O Meio no Google, dia 1: O desafio da concorrência

Não está explícito. Mas, se há uma preocupação por trás de todos os anúncios de produtos que o Google fez ontem, ela é só uma: a concorrência acirrou. É esta angústia que está por trás do inusitado novo smartphone, o Pixel 3a, um celular não-premium com uma câmera melhor do que a da série Galaxy S, da Samsung, assim como do iPhone XS Max. É também o motivo da decisão de renomear sua linha de caixas de som inteligentes. O que antes era chamado Google Home, agora passa a ser Google Home Nest. Estes dois passos mostram um Google mais agressivo, ciente de suas limitações, em busca de furos na estratégia dos adversários. Se as apostas derem certo, 2019 será um ano decisivo na guerra do Vale do Silício.

Talvez seja inusitado falar em concorrência numa indústria que está na mira dos governos americano e europeu por práticas monopolistas. Juntas, Google, Apple, Amazon, Microsoft e Facebook valem bem mais do que US$ 4 trilhões. Nunca houve empresas rondando a faixa do trilhão. A revolução digital criou isso. A sexta maior companhia de capital aberto nos EUA, o grupo financeiro JP Morgan Chase, mal passa dos US$ 350 bilhões. Mas, mesmo neste ambiente de imenso sucesso e grande distância em relação ao resto das empresas, o Google enfrenta barreiras que estão difíceis de romper. Uma das mais notáveis é o tema predominante da conferência Google IO deste ano e foco desta edição especial do Meio: hardware. Como transformar a empresa que já é o maior negócio de publicidade do mundo numa capaz de ser reconhecida pelo excelente maquinário que produz? Qualidade, o Google descobriu, não está bastando. E, por isso, foi preciso rever a estratégia.

“Nosso objetivo sempre foi levar o Pixel à maior quantidade de pessoas possível” explica o paranaense Mário Queiroz, vice-presidente de produtos do Google. É ele o responsável direto pelo smartphone da companhia. Trata-se de um aparelho único, um pequeno milagre de engenharia. Consegue, com uma única câmera, obter resultados que Apple e Samsung não conseguem extrair com duas. A habilidade imbatível do Google com inteligência artificial e big data está por trás disto, como fez questão de ressaltar no palco do Shoreline Amphitheater de Mountain View o CEO Sundar Pichai. Mas, já em sua terceira geração, os celulares Pixel não foram ainda capazes de explodir no mercado. Têm o mesmo nível de qualidade dos melhores, são mais baratos, porém batem num teto intransponível.

Um dos limites é dado, principalmente, pelas bem-sucedidas campanhas de marketing da concorrência, muito mais experiente. A entrada com força das chinesas puxadas pela Huawei, que também produzem excelentes aparelhos de ponta, não ajuda o Google. Fazer hardware e vender em massa não é trivial, uma complexa operação logística que vai muito além da capacidade de criar a tecnologia. Parte do segredo está naquela que é a especialidade de Tim Cook, o CEO da Apple: a cadeia de fornecedores. Cada peça é fabricada num canto, reunir tudo no lugar em que será montado pelo mínimo preço possível, sempre nas quantidades certas, sem que nenhum fluxo seja interrompido, é trabalho muito difícil. Qualquer soluço nesta rede — um só fornecedor que vacile, atrasa numa semana, duas, a produção, os estoques nas lojas caem, e o consumidor, que entrou para comprar um aparelho e não o encontrou, escolhe outro.

(Este é um processo tão delicado, com tantas peças em movimento, que às vezes só o fato de um país utilizar tomadas fora de padrão pode fazer com que uma multinacional escolha não vender seus produtos ali inicialmente. Complicaria em demasiado o fabrico e aumentaria as chances de atrapalhar a cadeia. Sim: este é um ponto fraco do mercado brasileiro.)

Mas é por aí, pela rede de fornecedores, que começou a mudança estratégica do Google. Se não conseguiu romper a barreira dos smartphones premium, decidiu aproveitar-se do que enxergou como um possível erro tático da concorrência. Nos últimos três, quatro anos, puxados pela Apple, os fabricantes de celulares topo de linha começaram a ampliar suas margens de lucro, cobrando cada vez mais pelos produtos até o ponto de cruzar a barreira dos mil dólares, nos EUA. A clientela vem pagando. E paga, principalmente, pela qualidade da câmera.

O Google Pixel 3a, lançado ontem em mercados que vão de EUA e Canadá à Índia, passando pela Europa, custará no modelo mais barato US$ 399. Tem, no entanto, uma tela de alta qualidade que só costuma andar pelos de mil para cima — OLED — e, principalmente, a mesma câmera do Pixel 3. É porque mexeu em sua cadeia de fornecedores, tornando-a mais ágil, que o Google pôde lançar este aparelho. Afinal, nesta faixa de preço o jogo é de venda em volumes muito maiores. Mas fazer barato não foi simples. Nisto, o Google contou com os experientes engenheiros da coreana HTC, cujo braço de desenvolvimento adquiriu em janeiro de 2018.

Se os concorrentes cobram muito caro, em essência, por celulares com câmeras de ponta, como se comportará o mercado da faixa mediana se tiver a possibilidade de comprar um smartphone que custa menos da metade, mas tem o mesmo poder? Por esta via, torce a gigante das buscas, conseguirá romper a barreira e se instituir como jogador de alto nível. Android, o sistema de celulares mais popular do mundo, o Google já tem.

É este mesmo raciocínio, o de fincar solidamente o pé no mundo do hardware, que definiu também a decisão de reinventar a marca das caixas de som inteligentes. A Nest, adquirida por US$ 3,2 bilhões em 2014, é uma popular fabricante de termostatos inteligentes. Mantém, com economia de energia e aprendendo os hábitos dos moradores, a temperatura de casas. Mas nunca conseguiu ser conhecida por seus outros produtos, como as câmeras de vigilância. Por outro lado, evoluindo a partir do Google Assistant, as caixas de som inteligentes vêm se tornando populares nos EUA, Europa, e chegarão oficialmente este ano ao Brasil. Tocam música para quem pede por comando de voz, mas também controlam luzes, termostatos, televisão e o que for mais na casa do futuro.

Neste outro jogo, o de tornar casas inteligentes, o principal concorrente, e líder de mercado, é a Amazon. Sua linha dotada da assistente Alexa é muito popular e promovida, sem timidez, por aquela que é a mais visitada loja virtual do mundo. Novamente está no marketing o principal obstáculo do Google. Se tinha duas marcas voltadas para o mesmo campo — botar inteligência artificial nas casas — o raciocínio foi muito simples. Unificar. E, assim, falar com uma só voz, ao mesmo tempo em que amplia a linha de produtos. Mas esta é uma briga mais simples. Afinal, Google Home — agora Google Home Nest — já é a segunda e tem crescimento forte.

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