Edição de Sábado: Como acompanhar as eleições americanas

Para quem gosta de política democrática, poucos programas são tão divertidos quanto assistir a uma noite de apuração de eleição presidencial americana. Assim como os esportes americanos — seu futebol e o beisebol —, a coisa nunca é simples como no resto do mundo. Nunca é um mero contar de votos, quem leva mais ganha. Há sempre regras intrincadas, trapaças inusitadas, e ainda assim é essencialmente um jogo da política. Da arte na qual homens públicos vão à população e usando dos meios que têm buscam convencê-la de seus propósitos.

Mas esta eleição evidentemente é única. Por um lado, os EUA foram capturados por um tipo de populismo autoritário que abertamente busca cassar o direito ao voto de parte da população para se manter no poder. Isto não é novo — sempre foi parte do jogo americano. Os Estados Unidos não garantem o direito ao sufrágio universal em sua Constituição. Mas, aberto assim, tão escancaradamente declarado como estratégia eleitoral de um dos partidos, não ocorre desde os anos 1950.

Embora um bom naco da esquerda ocidental não goste disso, os EUA também simbolizam para o mundo, também emanam, o sentido do que é ser democrático. Assim, nesta eleição, está em jogo o que o mundo será nos anos 2020. Se o mundo vai embicar na compreensão de que cuidados com o ambiente, investimento em energia limpa, e atenção com desigualdade são fundamentais para manter a democracia nesta transição da Era Industrial para a Digital — ou se vamos flertar mais e mais com autoritarismos.

Este é um guia sobre como acompanhar, na próxima terça-feira, a eleição americana.

O mapa da noite

A eleição americana não é uma eleição nacional, é um conjunto de eleições estaduais. No Colégio Eleitoral têm assento 538 delegados divididos entre os 50 estados. Como se trata de um país comprido, deitado que está no mapa, ele se estende ao longo de seis fusos horários da Costa Leste até o Havaí, e as urnas vão sendo abertas ao longo da noite. Não varia só pelo fuso — é a lei estadual que rege as eleições, não a nacional. Então em cada lugar é de um jeito diferente. Veja as regras.

A noite vai começar às 19h EST, ou 20h no Brasil. É quando Georgia, Indiana, Kentucky, Carolina do Sul, Vermont e Virgínia fecham suas sessões eleitorais e iniciam oficialmente a contagem. A esta altura as redes já começam a cantar suas previsões. Com exceção de Indiana, os resultados destes estados devem sair rápido, certamente na noite da eleição. E só um destes têm alguma importância. É a Georgia. Tradicionalmente republicano, pode ser que inflexione este ano para os democratas e resulte numa vitória de Biden. Com 16 votos no Colégio, é relevante, embora de forma alguma decisivo.

Às 20h30, no Brasil, vêm Carolina do Norte, Ohio e Virgínia Ocidental. Também estes estados devem apresentar resultados rapidamente. Ohio traz uma expectativa grande. Trump é favorito — mas por um triz. São 18 votos no Colégio. Se Biden leva, a noite começa muito, muito ruim para os republicanos. Não é só pelos votos, é também pela característica demográfica. Serve de indício de que o Cinturão da Ferrugem e parte do Meio Oeste podem ter virado as costas para os republicanos. Porém, se Trump leva, nada de inusitado ocorreu.

É às 21h, no Brasil, que a corrida começa a esquentar. Fecham suas urnas e começam a apresentar resultados o Alabama, Connecticut, Delaware, Washington DC, Flórida, Illinois, Maine, Maryland, Massachusetts, Mississippi, Missouri, New Hampshire, Nova Jersey, Oklahoma, Pensilvânia, Rhode Island, Dakota do Sul e Tennessee. A Costa Leste.

Flórida e Pensilvânia são decisivos e estão rachados, de acordo com as pesquisas. A legislação da Flórida faz com que a contagem das cédulas que chegam antecipadamente ocorra desde antes — isto quer dizer que, fora a possibilidade de um resultado muito apertado como aconteceu em 2000, o vencedor deve ser anunciado cedo. Se Trump perder ali ficará também muito difícil para ele. Se vencer, continua no jogo.

Se nos vários estados apertados Biden não for capaz de abrir vantagem e Trump seguir levando, o pleito deverá ser decidido na Pensilvânia. Se Flórida e Ohio, por exemplo, se tornarem democrata, a Pensilvânia se torna menos importante para que o vice de Barack Obama alcance os 270 votos no Colégio — metade mais um. Em caso contrário, a batalha na Pensilvânia será voto a voto, numa contagem lenta por conta de regras eleitorais confusas.

Neste caso a briga vai madrugada adentro. A não ser, claro, que os democratas consigam conquistar a quimera que buscam já há muitos ciclos: o Texas. Lá, as urnas fecham 22h e os resultados saem ainda durante a noite. Donald Trump é favorito. Mas a quantidade de eleitores que votaram antecipadamente é tão grande, as mudanças demográficas no estado tão profundas, que não é impossível uma vitória de Biden. É, porém, difícil.

O cenário do pesadelo é um no qual a eleição dependa mesmo da Pensilvânia. Aí a contagem pode virar uma de dias, se ficar muito apertado vira briga de impugnar cédulas, sobre critério de que voto vale ou não e chega à Suprema Corte. Pode durar semanas ou mesmo mais de mês. Só os muito pessimistas acham que chegará a tanto. Mas nunca os dois partidos puseram tantos advogados neste jogo como em 2020.

Onde assistir

Tradicionalmente, para quem entende inglês, só havia no Brasil um ou dois jeitos de assistir à apuração das eleições americanas — era através da CNN ou, quando disponível, pelo viés republicano da FoxNews. Fora isso, só com a mediação de jornalistas brasileiros. Mas, com brasileiros, há uma perda importante. E nada contra — cá este texto é escrito por um jornalista brasileiro. É só que o jornalismo televisivo americano tem uma longa tradição de cobertura política e muita qualidade. Nas principais redes há alguns jornalistas particularmente sofisticados, eruditos, que conhecem tanto a história eleitoral do país quanto têm experiência de cobertura para guiar quem assiste e ajudar na interpretação do que está acontecendo.

Pois este ano vai ser diferente. Teremos, no Brasil, como assistir a esta televisão. Inúmeras afiliadas das três grandes redes — NBC, ABC e CBS — têm streaming ao vivo no YouTube e, portanto, vai ser possível ver o mesmo que os americanos vêem. E, das três redes, pelo menos as duas primeiras fazem uma cobertura melhor do que a da CNN. E, assim, vale prestar atenção em algumas pessoas.

Algumas possibilidades: NBC, ABC e CBS. Mas buscas pelo nome da rede acompanhado das palavras live e streaming, no YouTube, levará a outras possibilidades.

NBC

Chuck Todd: Todd é âncora do programa Meet the Press — uma instituição americana. Está no ar desde 1947, uma mesa redonda dominical em que, após entrevistas, um grupo de jornalistas dos principais veículos debate os temas da semana. Aos 48, Todd é do tipo que devora papers de cientistas políticos assim como conhece no detalhe a política regional de inúmeros estados. Como a cobertura do resultado eleitoral é, na verdade, uma sequência de eleições estaduais que vão sendo divulgadas ao longo da noite, este tipo de conhecimento permite a Todd trazer um nível de contexto fundamental para compreender o que está em jogo.

Rachel Maddow: Se a FoxNews é, na essência, o canal noticioso dos americanos conservadores, há um voltado para os progressistas — é a MSNBC. Nasceu de uma inusitada parceria entre Microsoft e NBC, mas se transformou com os anos. Maddow é sua estrela — é uma comentarista divertida e em quem vale prestar atenção por uma razão em essência. Ela representa a voz do mainstream do Partido Democrata.

Tom Brokaw: Não é certo que Brokaw esteja no ar — ele tem 80 anos. Mas sempre esteve em todas as coberturas eleitorais da NBC desde 1960. É um veterano da TV americana inicial, um sujeito da velha escola. E para alguém que já estava na profissão quando John Kennedy foi assassinado, tem sempre histórias para contar naqueles momentos em que, inevitavelmente, não há notícia e se espera pela virada da nova hora para novos resultados saírem.

ABC

George Stephanopoulos: Poucas histórias de reinvenção de carreira são tão interessantes quanto a de Stephanopoulos — aos 30, chefiou com James Carville a equipe de estratégia eleitoral que levou Bill Clinton à presidência. Hoje, aos 60, com a experiência de quem viveu intensamente o outro lado, traz o ângulo de quem conhece por dentro campanhas eleitorais.

Nate Silver: Tendo começado como comentarista do blog DailyKos ainda no período imediatamente pós-Onze de Setembro, Silver se tornou o mais importante analista de estatísticas eleitorais americano. Hoje ele se divide entre seu veículo, o FiveThirtyEight, e comentarista da ABC. Não há, na imprensa americana, quem leia e traduza melhor o que os números querem dizer do que Nate e seu time. E isto não vale apenas de pesquisa em pesquisa — durante a apuração, conforme a contagem de condado em condado vai aparecendo, ele é capaz de traduzir que tipo de tendência aquilo indica.

Mas não é preciso assistir à ABC para ter esta informação — Nate e seu time — excelente — fazem um live blog no site.

CBS

Das três redes, curiosamente, a CBS é hoje a que tem o pior time. É curioso por ser a mais antiga e tradicional. Foi casa, nos tempos do rádio, de Edward Murrow — personagem do excelente filme Boa Noite e Boa Sorte (trailer) —, aí, no princípio da TV, daquele que foi o inventor da figura do âncora televisivo, Walter Cronkite. Na sequência seu substituto foi um dos mais agressivos entrevistadores que o jornalismo televisivo americano apresentou, Dan Rather. Jornalista que enfrentava presidentes com perguntas duras e ao vivo. Mas há um erudito por ouvir.

John Dickerson: Hoje entrevistador do tradicionalíssimo 60 Minutes, renovado pelos podcasts, não há jornalista que conheça mais a história das campanhas eleitorais americanas do que Dickerson. Daquelas no século 18 quando competiam figuras como John Adams e Thomas Jefferson, passando por todas do século 19. Da influência do surgimento dos trens no processo eleitoral, do telégrafo, dos jornais, do rádio — da internet. Das redes sociais. Não é a melhor rede de TV. Mas Dickerson conhece como poucos.

Por Pedro Doria

China e as metas para zerar a emissão de carbono

Só neste mês, mais dois países se comprometeram a zerar suas emissões de carbono. Coreia do Sul e Japão querem alcançar essa meta até 2050. Eles se juntam a vários outros, como a União Europeia, Chile e Uruguai. Mas o anúncio mais importante ficou por conta da China. Em setembro, o presidente Xi Jinping disse na ONU que o país vai neutralizar suas emissões até 2060.

Esse é o maior compromisso climático assumido por qualquer nação. Não é por menos. A China é responsável por 28% das emissões mundiais de gases de efeito estufa — mais do que os EUA e a União Europeia juntos. Se a meta for alcançada, tem potencial de reduzir as projeções de aquecimento mundial em cerca de 0,2-0,3°C. E ainda provavelmente levará outros países a reduzirem suas emissões, mesmo que não implementem novas políticas climáticas, de acordo com um estudo da Cambridge Econometrics.

O motivo é simples: ao mesmo tempo que é a China é o maior investidor e o que mais queima carvão no mundo, também lidera em energias renováveis. Um em cada três painéis solares e turbinas eólicas do mundo está no país. E representa quase metade dos carros elétricos mundiais. Os seus investimentos nessas alternativas mais sustentáveis já ajudaram a reduzir os custos e os tornaram mais similares aos dos sistemas com combustíveis fósseis.

O caminho, no entanto, vai ser longo. Vai ter que diminuir suas emissões em 90%. A China não detalhou qual será a estratégia, mas os especialistas apontam que o primeiro passo deverá ser a sua transição energética. Mais de 60% de sua energia vem de combustíveis fósseis.

As metas dos países para alcançar carbono zero até a metade do século é essencial, mas ainda não é suficiente. O carbono acumulado durante todo esse tempo também é um problema. Os críticos ao plano da China apontam que o país, como todos os outros, também precisam investir em tecnologias de captação de carbono e ainda levar em conta a emissão de outros gases do efeito estufa, como o metano.

A decisão, no entanto, mostra que esses países já se preparam para um mundo onde a questão climática cada vez mais estará ligada à econômica. A UE e os EUA já começaram a discutir implementação de impostos sobre produtos de indústrias intensivas em carbono. A Comissão de Transições de Energia prevê que todos os setores nas economias desenvolvidas podem zerar suas emissões até 2050 - e nos países em desenvolvimento até 2060. Isso sem a necessidade de depender de compensações compradas em outro lugar.

E o Brasil? Por enquanto, o país não tem meta para zerar as emissões de carbono. No Acordo de Paris, se comprometeu a reduzir em 43% até 2030, com a recuperação do equivalente a 11 milhões de campos de futebol de terras devastadas. Mas em recente plano econômico para o período de 2020 a 2031, o governo não definiu nenhuma medida para combater o desmatamento, que este ano tem batido recorde no Pantanal e Amazônia. Ainda tem projetos polêmicos de realizar mineração em terras indígenas. Diferente da China, a grande emissão do Brasil não está tanto na energia. Quase dois terços das emissões estão associadas a setores extrativistas que contribuem com apenas 1% do PIB.

Imagens da poluição na China.

Todos os países que já definiram metas para zerar a emissão.

E o Butão, um dos únicos países negativos em carbono.

Por Érica Carnevalli

Facebook e a seção 230

Um detalhe importante quase passou despercebido, esta semana, durante os depoimentos dos CEOs das Big Tech no Congresso Americano. O objetivo da conversa era discutir possíveis mudanças no artigo 230 do Ato pela Decência nas Comunicações (CDA, na sigla em inglês). É o artigo que define que plataformas não têm responsabilidade pelo que seus usuários postam. Sundar Pichai, do Google, fez um alerta ponderado, disse que devemos ser muito cuidadosos sobre qualquer mudança que seja feita. Jack Dorsey, com barba cada dia maior, foi direto: “Mexer nos fundamentos da lei irá não só colapsar a forma como nos comunicamos nas redes, como também irá impedir os moderadores do Twitter de tornar o site um ambiente mais seguro e saudável para seus usuários.”

Já o Facebook foi pelo outro caminho: “O debate sobre a seção 230 mostra que as pessoas de todas as tendências políticas estão insatisfeitas com o status quo. As pessoas querem que as empresas se responsabilizem por combater conteúdo nocivo em suas plataformas. Elas querem saber que, quando o conteúdo foi removido, foi por uma decisão justa e transparente. E querem que as plataformas tenham de responder por suas razões. Mudar é uma decisão importante. Mas acredito que o Congresso deve atualizar a lei”, disse Mark Zuckerberg na abertura de seu depoimento.

Por trás do novo posicionamento está o fato de que o Facebook hoje está bem posicionado para ser forçado a moderar seu conteúdo. A empresa já conta com equipes de moderadores e tem lobby suficiente em Washington para usar as novas regulamentações como barreira de entrada contra novos competidores. Como explica Mike Masnick, em sua coluna no Tech Dirt: “O Facebook acabou de jogar a Internet aberta ladeira abaixo. Ele pode arcar com todos os custos de se adequar às novas leis e regulamentações. As startups que um dia poderiam gerar disrrupção no Facebook vão ter uma vida muito mais difícil.”

Não deixa de ser irônico que, enfiada no meio de uma das leis mais odiadas pelos pioneiros da Internet, tenha ficado este pequeno artigo que hoje é considerado como um dos documentos fundadores da Internet como a conhecemos. A promulgação do CDA, em 1996, por Bill Clinton, levou John Perry Barlow, um dos fundadores da ONG Electronic Frontier Foundation, a escrever a Declaração de Independência do Ciberespaço. Hoje a mesma EFF diz que a seção 230 é a mais importante legislação na proteção da liberdade de expressão na Internet. Pois é ela que permite, por exemplo, que um site de um jornal possa ter uma área de comentários sem o risco de ser responsabilizado por algo que um dos usuários escreveu. Sem ela, só as grandes plataformas vão poder oferecer espaços públicos para discussão. Em vez de resolver o problema, corremos o risco de aumentar a concentração nas plataformas atuais.

Essa discussão vai definir o futuro da Internet que teremos pela próxima década.

Por Vitor Conceição

E as mais clicadas da semana:

1. O Globo: Motos elétricas, infláveis, que cabem na mochila.

2. Instituto T&E: Estréia do Documentário: A Verdade da Mentira.

3. Space.com: Uma linha do tempo da exploração humana na Lua.

4. Panelinha: Como congelar um refogado de cebola e alho.

5. Instagram: A modelo plus size inglesa Nyome Nicholas-Williams que fez o Instagram mudar sua política sobre fotos de seios.

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