A direita democrática?
Chegamos àquela fase da pré-campanha eleitoral em que as pessoas olham para os números, descobrem que mais de metade dos brasileiros realmente preferiam que Lula e Bolsonaro sumissem do mapa político e, logo concluem, é hora de uma terceira via.
A semana abriu com dois movimentos. Um do ex-presidente Michel Temer, do MDB, outro do governador gaúcho Eduardo Leite, do PSDB. Leite deu uma entrevista à Jovem Pan em que, essencialmente, diz aquilo que já vinha dizendo para quem quisesse ouvir. Sim, ele quer ser candidato à presidência da República. Mas não basta ele querer, e Leite tem clareza disso. É preciso que um grupo se reúna no entorno de um projeto e que, pare este grupo, faça sentido que ele o lidere.
Temer está tendo conversas, segundo ouviram Robson Bonin, da Veja, e Pedro Venceslau, da CNN Brasil. Seu objetivo é colocar no mesmo barco os cinco governadores que manifestam ambições presidenciais: o próprio Leite, Ratinho Júnior do Paraná, Romeu Zema de Minas, Ronaldo Caiado de Goiás e Tarcísio de Freitas, de São Paulo. O ex-presidente batizou o projeto de Movimenta Brasil e tem uma ambição. Cada governador vai tocando sua pré-candidatura, mas um sem bater no outro. Eles, juntos, bancam um programa de governo que represente ideias com as quais o conjunto concorda. Aí, no início de 2026, este plano é lançado num grande evento. O primeiro semestre seria aquele de definir quem sai, afinal, como candidato.
Há dois pontos interessantes nesta conversa que o ex-presidente está organizando. O primeiro são as datas. O segundo é a completa ausência de outro ex-presidente. Jair Bolsonaro. Não entrou no papo. Bem, nisto as datas fazem todo sentido. Temer sabe, como os governadores sabem, que no início do ano que vem Jair Bolsonaro estará preso ou prestes a isso. Mesmo que sua recuperação seja lenta, e o estado de saúde é mais grave do que o noticiário faz parecer, Bolsonaro não poderá sair por aí dando pitaco em política porque pelo menos uma prisão domiciliar ele vai enfrentar. Temer manobra o calendário para tirar o ruído provocado por Bolsonaro do jogo.
Ou seja, o projeto de Temer não é um projeto de Terceira Via. É um projeto de redefinir a direita brasileira pós-Bolsonaro. E, por este caminho, pode fazer muito sentido. Se der certo, aliás, poderia redefinir o país.Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.
E este aqui? Este é o Ponto de Partida.
Mas vamos desbaratar o jogo eleitoral? As pessoas costumam achar que eleição é um jogo no qual uns candidatos se lançam, se apresentam, e pode dar qualquer coisa. Não funciona assim. A eleição no Brasil é em dois turnos com uma campanha rápida. Isso cria alguns tipos de estratégia. Quer dizer, existem três maneiras de ganhar numa eleição destas.
A primeira é se tornar conhecido. Quando é dada a largada de uma eleição, alguns candidatos partem com vantagem. Por quê? Pelo simples fato de que seus nomes são conhecidos. Para alguém que o brasileiro não tem ideia de quem é no início do ano eleitoral, chegar ao segundo turno é muito, muito difícil. Nunca aconteceu desde a redemocratização. Um governador de estado pequeno, por exemplo, pode querer concorrer à presidência para que o Brasil o conheça. O que mira é a eleição seguinte.
O segundo objetivo pode ser chegar em terceiro. Sim. Tem mais vantagem em ser terceiro do que segundo lugar. O segundo lugar não ganha nada. Já o terceiro tem uma oportunidade. É aquele candidato, aquela candidata, que se descolou e, embora não esteja no segundo turno, é a pessoa que recebeu os votos que estarão em disputa. Ambos os concorrentes querem muito seu apoio. Se quem está em terceiro apoia o vencedor, vai pro governo. Ganha poder que pode virar espaço político que leve a uma vitória ali na frente.
O terceiro objetivo, claro, é ganhar a eleição.
As pessoas sempre observam: tem espaço para terceira via porque a maioria dos brasileiros estão cansados de Lula e Bolsonaro. É. Estão mesmo. Última pesquisa Genial Quaest, tomada na última semana de março. 19% dos brasileiros se consideram lulistas. São pessoas que têm um líder político claro. 12% dos brasileiros são bolsonaristas. Mesma coisa. Têm um líder político claro. E 66% dos entrevistados realmente preferiam uma terceira pessoa.
Qual é o problema dessa conta? Bem, 12% são mais à esquerda, 21% estão mais à direita e 33% dizem que não têm posicionamento. Isto não quer dizer que sejam de centro. Quer dizer, na maior parte dos casos, que nem pensam em política. Esse conjunto de brasileiros não quer nem Lula, nem Bolsonaro, mas o que eles querem não é a mesma coisa.
Se Lula sai candidato amanhã, num estalo tem 19% dos votos. Se Bolsonaro indica um nome amanhã, num estalo essa pessoa tem 12% dos votos. O candidato bolsonarista já atrai logo uns tantos dos 21% de brasileiros à direita que preferiam não. Lula, ou seu candidato, num estalo, igualmente, traz um quinhão dos 12% que preferiam não mas fazer o quê? Aí, quando a gente vê, ambos os candidatos já estão lá pelos 20%.
Esses 12% bolsonaristas e 19% lulistas travam o jogo para qualquer terceira via. Só que Bolsonaro é muito bom de rede social e muito mau de estratégia política. Pior ainda para ele, está desesperado. A saúde está muito ruim, a facada foi grave e realmente lhe custou muito. E a perspectiva é de prisão por tentativa de golpe de Estado. Como quer arrancar do próximo candidato à presidência a promessa de graça presidencial, acha que sua melhor estratégia é postergar o apoio ao máximo.
E é nisso que Temer parece estar apostando. Se em fevereiro ou março Bolsonaro já estiver fora do jogo, é evidente que seus filhos e Michelle estarão fazendo barulho. Só que esta é uma família para lá de confusa. Os filhos brigam entre si, parte não se dá com a mulher do pai. Se o bolsonarismo não for capaz de se organizar sem o líder, e tudo indica que terá dificuldades de fazê-lo, aí o jogo fica muito, muito diferente. O caminho da direita se abre.
Na cabeça de Michel Temer, esta é uma partida de trazer a direita para o Centro. Com que candidato? Na verdade, pouco importa. Qual é o ponto fraco deste movimento? Redes sociais. Já tinha outdoor de Bolsonaro no Sul e no Centro-Oeste desde 2014. Ele já mobilizava grupos de WhatsApp desde 2016, 17. Quando venceu em 2018, é porque já tinha uma comunicação estabelecida nas redes sociais.
É mais do que fazer publicidade nas redes. É construir um movimento. É isto que a esquerda faz mal e o centro sequer começou a fazer. Qual é a leitura de país que o Centro político faz? Para os eleitores que votaram em Fernando Henrique Cardoso tanto em 1994 quanto em 98, era claro. Estabilidade da moeda, dinheiro no bolso e a esperança de prosperar. Falar em reforma administrativa não é uma pauta que vai fazer brilhar os olhos de ninguém.
Mas existe, sim, um vasto público querendo uma plataforma mais liberal. Querendo crescer por conta própria. A esquerda vem sendo obrigada a conjugar o verbo empreender sem fazer cara de nojo porque é uma demanda popular. Ou seja, o ex-presidente Michel Temer está fazendo parte do trabalho, que é a articulação política.
Só que não basta isso. É preciso comunicar, é preciso mergulhar nas redes, ter porta-vozes, ter os influenciadores da direita democrática, construir essa ideia de Brasil na forma de um sonho, uma esperança que as pessoas possam vir a ter. Com o qual as pessoas possam se relacionar.
Política não é só trabalho de bastidores, é também trabalho de construir imaginação. Imaginação é que movimenta eleitores. 21% dos brasileiros se encontram mais à direita e não são bolsonaristas. O espaço para trabalhar é esse. Resta saber se os políticos não-bolsonaristas compreendem que não dá pra tirar esses votos de lá sem falar a língua digital com a qual este eleitorado se habituou.