A popularidade de Lula, a mensagem e o mensageiro
O mês de janeiro foi quente para a esquerda tradicional brasileira, para o PT e para o governo, estremecidos com a divulgação de uma pesquisa Quaest/Genial que mostrou um tombo significativo da popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na comparação com o mês anterior, foram cinco pontos de queda na aprovação do trabalho do presidente e, pela primeira vez, o número de pessoas que desaprovam o governo (49%) foi maior que as que aprovam (47%). Desde então, muita gente tratou dessa deterioração que, de certo modo, desestabilizou o humor do governo e do presidente, mas quero trazer aqui outros elementos.
Antes disso, convém recuperar os números e as explicações tradicionais (e acertadas) para eles. A crise ficou ainda mais aguda porque se descobriu que a piora na popularidade foi maior no Nordeste e entre os eleitores de renda baixa e renda média, alguns dos segmentos em que reconhecidamente Lula sempre teve popularidade, votos e capacidade de liderança. Entre a população nordestina, a aprovação caiu 10 pontos percentuais e a reprovação aumentou 5 pontos. Entre os mais pobres, que ganham até dois salários mínimos, a aprovação caiu 7 pontos percentuais e a reprovação subiu 5 pontos. Entre aqueles que ganham até cinco salários, a aprovação caiu 5 pontos, enquanto a reprovação subiu outros 5.
Como disse o cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest, perder a popularidade no Nordeste e na renda baixa significa que o governo está perdendo a base que o defendia até aqui.
Como disse o cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest, perder a popularidade no Nordeste e na renda baixa significa que o governo está perdendo a base que o defendia até aqui. Essa tendência, já detectada a partir da metade do ano passado, fica evidente com outro dado trazido na pesquisa: metade dos brasileiros acredita que o Brasil está na direção errada e apenas 39% acham que estamos no caminho certo.
Não foram poucas as análises que buscaram explicar a queda tão vertiginosa da popularidade do presidente e do governo em pouco tempo.
A primeira linha de explicação pareceu ser unânime: a economia. Apesar dos bons indicadores econômicos de 2024, entre alta do Produto Interno Bruto (PIB) e queda no desemprego, dez entre dez analistas – incluindo integrantes do próprio governo — creditaram a fragilidade à inflação de alimentos e de serviços. O alto preço dos alimentos é citado por 83% da população, o maior percentual da série histórica. Mas no fundo a dimensão econômica tem uma percepção popular: a sensação de que o atual governo não vem atendendo às expectativas de melhoria de vida da população.
Apesar das críticas públicas e indiretas de petistas e de alguns ministros de Lula ao mercado financeiro e ao Banco Central, o fato é que a população está com uma percepção aparentemente tão pessimista dos rumos da economia quanto a Faria Lima. Tanto que apenas 1 em 4 entrevistados reconhece que a economia melhorou no último ano. É muito pouco. Ainda mais se considerarmos que, nesse quesito, a barra já estava muito baixa após o governo Bolsonaro. Nesse mesmo contexto, há a percepção de que o governo vem fracassando na disputa de expectativas. O volume de pessoas que acha que Lula não consegue cumprir suas promessas de campanha sempre foi alto, mas chegou ao seu maior patamar nessa última pesquisa: 65%. Em suma, não gerou esperança e, ao contrário, produziu frustração entre os brasileiros — incluindo parte de seus fiéis eleitores.
A segunda linha de explicação tem a ver com as más notícias. O volume de notícias negativas sobre o governo voltou a ser maior do que as notícias positivas, num patamar que, segundo a Quest, foi semelhante ao de março de 2024, quando declarações sobre a guerra em Gaza, as eleições venezuelanas e a segurança pública prejudicaram o governo. Desta vez a principal enrascada do governo foi a avalanche do possível monitoramento do Pix. O tema foi lembrado espontaneamente por 11% da população, um índice elevadíssimo que certamente impactou o tamanho do tombo na aprovação do presidente.
Houve quem, no governo, defendesse a ideia de que se os pesquisadores tivessem ido a campo uma semana antes ou uma semana depois do “caso do Pix”, os números seriam outros. Seriam, mas o fato é que o problema chegou ao colo do governo e encontrou de cara decisões e comunicação erradas. Não dá nem para eleger culpados externos, já que significativos 66% dos brasileiros acreditam que o governo federal errou mais do que acertou diante da polêmica do Pix.
Ao que leva à terceira onda de explicações: a comunicação. A área que costuma ser o mordomo das crises de governo esteve no epicentro dos embates e justificativas para os maus resultados do presidente Lula. O próprio presidente ajudou a sedimentar essa narrativa ao fazer críticas públicas no fim do ano passado e antecipar o anúncio de que trocaria o comando da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) e de sua comunicação na área digital, terreno em que normalmente o bolsonarismo nada de braçada. A mudança foi consumada em janeiro com a saída do ex-ministro Paulo Pimenta e a chegada de Sidônio Palmeira ao Palácio do Planalto.
Passaram a ser frequentes as análises, especialmente governistas, de que o problema não está na economia e sim na “percepção” das pessoas sobre a situação econômica. Em outras palavras, disseminou-se, sem grande efetividade, a ideia de que o governo não tem conseguido fazer as boas notícias chegarem à população. Não há dúvida de que uma parte do problema tem a ver com as notícias falsas e com a menor competência do campo progressista (e do governo mais ainda) no trabalho de redes sociais, mas estamos nos perdendo e nos enganando com o mantra das fakenews e seus impactos e com o papel exclusivo do diálogo com a sociedade via esses meios.
Entendo pouco de comunicação, mas entendo bastante de dinâmica social. E é nessa condição que acredito que, assim como a comunicação não pode ser vista como o mordomo das crises, já que não explica todas as más notícias, não podemos dar a ela a força sobrenatural que ela não tem. Ou, pelo menos, a comunicação representada pela Secom e suas ferramentas. Não há novo ministro que, sozinho, faça milagres.
E aqui chegou ao ponto que vai além das explicações que foram dadas até este momento. Já passou da hora de a esquerda em geral, e do governo e do PT em particular, se darem conta de que a dinâmica social mudou.
Essa sensação de que estamos patinando numa esteira de academia, um caminhar permanente sem que saiamos do lugar, deveria acender outros sinais amarelos na esquerda e no governo.
Parte da solução contra a queda na popularidade do presidente depende de vários elementos que já foram repetidos à exaustão em inúmeras análises acertadas: da comunicação de governo e seus canais formais, de uma maior capacidade de articulação política — com o Congresso, com setores econômicos relevantes, com outras lideranças partidárias, com a sociedade civil —, além do próprio aperfeiçoamento das agendas do governo. Mas essa sensação de que estamos patinando numa esteira de academia, um caminhar permanente sem que saiamos do lugar, deveria acender outros sinais amarelos na esquerda e no governo.
A sociedade brasileira não é mais a mesma de 2002 quando Lula chegou à Presidência pela primeira vez, ou mesmo de 2010 quando deixou o Palácio do Planalto com alto índice de aprovação e fazendo sua sucessora, Dilma Rousseff. Mas Lula e o PT parecem ter mudado pouco e, mais grave, percebido menos ainda as novas dinâmicas da sociedade. Se no passado souberam canalizar agendas vitais para a população — a superação da fome, a redução da desigualdade e o aumento do seu poder de compra e consumo — hoje, por outro lado, parecem perdidos na forma e no conteúdo.
Em março do ano passado, escrevi um artigo, publicado no UOL, sobre alguns dos gargalos do governo na relação com o segmento evangélico. E ali eu apontava que os problemas se concentravam em duas frentes: as mensagens e os mensageiros.
A mensagem refere-se à necessidade de uma maior conexão com a vida cotidiana das pessoas. Eu falava ali de uma maioria evangélica de baixa renda e feminina nas diferentes periferias Brasil afora, e essa maioria tinha — e tem — muita clareza sobre o que melhora e o que piora suas condições de vida, com enormes e legítimas exigências e expectativas quanto a essas mudanças e prazos, urgentes, para elas acontecerem. São pessoas que se movem por questões reais de suas vidas, por necessidades práticas do seu cotidiano, e não apenas por fake news que viram trending topics nos grupos de WhatsApp da Igreja. Não vai adiantar continuarmos repetindo que são as fakenews ou que o problema é que a população está “manipulada pela extrema direita”. O que chamamos genericamente de extrema direita nas periferias também forja outras camadas de solidariedade e enfrentamento dos perrengues cotidianos que a esquerda tradicional — partidária e organizada enquanto base do governo — não está conseguindo ver, ler, entender.
Os mensageiros dizem respeito aos interlocutores preferenciais do governo capazes de alcançar públicos distintos, com linguagem, meios e ideias que consolidem atos, fatos e percepções. No caso da religião eu falava no artigo de uma parte da base de lideranças religiosas que se radicalizou cada vez mais politicamente e se tornou uma barreira, legitimando novas (e outras) vozes na política. Mas também de uma base vista “apenas como religiosa”, logo aparentemente intransponível ou com a qual quem é de esquerda não conseguiria dialogar. Mas essa base é também religiosa, mas não só, e representa outra camada, ou locus, a partir do qual se organizam e se comunicam os “carregadores de piano” no nível local, os fazedores, os articuladores, os acolhedores. Contar com esses novos mensageiros, e intermediários locais, que não estão no DNA dos partidos e estruturas da esquerda tradicional é um desafio ainda maior.
Podemos, sem medo, extrapolar esse mesmo diagnóstico para uma parcela significativa da população e, em particular, da própria base original de Lula e do PT. Até aqui se continua apostando num único caminho: a palavra e a imagem do presidente na convicção de que ele, sozinho, pode mobilizar a população contra o campo conservador. No sentido inverso, mobiliza-se todo o arsenal de ações políticas e de comunicação do governo concentrados na popularidade do presidente. A própria mudança na comunicação do governo adere a essa premissa. Uma de suas soluções é fazer Lula falar mais. Sendo ele o maior comunicador, a maior liderança, o maior mensageiro do governo, do PT e da esquerda, então que se dê a ele mais espaço e mais palavra.
Eis aí um desafio tão ou mais complexo quanto resolver os impasses políticos na relação com o Congresso e seus novos comandos. É preciso falar, por um lado, com uma população que está especialmente nas margens das cidades, vivenciando suas desigualdades brutalmente e dialogando com outros, e novos, interlocutores sociais e políticos. Por outro, uma população que, mesmo em níveis de renda e padrões socioeconômicos mais elevados, claramente não está mais acreditando no que necessariamente um governo diz, e como diz. Os abalos de popularidade, portanto, podem até se recuperar um pouco nas próximas pesquisas, mas o problema estará ali, forte e persistente. Um problema de mensagens, e também de mensageiros.