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Edição de Sábado: Que agro é esse?

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A história do século 20, em boa parte do mundo, é uma na qual a agropecuária vai lentamente perdendo importância na economia dos países. Não foi diferente com o Brasil — até que mudou, em 1993. Em 1992, ano em que Fernando Collor deixou a presidência, a agropecuária não chegava a 6% de toda riqueza produzida no país. Dez anos depois já havia quase dobrado. Quando Fernando Henrique subiu a rampa do Planalto pela primeira vez, em 1994, o agro não gerava R$ 40 bilhões por ano, inflação corrigida. Em 2019, segundo números do Cepea, produziu R$ 322 bilhões. Por todo o governo Jair Bolsonaro, constantemente o agro aparece como um setor de apoio ao presidente. Um ambiente no qual, caricaturalmente, os ímpetos autoritários e a aversão à ciência parecem ser dominantes. Sua explosão como negócio, porém, é justamente um dos marcos de sucesso da República democrática nascida dos frangalhos da ditadura militar. Um sucesso que se deve, principalmente, ao desenvolvimento tecnológico e científico.

Não se mede sucesso de um ramo da economia apenas por números. Se mede, também, pela presença que ocupa no imaginário de uma cultura. O Brasil que largou a ditadura era um que se embalava ao som do rock nascido em centros urbanos. Na década de 1990, este mesmo rock disputou espaço com a Axé Music, o gênero vindo da Bahia que apenas confirmava toda a história cultural brasileira ao longo dos séculos, concentrada na mesma linha bem mais próxima do Atlântico que do centro geográfico do país — Pernambuco e Bahia, Minas, Rio e São Paulo. Quando muito, Porto Alegre. Mas lentamente este processo já estava mudando. A nova música sertaneja, nascida justamente com a Democracia, não matou culturalmente os antigos centros. Mas criou um novo centro, tão forte quanto os outros. Se antes era limitada à curiosidade das manhãs dominicais da TV Globo, hoje embala dezenas de milhões de brasileiros em seus cotidianos e move uma indústria cultural multimilionária.

Como isto aconteceu?

Uma das formas de contar esta história é através da família Caiado.

Dentre as imagens marcantes, no início da pandemia, esteve um bate-boca entre o governador goiano Ronaldo Caiado e pessoas na rua da capital (vídeo). Médico de formação, um Caiado irritado brigava pela instauração da quarentena, tentando explicar a importância de todos se recolherem a suas casas. Foi um dos primeiros políticos a capitularem perante as pesquisas de opinião em seu estado. É justamente um dos cantos no país em que a popularidade do presidente se mostrou mais resiliente. Desde então, a relação de Caiado e Bolsonaro tem se mostrado como uma metáfora de como muitos na elite política e econômica têm agido. Há flertes de aproximação interesseira seguidos de afastamentos por repulsa. O instinto da aproximação do poder e a repulsa às ações coexistem sem nunca se resolver.

Para o Brasil muito longe de Goiás, o nome Caiado apareceu com o governador. Quando a Assembleia Nacional Constituinte se instaurou, em 1987, Brasília foi tomada por uma festa democrática nunca antes vista. Toda sorte de grupos de interesse aterrissaram na capital com sua lista de desejos. Em grupos organizados, estavam lá industriais e funcionários públicos, operários, ambientalistas, cada entidade de classe das listas habituais. Estavam, também, grupos que nunca antes haviam se organizado. Prostitutas, população de rua, indígenas, assim como o recém-formado MST. O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra que cobrava a reforma agrária prometida, algumas décadas antes, pelo governo deposto de João Goulart. Esta briga, a da reforma agrária, foi uma das mais difíceis e agressivas da Assembleia Constituinte. Foi um dos eixos em que racharam os parlamentares, do lado progressista liderados por Fernando Henrique Cardoso e Mario Covas, no outro representado pelo Centrão original de Roberto Cardoso Alves e Edison Lobão. Pois, nas galerias do Congresso, aos gritos de militantes do MST se opunham os dos representes da recém-formada UDR, União Democrática Ruralista. E, sempre agitando seu grupo, vestindo jeans e camisa de mangas curtas, seu presidente. Um militante jovem e carismático, a pele morena, sorriso branco e aberto, o cabelo negro revolto. Ronaldo Caiado tinha 37 anos quando o Brasil o conheceu.

O Brasil o conheceu ali. Goiás, não. A poeta Cora Coralina dizia que eram, os Caiado, como cavalos. “Belos e selvagens.” Antônio José Caiado governou a província de Goiás de forma intermitente entre 1883, ainda no Império, e 1895, já na República. Seu neto, Totó Caiado, chegou a cercar com homens armados a capital do estado naquela que ficou conhecida como a Revolução de 1909. Foi senador. O irmão, Brasil Ramos Caiado, governador. O marido da outra irmã, Diva, também governou Goiás. Emival, filho de Totó e deputado federal, escreveu a lei que determinou a data de transferência da capital federal do Rio para o meio de Goiás.

Foi sempre assim desde que o português Manoel Cayado de Souza chegou por ali, ainda nos 1700, quando Goiás era terra de garimpo e não de gado ou soja. Tinham, todos, fama. De serem bem educados, até refinados. De serem bonitos, de não fugirem de briga e por isso, por vezes, violentos. De serem fortes, de resistirem por dias e dias e dias a viagens no lombo do cavalo.

Goiás, o Centro Oeste todo, era muito diferente do que as elites do Sudeste conheciam. Lá, a terra era imensa, vasta, que dias de viagem a cavalo não dão conta de atravessar. Nenhum goiano teria dificuldade de imaginar o neto de Totó, o sobrinho de Emival, o jovem Ronaldo com jeans e camisa de mangas curtas, no Congresso Nacional, defendendo perante os constituintes os interesses de quem tem terra. Os Caiado de Goiás sempre tiveram propriedades imensas desde que houve Goiás. Por isso mesmo, sempre tiveram poder. Oligarcas.

Goiás permaneceu visto como um lugar longe, muito longe, até justamente a fundação de Brasília. Na ditadura, impulsionados pela nova capital, mas também por uma ideologia de ocupação do território movida à paranóia de perdê-lo, os militares promoveram um grande processo de migração. Uma terra sem homens para homens sem terra, integrar para não entregar estiveram entre os slogans que o regime usou para promover seu Programa de Integração Nacional. Enquanto no Sul do país cidades inteiras eram esvaziadas para erguer hidrelétricas, sua população ia sendo transferida para o Centro Oeste.

Não foi um período fácil. Houve a política de transferência da população, não raro descendentes de italianos e alemães, mas não houve uma política de desenvolvimento econômico. E, naquele período dos anos 1970, tribos indígenas que nunca haviam tido contato com a civilização ocidental estavam ainda sendo descobertas nas bordas da Floresta Amazônica. Confrontos aconteceram mais de uma vez entre aqueles dois grupos postos em choque pelo planejamento precário dos generais.

Mais de um ciclo econômico, todos precários, se deram entre os anos 1970 e 80. Houve o ciclo da madeira enquanto havia desmatamento. Depois, o ciclo do ouro em que Serra Pelada foi marco mas de forma alguma o único foco. Famílias foram destroçadas, houve explosão de alcoolismo, surtos de malária. O processo foi brutal para todos. Mas lentamente, não por acaso com o fim da ditadura, a agricultura e a pecuária foram tomando conta da região.

Se o governador goiano é lembrança da história do Velho Centro Oeste que se modernizou, um ex-governador mato-grossense é símbolo da transformação local. Blairo Maggi. O avô era italiano, a avó, alemã. Ele mesmo nasceu em Torres, interior do Rio Grande do Sul. Plantavam milho para alimentar porcos na região. O pai de Blairo, André, chegou a ter um sítio no Paraná quando se mudou para o Mato Grosso, em 1977. A pequena terra no Sul foi substituída por uma de 12 mil hectares, no Centro Oeste. Quando Blairo assumiu o negócio da família, em 1982, continuou seguindo a lógica do pai. O que entrava de dinheiro era reinvestido em terras. Expandiram as fazendas. Na época em que o agro começou a guinar para cima em proporção de PIB, ainda no século passado, o Grupo Maggi já havia se tornado ‘rei da soja’. Também os traços de brutalidade estavam lá. Na década de 1980, o patriarca André foi autuado pela Polícia Federal por ter, em uma de suas fazendas, pessoas em situação análoga à escravidão. Incluindo o depoimento de trabalhadores que declararam terem sido chicoteados.

Na Constituinte, Fernando Henrique e Covas, acompanhados da esquerda, desejavam uma reforma agrária radical. Não conseguiram, terminaram no meio termo. Seriam desapropriadas apenas as terras improdutivas. A distribuição de terras não foi a única política instaurada pela Nova República para o agro. Houve aumento de investimento na Embrapa, o braço estatal de pesquisa, de ciência aplicada, para agricultura e pecuária. Houve, também, uma nova política de crédito para o setor. Tendo estas estabelecidas, o Estado permitiu que o setor privado seguisse o caminho que fosse. Não houve um planejamento central incentivando um caminho ou outro. Mesmo a pesquisa se adaptou às necessidades que vinham dos produtores e criadores. A partir daí, com o processo de globalização e digitalização da economia que surgiu na virada do século, deslanchou.

Que agro é esse?

Entre a política do integrar para não entregar do governo de Emílio Garrastazu Médici e hoje são 50 anos. Sérgio Reis, o cantor sertanejo que incorporou o bolsonarismo, tem de idade 81. Quando sua música Panela Velha estourou nas paradas, Médici era presidente e Sérgio apareceu não propriamente como sertanejo, mas como uma figura menor da Jovem Guarda. Um movimento musical urbano. Chitãozinho tem 67. Leonardo, 58. Luan Santana, líder nas paradas do sertanejo atuais, 30.

O agro é um dos maiores impulsionadores da economia brasileira. Hoje, se contamos apenas agropecuária — plantar comida e criar rebanho, o negócio das fazendas — a participação no PIB está por volta dos 6 a 7%, de acordo com o IBGE. Quando se olha para o todo, não só para o plantio mas também para o processamento e todos os serviços ao redor — a agroindústria — responde a mais do que um quarto da economia brasileira: 26,6% de acordo com o Cepea. É imensamente importante na balança comercial, pelo quanto de nossa exportação vem de lá. O Brasil é o maior exportador do mundo de carne bovina e de frango, de soja, de milho, de café, de laranja, não só. E o volume de dinheiro produzido é tanto imenso quanto necessário para o país.

Mas 50 anos é pouco e a transformação neste período foi muita e violenta. Um dos traços da psicologia humana faz com que, no arco da vida, as experiências da juventude se imponham sobre como vemos o mundo. O início da idade adulta, quando as coisas tendem a ser mais intensas, marca. As vozes importantes no agro, portanto, terão necessariamente visões distintas, valores diversos. Quem viveu os anos 1970 e princípios dos 80 carrega, e carregará, a experiência da brutalidade que marcou a política de Estado do tempo. Uma política de jogar gente num ambiente inóspito, de estimular conflitos sociais, de promover desmatamento e valorizar garimpo. Um ambiente no qual a força, assim como a arma, fazem diferença.

Não é à toa que este grupo mais velho se identifica com o discurso de um presidente que repete, se não o discurso mais profundo da ideia de ocupação do território como lógica geopolítica, ao menos os preconceitos do tempo. O do embate com indígenas, valorização do garimpo, domínio do homem sobre a mata.

Quem cresceu entre os anos 1980 e 90 está num lugar intermediário, assistiu a um fenômeno raro no Brasil — o da desoligarquização. O dos primeiros empresários que vindos de família pobre fizeram fortunas, um equivalente nacional ao sonho americano do self mande man. A política do Nordeste ainda é dominada por oligarquias que têm poder faz cinco, seis, às vezes dez gerações. No Centro Oeste é cada vez mais raro.

As gerações dos anos 1990 e 2000 estão plenamente inseridas num mercado digital e global, entendem as regras do jogo, inclusive o necessário cuidado com as culturas originárias do país e da preservação ambiental.

Há duas semanas, entrevistamos no Conversas com o Meio Marcello Brito, presidente da Abag, Associação Brasileira do Agronegócio (vídeo). Depois, numa conversa por WhatsApp, Brito deixou mais clara sua visão sobre a divisão neste setor da economia. “A turma velha, patrimonialista, conservadora, está saindo do comando e sendo substituída por jovens do mundo digital, com uma visão abrangente de mundo, mais integrada com a coisas do ambiente planetário”, ele escreveu. “Isso fica claro nos debates internos.”

A Amazônia sob a pata do boi

A Amazônia tem hoje 85 milhões de cabeças de gado - três para cada habitante humano. Na década de 1970 quase não havia bois, e a floresta estava intacta. Em menos de 50 anos, uma porção de floresta equivalente ao tamanho da França desapareceu - 63% desse desmatamento foi para dar lugar a pastagens.

É sobre isso que Sob a Pata do Boi trata. O documentário não quer convencer ninguém a ser vegano. Ele desnuda a relação entre a chegada da pecuária com a derrubada da floresta. Não é tão indigesto como ‘A carne é fraca’ de 2004 - que revelou (e chocou) a crueldade dos métodos convencionais de criação e abate. Traz um alerta para os consumidores de que a carne que chega nos supermercados brasileiros tem uma relação direta com o desmatamento na Amazônia e com outras práticas de crimes ambientais e sociais. O filme revela o que está por trás da carne no nosso prato: escravidão moderna, desmatamento e a forte inserção da cultura cowboy que vem alterando as práticas tradicionais de economia florestal sustentável.

A entrada massiva do boi na floresta remonta ao período de ocupação da floresta durante a ditadura militar no Brasil. Anos de incentivos de governo para formação de fazendas fizeram com que boa parte do desmatamento amazônico acontecesse sob a pata do boi. A partir da década de 2000, a carne brasileira ganha força nos mercados internacionais e novamente o governo exerce influência - em 2007, os frigoríficos JBS, Marfrig e Bertin figuravam entre os três maiores beneficiários de empréstimos a juros baixos do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES).

O documentário (trailer) é fruto de dois anos de investigação jornalística em campo, com mais de cinquenta horas de entrevistas gravadas em cinco estados do Brasil. O resultado é um panorama inédito da cadeia da pecuária na Amazônia, trazendo as múltiplas visões dos atores envolvidos na indústria - dos pequenos produtores em assentamentos rurais aos donos de frigoríficos e políticos. Dirigido por Marcio Isensee e Sá, o filme é uma produção do site ((o))Eco, de jornalismo ambiental, e do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). A origem do filme foi uma série de reportagens do portal Sob A Pata do Boi. Quer assistir aos documentário, use a plataforma online gratuita VideoCamp.

Amamos PcDs, mas só nos Jogos Paralímpicos

Os Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020 estão chegando ao fim. O evento vai deixar saudades nos torcedores, um gostinho de “quero mais” e uma lição para todos nós. E caso você, caro leitor, tenha pensado que a lição é de superação por parte dos atletas, está muito enganado. Pois esse pensamento intrínseco na nossa sociedade tem um nome ainda pouco conhecido entre nós. Aliás, esse pensamento intrínseco na nossa sociedade tem um nome ainda pouco conhecido entre nós, mas vamos abordá-lo nas próximas linhas. É o capacitismo.

Capacitismo é o preconceito com pessoas que possuem algum tipo de deficiência, isso inclui desde a falta de acessibilidade ao tratamento do indivíduo de maneira diferenciada. Em uma sociedade regida por tantos preconceitos, como é a brasileira, muitas das vezes uma pessoa com deficiência (PcD), não é encarada como uma pessoa “comum” ou que tenha a capacidade de viver uma vida “normal”, assim como as demais. E as Paralimpíadas são um exemplo de evento com inclusão e prova que as PcDs são capazes de fazer qualquer coisa assim como indivíduos sem deficiência.

Um exemplo disso é o caso da nadadora Maria Carolina Santiago, que eternizou seu nome sendo a terceira maior medalhista paralímpica brasileira da história. A atleta conseguiu a proeza de conquistar não uma, mas três medalhas de ouro em sua primeira Paralimpíada, além de subir ao pódio mais duas vezes para buscar uma medalha de prata e outra de bronze. A conquista de Carol Santiago é mais uma prova de que pessoas com deficiência são capazes de tudo, e atribuir a sua conquista à “superação” é reduzir a trajetória da atleta a sua deficiência.

Apesar dos atletas paralímpicos serem exaltados durante os jogos, no dia a dia a realidade é outra.

Segundo uma pesquisa realizada pelo IBGE em parceria com o Ministério da Saúde de 2013, 6,2% da população do país têm algum tipo de deficiência. Mas, apenas 441 mil pessoas com deficiência estão empregadas. Apesar do direito ao trabalho está previsto no Estatuto da Pessoa com Deficiência, instituído pela Lei nº 13.146/2015, menos de 1% do total de empregos formais do Brasil são ocupados por PcD.

Esse fato só reforça que a nossa sociedade ainda precisa se mobilizar mais em prol da inclusão das pessoas com deficiência.

Saiba mais sobre o histórico de medalhas de Carol Santiago.

E os mais clicados dessa semana em suspenso.

1. O Globo: Fs finalistas do prémio ‘Fotografia de Comédia da Vida Selvagem 2021’

2. G1: Bisneto de Niemeyer ameaça ir à justiça contra grafite temporário na fachada do Museu Oscar Niemeyer.

3. Poder 360: Líder do movimento anti-máscaras nos EUA morre de Covid-19.

4. Twitter: Os novos hologramas dos integrantes do Abba.

5. Folha: E na Faria Lima, cartazes chamam Guedes de Faria-Loser.

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