Prezadas leitoras, caros leitores —
Pois é, o velho Jair Bolsonaro aflorou esta semana no ataque à vacina sendo estudada pelo centenário Instituto Butantan de São Paulo. É por ela ter origem chinesa e porque o centro de pesquisa é do governo estadual, do adversário João Doria. Mas o presidente já vem estimulando este espírito antivacina faz algum tempo.
Não é só no Brasil. Desde que a respeitada revista científica Lancet publicou um estudo que se mostrou fraudado traçando um elo entre a vacina tríplice viral e o autismo, em 1998, vem crescendo no mundo um movimento antivacina. Ele encontra berço, seguindo raciocínios distintos, em comunidades de esquerda e de direita. E, perante a pandemia, é um problema da mais alta gravidade. Uma pesquisa no Reino Unido revelou que 14% da população se recusará a tomar a vacina contra Covid-19. Inclua na lista os que têm dúvidas e chega a um terço da população.
Cada vacina tem sua taxa de eficiência e estas iniciais contra o novo coronavírus talvez não sejam das mais eficientes. Se um naco tão grande da sociedade não se imunizar, a pandemia segue. A cultura antivacina, que já trouxe o sarampo de volta, pode se mostrar o mais assassino dos traços do anticientificismo do momento atual.
A edição deste sábado do Meio vai buscar compreender este universo antivacina. Suas tribos, suas crenças, os discursos que funcionam em seu combate. O que cada um pode dizer. O que governos deveriam fazer.
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— Os editores
Bolsonaro radicaliza discurso antivacina
O presidente Jair Bolsonaro radicalizou seu discurso contra a vacina sendo desenvolvida pelo Instituto Butantan de São Paulo em parceria com o laboratório chinês Sinovac Biotech, a Coronavac, contra Covid-19. Ele afirmou que ela não será adquirida pelo governo federal nem no caso de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, a autorizar. “A da China nós não compraremos, é decisão minha”, afirmou o presidente em entrevista à rádio Jovem Pan. “Não acredito que ela transmita segurança suficiente para a população. Tenho certeza que outras vacinas que estão em estudo poderão ser comprovadas cientificamente, não sei quando, pode durar anos. A China, lamentavelmente, já existe um descrédito muito grande por parte da população, até porque, como muitos dizem, esse vírus teria nascido por lá.” (JovemPan)
É mais grave do que isso. O governo federal pode propositalmente estar dificultando os testes e a produção da vacina. O Butantan requereu autorização especial à Anvisa para importação imediata de matéria-prima da CoronaVac no Brasil. A agência ainda não liberou, sequer deliberou sobre o tema. “Normalmente esse tipo de pedido tramita muito rapidamente em dez dias”, afirma Dimas Covas, diretor do instituto. “Nós obtivemos uma resposta solicitando informações adicionais, portanto já quase 30 dias após o pedido inicial e uma previsão de que o assunto será deliberado agora no início de novembro.” A resposta só veio ontem. (G1)
Pois é... O desgaste ao qual o presidente submeteu o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, incomodou militares. Bolsonaro sabia que um protocolo de compra da vacina seria autorizado, voltou atrás quando os radicais das redes protestaram, e jogou a culpa no ministro. Pazuello é general da ativa e, nas Forças Armadas, conta Andréia Sadi, há desejo de que ele passe à reserva para evitar piora de imagem da instituição. (G1)
General Eduardo Pazuello, durante a live de quinta: “Senhores, é simples assim: um manda e o outro obedece. Mas a gente tem um carinho, entendeu? Dá para desenrolar, dá para desenrolar.” (G1)
O combate aos incêndios ambientais pelo país, incluindo no Pantanal e na Amazônia, foi paralisado. A ordem foi do Ibama. Seu comando afirma que está sem recursos para pagar o combate desde setembro e já acumula R$ 19 milhões em pagamentos atrasados. O Ministério da Economia foi alertado no mês passado, mas não liberou o dinheiro. Com a decisão do Ibama, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, ofereceu ao órgão R$ 30 milhões de sua pasta. (Globo)
A história é complicada e não bate. O Tesouro, por exemplo, afirma que não há qualquer contingenciamento e o Ibama não tem valores bloqueados. (Metrópoles)
O vice-presidente Hamilton Mourão, responsável pelo Conselho da Amazônia, se irritou com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Considerou que por trás há da parte de Salles uma medição de forças, conta Bela Megale. O ministro se percebe protegido pelo presidente. (Globo)
Salles respondeu. Via Twitter. Mas não a Mourão — a outro general, ao ministro Luiz Eduardo Ramos. “Não estiquei a corda com ninguém. Tenho enorme respeito e apreço pela instituição militar. Atuo da forma que entendo correto. Chega dessa postura de #mariafofoca.” Depois voltou atrás e apagou o tuíte. Mas a imagem ficou registrada. (Poder360)
Então... O número de focos de incêndio registrados na Amazônia de janeiro a setembro deste ano foi o maior desde 2010. E só nos primeiros 14 dias deste mês, o Pantanal acumula 2.536 focos de incêndio — já é maior do que o número de focos registrados em setembro e é o segundo pior outubro da história. (G1)
O Datafolha publicou ontem quatro novas pesquisas. (Folha)
São Paulo: O prefeito Bruno Covas (PSDB) assume a liderança com 23%, seguido de Celso Russomano (Republicanos) com 20%. Guilherme Boulos (PSOL) tem 14%. Márcio França (PSB) chega em quarto, 10%. Como a margem de erro é de três pontos percentuais, Covas e Russomano estão tecnicamente empatados. Russomano e Boulos, também. E Boulos com França.
Rio de Janeiro: O ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) mantém a distância à frente com 28%, mas a disputa do segundo turno embolou. O atual prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) e a Delegada Martha Rocha (PDT) empatam em 13%, com Benedita da Silva (PT) logo em seguida, 10%. A margem de erro também é de três pontos percentuais. Os três estão em empate técnico.
Belo Horizonte: Com 60%, tudo indica que o prefeito Alexandre Kalil (PSD) deve vencer tranquilo no primeiro turno.
Recife: João Campos (PSB) segue na liderança com 31%, sua prima Marília Arraes (PT) é a segunda colocada com 18%. A Delegada Patrícia (Podemos) tem 16% e Mendonça Filho (DEM), 15%. Estão tecnicamente empatados.
Viver
O país registrou 503 mortes pela Covid-19 nas últimas 24 horas, chegando ao total de 155.962 óbitos desde o começo da pandemia. Com isso, a média móvel de mortes nos últimos 7 dias foi de 493, voltando a ficar abaixo da marca de 500 e indicando uma variação de -19% em comparação aos dados de 14 dias atrás. O dado volta a apontar tendência de queda nas mortes. Em casos confirmados, desde o começo da pandemia 5.325.682 brasileiros já tiveram ou têm o novo coronavírus, com 25.033 desses confirmados no último dia.
Os casos notificados de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) no Brasil estão em queda, mas todas as regiões do país ainda estão na zona de risco, segundo a Fiocruz, e o número de ocorrências de casos semanais continua classificada como “muito alta” pro que é esperada nesta época do ano. E em ocorrência de mortes, a região Sul é a única que não se enquadra nessa categoria.
O Brasil é o segundo país do mundo que mais aceitaria a vacina. 85,3% dos brasileiros estão dispostos a se vacinar, segundo a revista Nature. Só fica atrás da China, onde chega a 88,6%. Os russos são os mais resistentes do mundo, apenas 55%. E no geral, 71,5% dos entrevistados disseram que teriam muita ou alguma probabilidade de tomar uma vacina.
Nos EUA, o remdesivir se tornou o 1º remédio autorizado para tratar Covid-19 no país. As mortes voltaram a ficar acima de mil por dia. Ontem foram registradas 1.124 mortes, o maior número diário de óbitos em mais de um mês.
Mas na Europa, a segunda onda não seria tão mortal quanto a primeira. A chance de sobreviver à Covid-19 por pelo menos 28 dias na UTI aumentou de 61% para 72% entre as duas ondas no Reino Unido. A queda é vista em todas as idades, embora sejam maiores entre os pacientes com menos de 70 anos. Os especialistas acreditam que as melhorias no tratamento estão começando a dar mais resultados, particularmente com o dexametasona, um esteroide forte usado para evitar que o sistema imune atue de forma a piorar a situação. (Telegraph)
As mulheres, no entanto, entre 50 e 60 anos, correm duas vezes mais riscos de apresentar sintomas por mais de um mês do que os homens. A partir dos 60 anos, o nível de risco se torna mais semelhante entre os sexos, com 22% das pessoas com mais de 70 anos apresentando sintomas por quatro semanas ou mais. (Guardian)
Sobre a volta às aulas… Estudos na Europa têm apontado que a reabertura das escolas não têm relação com a segunda onda de casos na região. As escolas têm seguido medidas preventivas, como uso de máscaras, turmas pequenas e testes recorrentes. (Financial Times)
Em São Paulo, censo apontou que cerca de 13% de professores, funcionários e alunos das escolas municipais da capital já foram contaminados. As aulas presenciais vão retornar no dia 3 de novembro, apenas para o Ensino Médio.
Hoje Pelé faz 80 anos. Poderíamos selecionar um lance. Escolher um flagrante. Talvez escolher um só gol. Preferimos, porém, passar a palavra a um jornalista que tem particular sensibilidade para futebol assim como entende de Brasil.
Sérgio Rodrigues: “Se é inegável que ele foi uma inspiração poderosa para milhões de negros em todo o planeta, sua postura conciliadora em tais questões entra em conflito com a doutrina antirracista contemporânea. Por outro lado, sendo um preto retinto de sucesso avassalador num país dominado pelas cepas mais covardes do racismo, passou a carreira desagradando secretamente a muita gente. Que ninguém tenha dúvida: há na relativa falta de carinho público que o cerca na velhice uma boa dosagem de vingança. De resto, eleger ídolos e celebrá-los é uma forma que as nações encontram de se construírem — e no Brasil de hoje têm predominado os que não querem construir nada. Obcecado pela autodestruição, o país vai despencando reto na tabela do campeonato das nações, sob qualquer critério de desenvolvimento que se use — econômico, social, humano, ambiental e, sim, esportivo também. Em chamas, em cinzas, o Brasil quebrou o espelho. Um mito como Pelé, símbolo do potencial que temos (tínhamos?) para construir um país brilhante, altivo e vitorioso, não cabe muito bem aqui. Perdão, Rei. Feliz aniversário, e obrigado por tudo.” (Folha)
Cultura
Programação cultural pro fim de semana. O festival Afropunk, que reúne jovens artistas negros do mundo todo, comemora 15 anos de hoje a domingo em uma edição online. O line-up traz diversos artistas brasileiros, como os baianos do Afrocidade, ÀTTØØXXÁ e a cantora Larissa Luz. O primeiro Afropunk do Brasil aconteceria neste ano em Salvador, mas foi adiado em função da pandemia. O Núcleo Negro de Pesquisa e Criação adaptou a peça Fala das Profundezas, que não pôde estrear nos palcos, para formato radiofônico, que será disponibilizado no sábado, às 21h. O espetáculo escrito e dirigido por Gabriel Cândido aborda temas como o racismo estrutural e a exploração capitalista. O encenador e dramaturgo José Fernando Peixoto de Azevedo e a atriz e pesquisadora Soraya Martins conversam sobre crítica na arte negra no próximo Terças Crespas, transmitido na página da Cia. Os Crespos no Instagram.
No sábado, o Sampa Jazz Fest leva ao YouTube workshops do baixista Michael League (da banda Snarky Puppy) e do guitarrista Kurt Rosenwinkel, além de shows de Bixiga 70, Anna Setton e o duo Salomão Soares e Vanessa Moreno. Começa nesse domingo a Bienal Internacional de Música Eletroacústica de São Paulo, que chega online à 13ª edição. O programa dos concertos reflete a história e o presente do Studio PANaroma, criado pelo compositor Flo Menezes, organizador da Bimesp, nos anos 90.
Andreia Horta, Bianca Comparato, Débora Falabella e Mariana Ximenes estão no elenco de Cara Palavra, misto de sarau e performance online que estreia amanhã pelo Teatro Porto Seguro. Inspirado no ensaio O Fogo e o Relato, do filósofo Giorgio Agamben, o diretor e dramaturgo Diogo Liberano realiza performance homônima amanhã em seu perfil no Instagram.
Para interpretar o Concerto nº 5 para Piano e Orquestra, o Imperador de Beethoven, a Orquestra Ouro Preto convida Cristian Budu em apresentação a ser transmitida nesse sábado direto do Sesc Palladium, em Belo Horizonte.
Na quarta, o Sesc Paraty transmite em suas redes uma conversa entre o ativista e intelectual indígena Ailton Krenak e o escritor Itamar Vieira Júnior. Para mais dicas culturais, assine a newsletter da Bravo.
Cotidiano Digital
Uber e Lyft perderam ontem uma briga na Corte de Apelações de San Francisco: o juiz reafirmou que, pela legislação atual da Califórnia, as empresas devem estender a seus motoristas direitos trabalhistas dentro das fronteiras do estado. Mas a decisão não tem efeito imediato. Junto à eleição presidencial, no próximo dia 3, os californianos votarão em plebiscito se acatam a Proposição 22 na cédula, uma proposta de lei popular que restaura a condição de terceirizados para aqueles que trabalham convocados via aplicativos.