Prezadas leitoras, caros leitores, todos assinantes —

Esta é a última Edição de Sábado de 2019. A próxima será no dia 4 de janeiro.

Não temos palavras para agradecê-los. O Meio, como mais de uma vez repetimos, ter por objetivo recriar o hábito da informação. Acreditamos em jornalismo, em sua importância para a democracia.

Vocês colaboram demais com o projeto.

Pois é: não temos palavras.

Esta é uma edição mais leve para encerrar um ano que foi tão denso. Que 2020 seja melhor.

(E, para os leitores rubro-negros, desejamos boa sorte hoje à tarde. Alguns de nós sequer conseguimos dormir.)

Feliz Natal, próspero Ano Novo.

— Os editores.

Edição de Sábado: Natal, Amálgama de Folclores

Quando começou a anoitecer na Judeia, no dia 17 de junho, ano 2 antes de Cristo, os planetas Júpiter e Vênus se encaixaram muito próximos, com quase grudada Regulus, a mais brilhante das estrelas de Leão. Aí, lentamente, foram se aproximando, e se aproximando — até que, às 20h30, quase que se sobrepuseram os três. Os astrônomos chamam o fenômeno de conjunção — uma tripla conjunção, na qual uma estrela e dois planetas se alinham. Não era um tempo em que havia lentes. Quem tivesse visão perfeita talvez visse que aquele brilho particularmente forte no céu era em verdade três brilhos muito próximos. Com um quê apenas de miopia, o espetáculo se mostraria único. Uma estrela muito forte no céu que se mostrou para depois desaparecer.

Quem sabe, a Estrela de Belém?

Não seria absurdo. Os três reis magos aparecem em apenas um dos Evangelhos, o de São Mateus. No grego em que foi escrito originalmente, o termo é magoi — uma referência a sacerdotes do Zoroastrismo persa. E entre seus estudos havia a preocupação com astrologia, que se confundia com astronomia. Fenômenos celestes como a conjunção lhes chamavam a atenção.

E, no entanto, pode ser apenas mito. Natal, a festa que celebramos nesta semana que entra, é o encontro de inúmeras tradições. Nem a judaica, tampouco a cristã, são as mais remotas. Os zoroastristas aguardavam eles próprios a vinda de um messias, Saoshyant era o termo, que nasceria de uma mãe virgem fecundada por seu Deus e, na Terra, combateria o mal. Os sacerdotes seriam os primeiros a saber reconhece-lo. O mito já circulava na região e é possível que o autor do Evangelho de Mateus o conhecesse e, de lá, tomasse emprestada a história.

Não é unânime. Mas a maior parte dos historiadores que se debruçaram sobre a figura de Jesus Cristo acreditam que o rabino Yeshua bar Yosef viveu, causou impressão entre aqueles com quem conviveu, e morreu em algum ponto da primeira década de 30 da Era Cristã. Não há relato de testemunhos diretos, de gente que o tenha conhecido. Existe, porém, São Paulo. Paulo de Tarso é um personagem histórico que deixou escritos. Se considerava cristão e tinha contato com os apóstolos de Jesus. Com quem, diga-se, manteve pontos de desacordo. Se frequentou várias comunidades cristãs nos anos seguintes à morte do rabino Jesus, filho de José, é porque alguma pessoa com este nome deixou lembranças fortes.

John Dominic Crossan, um dos influentes estudiosos do Jesus histórico, argumenta que a parte final de sua vida é também coerente. Eram de difícil lida para o Império Romano os judeus. Resistiam à assimilação, dados a revoltas populares, abraçavam uma religiosidade intensa. A pior época do ano era a Páscoa, quando a população de Jerusalém triplicava por conta do número de pessoas que vinha ao Templo. Professores, profetas autodeclarados, pregadores de toda sorte faziam parte da fauna. O medo de que um levante explodisse pela mobilização de algum líder mais carismático existia e, sabemos historicamente, ocorreu mais de uma vez. Era, portanto, um período de vigília intensa por parte do governo. Se Yeshua apareceu em Jerusalém na Páscoa, se questionou como muitos questionavam os cambistas de dinheiro à porta do Templo, se pregou e foi ouvido a ponto de levantar alguma preocupação, ser preso e imediatamente executado na cruz era procedimento normal.

Muitos de seus primeiros seguidores por certo testemunharam aquela última semana e talvez estivessem presentes no seder de Pesach, a tradicional refeição com pão ázimo e vinho. Estes mesmos seguidores certamente teriam memória de algumas de suas falas na forma de parábolas, um recurso de ensino comum na cultura judaica. Imaginar que houve uma tradição oral que se espalhou pelas primeiras comunidades cristãs é também razoável. Assim, quando os evangelistas puseram por escrito biografias do rabino, tinham um pacote de histórias no qual se fiar.

Dificilmente, porém, a história de seu nascimento é real. Marcos foi escrito entre 66 e 70 dC. Mateus e Lucas, 85 a 90. E, João, provavelmente já no segundo século. Apenas Mateus e Lucas tratam do nascimento. Só Mateus se refere à estrela e os reis Magos. A Natividade, o Natal, no que trata de Jesus é provavelmente folclore. Ainda assim, nenhum fala de 25 de dezembro — ou qualquer outra data.

Mas tinha início em finais de dezembro uma das mais importantes festas romanas. A Saturnália. Árvores eram decoradas, quem fosse rico tinha o compromisso de exercer caridade com os mais pobres, havia presentes trocados. Marcava o fim da temporada de plantio do outono. É difícil eliminar tradições. Muitos historiadores acreditam que, no momento em que o Império Romano se cristianizou, a Saturnália foi convertida numa festança cristã. Uma celebração do nascimento de Jesus, o Salvador, que já não era fazia muito lembrado como rabino. Pois foi Constantino I, o imperador cristão, quem promoveu este encontro de festas para criar o Natal, após 312 dC.

Judaísmo, Zoroastrismo e romanos numa amálgama folclórica.

Pois, na Europa, já havia outras tradições e folclore não desaparece — se transforma. Tanto vikings quanto celtas tinham também suas festas para o Solstício do Inverno. É o dia do ano em que o Polo Norte está mais distante do Sol e, por isso mesmo, é o dia mais curto e a noite mais longa do Hemisfério Norte. Este ano, cai amanhã, domingo, 22 de dezembro. Escandinavos e povos germânicos festejavam Yule, neste período, uma festa dedicada a Odin, o mais importante Deus de seu panteão. Os celtas celebravam a Mãe Terra. Já era tempo de neve e ambas as culturas levavam pinheiros para dentro de casa. Talvez para celebrar a vida — eram as únicas árvores que se mantinham verdes mesmo no frio extremo. Talvez como lenha para aquecimento. Quando após a Reforma protestante o hábito da árvore de Natal teve início, aquilo era a adaptação de algo que já existia. E, curiosamente, nos tempos mais remotos Odin, sua longa barba branca, presenteava crianças bem-comportadas durante Yule. Ele tinha elfos que trabalhavam fazendo estes presentes

Na Europa latina, os hábitos eram outros. São Francisco de Assis escolheu celebrar o Natal organizando um presépio — representando primeiro como teatro, que depois foi adaptado para esculturas, a cena do nascimento.

É apenas no século 19 que as tradições se encontram. O Natal germânico, com seu pinheiro decorado, e o latino, com seu presépio. O hábito de presentear já estava criado, mas a partir daí algumas pessoas se mostram fundamentais para criar o Natal moderno. O primeiro é Charles Dickens, com seu Uma Canção de Natal — o livro no qual o velho avarento Scrooge é visitado pelos espíritos do Natal ao longo da madrugada. Se tanto falamos do espírito natalino marcado por generosidade, ali está a Saturnália, mas as palavras vêm de Dickens. Da mesma forma, o poema americano anônimo Twas The Ninght Before Christmas consolida a figura do Papai Noel, um misto de Odin do Yule com São Nicolau, que também presenteava. O marido alemão da rainha Vitória levou para a Inglaterra a árvore de Natal, que de lá pulou para os EUA. Aí, no século 20, Hollywood fez sua mágica, uniformizando o jeito de celebrar a festa.

Uma amálgama, uma invenção. É o período do ano em que a economia mais emprega e mais faz girar dinheiro. Coisa do século 20. Uns se queixam de que a data, tornada comercial, abandonou a intenção original. Talvez. Mas há outro jeito de enxergar. Não somos mais uma sociedade agrícola tampouco enxergamos sinais divinos em fenômenos astronômicos. O Solstício de Inverno, porém, era uma celebração que o povo cuja economia se baseava na agricultura fazia para celebrar que havia comida mesmo no inverno. Fartura.

A economia mudou de natureza. Mas a celebração ainda é de fartura.

O marketing tornou o champagne popular

Listas de fim de ano

Fim de ano é época de listas. Selecionamos cá algumas que achamos interessantes:

Leituras para executivos: A IESE, escola de negócios da Universidade de Navarra na Espanha, selecionou as 10 pesquisas acadêmicas que mais geraram interesse dos leitores de seu site este ano.

Enquanto Bloomberg perguntou para grandes empresários e celebridades os seus livros favoritos deste ano.

Já o bom e velho Pitchfork selecionou os melhores livros sobre música de 2019.

Sobre as fotos da década, a Reuters publicou uma série, em duas partes, das mais marcantes.

E na publicidade, as 20 melhores campanhas de 2019, segundo criativos brasileiros.

Para a turma da música eletrônica: A MixMag destacou 72 discos que definiram a evolução do estilo durante a década.

Agora sobre séries e filmes, A Variety selecionou as 25 séries televisivas e os 20 filmes que marcaram a década.

Voltando pra música, os críticos do New York Times escolheram os melhores álbuns e melhores músicas do ano.

Passando pelos estereótipos da internet, a New York Magazine identificou personas online que dominaram as redes sociais em 2019.

Tem também lista com os melhores quadrinhos de 2019. A Marvel figura na primeira posição.

E alguns dos melhores memes da década no Brasil e no mundo.

A macroeconomia de The Expanse

Não é todo dia que um Prêmio Nobel discorre sobre economia de um mundo fictício. Essa semana, Paul Krugman usou sua coluna no NY Times para discutir os desafios econômicos da Terra e de Marte no universo de The Expanse, série de ficção científica cuja quarta temporada acabou de estrear no Amazon Prime Video (Assista).

Paul Krugman: "A Terra está sofrendo com altas taxas de desemprego causadas pela tecnologia. Metade da população do mundo vive de um programa de renda básica. A situação de Marte é um contraste nas primeiras 3 temporadas, uma sociedade mobilizada e de pleno emprego. Onde todos trabalham ou nas forças armadas, ou no grande projeto de terraformação do planeta. Durante a terceira temporada, a guerra fria com a Terra se resolve (em termos gerais) enquanto a protomolécula parece ter aberto um portal que pode dar acesso a centenas de planetas habitáveis, transformando o projeto de terraformação de Marte em algo um tanto inútil. O desemprego explode graças à redução simultânea dos gastos militares e da terraformação. Enquanto isso, alguns ex-militares que não conseguem mais emprego, se voltam para o crime. Pergunto: Se na Terra o desemprego é causado por robôs, o que todos esses marcianos faziam em seus empregos? Ao que parece, o crescimento do desemprego em Marte foi causada por uma estagnação secular, quando o investimento privado é baixo demais para mover a economia. O Japão está sofrendo uma estagnação secular desde os anos 90 e diversos economistas, eu incluso, acreditam que os países desenvolvidos estejam hoje vivendo o mesmo problema. Qual a solução para uma estagnação secular? De acordo com gente como Larry Summers, um grande aumento no investimento público em infraestrutura: estradas, pontes, portos e, se por acaso você vive em um planeta em que não existe ar para respirar, terraformação. Pois é, The Expanse é basicamente uma série sobre a necessidade de se aumentar o investimento público. Bom, e também sobre monstros, tecnologia alienígena e Mórmons espaciais."

Não são só economistas que se sentem atraídos pela série. Dan Drezner, professor de relações internacionais da Tufts University, escreveu em 2017 no Washington Post que The Expanse era a melhor série sobre diplomacia da TV.

A era dos avatares

Celebridades virtuais têm se tornado um negócio lucrativo - e cada vez mais popular. Algo que antes só se via em países asiáticos, tem se espalhado pelo mundo. No YouTube, tem mais de cinco mil canais feitos por youtubers virtuais. Em um mundo de filtros e conteúdo patrocinado, a geração mais nova não os veem como menos "reais" do que os influenciadores que encontram no Instagram. As empresas estão de olho nisso e têm criado os seus próprios artistas. A mais famosa entre elas, Lil Miquela, tem 1,8 milhão de seguidores no Instagram. Celebridades virtuais são só o primeiro passo. À medida que as tecnologias por trás dos avatares se tornam mais baratas e acessíveis, ouvir músicas lançadas por um avatar digital ou interagir com alguém em uma loja ou no local de trabalho, será comum. Em breve, cada um até poderá ter o seu próprio. Reportagem do Financial Times mostra como a era dos avatares já está aqui.

Toni Morrison

Entre as tantas perdas deste ano, está a incomparável Toni Morrison - uma das maiores pensadoras e escritoras de nossa época e a primeira mulher negra a receber o prêmio Nobel de Literatura.

Morrison, sobre como a narrativa é uma ferramenta para saber quem somos e o que queremos.

Os escritores estão entre os artistas mais sensíveis, intelectualmente anárquicos, os mais representativos e mais sondadores. A capacidade do escritor de imaginar o que não é o eu, de familiarizar o estranho e de mistificar o familiar - tudo isso é um tipo de poder. As línguas que usa (imagística, estrutural, narrativa) e o contexto social e histórico em que essas línguas se misturam são revelações diretas e indiretas desse poder e de suas limitações.

Fechando o ano, os mais clicados dessa semana:

1. The Cut: O diretor do Balé Bolshoi diz que a companhia vai continuar usando bailarinos pintados com blackface em sua montagem de La Bayadère.

2. Youtube: Sete aspiradores robóticos, os famosos Roombas, encaram cinco galões de pudim de chocolate espalhados no mesmo espaço.

3. History Lover's Club: Fotos antigas de Will Smith.

4. Twitter: Ministro Ricardo Salles provoca o resultado final da COP25 tuitando uma foto de um naco de carne.

5. Reuters: Melhores fotos do ano segundo a Reuters.

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