É tudo culpa da Secom e de Paulo Pimenta?
Lulistas, petistas e assemelhados, graúdos e miúdos, com maior ou menor nível de angústia, aparentemente descobriram que a comunicação do governo está ruim. Ou já haviam constatado o fato, mas, agora que apareceu uma pesquisa dizendo que a avaliação do governo Lula declinou, reconheceram a urgência de dizer que a comunicação política do governo tem parte importante nisso.
Os 60 anos do golpe: militarismo acossado e civilismo em alta
Mais um aniversário do golpe de 1964 se aproxima e, com ele, as polêmicas relativas à significação histórica daquele acontecimento, dividindo a opinião pública. Instado a se manifestar, o presidente Lula afirmou que não gostava de remoer o passado e que era preciso governar olhando para o futuro. Embora previsível para quem conhece sua personalidade pragmática e conciliadora, parte significativa da esquerda recriminou a declaração por não aproveitar uma oportunidade histórica de condenar o militarismo renitente depois da tentativa de golpe de Estado de Bolsonaro. Disseram até que “quem não remói o passado acaba remoído por ele”.
Palavras, palavras, palavras
Segundo o levantamento feito pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP, durante o ato do ex-presidente Jair Bolsonaro, 94% dos presentes consideram que o Brasil vive uma ditadura. A ideia é absurda, evidentemente. Mas para os bolsonaristas que foram à Avenida Paulista no último domingo, é um fato incontestável. Estive com uma dessas pessoas na segunda-feira, no aeroporto de Congonhas. Ela se queixou de alguma posição que havia me visto tomar nas redes. Mulher, classe média, na casa dos 40, talvez 50. Não trocamos muitas palavras. Minha primeira reação foi explicar o que era uma ditadura. Só que ela sabia — sua dificuldade era com outras palavras. “E temos liberdade, por acaso? E as eleições valem de alguma coisa?”
A cor dessa cidade
Há dois momentos cruciais em que os moradores das grandes cidades olham para elas realmente com olhos de enxergar: no Carnaval e nas eleições municipais. No primeiro, aquela ocupação festiva de espaços normalmente hostis aos cidadãos projeta a sensação de que é possível ser feliz ali, apesar de tudo. No segundo, a frustração com o que gestores públicos são capazes de entregar para melhorar a experiência de quem vive nesses conglomerados urbanos faz sonhar com uma existência bucólica mais tranquila, que sequer existe mais. Para pular do desencanto à retomada das cidades, é preciso mudar o jeito de entendê-las. Elas são processos, não projetos. É assim que o arquiteto e urbanista Washington Fajardo as compreende. “Essa ideia de que a cidade é um projeto com início, meio e fim é a base do pensamento urbano modernista. A noção de que a cidade fica pronta. A cidade é um processo constante de transformação, de reciclagem, de renovação.”
Software do bolsonarismo não roda no sistema da democracia
Vamos ser francos, o bolsonarismo e a democracia nunca se deram bem. A começar pelo fato de que a democracia realmente nunca lhes chamou a atenção. O que até aí nada tem de peculiar, visto que fora o acordo geral segundo o qual o outro lado é sempre fascista ou antidemocrático, faz tempo que a democracia não está no topo das prioridades dos brasileiros. De fato, em uma pesquisa do fim de janeiro deste ano, da Atlas Intel, em que as pessoas podiam escolher até três tópicos dentre os principais problemas do país, o “enfraquecimento da democracia”, indicado por 11,3%, posiciona-se bem longe das duas primeiras preocupações nacionais, que são a “criminalidade e tráfico” (59,4%) e a “corrupção” (57,6%).
O parlamentarismo bastardo em xeque
O projeto de afirmação da independência de um Congresso dominado pelo Centrão, que assumisse a primazia sobre os demais poderes, foi originalmente formulado por Eduardo Cunha em 2015. Era uma reação da classe política centrônica contra a operação Lava Jato, que avançava com o beneplácito do Supremo Tribunal Federal. O Executivo, que a cooptava desde o governo FHC para sua agenda de governo em troca de benefícios de cargos e verbas (o famoso “presidencialismo de coalizão”), revelava-se incapaz de protegê-la de Sergio Moro. Urgia mudar um modelo de governança que deixava o Legislativo refém do Executivo e sujeito aos ímpetos de um Judiciário poderoso. Surgiu assim, nas ruínas do presidencialismo de coalizão, o “parlamentarismo bastardo” do Centrão, desculpado com a promessa de um dia se converter formalmente em semipresencialismo.
Subordinação dissimulada
É um jogo de aparências. Os militares fingem que obedecem, os civis, que comandam — e assim o regime democrático vai andando na corda bamba desde 1988. O termo encontrado por Rodrigo Lentz, cientista político, professor da Universidade de Brasília e pesquisador do Instituto Tricontinental, para definir essa relação foi “subordinação dissimulada”. Ele e alguns de seus colegas produziram um relatório para avaliar como o presidente Lula está lidando com isso em seu terceiro mandato. Depois de várias concessões para acomodar a flagrante insubordinação que havia se instalado com os anos Bolsonaro, especialmente no período pós-eleitoral, estamos de volta à normalidade da obediência condicional. “O presidente da República não manda na política militar, na estratégia e no orçamento da defesa, porque tem de negociar o tempo todo em troca da obediência à Constituição”, explica Lentz.
Sobre conspirações e antissemitismo
A frase do presidente Lula, no relançamento da refinaria de Abreu e Lima, não é nova mas permanece surpreendente. “Tudo que aconteceu neste país foi uma mancomunação entre alguns juízes e procuradores, subordinados ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que queriam e nunca aceitaram o Brasil ter uma empresa como a Petrobras.” Foi na quinta-feira. Aí, no domingo, o ex-presidente do PT José Genoíno estava numa live do DCM, um site próximo ao partido. À vontade, em um determinado momento, ele pediu o “boicote de empresas de judeus” por conta do conflito entre Israel e palestinos. As duas histórias podem parecer não relacionadas. Mas são. Dizem muito sobre como o PT constrói sua ideia de como o mundo funciona. E, por isso mesmo, é preocupante.
A democracia na era da hipermodernidade
Imagine um vulcão em erupção. A lava, os gases, os detritos, a destruição emergindo em diferentes estados, com violência, ainda que lentamente. É essa metáfora que o cientista político Marco Aurélio Nogueira escolhe para abrir seu novo livro, A Democracia Desafiada. A de múltiplas frentes de ataque a um sistema democrático que já não atende mais os anseios das pessoas, sobrecarregadas e assustadas com a velocidade e a intensidade das mudanças nas interações sociais, nas relações de trabalho, entre países, entre grupos. Nogueira reúne essas transformações todas num único conceito: o de hipermodernidade. “É como se a humanidade tivesse recebido uma dose mais forte de modernidade na veia”, ele explica. A consequência é uma vida acelerada e fragmentada, em que consensos e pactos sociais ficam virtualmente impossíveis de se alcançar. E quem sofre é a democracia.
Na CPI do padre Júlio Lancellotti, conservadores testam limites
Por que afinal a proposta de uma CPI da Câmara de Vereadores de São Paulo, que, de acordo com declarações repetidas do seu proponente, visa o padre Júlio Lancellotti, pode ter parecido uma boa ideia aos seus signatários?