Bolsonaro está ficando menor
Foi muito ruim, pro bolsonarismo, o ato convocado pelo ex-presidente para a Praia de Copacabana, ontem. Foi ruim por todo lado. Ruim porque foi um fiasco, tinha muito pouca gente. Foi ruim por causa da foto, o flagrante da Avenida Atlântica feita por Alexandre Cassiano pro Globo. Vocês viram a foto, né? Bolsonaro discutindo e, lá no alto, o cartaz enorme. Sem Anistia. Aquela foto que dispensa legenda.
Mas foi ruim, principalmente, porque Bolsonaro se mostrou fraco, muito fraco, para um pequeno grupo de pessoas que são as únicas que podem salvá-lo da cadeia.
Mas calma. Vamos começar do começo. Foi pequeno mesmo? Olha, a Polícia Militar do Rio jura de pés juntos que a manifestação teve 400 mil pessoas. Que metodologia usou? Ninguém sabe. Qual a fórmula empregada? Ninguém disse. A ordem para que este número fosse divulgado, ao menos foi o que o Otávio Guedes da Globonews ouviu, partiu do Palácio Guanabara. Aliás, a história que ele ouviu é mais interessante. A estimativa da PM era de 50 mil pessoas, quando o governador Cláudio Castro ouviu aquilo mandou eles corrigirem. Foi assim que apareceu esse número de 400 mil. De novo, sem método claro.
Contagem de gente na rua não é um número que você simplesmente joga. É preciso explicar como se chegou a este número. Todos que fizeram algum tipo de estimativa, com exceção da PM, divulgaram isso. O Instituto Datafolha, por exemplo, previu o número de pessoas por metro quadrado e, assim, avaliou que no pico havia 30 mil pessoas na praia. Isso foi lá pelo meio-dia, quando Bolsonaro falou.
Agora, claro, tem também a conta da equipe do Monitor do Debate Público do Meio Digital e do Cebrap em parceria com a ONG More in Common. Eles contaram 18,3 mil pessoas, com uma margem de erro de 12%. Não existe hoje, no Brasil, modelo mais preciso. Por um motivo muito simples: ele não estima. Ele, literalmente, conta cabeças.
A turma da USP sobe drones com câmeras de precisão e faz retratos grandes, do alto, de toda a manifestação. Eles usam estas fotos para produzir uma imagem única da extensão das vias que estão cheias de gente e, aí, o programa de inteligência artificial literalmente conta quantas cabeças tem lá embaixo. Inicialmente, o software foi criado para contar bois e vagas. É. Isso. Contar gado. Ele precisou ser treinado para contar gente. Vistos de cima, seres humanos são consideravelmente menores do que bois.
Nós vamos precisar nos acostumar mais e mais com esse momento querida, encolhi a multidão, da USP. Os métodos de contagem anteriores eram muito imprecisos, geravam um erro grande. Agora que contamos o número de cabeças o risco de erro despenca. Mas, tudo bem, vamos dar de barato que possamos questionar o número. Outra vantagem da consistência de método é que nos permite fazer comparações.
A mesma equipe da USP, utilizando o mesmo sistema, fez a contagem de atos pró-Bolsonaro em abril do ano passado e em 7 de setembro de 2022 na mesma Praia de Copacabana. No ano passado, Bolsonaro reuniu 33 mil pessoas usando essa técnica de contagem. Em 22, no auge ca campanha eleitoral, foram 65 mil manifestantes.
Então mesmo quem não acredita no número, embora devesse, pode enxergar pelo menos isso: o ex-presidente Jair Bolsonaro vem, a cada ano, reunindo cada vez menos gente. De 65 mil para 33 mil para 18 mil. É quase como se a multidão caísse pela metade a cada ano.
Tudo certo, mas quem entra nos grupos bolsonaristas está ouvindo duas coisas. A primeira, claro, USP mente, Globonews mente, o jornalismo é todo vendido. A gente está acostumado. A outra coisa que estão ouvindo é que o número certo é o da PM do Rio. Talvez algumas pessoas acreditem realmente nisso. Que a multidão chegou perto do meio milhão.
Sabe qual o problema numa situação dessas? O que o tio do Zap acredita ou deixa de acreditar é irrelevante. Bolsonaro, ontem, se expôs. Ele demonstrou fraqueza. Para ele, pior: porque ele demonstrou fraqueza, justamente, para um público bastante específico que ele não pode perder de jeito nenhum. Um público que ele já está perdendo. Quer saber qual?
Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.
Sabe, a vida da gente ia ser muito mais fácil se a gente simplesmente abraçasse o governo Lula. Os algoritmos das redes gostam da polarização. Se você está de um dos lados e cumpre a cartilha, repete sempre as mesmas ideias, não diz pra pessoas daquele time nada que vai perturbar os mantras, as redes vão entregar milhões de seguidores. E ainda tem uma grana da Secom. Agora, se você é bolsonarista, mesmo estando fora do governo, se fica bradando contra o Supremo, pedindo anistia, também aí as redes entregam muito seguidor e uma boa grana. A gente não escolheu o caminho do Meio porque é fácil. Não é. A gente escolheu porque entre a ameaça à democracia representada pelo bolsonarismo e uma esquerda que nas redes se mostra intransigente, a gente acredita em pluralidade. A gente acredita em conversa. Se você acredita no caminho do meio, precisamos da sua assinatura. Vocês são os únicos com quem podemos contar.
E este aqui? Este é o Ponto de Partida.
Uma das coisas que Jair Bolsonaro falou, lá no meio do seu discurso, foi que muita gente estava com ele pela anistia. Um deles, Gilberto Kassab. Bem, aí a imprensa foi atrás da turma do PSD, do partido de Kassab. A bancada vai votar pela anistia na Câmara dos Deputados, se o projeto aparecer por lá? O que os jornalistas descobriram é que metade vota sim, metade vota não. Ou seja, Kassab está onde sempre esteve: sem se comprometer.
Vamos ser claros aqui. Jair Bolsonaro tem um problema muito simples. Ele vai ser preso. E ele está desesperado com essa perspectiva. Como ele não vê saída no Supremo, e para sermos francos, não tem mesmo, a alternativa é uma de duas. Ou o Congresso vota uma anistia e o livra da condenação. Ou o presidente da República o anistia. Lula, claro, não vai dar anistia nenhuma. Mas quem será o presidente em janeiro de 2027? Se for um político de direita, tem chance.
Tudo o que Bolsonaro está fazendo só tem um objetivo: se livrar da cadeia. Ele não está nem aí para quem foi preso por causa do 8 de janeiro. Quer anistia para eles porque isso quer dizer anistia para ele próprio. Ele sabe que não será candidato à presidência em 2026. Mas se mantém dizendo que é candidato porque, assim, tem alguma força para negociar com quem for candidato. Ele pode não ser o candidato mas pode ser o kingmaker. Aquele que define quem será o candidato. E, claro, ele ameaça os parlamentares de direita que não se alinham com ele. Por quê? Porque quer dizer que, se ele atacá-los, eles perdem eleições.
Tudo o que Bolsonaro tem de poder está ancorado numa ideia fundamental: ele tem votos. Ele é o favorito de um grupo enorme de brasileiros, talvez 30% do eleitorado. É por isso que a conversa sobre se os números da USP são confiáveis ou não é irrelevante. Fora das redes sociais, não importa. Claro, a turma fervorosa vai ficar lá enchendo o saco dum monte no Twitter, no Zap, mas essas pessoas criam ruído. Só. Elas não têm qualquer poder. Porque o público que Bolsonaro precisa convencer é um pequeno núcleo de políticos de direita que ou estão no Congresso ou têm poder o suficiente para interferir na decisão de quem sairá contra Lula.\
E aí que entra o problema. O que Bolsonaro fez, ontem, foi mostrar que seu poder de atrair gente para a rua está diminuindo. As pessoas estão simplesmente menos dispostas a sair de casa e ir gritar Bolsonaro livre na praia. Isso é definitivo? Não. As pesquisas demonstram que muitos ainda estão dispostos a votar no ex-presidente. Só que as pesquisas apuram, no fim das contas, o nome que vem à cabeça de quem nem está pensando em política neste momento. Na medida de entusiasmo, o resultado é outro. O entusiasmo pelo seu nome está em declínio.
O resultado concreto é que Gilberto Kassab ou Waldemar da Costa Neto ou caras como eles estão olhando tudo, mapeando, e pensando consigo mesmos. A gente precisa dele para vencer a eleição? Ou a gente não precisa? Sabe o que é? Para muitos na direita, Bolsonaro preso é até bastante bom. Ganham um herói, podem fazer um discurso de perseguição, e ao mesmo tempo se livrar dele. São tubarões e, ontem, sentiram o cheiro de sangue no mar.
O jogo não está definido e Bolsonaro vai ficando cada vez mais nervoso. Em pouco tempo, o Supremo deve transformá-lo em réu. Aí, a partir do segundo semestre, haverá um julgamento. O julgamento durará um tempo e, possivelmente, terminará com ele e alguns generais presos. Isso quer dizer que, quando o período eleitoral chegar, Bolsonaro não estará fazendo ligações de celular, não estar em lives de não sei onde, precisará contar com seus filhos e uns aliados mais próximos para defendê-lo. Aí, nesse momento, já estarão no desespero. Não poderão atacar o candidato de direita. Não poderão ameaçar demais os deputados de direita. Ou os senadores.
Quanto mais tempo passa, de mais ajuda Bolsonaro precisa, mais fraco ele aparenta ser e o poder de barganha vai mudando de mãos. No início, quem tinha todas as cartas nas mãos era ele, o rei dos votos. Rei dos votos ele não é mais. Vai chegar o ponto em que as cartas terão ido para as mãos dos líderes de direita.
E deixa eu contar aqui pra vocês um segredo que todo mundo em Brasília sabe. Esses líderes, na maioria dos casos, não veem a hora de se livrar o ex.