Edição de Sábado: Nós, brasileiros

Por Flávia Tavares e Luciana Lima

Pelas janelas apertadas de um ônibus, em que jovens negros e pardos sem camisa gritam e fazem gestos obscenos, chamam a atenção dois meninos inertes. Eles simplesmente encaram. É um misto de curiosidade com desprezo, como se observassem seres alienígenas ao seu mundo. O alvo desse olhar são bolsonaristas brancos, ornamentados de verde e amarelo, que se dirigiam num cortejo de motos para a manifestação de 7 de Setembro, no Rio. Era o dia do Bicentenário da Independência do Brasil. Da fundação oficial da nação que é pátria mãe, mais gentil com uns, de todos os brasileiros. Mas a foto da jornalista Lola Ferreira captou ali, naquele instante, o abismo que se interpõe entre tantos de nós, dois séculos depois de termos nos tornado um povo nacional. A busca por uma identidade brasileira essencial, para além do caráter territorial ou de língua, capaz de unir o amazônida à gaúcha, nasce ainda no Império, no movimento independentista. Mas esse poço que nos separa parece mais intransponível do que nunca. Será que ainda estamos, se já estivemos, aptos a encontrar algo que nos una como compatriotas? Que nos lembre que somos um só povo?

É uma questão filosófica, sociológica, antropológica, histórica, linguística, psicológica — e atravessada permanentemente pela política. Evidentemente, das mais complexas. Assim como no plano individual, a ideia de uma identidade coletiva é oscilante. É uma construção frágil. Tem dias que somos mais uma coisa do que outra. Em diferentes fases da vida, a forma como nos projetamos ao mundo — e identidade, seja de um cidadão ou de uma nação, é espelho e projeção — muda. Mas ela funciona como elemento estabilizador. “Toda identidade é ilusória, mas necessária para estabilizar a consciência”, explica Muniz Sodré, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), escritor e ex-presidente da Biblioteca Nacional. “São Lucas, na Bíblia, fala de como aves têm seu ninho, raposas têm suas tocas, mas o filho do homem não tem onde descansar sua cabeça. Ela está sempre cheia de dúvidas. É na identidade que se descansa a cabeça. Projetando isso para a coletividade, para o povo, política e existencialmente a identidade é necessária.” As oscilações da identidade do povo brasileiro não são poucas, não. E esse descanso está fazendo falta politicamente.

Os brasis

É daquelas verdades tão verdadeiras que se tornam incontornáveis clichês. O Brasil é muitos. Sempre foi. “O império deu ao Brasil o Estado-nação. Mas não deu a ideia de nação e povo. Quando se faz a independência e com a República, o povo era um amálgama de indígenas, negros e pardos mal reconhecido pela elite burocrática e de fazendeiros mais acantonada no litoral”, diz Sodré. Daí, torna-se difícil escapar da busca de uma identidade nacional pelo recorte racial. “Do ponto de vista discursivo ideológico, a identidade nacional brasileira é apresentada, sobretudo a partir da República, como a ‘miscigenação das três raças tristes’. O brasileiro seria, essencialmente, a fusão de brancos, negros e indígenas. É o grupo branco, a elite, dizendo isso. Significa dizer também que a participação de negros e indígenas sempre foi subordinada”, acrescenta Wania Sant’anna, historiadora e pesquisadora de relações raciais e de gênero, presidente do Conselho Curador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).

Então, intelectuais e artistas de várias expressões se debruçaram, ao longo desses 200 anos, sobre essa pergunta: quem é o povo brasileiro? A começar pelo Hino Nacional, um dos símbolos mais poderosos de identidade, com seu povo heróico, que não foge à luta. “O hino é um louvor à brasilidade territorial e de unidade de alma, de espírito. Uma exaltação de coisas nossas, que são só nossas e maravilhosas”, diz Wilson Gomes, doutor em Filosofia e titular da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mas 50 anos antes (a letra do hino é de 1909) José de Alencar apresentava, em O Guarani (1857), uma das primeiras formulações de uma brasilidade que transpunha diferenças — ainda que de forma bastante condescendente e eurocêntrica. Um Peri convertido defende a casa colonial de Cecília e por ela quase se sacrifica. A obra contribui, de forma quase inaugural, com a ideia de que é na mistura que a cultura brasileira se assenta.

Também na literatura romântica, Castro Alves tenta, com sua poesia abolicionista, trazer o negro para a equação da brasilidade nascente. Em O Navio Negreiro (1869), ele canta:
“Existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...”

O povo cuja bandeira cobria a covardia escravista era o português e foi, após a Independência e até hoje, o brasileiro. Nas décadas seguintes ao romantismo, a literatura moderna ofereceu como identidade nacional a figura macunaímica e a da mestiçagem, com Mário de Andrade e Jorge Amado. Novamente, observando na mistura a virtude fundamental da brasilidade. Oswald de Andrade a transformou em assimilação, com sua antropofagia. A sociologia de Gilberto Freyre propôs, então, a noção de democracia racial — ou o mito de democracia racial, como os críticos desse conceito preferem. Seja como for, Freyre foi crucial para desmontar as ideias de Sílvio Romero, explicitamente racistas, que atribuíam o atraso do país às características de seu povo. Ou de Paulo Prado e João Batista Lacerda, defensores de um embranquecimento evolutivo da sociedade brasileira. Depois, ainda viria Darcy Ribeiro, revisitando a ideia das três raças em O Povo Brasileiro, mas já de forma um tanto mais atualizada. “As sociologias de Sérgio Buarque de Hollanda e Freyre são afirmativas do país da mistura, do acordo. Depois, Roberto da Matta, Renato Ortiz e outros discutem isso de forma mais crítica. As visões da identidade nacional se alternam. Num momento são ufanistas; em outro, cínicas, pessimistas”, diz Gomes.

Mas está na linguística um conceito que pode ajudar a esclarecer por que trafegamos, mais recentemente, entre duas ideias: a primeira, de que a mistura que nos define é a nossa riqueza; a outra, de que essa mistura, por ter sido forçada em sua origem, não deva ser exaltada como elemento da identidade brasileira. No artigo A construção da identidade nacional brasileira, José Luiz Fiorin, um dos maiores linguistas do país, associa esse movimento pendular a uma teoria de dois colegas franceses, Claude Zilberberg e Jacques Fontanille. Partindo da ideia de que os valores se formam no discurso, eles sugerem que há culturas que se veem como uma unidade e outras, como uma mistura. A unidade é regida por um princípio de exclusão, da triagem, do confronto entre puros e impuros, do exclusivo e do excluído. A mistura, pelo princípio da participação, em que o igual e o desigual são cotejados.

Acontece que a cultura brasileira, para Fiorin, ficou tão eufórica com a ideia da mistura que deixou de considerar o concreto das relações sociais brasileiras, que são de exclusão, por exemplo, nas questões raciais, de gênero, de orientação sexual. “A identidade autodescrita do brasileiro é sempre a que é criada pelo princípio da participação, da mistura. Daí se descreve o brasileiro como alguém aberto, acolhedor, cordial, agradável, sempre pronto a dar um ‘jeitinho’. Ocultam-se o preconceito, a violência que perpassa as relações cotidianas. Enfim, esconde-se o que opera sob o princípio da triagem”, diz Fiorin em seu texto.

O rompimento e a reconciliação

Buscar uma identidade é buscar unidade. Como superar, então, o fato de que o Brasil se constrói e funciona nesses dois princípios, o da exclusão e o da participação, simultaneamente? Reconhecer isso é parte da resposta. O escritor Daniel Munduruku defende esse caminho, propondo que o Brasil tem ainda uma consciência adolescente de si mesmo. “Talvez, no entanto, o que se pode chamar de identidade brasileira seja o próprio processo de formação do SER brasileiro. Ou seja, talvez não seja necessário formalizar a existência de UMA identidade, mas estar convencido da multiculturalidade na qual o próprio Brasil foi forjado. Portanto, o que poderia ser uma fraqueza — o amalgamento das diversas culturas — seja sua força e riqueza. Talvez precisemos apenas ‘virar a chave’ para plasmar o que virá a ser o Brasil. O conceito de adolescência aqui serve para lembrar que o Brasil precisa fazer seu ritual de maioridade para compreender sua complexa formação identitária. Tem que voltar seu olhar ao passado e se reconciliar com ele, única maneira de seguir o caminho que vem pela frente”, diz o filósofo em entrevista ao Público, de Portugal.

Muniz Sodré, autor de dezenas de livros sobre diferentes aspectos da brasilidade, também faz essa distinção. “A ideia de identidade pressupõe unidade, mas em sua diferenciação. É um movimento de busca de unidade, sem perder de vista que ela é contraditória. Todo e qualquer povo atravessa isso. Mas o brasileiro atravessa isso de forma radical”. Ele, então, enumera como brasileiros os povos indígenas, negros, as aglutinações urbanas, os ribeirinhos, os sertanejos, os amazônidas e os imigrantes. “O Brasil é de uma heterogeneidade radical, uma pluralidade radical.”

O processo de reconhecimento dessas contradições e dessa heterogeneidade radical, no entanto, é doloroso e intimamente ligado à política. Porque ele pressupõe que o grupo hegemônico admita os demais e isso envolve, mesmo que simbolicamente, perda de poder. “Um momento como os 200 anos da Independência, assim como o momento eleitoral, poderia e deveria ser uma oportunidade para a sociedade brasileira do século XXI pactuar uma identidade que historicamente tem sido negada pela homogeneização. Sabemos que, para o grupo que está no poder na atualidade, levantar a identidade de origem africana, dos povos originários é, ideologicamente, uma ameaça, porque eles acreditam que essas diferenças não devem ser levadas em consideração”, explica Wania. “Isso é político. É uma forma de dizer: nós somos todos brasileiros, nós somos todos iguais, não existem essas diferenças que vocês estão apontando. A verdade é que tem diferença, sim, para as comunidades indígenas aldeadas e as que não vivem em aldeias. Tem sim pessoas negras que vivem na periferia e, porque existe racismo, recebem um tratamento diferenciado, negativo, que viola seus direitos. Eles não admitem isso. Dizem que é uma só pátria.”

Esse processo pressupõe também uma luta. Um rompimento. E ele tende a ser capitaneado pelos movimentos, não à toa assim chamados, identitários. O professor Wilson Gomes atribui a eles parte da sensação atual de que uma identidade nacional se perdeu. “A política identitária é adversária a essas ideias de unidade. É de uma beligerância irreconciliável, de uma dívida atraída que não é pagável. Se todos somos fruto de um estupro coletivo, como esses movimentos propõem, essa é uma violência insuperável. São discursos antimistura”, ele argumenta. Embora reconheça o identitarismo como uma luta da esquerda, Gomes aponta como a extrema-direita usa esse mesmo discurso em seu favor. “Política identitária brasileira vem do final dos anos 1960, de uma elite que foi estudar nos EUA. Daí, 2013 foi nossa primavera identitária. A extrema-direita se apropriou disso. Quando o Black Lives Matter diz que negros devem votar como negros, vem Donald Trump e incita os brancos a votar como brancos. Esse modelo hobbesiano interessa à extrema-direita. A vitimização, a ideia de cerco ou assédio, a ideia de que se não reagir agora é tarde demais.”

Mas Sodré contra-argumenta que o movimento negro, como outros identitários, é disruptivo, não está preocupado com a identidade “nacional” — e acrescenta que não acha que cor dê identidade alguma. “A questão da identidade tem valor politicamente. Como valor de pensamento, ela se choca muito com o que a política quer. Não faço bandeira identitária, mas a respeito como arma de defesa política.”

Cada um dos pensadores ouvidos pelo Meio propõe um caminho para o momento de falta de unidade que o Brasil atravessa. Os três muitíssimos complementares. Wania Sant'Anna defende um pacto. “É um momento na sociedade brasileira em que precisamos fazer muitos pactos. E não diria que um pacto é uma revisão apenas da identidade. Mas é considerar que a identidade nacional brasileira precisa respeitar, tal como se escreve na Constituição, a nossa pluralidade de cultura. Está na nossa língua, na nossa cultura, no respeito que se deve ser dar a todas as religiões, todas essas formas de representação das nossas múltiplas identidades. E isso é pacto.”

Wilson Gomes acredita que sincretizar é da natureza brasileira e a realidade vai impor a saída para a divisão. “A realidade vai em outra direção. Na Bahia, as pessoas seguem se reproduzindo, se namorando. Esse posicionamento de fragmentação é exclusivamente da elite, não tem base popular. O futuro do Brasil é dado inercialmente. Realidade é o osso duro de roer em que essa ideologia quebra os dentes.” Gomes, então, pondera que a alternativa seria uma separação de fato, uma federação de nações. Mas imediatamente faz a analogia com a tentativa de nova Constituição chilena, que, a seu ver, propunha algo nesse sentido e foi majoritariamente rechaçada pela sociedade.

Sem saber o que um ou outro havia falado, Gomes e Muniz Sodré usam um modelo conciliador de identidade: o terreiro de candomblé. E exaltam como ali a diferença é simplesmente assimilada e superada instantaneamente. Sodré diz que isso acontece porque no terreiro, como na vida real do brasileiro, o que prevalece é o senso de comum, não de identidade. “Como é que as pessoas comeram na [favela da] Maré na pandemia? Por um comum que se estabeleceu. Foi no coletivo. Senão, as pessoas não comeriam, à sombra desse discurso genocida. Esse comum é uma ideia teórica, que se concretiza na prática em coletivos. O comum não é necessariamente identitário. É afetivo, feito de crenças, de ações.”

Em tempo: Os garotos negros e pardos que expressaram seu desacordo com os bolsonaristas brancos em suas motos tomaram geral da polícia do Rio pouco depois.

Rock in Rio 1985 - Mais que um festival

“Se a vida começasse agora?” Talvez o tema do Rock in Rio de 1985, cantado pelo Roupa Nova, fosse apenas um jingle para os compositores Eduardo Souto Neto e Nelson Wellington. Mas a frase resumia à perfeição o momento de um rapaz de 18 anos recém-completados que meses antes começara a escrever resenhas sobre música e naquele momento cobria o festival para as revistas Roll e Metal (“a única cobertura especializada”). O jornalismo entrara de supetão em sua vida, e lá estava ele numa prova de fogo, mantendo, ou tentando manter o profissionalismo ao entrevistar ídolos. Foram dez dias de festival e, ao fim, uma corrida contra o relógio para, em um dia, fazer com o saudoso André Machado uma edição temática de Metal para estar nas bancas em 48 horas. Um tour de force que começou um caminho que me trouxe a este texto. Sim, a vida começava agora.

Mas não era só a vida do rapaz em questão. Era a de um país. Pouco depois do meio-dia de 15 de janeiro, bem na metade do festival, o civil e oposicionista Tancredo Neves era eleito indiretamente presidente da República, pondo fim a 21 anos de ditadura militar. Naquela noite, quando o Barão Vermelho, ainda com Cazuza à frente, subiu ao palco para um show antológico, as bandeiras brasileiras na bateria de Guto Goffi e as que apareciam na plateia representavam o resgate do país e de seus símbolos, ora novamente sequestrados. Ok, o futuro não foi exatamente o que esperávamos, a começar por José Sarney na presidência, mas a nova vida do país parecia começar agora.

E, claro, o festival em si era um começo. Não que o Brasil fosse virgem em shows internacionais. Alice Cooper, Genesis, Rick Wakeman, The Police, Van Halen e outros já haviam se apresentado em espaços menores, e Queen e Kiss lotaram estádios de futebol. Mas a ideia de dez dias de shows com atrações de primeira linha estava entre o delírio e o pesadelo logístico. Ainda mais porque a estrutura para o evento, especialmente comparada ao espaço onde a atual edição do festival está acontecendo, não existia. A área ao lado do Riocentro, em Jacarepaguá, praticamente não tinha transporte público e era esparsamente habitada. Parecia que Roberto Medina, publicitário idealizador do festival, estava blefando ou tinha enlouquecido. Nem um, nem outro.

Só o fino

O anúncio da escalação era ambicioso. Virtualmente todos os artistas estavam no auge ou ainda em fases de criatividade e sucesso comercial. O Iron Maiden, que assumia o posto de maior banda de metal do mundo com Powerslave, não tinha data na agenda, mas espremeu-a para encaixar um único show na abertura do festival – todas as outras atrações se apresentaram em duas noites. O Queen, que dava a volta por cima com o bom disco The Works e o sucesso Radio Gaga, confirmou a majestade e o domínio de Freddie Mercury sobre a plateia. E o Yes se reinventava para os anos 80 com uma roupagem mais eletrônica, sem abandonar os clássicos da década anterior.

A exceção era James Taylor, cujo último disco era de 1981, e, após o tumultuado divórcio de Carly Simon e a luta contra as drogas, pensava em se aposentar. Mas era um dos artistas favoritos de Roberto Medina, o que lhe valeu o convite para o festival. E eis que seu show arrebatou a multidão e deu um “levanta-te e anda” em sua carreira. Mais de cem mil pessoas cantando juntas You Got A Friend mostraram que Taylor estava muito vivo musicalmente.

Não, não foi assim

Com o passar dos anos, algumas lendas urbanas se cristalizaram em torno do festival. Não, o Deff Lepard, banda britânica de não-tão-heavy metal, não cancelou sua participação porque o baterista perdeu um braço. Sim, Rick Allen realmente sofreu um acidente de carro que o mutilou, mas isso aconteceu no dia 31 de dezembro de 1984, pelo menos dois meses depois de a banda ser substituída pelo Whitesnake, que brindou o público com um show memorável.

A segunda, para contrapor às edições mais recentes do festival, diz que o Rock in Rio de 1985 foi “roqueiro de verdade”, sem noite de pop etc. Não, nunca foi. Somente metade das 14 atrações nacionais tocavam rock, incluindo aí Erasmo Carlos e a dupla Pepeu/Baby. Dos estrangeiros, havia o jazz e fusion de Al Jarreau e George Benson e o folk do citado James Taylor.

E havia pop, que então se misturava com rock sob a etiqueta “new wave”. B-52’s, carinhosamente apelidado de “bife com tutu”, e as Go-Go’s, cujo apelido não tinha nada de carinhoso, puseram a cidade do rock para dançar. E mesmo Rod Stewart, que começara décadas antes cantando blues rock com Jeff Beck, já enveredara para as pistas de dança. O festival nasceu eclético, a despeito do nome.

Tudo vale a pena

Chegar e sair era um inferno, embora a imprensa gozasse de certas regalias, incluindo uma área exclusiva ao lado do palco. Comparados às praças de alimentação das atuais edições, os mega quiosques de Bob’s e McDonald’s eram frugais, e a exclusividade da cerveja Malt 90 era um convite à sobriedade. Sem contar que o belo gramado para o público durou apenas uma noite e, com a primeira chuva, tornou-se um lamaçal digno de Woodstock.

Mas era tudo novo. Nova carreira, Nova República, novo patamar de shows internacionais. A vida realmente começava agora. O que faríamos dela era problema nosso.

O caos do Burning Man

E depois de um intervalo pandêmico de três anos, o festival americano Burning Man de 2022, que acontece no Black Rock Desert, em Nevada, terminou no dia 5 de setembro num verdadeiro caos. Um congestionamento de cerca de 8 horas deixou os visitantes (boêmios, celebridades, influenciadores) enfurecidos e o cenário à la Mad Max.

As duas Elizabeths

Os dois maiores ícones da cultura britânica são William Shakespeare e os Beatles. Se a definição contemporânea de soft power é a capacidade que um país tem de influenciar a cultura, o comportamento, as contribuições do Reino Unido são muitas — mas nada bate quem escreveu Romeu e Julieta ou compôs Yellow Submarine. São histórias e músicas imediatamente reconhecidas em todos os continentes. Esta semana, após mais de setenta anos de reino, morreu Elizabeth II. Elizabeth I (1553-1603), por sua vez, reinou por 45 anos — uma eternidade naquele tempo renascentista. Estes dois períodos elisabetanos, aquele em que Shakespeare escreveu e este no qual os Beatles compuseram, têm muito em comum. Mais, bem mais, do que apenas o nome das monarcas.

Cultura. Shakespeare não estava sozinho — ele é o gênio num universo de grandes escritores. O primeiro período elisabetano corresponde à Renascença inglesa e lançou poetas e dramaturgos como Cristopher Marlowe e Ben Johnson. Raramente gênios surgem fora de um ambiente em que muita gente boa está aparecendo. Da mesma forma, essencialmente contemporâneos aos Beatles são os Rolling Stones, e na sequência a eles há uma longa lista de grandes nomes como Pink Floyd, Led Zeppelin, Elton John e à frente segue. Um único outro reino, o da rainha Vitória, teve a efervescência cultural que marcou estes dois períodos.

Arquitetura. Como marco da transição da Idade Média para a Renascença, cidades como Londres começaram a crescer rapidamente. Elizabeth I, porém, preocupava-se em manter um cinturão verde ao redor da capital, e isto obrigou arquitetos a desenvolverem novas tecnologias para verticalizar a cidade. Os prédios, com estrutura em madeira e paredes de tijolos caiados, chegavam a alcançar sete andares. Nos novos palácios, a grande inovação foram grandes janelas de vidro, permitindo que a luz entrasse no interior como jamais ocorrera antes. Londres se verticalizou imensamente dos anos 1950 para cá, a ponto de o perfil da cidade ser transformado. E uma das principais inovações do período foi, justamente, a dos arranha-céus com fachadas de vidro.

Império. O Império britânico começou no reinado de Elizabeth I e terminou no de Elizabeth II. As primeiras colônias, no Caribe e depois na América do Norte, foram fundadas por ordem da rainha. Embora o Reino Unido ainda detenha territórios pelo mundo, são quase sempre ilhotas — Gibraltar, Malvinas, Cayman, Bermuda, ao todo 14. Todas com governos independentes e acordos de defesa militar. O Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia abandonaram a Constituição britânica nos anos 1980. A última colônia importante, Hong Kong, foi entregue em 1997.

Imigrantes. A Grã Bretanha foi formada no encontro de celtas, vikings e normandos. Por volta do final dos 1500, porém, mais e mais estrangeiros começaram a se transferir para Londres. Era um tempo de grandes viagens o que permitiu o encontro com novos tons de pele antes apenas rarissimamente vistos. Mas não apenas — as guerras religiosas fizeram com que muitos europeus do continente, protestantes, se transferissem para a cidade. Londres, pela primeira vez, começou a se ver como uma capital cosmopolita, o que fez bem para os negócios. Indianos, paquistaneses, pessoas do Oriente Médio e da ponta mais extrema da Ásia se transferiram para o Reino Unido em grande volume conforme o Império colapsava. Elizabeth II herdou um império anglo-saxão e entregou ao filho um reino multicultural.

O medievalista Ian Mortimer entra em mais detalhes. Há coincidência nos nomes das duas rainhas. Mas as similaridades históricas entre os períodos que reinaram não é coincidência. São o início e o fim de uma mesma era, períodos portanto de imensa transformação na maneira como se vive, nos encontros que ocorrem entre as pessoas, na pujança de criatividade que mudanças e contato com o diferente geram. Com a morte de Elizabeth II, algo novo possivelmente se dará. Mas é difícil que tenha o mesmo tamanho, para o mundo, do que aquele que marcou seu período no trono.

E, para encerrar, os leitores do Meio ficaram entre a política e a tecnologia. Eis os mais clicados da semana:

1. Poder360: Uma comparação visual do 7 de Setembro de 2022 com o de 2021.

2. Metrópoles: Por que Bolsonaro e Michelle discutiram antes do desfile em Brasília.

3. Fast Company: Crie senhas melhores.

4. Tecmundo: Filha de Steve Jobs tira sarro de iPhone 14.

5. Instagram: A mensagem de Lula sobre o 7 de setembro.

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