrbios mentais até 2013.

De que forma o livro é organizado?
Além da linha do tempo, nas páginas, abordamos os principais pilares do BDSM. Explicamos cada um deles usando personagens reais, pessoas que contam como vivem e o que praticam. Inclusive, o quadrinho começa com a ilustração da Cláudia, uma das praticantes, explicando o que é o BDSM e indo ao Dominatrix, um dos bares fetichistas de São Paulo. Muitas pessoas da comunidade e curiosos se encontram nesses bares, são ambientes seguros. Ah, o livro também abre espaço para especialistas, como psicóloga e sexóloga.

Quais são esses pilares?
São pontos que consideramos fundamentais. Há um capítulo sobre ‘Ética e Moral’, outro sobre ‘Segurança e Comunidade’ e ‘Relacionamento’. Na parte dedicada a ‘Práticas’, escancaramos muitas delas, como o spanking, a degradação e bondage. Todos os tópicos são atravessados pelo ‘SSC’: são, seguro e consensual. Qualquer prática BDSM precisa dessas três bases. O submisso está seguro? O dominador está seguro? O dominador estudou o suficiente para saber o que está fazendo? Tudo tem uma maneira de fazer. Quando falamos de spanking, por exemplo, a pessoa que está batendo precisa saber exatamente onde está batendo e com que força para não machucar de verdade.

Qual o limite da dor?
O que delimita a dor dentro do BDSM é o quanto ela, realmente, agride seu corpo. As práticas só podem deixar dores passageiras. A pessoa pode ficar marcada por algum tempo, com hematomas, perfurações e marcas, mas não pode ser algo permanente. Quando se escolhe sentir a dor, a ideia é curtir, dentro de um ambiente controlado, até onde for seguro para o corpo da pessoa. Por isso é importante praticar com alguém com quem se tem confiança e estude sobre o assunto.

Você falou sobre a falta de materiais fiéis sobre o assunto. Como você enxerga a representação do BDSM nas artes?
Quando se fala nisso, a primeira coisa que vem à mente é o filme Cinquenta Tons de Cinza — o que me deixa profundamente irritada. Essa obra não trata de BDSM, mas de um relacionamento abusivo. Na vida real, antes de começarmos qualquer ato, é preciso negociar uma palavra de segurança, conversar sobre os limites e expectativas de cada um. No ‘Cinquenta Tons’, não há consentimento em momento algum. Isso jamais deve ocorrer. Basicamente, quando vemos BDSM na cultura pop, nunca vemos BDSM de verdade. São sempre situações de abuso nas quais parece que quem está dominando pode fazer o que quiser. Mesmo nas práticas de dominação 24 horas por dia, os limites são combinados, não é como nos filmes. Por isso, nos preocupamos muito para que esse livro não fosse erotizado. Não queríamos produzir mais um material que vinculasse o BDSM à pornografia. Claro que são ilustradas cenas das práticas, mas mostramos como é o BDSM na vida real de forma explicativa, é um papo sincero sobre desejo e segurança.

Retrospectiva 2022: Música

A equipe do Meio também é musical. Oferecemos aqui uma coletânea de canções e álbuns que nos tocaram (desculpa) de alguma forma neste ano que passou. Boa viagem!

Break my Soul — Beyoncé
Do sétimo álbum da cantora, Renaissance, o single Break My Soul resgata a dance music dos anos 1990 e se tornou o hino da “Grande Renúncia” nos EUA. A letra fala sobre sonhos e a busca por uma vida melhor.
(Micaela Santos, editora de conteúdo em texto)

Unlimited Love — Red Hot Chilli Peppers
Um dos dois álbuns que a banda lançou em 2022, após a volta do guitarrista Jonh Frusciante. É uma viagem de ritmos pela trajetória do grupo ao longo destes quase 40 anos.
(Olavo David, produtor e repórter multimídia)

Autoacalanto —Caetano Veloso
O disco foi lançado em 2021, mas foi nesse ano que Caetano Veloso saiu em turnê pelo Brasil e pelo exterior com Meu Coco. Das 12 faixas, uma das mais esperadas pelas plateias foi Autoacalanto. A melodia tranquila da canção foi inspirada nas vocalizações de seu mais novo neto, Benjamin. Vale ouvir a imitação que Caetano faz dos balbucios do bebê. Uma cantiga de ninar de primeira categoria!
(Maria Paula Letti, editora executiva)

Elevation — Black Eyed Peas
Black Eyed Peas volta à cena musical com o lançamento de seu novo álbum Elevation, que mistura ritmos latinos e negros, com participação de nomes de peso, como Shakira, Daddy Yankee, David Guetta e Anitta, que participa da primeira faixa com o trio.
(Adriano Oliveira, editor de conteúdo em texto)

Anthropocene — Behind Your Fear
Após duas décadas de hiato, a vocalista alemã Stefanie Duchêne (ex-Flowing Tears) retomou a carreira fundando o grupo Behind Your Fear, que lançou este ano seu segundo álbum, Anthropocene. Sua voz grave e aveludada e suas letras tristes contrastam com o peso das guitarras na mesma fórmula que fez de sua banda anterior uma das mais singulares na cena europeia de gothic metal.
(Leonardo Pimentel, editor executivo)

Lay on, Take off —The Wild Things
A banda The Wild Things abriu o show do The Who no Madison Square Garden (e eu estava lá), com essa musica que, inclusive, foi gravada com o Pete Townshend. Eles estão gravando o segundo disco agora.
(Fernando Coutinho, diretor de tecnologia)

SIM SIM SIM — Bala Desejo
O quarteto conquistou o Grammy de Melhor Álbum Pop em Português com seu álbum de estreia. A juventude dos músicos contrasta com o clima antigo das músicas, com letras e arranjos que remetem a MPB dos anos 70 e 80.
(Tony de Marco, diretor de arte e chargista)

The Car — Arctic Monkeys
O amadurecimento dos macacos do árctico veio para ficar com The Car. O lançamento de 2022 veio com um toque de jazz, uma pitada de blues e o baixo marca da banda. Uma narrativa deliciosa do começo ao fim, com sentimento de divórcio ao invés de término.
(Bruna Buffara, criadora de conteúdo)

Teve bicho fofo, teve avatar, teve golpe — no Peru. Vem afogar as mágoas da derrota na Copa nos mais clicados da semana:

1. G1: Como usar um avatar como foto de perfil no WhatsApp.

2. G1: As fotos mais engraçadas da vida selvagem.

3. G1: Mais fotos, agora da CCXP22.

4. YouTube: Ponto de Partida - O golpe no Peru, Bolsonaro e o PT.

5. UOL: Carlos Bolsonaro e a foto que diz ser da perna com erisipela do pai.

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