Edicão de Sábado: A China e o Brasil

A China foi um dos temas econômicos favoritos do então candidato Jair Bolsonaro, durante a campanha eleitoral. Bombardeou o quanto pôde. O milenar País do Centro estaria comprando o Brasil, levando o nióbio de graça, e o setor elétrico de troco. Na presidência, Bolsonaro mudou o tom — descobriu que tudo é mais complicado. Mas há um motivo para seu discurso inicial: Donald Trump, que o brasileiro mantém como referência política.

O tom combativo contra a China é uma das marcas do presidente americano e, mesmo que taticamente errado, há duas razões concretas para o embate do ponto de vista americano.

Uma é mais geral: o PIB chinês, em 2017, ficou em US$ 12,24 trilhões. O americano em US$ 19,39 tri — números do Banco Mundial. Nenhum país tem mais chance de ultrapassar os EUA do que a China. Não quer dizer que vá acontecer, mas na Casa Branca o alerta existe e com razão. Além do quê, quando ajustado pela Paridade do Poder de Compra — ou seja, pela capacidade que um chinês e um americano têm de comprar o mesmo produto em seus perspectivos países —, a China já tem a maior economia do mundo.

A segunda é específica. A economia do século 21 é digital e, contrariando todas as expectativas, de mera fabricante dos produtos desenhados pelos outros há dez ou quinze anos, a China se tornou uma criadora de tecnologia importante. E, tendo pegado os americanos e os europeus no contrapé, se tornou líder no maquinário que servirá à infraestrutura das redes 5G. Não se trata apenas da próxima geração de celulares. Toda lógica das cidades e casas inteligentes, automóveis autônomos, drones de entrega, realidades virtual e aumentada, streaming de grandes eventos ao vivo, indústrias automatizadas — todos os avanços que o digital dará nos próximos 15 anos dependem desta infraestrutura. Justamente no momento de instalar este emaranhado de antenas e roteadores é um problema estratégico sério para os EUA criar uma dependência do principal adversário comercial. A questão da possível espionagem é o de menos.

Não são estes os problemas da América Latina — e do Brasil — com a China.

China e América Latina

Margaret Myers, diretora do programa China e América Latina do think tank americano Diálogo Inter-Americano, assina um longo artigo na última edição da Americas Quarterly avaliando como a relação da região anda com os chineses.

Relação com a China quer dizer coisas diferentes. Uma é a abertura maior ou menor do mercado local para venda de produtos chineses. Outra é a compra, pela China, do que a América Latina produz — em geral, commodities. E há, também, o investimento chinês em empreendimentos ou em infraestrutura na área.

O investimento em 2017 foi de US$ US$ 17,5 bilhões. Valor recorde. Em 2018, US$ 7,6 bilhões. Deve continuar diminuindo. Há alguns motivos. O primeiro é a distância — Santiago, Montevidéu e Buenos Aires são as capitais de país que ficam mais longe de Beijing, em quilômetros, dentre todas as do planeta. Isso faz diferença. Há outras questões. Oportunidades de investimento na Europa e nos EUA, evidentemente, não são muitas. Mas, na África e na Ásia, são imensas. E os governos destes dois continentes oferecem muito mais espaço do que os latino-americanos. A regulação nas Américas do Sul e Central é complexa, os ambientes de negócios, difíceis, e os chineses vêm tendo dificuldades com o conjunto. Sua parceira mais aberta, a Venezuela, tem dado mais dores de cabeça do que Beijing gostaria de ter. Some-se a estes fatores a pressão dos EUA para resistir a investimentos chineses e alguns governos — incluindo o brasileiro — andam com um tom agressivo. O conjunto alimenta a desconfiança.

Não muda o fato de que a América Latina produz energia e alimentos numa quantidade enorme e os chineses contam com este comércio. Ao mesmo tempo, o mercado para produtos de alto valor agregado chineses — de maquinário industrial a smartphones de ponta — é muito relevante. Mesmo que os grandes investimentos se concentrem em Ásia e África, a relação comercial não deve mudar e provavelmente aumentará.

China e Brasil

Na mesma edição da Americas Quarterly, Richard Lapper assina uma análise do novo Brasil com o País do Centro. Bolsonaro e o presidente Xi Jinpin, aliás, estão na capa da revista. Jornalista veterano, fellow do Instituto Real de Relações Exteriores, de Londres, Lapper destaca que entre o discurso de campanha e a chegada ao Planalto, o presidente brasileiro já mudou bastante.

Tome-se, por exemplo, a questão do nióbio — um debate que na política assume ares caricaturais que remetem à candidatura do médico Enéas Carneiro à presidência. Nenhum país tem tantas reservas do metal quanto o Brasil. Basta pequenas quantidades de nióbio na liga para a produção de um aço simultaneamente mais leve, mais resistente e mais maleável. É também um componente importante de superligas usadas em motores de avião a jato e foguetes espaciais. Por isso mesmo, por estar tão ligado a equipamento de alta tecnologia, a China, como inúmeros outros países, tem muito interesse em nióbio.

Cinco metalúrgicas chinesas são donas, em conjunto, de 15%, da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, empresa responsável por boa parte da produção do metal. O controle é da família Moreira Salles. Grupos japoneses e coreanos também têm parte relevante da CBMM. Ao mesmo tempo que esta participação garante o fornecimento para os chineses, também garante um mercado importante para o produto brasileiro. No fim, é uma relação comercial normal, em nada exploradora.

O investimento chinês no Brasil foi de US$ 11,3 bilhões em 2017 e despencou para US$ 2,8 bi no ano seguinte. Para analistas, o fato de que a queda foi muito maior aqui do que no resto da região mostra, já, impacto real do discurso de Bolsonaro durante a campanha. Os chineses estão cautelosos e nenhum setor se preocupa mais com as ameaças do que o agronegócio — eleitores fortes do atual presidente. Hoje, 80% da produção nacional de soja é comprada pela China.

Mas esta é uma relação comercial. A de investimento tem, notadamente, dois setores predominantes. Óleo e gás em primeiro. Aí, como no caso do nióbio, é para garantir o fluxo de petróleo do qual os chineses precisam e, em contrapartida, isto garante ao Brasil um mercado para exportação. Em segundo estão geradoras e transmissoras de eletricidade. É o caso da paulista CPFL. A lógica, neste caso, é distinta. Investimentos na rede elétrica estão sendo feitos pela China em todo o mundo. Faz parte do projeto do presidente Xi de ter domínio de um grid global, e interconectado, de energia elétrica. E esta, sim, é uma decisão estratégica bem mais importante do que a do nióbio e para a qual o Brasil deve ficar atento.

Segundo ouviu a AQ, o plano do novo governo é atrair investimentos que venham de EUA, Japão e Coreia do Sul para fazer frente ao avanço chinês. Só que, simultaneamente, o avanço chinês já está sendo reduzido pelos próprios chineses. Enquanto o naco olavista do governo quer resistir, o naco militar quer moderar, negociar, mas não se distanciar da China. Os sinais são de que estes últimos estão ganhando.

China e o mercado de consumo de luxo

E é também para a China que se voltam os olhos da indústria do luxo. Segundo estudo da consultoria McKinsey (PDF), o país deve conquistar quase metade do mercado global do setor até 2025. Mais da metade do dinheiro entre 2012 e 2018 foi gerado pelo país asiático que deve ser o responsável por quase dois terços do crescimento nos próximos 6 anos.

Por trás desse fenômeno está a geração de filhos únicos chineses. Jovens nascidos nos anos 1980 e 90 em famílias de classe média urbana, que cresceram ao mesmo tempo em que o país foi se desenvolvendo. Hoje já estão no mercado de trabalho, embora para a maioria sejam seus pais que os financiam. São mais de 16 milhões de jovens que geram 70% do consumo de luxo. Para eles, marca ainda é o principal fator de decisão, mas é menos importante do que para gerações anteriores. Dão valor a design, materiais, acabamento, e até mesmo preço. Quase um terço dos nascidos na década de 80 e mais da metade dos nascidos nos anos 90 gostam de testar novas marcar de tempos em tempos.

É uma geração extremamente digital, toda a pesquisa e conversa sobre marcas se dá online, mas na hora de consumir produtos de luxo se rendem ao mundo offline. 92% das compras são feitas em lojas físicas e só 8% na rede. A interação nas lojas físicas é também o principal canal de engajamento que impacta na decisão de compra. Mas indicação de celebridades e influenciadores digitais também funciona como um excelente canal de promoção. Outra estratégia muito usada é criar um apelido em chinês para a marca. Ajuda, e muito, na viralização.

Assista: Um curto resumo em vídeo da pesquisa que entrevista alguns desses novos consumidores.

Sobre a escrita e outras baboseiras

Hábitos variam, mas existe algo em comum entre os escritores bem-sucedidos? Stephen King, no prefácio de Sobre a escrita: A arte em memórias (Amazon), mostra que é dos autores mais despretensiosos nesse sentido. “Este livro é curto porque a maioria das obras sobre a escrita está cheia de baboseiras. Os escritores de ficção, incluindo este que vos fala, não têm um entendimento muito claro sobre o que fazem.” Segundo o escritor, uma notável exceção à regra é The Elements of Style (Amazon), de William Strunk Jr. e E. B. White. “Quase não há baboseira nesse livro”, ele afirma.

Stephen King pode até não ser esquemático, mas deixa clara a importância de seguir uma rotina. “Você só precisa realmente de uma coisa: uma porta que possa fechar. A porta fechada é a maneira de dizer ao mundo e a você mesmo que o assunto é sério. Você assumiu o compromisso de escrever.” Fechada a porta, pode mergulhar na concentração do texto. Ele também estabelece uma meta e só abre a porta quando a atinge. “Em uma entrevista antiga, o apresentador de um programa de rádio me perguntou como eu escrevia. Minha resposta — ‘uma palavra de cada vez’ — pareceu deixá-lo desconcertado. Acho que ele ficou tentando adivinhar se eu estava brincando ou não. Não era brincadeira.”

Mas existe outra reflexão no livro que é, de fato, mais profunda e diz muito sobre cuidar bem da imaginação através do sono. “Quando você escreve, está criando seus próprios mundos. Acho que, na verdade, estamos falando de ‘sono criativo’. Como seu quarto, sua sala de escrita deve ser privativa, um lugar aonde você vai sonhar. O cronograma — entrar mais ou menos na mesma hora todos os dias, sair quando as mil palavras estiverem no papel ou no computador — existe para que você se habitue e se prepare para sonhar, exatamente como se prepara para dormir ao ir para cama mais ou menos no mesmo horário todas as noites e seguir sempre o mesmo ritual. Na escrita e no sono, aprendemos a estar fisicamente imóveis ao mesmo tempo que encorajamos nossas mentes a se libertarem da monotonia do pensamento racional diário.”

O tal sono criativo

Pois é... o tal ‘sono criativo’ de King motivou uma pesquisa interessante sobre rotinas diárias de escritores bem-sucedidos. Mais especificamente: a correlação entre os hábitos de sono e a produtividade literária. O primeiro passo: reunir informações encontradas após uma extensa pesquisa que envolveu a leitura de biografias, entrevistas, diários e outros materiais. Dois livros ajudaram. São eles: Daily Rituals: How Artists Work (Amazon) e  Odd Type Writers: From Joyce and Dickens to Wharton and Welty, the Obsessive Habits and Quirky Techniques of Great Authors (Amazon). O segundo passo: quantificar e categorizar os dados de acordo com vários critérios como ‘prêmios’ e ‘horas dormidas’, por exemplo. A editora do site Brainpickings, Maria Popova, também buscou a ajuda de profissionais especializados em transformar fenômenos culturais em infográficos.

O resultado final foi um lindo mapa que traz grandes nomes da literatura e inúmeras informações com correlação entre os tempos de despertar, mostrados em forma de relógio em volta de cada retrato, e sua produtividade literária, representada por ‘auras de cores diferentes’. Os autores estão ordenados de acordo com uma ‘linha do tempo’ de despertar, começando com a insônia de Balzac e terminando com Bukowski. E apesar de não indicar qualquer causalidade científica, ao menos existem algumas correlações divertidas. Por exemplo: aqueles que acordavam mais tarde produziram mais, porém foram menos premiados. O ponto mais importante, talvez, é que fora o compromisso de escrever diariamente, nenhuma rotina específica é garantia de sucesso.

Os mapas estão à venda.

Do Rock Bottom Remainders pro Spotify

Última vez que vamos falar dele hoje, mas é preciso dizer que essa playlist só de músicas inspiradas em Stephen King é excelente. Pra quem não sabe, ele também tem bom gosto pra música e em 1992 integrou uma banda de rock feita só de escritores, a Rock Bottom Remainders. Só clássicos...

Galeria: 35 fotos que marcaram a semana

Galeria: Thanos nas Filipinas, um gato na Criméia, luto no Sri Lanka, Semana Santa em Jerusalém, Anzac Day na Austrália, inundações em Quebec, um show de luzes na Romênia, Kim Jong Un na Rússia. A seleção do The Atlantic traz 35 imagens que marcaram a semana no mundo.

E como há de ser, as mais clicadas do Meio na semana:

1. Twitter: Foto estranha com ítens esquisitos...

2. Artsy: Casal viaja fotografando os cantos mais remotos da terra.

3. Youtube: O anúncio do Banco do Brasil censurado por Bolsonaro.

4. Apartment Therapy: A cobertura de Barbra Streisand, no Central Park, em Nova York, está oficialmente no mercado.

5. Behance: Fotos aéreas de usinas solares, um mosaico geométrico.

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