O Meio na CES: O caminho até o carro robô

“Daqui a dez anos, seu carro será plenamente autônomo, mas apenas quando você quiser que seja.” Roel de Vries é um homem alto, cabelos brancos, tem 50 anos. Passou a vida na indústria automobilística. Hoje é vice-presidente corporativo da Nissan para marketing global. É um dos homens que pensa a indústria dentro da companhia. “Você talvez não queira dirigir no tráfego do Rio de Janeiro ou de São Paulo, em 80% das situações, mas de repente vai querer dirigir numa estrada limpa e agradável. Ainda haverá uma incrível variedade de carros, porque as pessoas vão querer carros grandes, pequenos, carros distintos. Haverá muita integração de tecnologias. Sensores vão medir sua pressão arterial, leitores analisarão seus olhos para saber seu nível de atenção. Hoje, todo mundo quer inovar em carros. É o lugar onde muitos de nós passamos umas duas horas por dia. Tudo aquilo que você tem em sua casa, em seu escritório, em sua vida, estará a sua disposição, dentro de seu carro.”

Há dez anos, esta era uma indústria avessa a inovação. Parecia mudar a carroceria a cada ano, inventar alguns slogans, e reeditar em essência a mesma máquina. Hoje, ocupa quase sozinha um dos três grandes galpões do Las Vegas Convention Center, onde ocorre a CES. Estão lá inúmeras dentre marcas tradicionais: Nissan, Toyota, Audi, Mercedes, Ford. Todas ávidas por mostrar que são digitais. Para algumas, por enquanto, é só marketing. Para outras é fato. Tornaram-se empresas onde engenheiros de software convivem com engenheiros mecânicos. E o seu não é um desafio pequeno. Afinal, o principal concorrente do Leaf, o veículo elétrico da própria Nissan, não vem dos adversários tradicionais. Vem do Vale do Silício, obra de um dos homens que se tornou bilionário com o Pay Pal. São os carros da Tesla, de Elon Musk.

O rumo para este 2029 com carros robôs, carros que dirigem sozinhos sem a necessidade de volantes ou mesmo gente, não virá com facilidade. Se há um setor onde o futuro não é igualmente distribuído, este é o automobilístico. Porque o futuro passa por dois caminhos distintos e paralelos. Um é a substituição dos motores a combustão por carros movidos a bateria. O outro é o da automação.

China e Europa estão caminhando rapidamente para a eletrificação por razões diferentes. Na Europa a questão é, principalmente, ancorada na política ambiental. Lá, nem a direita nega as mudanças climáticas e há incentivos de Estado para o desenvolvimento de substitutos eficientes e baratos para combustível fóssil.

Na China, as razões são outras. A primeira é a corrida na qual o país se meteu para se tornar um par dos EUA em desenvolvimento tecnológico. A engenharia de carros elétricos é mais simples. Motores a combustão são complicados e sua integração com o lado digital dos carros, incrivelmente complexa. Carros elétricos são mais simples e, por isso mesmo, é muito mais fácil inovar de um ano para o outro. Para um país que está criando do zero sua indústria, faz todo sentido partir dos elétricos. Além do mais, ninguém tem dúvidas de que este é o futuro. Dominá-lo rápido facilita na briga por mercados globais ali na frente.

Outras regiões, como Estados Unidos e nós, da América Latina, nos mostramos mais resistentes. Ainda incentivamos o uso de combustíveis fósseis e, seja por meio de inação, seja por políticas no sentido oposto, criamos desestímulos para os elétricos.

O desafio para a autonomia passa por um processo similar, embora as razões sejam outras. A Nissan colocará nas ruas de Tóquio, durante as Olimpíadas de 2020, carros autônomos de nível 4. É um degrau abaixo da autonomia plena. É uma corrida. A Ford tem planos de lançar o seu nível 4 no mesmo ano. A Waymo, do Google, já tem a tecnologia pronta, a venda para a montadora que quiser implementá-la.

Mas o problema é que as cidades não são iguais. Tóquio é exageradamente civilizada, com motoristas ciosos das leis de trânsito. Muito distinto de um Rio ou uma Salvador ou mesmo de uma Roma, quanto mais uma Nova Délhi. A tecnologia que permite a um carro transitar numa estrada, numa cidade pacata ou numa Tóquio é muito diferente daquela capaz de enfrentar o tráfego de freia brusco e fecha e emperra o cruzamento do caos urbano doutros cantos.

Para não falar da legislação: quando um carro autônomo atropela e mata alguém, quem é o responsável? O dono? A fábrica da máquina? A empresa que desenvolveu o software? Ou a que fez o sensor defeituoso? Sem segurança jurídica, muitas empresas, mesmo com a tecnologia pronta, se sentirão inseguras em colocar os produtos nas ruas. Mas a legislação será aprovada em tempos diferentes, de país a país.

O resultado é que todas estas possibilidades de carro conviverão ao longo da próxima década. Apenas carros elétricos nuns lugares, a gasolina noutros, os autônomos ali, os a volante aqui. O desafio logístico é imenso pois trata de modelos com muitas diferenças e tipos de fábricas de toda sorte. Assim, para sobreviver neste período de transição, a indústria terá de gerenciar quatro lógicas distintas simultaneamente de acordo com cada mercado.

A Tesla, anos após seu lançamento, ainda não conseguiu produzir em grande escala. Esta é a vantagem com a qual a indústria tradicional conta na briga contra o Vale. Ela sabe fabricar, sabe gerenciar produção global, mesmo que esteja ainda correndo atrás da tecnologia. Neste caso, tecnologia é mais fácil de dominar do que logística.

O caminho para 2029, portanto, será árduo. Mas, quando chegarmos lá, possivelmente haverá um ambiente muito diferente do atual. Haverá muitas maneiras de conviver com carros. Alguns, como hoje, vão querer ter os seus, para dirigi-los apenas quando der prazer. Outros vão para modelos Uber mais sofisticados: paga-se uma quantia por mês pelo direito de usar um número determinado de minutos, ou de quilômetros, naquele período. Como uma assinatura de celular. Cidades terão de ser adaptadas, com faixas exclusivas para carros-robôs.

Este não é um futuro distante. A tecnologia já existe em grande parte e o caminho para ela é conhecido. Conhecido por todos, com uma única exceção, ao menos no Brasil: o Estado. As conversas dentro do governo são no máximo embrionárias e não há sequer esboço da regulação necessária. Lá, o futuro é desconhecido. Se continuar assim, o Brasil estará entre os últimos a chegar a 2029.

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