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Lula e os engenheiros

Eu estava aqui, quebrando a cabeça, para entender o que falar sobre a queda de popularidade do presidente Lula. Está bem feita, tá? Saiu uma pesquisa Genial Quaest dividindo por alguns estados. 57% dos baianos acham que o país está indo na direção errada. 55% dos pernambucanos. Escolhi números do Nordeste de propósito, a região é o local onde Lula é mais forte. 67% dos paulistas acham que as coisas vão mal. Que coisas? A economia. As pessoas são bastante específicas. É a inflação de alimentos.

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Bem, o presidente anunciou essa semana o Pé e Meia. É um dos movimentos do governo para retroceder o rumo da popularidade. Para dar um cavalo de pau. A ideia é a seguinte: quando um estudante inscrito no programa faz a matrícula em um dos três anos do ensino médio, o governo vai lá e deposita duzentos reais numa conta. A partir daí, a cada mês, de acordo com a frequência, se está indo às aulas direitinho, ganha mais 225. De novo: isso é todo mês. E aí, no fim do ano, se passar de ano, ganha mil reais. Esses mil só podem ser retirados após a formatura. Dá 9.200 reais por ano. É um senhor salário e tem um só objetivo: garantir que não abandonem o ensino médio. Que completem o curso.

Tudo muito bom mas tem um problema. O governo arranjou um jeito bastante torto para financiar o programa. Constituiu um fundo na Caixa Econômica. Não pode. É um jeito de atrapalhar o acompanhamento de onde vem o dinheiro. Legalmente o que o governo precisa é incluir este custo, são uns 6 bilhões de reais por ano, no Orçamento. Transparente, sabe? Só que não fez. Vejam, este programa parece bom, tem cara de que vai funcionar, e ataca um dos problemas mais importantes de atacar no Brasil. Só que precisa ser pago. Estado serve pra isso mesmo, entre suas funções está a de dar uns empurrões que ajudem a resolver problemas grandes de desigualdade na sociedade. Para ser pago, precisa ser prioritário. Sabe quanto o Orçamento prevê em subsídios para setores da economia? 650 bilhões de reais. Isso é um monte de empresa grande tendo desconto de imposto que o governo deixa de receber. 650 bilhões só aí nessa legenda. Está tudo no Orçamento, cada centavo. Mas para os 6 bilhões do Pé de Meia, aí não deu.

Qual é a prioridade do governo, sabe? É dar dinheiro para empresário rico ou é aumentar o acesso à educação dos brasileiros?

A Folha de São Paulo tem um corte muito interessante do último Censo. O número de brasileiros com mais de 25 anos e ensino superior quase triplicou desde o início do século. A notícia é ótima. Veja, não se compara ainda com Europa. Imagina. Longe disso. Mas, no ano 2000, eram 6,8% das pessoas dessa faixa etária. Passaram de 11,3% em 2010 e chegaram a 18,4% em 2022. Isso é um número real. É um número palpável.

A notícia é boa, certo? Bem, no que estamos formando? O curso mais popular no Brasil é o de pedagogia. Mais de 800 mil matrículas por ano. O segundo? Direito. Quase 700 mil matrículas. Aí vem Administração, Enfermagem, Contabilidade, Psicologia. Tudo de acordo com o Censo do Ensino Superior.

Vocês sabem quais os cursos mais populares na França? Na Coreia do Sul? A Coreia do Sul, cinquenta anos atrás, estava bem pior do que o Brasil. Vocês sabem quais os cursos mais populares na Índia, um país muito parecido com o nosso em desigualdade?

Sim, sim, não se enganem. Tudo tem a ver com a queda de popularidade do presidente Lula.

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

Gente, a base da democracia é o pluralismo. Não há um povo, uma coisa homogênea que pensa igual. Somos pessoas. Cada pessoa com seu olhar, cada grupo com sua visão de mundo. Gente intelectualmente honesta, perante os mesmos fatos, pode tirar conclusões diferentes. A gente apagou isso da nossa vida. Seja honesto! Quem já leu isso em comentários nas redes por aí? Seja honesto! Ou seja, se você pensa diferente é porque está sendo desonesto. Então às vezes parece que estamos cercados. Que somos inimigos por discordarmos. Que somos autoritários por pensarmos diferentemente. Democracia é o contrário disso, democracia é justamente o regime que parte do princípio de que discordaremos e está tudo bem. A gente precisa voltar a viver num mundo em que podemos discordar e ainda assim dividirmos um chope. É nisso que a gente acredita, aqui no Meio. Se é num mundo assim que você deseja viver, se está procurando um lugar em que possa respirar, ser sente estar sob pressão por todo lado, aqui é o meio do caminho. Assine. Seja bem-vindo.

E este? Este aqui é o Ponto de Partida.

O curso mais procurado pelos estudantes franceses é Tecnologia da Informação. É aquilo que antigamente a gente chamava aqui de Informática. Em segundo, Negócios e Finanças. Nossa Administração. É nosso segundo lugar também. Em terceiro, Engenharia.

Vamos pra Coreia do Sul. Engenharia em primeiro. De longe. Na sequência, Física, Química, e Biologia. Na Índia? Engenharia em primeiro, aí Administração e, então, Ciência da Computação. Vocês estão percebendo um padrão? Deviam. Quer mais países? China? Medicina em primeiro, Engenharia em segundo, quaisquer outras estão num distante terceiro, quarto, quinto.
Alguém está percebendo um padrão aí se desenvolvendo?

Sabe qual a posição da Engenharia nos cursos buscados pelos estudantes brasileiros? Ou de Ciência da Computação? Eu também não sei. As duas estão no top três de países tão distintos quanto França, Coreia do Sul e Índia. Elas não estão no top dez brasileiro. Nenhuma das duas. Aliás, nem Química, nem Biologia, através das quais se estuda genética que é também indústria de ponta tecnológica, estão no top dez brasileiro.

O problema de engenharia é, na verdade, pior do que isso. Em 2018, quase 130 mil brasileiros se matricularam em cursos de engenharia. Em 2022, foram 98 mil. Em 2023, 96 mil. Entre 2014, quando Dilma Rousseff se elegeu pela segunda vez, e 2023, o número de matriculados em engenharia caiu 23%. Caiu em quase um quarto.

Por quê? Olha, a resposta mais simples é que a garotada chega ao ensino médio mal de matemática. Aí, quando consegue terminar o ensino médio, vai para cursos que não exigem matemática. Aí, claro, o presidente Lula começou seu mandato querendo bancar uma fábrica estatal de microchips. Não vai acontecer.

Indústrias de tecnologia são a marca do século 21. Pode ser pelos computadores, pode ser pela genética, pode ser até pela energia verde. Mas em tudo tem matemática, e matemática pesada. Em tudo tem engenharia. Riqueza passa por engenharia. E a gente está jogando criança fora.

O MEC fez o que até agora? Tentou fazer uma reforma necessária no Ensino Médio. Não conseguiu. Os sindicatos de professores não deixaram. De novo, o Programa Pé de Meia é bom, tem tudo para dar certo, mas não basta. Além de manter adolescentes na escola, é preciso entregar qualidade. A verdade é que esta é uma dívida imensa do Estado brasileiro. Ensinar com qualidade. A gente universalizou o acesso ao ensino fundamental nos anos noventa, conseguimos estabelecer uma medição oficial da qualidade do ensino através de testes uniformizados com padrão internacional nos anos dois mil e, aí, aí ficou por isso mesmo.

A popularidade do presidente está baixa porque o preço da comida está caro. A inflação está pegando. A inflação pega porque o governo gasta muito, gasta mal, e gasta mais do que arrecada. Muito deste gastar mal tem a ver com uma aposta de que a economia do país vai crescer se o Estado puser dinheiro pesado na indústria. Aí, apostando nas indústrias certas, a coisa vai. Um dos exemplos que adoram citar? A Coreia do Sul. Outro? A China.

Ignoram que para ter uma indústria de ponta China, Coreia do Sul e Índia antes investiram também pesado em educação de qualidade. Na cabeça dos economistas desenvolvimentistas, a coisa funciona na seguinte ordem: primeiro você faz a fábrica, depois, como tem vaga para trabalhar, as pessoas se formam porque ali tem oportunidade.

A lógica deste raciocínio é que a sociedade reage ao Estado. O Estado dá, a sociedade se adapta. A lógica do mundo não é esta. Dê autonomia à sociedade, e aí ela cresce. Se tivermos um bando de engenheiros, um volume grande de engenheiros, eles vão inventar coisas. Este aqui não é um discurso de Estado mínimo, não. Vamos investir na formação de engenheiros. Vamos botar dinheiro para pesquisa de ponta. O Estado ajuda a construir uma infraestrutura para que a sociedade possa criar em cima. Você dá estradas, cuida da malha elétrica, forma muitos cérebros, incentiva descobertas novas. Isso vira dinheiro.

O que nos falta é um governo que tenha coragem de apostar na sociedade brasileira ao invés de achar que o governo cria tudo. Se a gente quer crescimento, crescimento econômico real, alguém, alguma hora, vai ter de investir nos brasileiros. Até lá, vamos tocando assim. Precisa bolar uma trancinha para dar um dinheirinho para que brasileiros muito pobres tenham um diploma de ensino médio. Mas para tirar subsídio de empresário rico num valor cem vezes superior à grana da garotada? Nada. Pra isso, esquerda e Centrão e direita estão super de acordo. Solta a grana. Pra isso, sobra.

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