Edição de sábado: Três Eixos Ideológicos

Foi no momento em que a União Soviética desmoronava e os países do leste europeu aos poucos se tornavam democracias liberais que surgiram as primeiras teorias conspiratórias envolvendo George Soros. É natural: multimilionário, gastou quanto pôde para a quebra da Cortina de Ferro.

Pois é. Coisa que nasceu duma longa jornada. Ele havia sido o menino judeu assustado cuja família mudou o sobrenome Schwartz de forma a se disfarçar, em sua Hungria natal, às vésperas da anexação pelo Reich alemão. Um adolescente que no pós-guerra foi aceito pela London School of Economics, onde se graduou e fez mestrado, tornando-se um seguidor para a vida de seu professor, o filósofo Karl Popper. O vendedor de lojas de souvenir que se dedicou a caçar empregos na City londrina, de onde migrou para Nova York, e que entre os anos 1960 e 70 tornou-se um habilíssimo investidor internacional. Não ficou rico fácil, tampouco multimilionário. A vida foi dura até os 35, 40. Mas a própria história pessoal, vinda de uma família judia e laica perante o Holocausto, educado com requinte no contato com a filosofia social-liberal de Popper, o levou a abraçar o conceito da sociedade aberta. Boa parte dos investimentos de Soros no mundo, hoje, são feitos através de sua Fundação Open Society — a segunda maior que existe em volume de capital, perdendo apenas para a Fundação Bill & Melinda Gates. E não é à toa que tantas teorias conspiratórias partindo da direita envolvam seu nome. O futuro chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, se classifica como um anti-globalista. Soros é o ‘globalista’ por excelência.

A Globalização é um movimento essencialmente econômico que ocorre há vários séculos mas que, após a queda do mundo comunista e a partir dos avanços em tecnologia de transporte e comunicação, se acelerou. Seus críticos de primeira hora, nos anos 1990, vieram da esquerda. Descreviam um mundo dominado por financistas preocupados apenas com o ganho de capital num livre mercado selvagem, capazes por vezes de quebrar países em prol do lucro. O próprio Soros, manipulando a moeda tailandesa, quase destroçou o país, em 1997.

Mas após o Onze de Setembro, partindo dos Estados Unidos, no início de forma incipiente, depois ganhando cada vez mais espaços, cresceu uma leitura anti-globalização de direita. É a visão de que há um globalismo. Na descrição do novo chanceler, “é a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural”, conforme escreveu em seu blog. “É um sistema anti-humano e anti-cristão. A fé em Cristo significa, hoje, lutar contra o globalismo, cujo objetivo último é romper a conexão entre Deus e o homem.” A Conservapedia, espécie de Wikipédia do movimento conservador, deixa mais clara a visão. “É o desejo liberal-autoritário de um mundo que rejeita o papel de nações na proteção de valores.” Segundo o artigo, “o objetivo final é a unificação da humanidade em um governo global único”. Por esta visão, todas as instituições de negociação global nascidas no pós-guerra, da ONU à OMC ao FMI, passando por ONGs, fazem parte desta estratégia de eliminar características regionais, diminuir a relevância dos governos nacionais, em prol de um mundo global sem valores. As críticas do atual presidente americano Donald Trump à OTAN e o cerne do argumento que levou a população britânica ao Brexit, a sair da União Europeia, seguem o mesmo raciocínio.

Há uma nova visão de direita crescente que está ganhando dominância no mundo. Uma direita anti-globalização.

Mas é nova entre aspas. “O termo globalista se origina numa referência ao povo judeu, visto como dedicado não a seu país de origem, mas a uma conspiração global”, sugere Jonathan Greenblatt, CEO da Liga Anti-Difamação, a principal ONG americana contra o antissemitismo. “Islamismo e globalismo parecem existir em lados opostos”, explica um artigo num dos muitos sites da direita americana. “Mas o nacionalismo é o principal obstáculo tanto para o califato islâmico quanto para o governo único secular global do globalismo.” Em um artigo (PDF) para a revista Cadernos de Política Exterior, utilizando-se de metáforas que recorrem ao futebol americano e não ao esporte bretão, descreve uma disputa mundial na qual a principal ameaça ao Ocidente não é o Islã ou a China, mas sim sua própria dificuldade de abraçar a tradição cristã cruzada. Na visão de Araújo, como na de muitos dos críticos do ‘globalismo’, o Ociente perdeu sua força.

Uma das dificuldades impostas pela dicotomia entre esquerda e direita para compreensão de política é que ela não deixa clara que há uma briga não entre duas, mas entre três visões de mundo. Com seu recém-batizado ‘centrismo radical’, o agora impopular presidente francês Emmanuel Macron tenta reviver a proposta que nos anos 1990 Bill Clinton e Tony Blair apresentaram ao mundo: a de um planeta no qual a abertura de fronteiras ao comércio e a pessoas traz, sim, dificuldades. Dificuldades inevitáveis dados os avanços tecnológicos. Mas uma abertura capaz também de trazer prosperidade. Não é a visão internacionalista do comunismo, tampouco o encerramento em si do nacionalismo oferecido pela direita. É a sociedade aberta de Karl Popper.

Este é um ponto crucial, embora não evidente.

Não há uma disputa ideológica entre dois eixos. Há uma disputa ideológica entre três eixos. George Soros, o financista global discípulo de Karl Popper, em momentos distintos é o vilão favorito tanto da esquerda quanto da direita. Faz todo sentido. Assim como faz todo sentido começar a enxergar que existe, sim, um ‘centro radical’.

Para assistir com calma: Michael Ignatieff, reitor da Universidade Centro-Europeia financiada por George Soros, fala sobre o conceito de Sociedade Aberta.

Para assistir dom calma 2: Olavo de Carvalho apresenta sua visão de globalismo, endossada pelo novo chanceler.

Sergio Fausto, que dirige a Fundação FHC, esboça o que seria o centro radical brasileiro: “A agenda de centro radical é favorável à privatização da Eletrobrás, é favorável a de fato romper o monopólio da Petrobrás na área de refino, é inteiramente contrária a qualquer possibilidade de retorno de uma política industrial à la Dilma. É uma agenda para enterrar de vez o nacional desenvolvimentismo, sem dó nem piedade. Não gastemos vela com mau defunto. Os interesses da maioria não estão na preservação de privilégios das corporações estatais. Esse foi um dos grandes erros do PT. Na economia a agenda é liberal. Política de identidade é tema importante, mas, com toda franqueza, o centro da discussão política no Brasil é o que vamos fazer com o Estado para preservar a sua solvência e colocá-lo em favor das maiorias. Vamos entrar num momento de imenso progresso tecnológico. O Brasil não pode perder essa onda. Engatar no trem da modernização pode criar amplos setores marginalizados do processo produtivo e não dá para simplesmente dizer: dane-se, isso é o custo da modernização. Não é ter essa visão ultra-liberal do processo. Tenho solidaridade por você, porque a sociedade não é simplesmente um ajuntamento de indivíduos guiados por interesses econômicos. Ela é uma comunidade, que tem ligações entre si. Isso depende de políticas públicas, e preservar isso é fundamental para o bem-estar social. O centro radical tem que ter a preocupação de incluir.” (Valor)

O que é o Modelo padrão da física de partículas?

Com a inauguração da primeira etapa do Projeto Sirius esta semana, muito se falou sobre aceleradores de partículas. Esse curto vídeo do TED-Ed explica de forma simples e didática o que é o Modelo Padrão, a teoria que governa a física de partículas, e como as diferentes interações entre partículas e forças formam tudo o que existe no universo. É usando aceleradores como o Sirius que os cientistas conseguem ver as partículas que compõem cada material.

Afinal, o que é Mercúrio retrógrado?

A cada quatro meses, o planeta Mercúrio entra em movimento aparentemente retrógrado. Isso não significa muito para os astrônomos, que entenderam esse fenômeno como um fato básico do sistema solar faz uns 400 anos. Mas o evento é quase um feriado religioso na astrologia e um tópico cada vez mais popular na internet. Pois é. Os astrólogos costumam culpar Mercúrio retrógrado por uma variedade de problemas de comunicação do dia a dia. Sob essas interpretações está uma história muito mais interessante sobre os limites de nossa perspectiva ligada à Terra e a descoberta do sistema solar. O Vox explica, em vídeo.

E para quem quer procurar Mercúrio no céu, uma dica é instalar um app de astronomia no celular, basta apontar a câmera para o céu e começar a explorar. Pra quem é de Android: Google Sky Map, pra turma do iPhone, SkyView.

Com os surfistas invadiram Nazaré

Por séculos, Nazaré, em Portugal, foi uma cidade litorânea tradicional, onde os pescadores ensinavam seus filhos a evitar as enormes ondas que se chocavam contra os penhascos próximos. Mas nos últimos oito anos essas mesmas ondas transformaram o local em um improvável chamariz para surfistas radicais, seus fãs, e as empresas globais que patrocinam os atletas. No alto do forte do século 17, turistas fitam pranchas de surf nas mesmas salas onde a polícia marinha costumava guardar redes de pesca confiscadas. Na baía, profissionais estão testando novos jet-skis onde os moradores secam os peixes na praia. E, no porto, surfistas alugam armazéns ao lado de onde os pescadores descarregam o material ainda vivo que trazem do mar. A cidade agora está tão acostumada com a presença de surfistas, e os negócios que eles trazem, que até mesmo os pescadores, que às vezes brigam por espaço na água com, se tornaram receptivos. Ainda assim, existem tensões. O número de pessoas de fora que compram propriedades na Nazaré persiste relativamente baixo, mas os preços dos imóveis e as taxas de aluguel estão subindo, assim como no resto do país. Isso é um bom prenúncio para uma geração de nazarenos donos de propriedades, mas alguns temem que a próxima geração acabe tendo que se mudar do centro para encontrar moradia acessível. (New York Times)

E o recorde de maior onda do mundo já surfada ali é de um brasileiro. Foi o surfista Rodrigo Koxa. Em vídeo.

E nessa semana interrompida por um feriado, os links mais clicados foram:

1. Refinery29: O Facebook saiu do ar e a turma fez a festa no Twitter.

2. El País: Galeria: as imagens que resumem a primeira guerra mundial.

3. Huffpost: Artistas prestam solidariedade à Claudia Leite, assediada por Silvio Santos.

4. Omelete: Músicas que não existiriam sem Stan Lee.

5. Youtube: Homenagem da Marvel à Stan lee.

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