Edição de Sábado: E se as escolas reabrirem?

O ano é 2020. Primeiro foram as máscaras — não eram recomendadas no começo da pandemia. Depois vieram as lives, as grandes doações, os vídeos de celebridades unidas contra o coronavírus, as festinhas pelo Zoom, o espírito solidário. Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos. Daí vieram os protocolos do ‘novo normal’, ou a primavera da esperança de que seriam respeitados. Agora são as escolas e suas tentativas de retomada em meio à incerteza de um mundo que, sem vacinação em massa, não tem todas as respostas. O ano é 2020. E não é só no Brasil. As coisas, as pessoas, os dados, as curvas, as prioridades, as políticas mudam muito em meio à pandemia do novo coronavírus.

Na última segunda-feira, o guia sobre a retomada das aulas e a reabertura de escolas ao redor do mundo foi atualizado pela Organização Mundial da Saúde, junto com o Fundo das Nações Unidas para a Infância e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura. As instituições reconhecem que existe uma limitação de informação sobre o assunto, já que muitos locais fecharam as escolas neste período. Ou seja, os dados sobre transmissão entre crianças e funcionários em ambientes educacionais ainda são limitados. Apesar disso, considera que, no geral, “a maioria das evidências de países que reabriram os centros educacionais, ou nunca os fecharam, sugerem que as escolas não foram associadas a aumentos na transmissão na comunidade”. Segundo o documento, a suspensão de atividades presenciais só deve ser considerada pelos locais que não podem operar com segurança e não têm alternativas. O manual sugere um plano detalhado de medidas preventivas que inclui distanciamento social, limitação do número de pessoas — com modificações de horários e revezamentos de turmas —, uso de máscaras, estratégias de ventilação adequadas, gestão de alunos e funcionários doentes.

Mas o ano é 2020. Ontem, 18 de setembro, foram confirmados 13,2 mil casos na França nas últimas 24 horas. É o maior número desde o fim do confinamento, em meados de maio. O total de mortes, 123 nas últimas 24 horas, também é o maior desde o término do lockdown. Desde o início do ano letivo na França, em 1° de setembro, mais de 2,1 mil salas de aulas e cerca de 80 escolas foram fechadas devido ao surgimento de novos casos de Covid-19 entre alunos. O governo pondera que esse número representa apenas 0,13% dos cerca de 60 mil estabelecimentos escolares do país. No intervalo de uma semana, foram contabilizados 1,2 mil diagnósticos entre alunos, disse na quarta-feira o ministro francês da Educação, Jean-Michel Blanquer. É um alerta geral na Europa. Os novos casos na Alemanha subiram em mais de 2 mil na sexta-feira, o maior aumento desde o final de abril. A média de casos diários no Reino Unido ficou acima 3,3 mil na última semana, o que coloca as infecções no maior nível desde maio. Em Israel, as aulas foram retomadas em maio em todas as escolas, de uma só vez. Sem formação de bolhas nas quais os estudantes convivem com um número restrito de colegas e sem fiscalização do uso das máscaras ou distanciamento. O resultado: aumento do contágio em questão de dias e recuo do governo.

Pesquisas extensas indicam que crianças correm um risco relativamente baixo de desenvolver casos graves de Covid-19, mas um novo relatório da Academia Americana de Pediatria indica que os casos cumulativos nos Estados Unidos dobraram no último mês — de 200.000 para mais de 406.000 entre 9 de julho e 13 de agosto. A reabertura física de escolas pode acelerar esse aumento estimulando a disseminação entre adultos.

Segundo um levantamento do New York Times, faculdades e universidades americanas registraram mais de 36 mil casos de coronavírus, elevando o total de infecções nos campi para 88 mil desde o início da pandemia. Nem todos esses casos são novos, e o aumento se deve em parte a uma testagem maior. Mas o levantamento com 1,6 mil instituições também mostra como o contágio se espalhou, com escolas de todos os tipos e tamanhos, e em todos os estados. Especialistas em saúde pública dizem que o número crescente também revela um novo lado da pandemia: faculdades e universidades se tornaram, como uma categoria, pontos de transmissão do vírus, assim como hospitais e asilos no início do ano. Alguns especialistas sugerem que muito do que as escolas americanas estão planejando para o outono, como verificar os sintomas dos alunos antes de embarcarem nos ônibus, é desnecessário. Como o ‘teatro de segurança’ após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 — reconfortante, mas superficial.

Mesmo que as escolas já tenham começado a reabrir em outros países, o debate sobre se os alunos devem estar fisicamente presentes nas salas de aula segue intenso. Na América Latina, região já atrasada na educação, o fechamento de escolas afetou cerca de 166 milhões de estudantes. Uruguai, México, Colômbia e Chile são citados pelo Banco Mundial como exemplos de países latino-americanos que conseguiram aplicar estratégias bem-sucedidas, através da tecnologia, de ensino à distância. Mas quer as crianças frequentem as salas de aula ou aprendam remotamente em casa, cada opção acarreta danos. A dependência prolongada de aprendizagem virtual, por si só, pode interromper o desenvolvimento educacional e social de uma criança.

O ano é 2020, mas vamos voltar no tempo. No final do século 19, a tuberculose era devastadora e muitos anos se passaram antes que a vacina, feita em 1921, fosse amplamente adotada no mundo. Para proteger as crianças nas escolas, uma solução foi usar os espaços abertos como salas de aula: com lousas e carteiras portáteis, alunos e professores ocupavam jardins e usavam a observação da natureza para aprender ciências, artes ou geografia, por exemplo. As chamadas escolas ao ar livre surgiram na Alemanha e na Bélgica em 1904, e o movimento avançou. Nos Estados Unidos, em 1907, dois médicos de Rhode Island sugeriram a abertura de escolas em áreas abertas. A ideia também foi incorporada no Brasil, mas os registros sobre o assunto são poucos. O pesquisador André Dalben encontrou histórias sobre escolas desse tipo a partir de 1916 em Campos de Goytacazes, Angra dos Reis e Manaus e, posteriormente, a chamada Escola Débeis, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, entre 1927 e 1930. Um dos programas mais duradouros foi o da Escola de Aplicação ao Ar Livre (EAAL), que funcionava no Parque da Água Branca, Zona Oeste de São Paulo, de 1939 a 1950, quando se mudou para um prédio próximo, no Bairro da Lapa. A EAAL foi estudada por André Dalben, hoje professor da Unifesp, em seu pós-doutorado na PUC-SP.

No Brasil, apenas dois estados, Amazonas e Pará, liberaram a reabertura das escolas particulares em todos os municípios. Outros cinco estados liberaram em parte deles. Na rede pública, o retorno tem sido mais lento. Em São Paulo, 20% dos municípios retomaram as aulas nas escolas para reforço e acolhimento de alunos. A volta definitiva deverá ocorrer em 7 de outubro. No Rio de Janeiro, onde a retomada das escolas particulares se tornou uma disputa judicial sem uma volta definida, a previsão é 5 de outubro. Outros nove estados estão realizando planos de retomada, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Educação. O Rio Grande do Norte foi o único que decidiu: ensino presencial só ano que vem. Em Manaus, primeira cidade no país a reabrir escolas públicas e privadas, o exemplo não é bom. Três semanas após o retorno das aulas presenciais na rede pública, 7,6% dos profissionais de educação testaram positivo para o novo coronavírus. Há mais de um mês funcionando, professores só têm acesso a testes rápidos. Além da falta de álcool em gel, fiscalização de máscaras e controle de aglomerações. Isso tem assustado os pais: somente 30% dos alunos têm frequentado as escolas, segundo os sindicatos dos professores. Já a Secretaria de Educação afirma que o percentual é de 70%. Mesmo entre as escolas particulares do estado, cerca de 27 mil alunos preferiram continuar apenas com o ensino à distância. Enquanto isso, as 120 escolas particulares classificadas entre as melhores pelo ranking do Enem têm um plano: acolher apenas 30% dos alunos por vez. E o critério, segundo levantamento da revista Veja, ficará por conta dos pais. A realidade é bem diferente dentre as públicas, claro. Sobre aulas realizadas por video em escolas públicas, apenas Salvador, das 27 capitais, usou o recurso no primeiro semestre. Em 14 das 27 capitais, esses alunos ficaram pelo menos 35 dias ou mais sem nenhum tipo de atividade remota.

Além da atmosfera de incerteza, o governo deixou a educação de fora dentre suas políticas de enfrentamento da pandemia. O setor deve perder cerca de R$ 19,1 bilhões neste ano, o equivalente a 7% do orçamento nacional, por conta da queda na arrecadação de impostos. Ao mesmo tempo, o sistema público tem recebido ainda mais alunos que deixam o ensino privado por motivos econômicos. Os efeitos serão sentidos a longo prazo. Esses jovens e crianças da América Latina vão ter uma perda em suas rendas de cerca de US$ 10 mil ao longo de suas vidas como trabalhadores, segundo o Banco Mundial. O Insper estima que cada jovem brasileiro que não concluir o ensino básico gerará uma perda de R$ 372 mil. Além de outros efeitos indiretos, como o aumento da gravidez precoce e maior desemprego entre as mulheres que precisam trabalhar, mas não têm com quem deixar os filhos. E o que diz o presidente brasileiro? Na quinta-feira, em sua live semanal, culpou os sindicatos de professores, “esquerda radical” segundo ele.

O debate está longe de um fim e tem pontos importantes — sobretudo no Brasil, um dos países mais afetados e um dos mais desiguais. Um argumento bastante defendido está na escola como parte da rede de proteção dos alunos. “O fechamento oferece riscos substanciais para as crianças. Não só cognitivos, mas emocionais e de integridade física, moral e psicológica”, diz Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna, que ela fundou há 25 anos com o propósito de melhorar a educação no Brasil. Viviane defende que “as pesquisas, os dados e a experiência em outros países mostram que é seguro reabrir as escolas”.

É preciso colocar esse debate em seu devido lugar, defende Alexandre Schneider, pesquisador visitante e professor adjunto da Universidade Columbia, em Nova York. “Há materiais de proteção individual para alunos e professores na quantidade adequada? Os planos de circulação respeitam protocolos sanitários? Todos os profissionais da escola foram treinados para receber os alunos e trabalhar na nova realidade? Há enfermaria? Há uma unidade básica de saúde de referência? Foram feitas pesquisas com pais, professores e estudantes sobre o retorno? Há plano de comunicação que contemple medidas a serem tomadas em casa e demonstrem que a escola está pronta? Essas questões são mais importantes do que ‘quando voltar’. As aulas não voltarão só depois da vacinação em massa.”

O sofrimento das crianças impedidas de frequentar a escola foi o tema da última coluna de Julián Fuks. “Muitas coisas temos perdido neste país regido pelo constante disparate, e entre elas a capacidade de discutir questões importantes com serenidade, com atenção aos argumentos contrários, sem o impulso de encapsular o outro numa posição que julgamos detestável”. O escritor foi além ao tocar em muitas feridas. “O duro impacto dessa privação geral que impomos aos nossos filhos já dá evidentes sinais. A pandemia tem sido responsável por desapontamentos seriais, por um ciclo interminável de ilusões e desenganos, de esperanças e decepções. Se os adultos já estão abatidos e desnorteados, o que pensar das crianças, com sua vaga compreensão do tempo, com sua impossibilidade de assimilar a fundo a razão dos impedimentos?”

O Brasil tem, segundo a última atualização, mais de 135 mil vidas perdidas na pandemia. O ano é 2020. Tínhamos tudo diante de nós, não havia nada antes de nós.

Por Claudia Castelo Branco e Erica Carnevalli 

A notória RBG

Quando conversava, a juíza Ruth Bader Ginsburg costumava se permitir longas pausas. Em respeito, seus interlocutores calavam e esperavam mas, não raro, demonstrando ansiedade. Uma pessoa assim tão reflexiva poderia passar a impressão de que fazia tudo com cuidado e a necessária lentidão para o capricho. Mas não RBG, como se tornou conhecida. Nos 87 anos que viveu, trabalhou duro, trabalhou muito, produziu como poucas e ao fim pode dizer, na história, que abriu ela própria cada uma das portas pelas quais entrou até a última. A da Suprema Corte americana. RBG morreu ontem à noite, sexta-feira.

Ruth Bader nasceu em plena Depressão, no ano de 1933, de uma família judia pobre de Nova York. Em 1956, foi uma das nove mulheres escolhidas por Harvard para o curso de Direito no primeiro ano em que mulheres foram permitidas. Com muita frequência, a segunda metade do século 20 americano é lembrada pelos grandes avanços nos direitos civis dos descendentes de escravos. Mas não por avanços igualmente importantes na garantia de direitos iguais para mulheres.

De todos os ministros da Corte, nenhum tem no currículo o impacto, advogando, que RBG teve. Nem de perto. Na vida, intercalou gravidez com trabalho. Sendo primeira da turma em Harvard e depois Columbia, lhe negaram empregos nos maiores escritórios — um homem com seu currículo seria disputado com agressivas propostas. Ruth tinha ao lado o marido Marty, também ele um advogado excepcional de Harvard, que em casa jamais se comportou como os homens de sua geração. Ele a incentivou, ficou com os filhos enquanto ela trabalhava, e a convenceu a mergulhar na Cláusula da Proteção Igual.

É uma frase da 14ª emenda à Constituição. “Nenhum estado pode negar a uma pessoa em sua jurisdição proteção igual perante a lei.” O texto já estava assim desde 1868. Mas foi RBG, um caso após o outro, muito lentamente, que convenceu a Suprema Corte de que aquilo queria dizer que não se podia negar legalmente, a mulheres, o que era dado a homens. Praticamente sozinha conseguiu que a lei fosse interpretada a proibir a discriminação por gênero.

Mas ela não começou por mulheres. Antes, demonstrou que não era justo que os maridos de mulheres militares não tivessem os mesmos benefícios garantidos às mulheres de homens militares. Depois, conseguiu provar inconstitucional uma lei de Oklahoma que permitia a venda de cerveja com pouco álcool a mulheres de 18, mas não a homens. Só então começou a demonstrar que também mulheres sofriam discriminação semelhante. Levou à Corte, no total, seis casos de discriminação por gênero. Venceu cinco.

Quando não lhe permitiram advogar mesmo formada, virou professora. Quando lhe negaram um estágio na Suprema Corte, fez-se voluntária numa organização de direitos civis. Viveu com o marido uma história de profundo amor por 46 anos até a morte dele, em 2010. Tiveram dois filhos. Foi nomeada pelo presidente Bill Clinton para a Suprema Corte em 1993 e fez, lá, um de seus maiores amigos para a vida. O também juiz Antonin Scalia, um conservador radical de quem discordou em quase todos os votos e cuja companhia celebrou em inúmeras tardes de trabalho.

A notória RBG morreu pela metástase de câncer pancreático. A ocupação de sua vaga na Corte dominará a eleição presidencial americana.

Por Pedro Doria

A discussão sobre imposto sobre grandes fortunas ganha força

O debate sobre o imposto sobre grandes fortunas (IGF) sempre entra em pauta durante crises. Foi assim em 2008 e é assim agora. A proposta, no entanto, não tem um consenso. E não é tão simples quanto parece.

Logo no começo da pandemia, o FMI aconselhou os países a considerarem taxas sobre a riqueza para cobrir os gastos extras. Alguns já tem caminhado nessa direção: a Argentina apresentou uma nova proposta, o Chile já aprovou uma e Nova Jersey está próximo de se tornar o primeiro estado americano a passar uma taxa sobre as grandes fortunas. A ideia, aliás, faz parte da agenda econômica do candidato democrata, Joe Biden.

Por aqui, um levantamento do Insper mostra que, só em 2020, foram apresentado ao menos 13 projetos de lei sobre o tema, de um total de 37 desde 1989. Esse tipo de imposto é o único dos sete (sobre as importações, as exportações, a renda, os produtos industrializados, as operações financeiras, a propriedade rural e as grandes fortunas) propostos na Constituição que não foi criado até hoje.

O Brasil, como a grande maioria dos países em desenvolvimento, depende mais da tributação do consumo do que da renda. Esta última, de acordo com a ONG Oxfam Brasil, representa 22% da carga tributária no país, contra 40% em países desenvolvidos. Já a tributação indireta (consumo) brasileira chega a quase 50%, enquanto, na OCDE, fica em 33%, na média. Isso tem resultados diretos: os 2% com menor renda do Brasil (pouco mais de R$ 800) contribuem proporcionalmente mais do que os 0,2% de renda mais alta (mais de R$ 375 mil).

Só que, ao longo dos anos, o IGF perdeu espaço nos países ricos. Dos 37 países que fazem parte da OCDE, 12 já tiveram em algum momento essa taxa, mas apenas três mantêm hoje esse tipo de tributação: Espanha, Noruega e Suíça. Na França, esse tipo de tarifação ganhou o apelido de “imposto inglês”, por ter levado a migração de muitos ricos para o Reino Unido. Em vez desse imposto, a maioria desses países adotam outros sobre a propriedade.

Além da fuga de capital, muitos ainda não veem custo-benefício. Em 2016, essas taxas representavam 0,2% do PIB na Espanha e 1,0% na Suíça. Em simulações feitas pelo Instituto Fiscal Independente (IFI) do Senado com alíquotas de 0,5% a 1,5% sobre o patrimônio líquido, atingiria 67 mil milionários e levantaria R$ 24 bilhões ao ano, ou próximo de 0,4% do PIB. Pela proposta do Sindifisco, com as alíquotas até 3%, chegaria a R$ 40 bilhões. Os valores são considerados baixos, mas dá para pagar programas como o Bolsa Família (R$ 30 bilhões ao ano) ou o abono salarial (R$ 20 bilhões).

Os defensores da taxa, porém, ressaltam que ela deveria vir junto a reformulação de outros impostos. A cobrança máxima sobre heranças no Brasil, por exemplo, é de 8%, enquanto em lugares como EUA e países europeus chegam a 40%. O ministro Paulo Guedes já disse que as próximas etapas da reforma tributária irão contar com aumento da alíquota do Imposto de Renda de salários mais altos e cortar deduções com educação e saúde. Também estuda incluir a tributação sobre lucros e dividendos. A Estônia é hoje o único país da OCDE que não tem esse tributo, segundo o Ipea.

Mesmo entre milionários esse imposto tem apoio. O movimento Millionaires for Humanity, que inclui a herdeira da Disney, Abigal Disney, pede que líderes adotem a taxa como uma das medidas de recuperação pós-pandemia. Para Dão Real, especialista do Instituto Justiça Fiscal, a aplicação do imposto em vários países no passado, mesmo que desativado depois da crise de 2008, reduziu a desigualdade social.

Por Érica Carnevalli

Monk em Palo Alto

Em 1968 as tensões raciais se espalhavam pelos Estados Unidos. A pequena Palo Alto, que começava a ver o nascimento de uma ainda tímida indústria de tecnologia, era uma cidade majoritariamente branca. Já a cidade vizinha de East Palo Alto era um reduto negro, onde brancos atravessavam apenas de passagem e com receio. Os moradores da área, incomodados com a forma como eram tratados, cogitavam mudar o nome do local para Nairobi, em homenagem às suas raízes africanas. Em meio a este caldeirão, Danny Scher, um estudante de 15 anos da afluente Palo Alto High School, soube que seu ídolo Thelonious Monk daria um show em San Francisco e resolveu convidá-lo para um show beneficente em sua escola. Intrigado com a ideia, o pianista aceitou e Scher partiu para organizar o concerto e vender ingressos. Os primeiros dias de venda não foram animadores. Scher resolveu então imprimir cartazes e espalhar pela vizinha, com o objetivo de transformar o show num evento multiracial. Foi interpelado por dois policiais que recomendaram que ele saísse de lá, “pois era uma região perigosa”. Os moradores estranharam e duvidavam que aquele garoto iria realmente trazer Monk, que na época já era considerado um dos grandes do Jazz, para Palo Alto. “Venha e, se Monk tiver entrado, compre o ingresso”, sugeriu o estudante.

Dois dias antes do show, Scher ligou para Monk para confirmar tudo. O jazzista atendeu o telefone e disse que não se lembrava de ter concordado com nada. Scher respondeu que tinham acordado de voz, que mandou um contrato que nunca foi devolvido assinado, mas que seu agente tinha enviado fotos e material promocional e que estavam divulgando o show. Monk disse que não tinha como estar lá, pois já tinha outro show agendado no mesmo dia em San Francisco. Scher retrucou que justamente por isso o show estava marcado para as duas da tarde e que seu irmão tinha idade para dirigir e iria até o hotel buscar Monk e seu quarteto. E assim foi. O irmão de Scher pegou o carro dos pais emprestado e trouxe o quarteto para Palo Alto com o braço do baixo para fora da janela. E quem viu ele entrando pagou, conforme sugerido.

O show acabou sendo um dos primeiros concertos integrados dos EUA, em que brancos e negros assistiram juntos à performance.

O concerto histórico foi gravado pelo zelador da escola, que deixou a fita com Scher. O registro ficou por anos em um sótão na casa do rapaz, até ser redescoberta recentemente e lançada em disco. Devia ter saído em julho pela Impulse Records, mas uma disputa sobre os direitos autorais adiou a data. Ontem, chegou às plataformas de streaming. Valeu a espera. Monk estava em um bom dia e seu quarteto afiadíssimo.

Ouça: Monk — Live at Palo Alto High School (Spotify)

Veja um mini documentário sobre o show com a participação de Danny Scher e de T.S. Monk, filho de Thelonious. (Youtube)

Ou leia a crítica do disco escrita por Richard Brody. (New Yorker)

Por Vitor Conceição

E fechando com os mais clicados da semana...

1. Far Out: Os 39 filmes estrangeiros favoritos de Marin Scorsese.

2. Youtube: Vênus, o planeta mais próximo da Terra.

3. Uprox: As melhores músicas da semana.

4. Nexo: As queimadas na Amazônia explicadas em 10 pontos.

5. UFSC: Pesquisadora descobre biografia de Dom Pedro II escrita por Machado de Assis.

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