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Nikolas tem razão?

Olha, não tem mentira no vídeo do deputado federal Nikolas Ferreira, não. Tem uma meia dúzia de exageros típicos da demagogia política, isso tem sim, mas tem fundamentalmente um argumento político sendo feito ali. E, olha, um argumento político bastante convincente. O governo está acusando que houve uma onda de fake news, de que as pessoas foram desinformadas pelas redes sociais. Tem gente no governo que argumenta, ainda, que o problema é de comunicação.

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Mas vem cá: e se o problema for outro? E se o problema é que as pessoas não gostam da medida do governo. E se o problema não estiver em como o governo se comunica mas sim no que o governo comunica. Ou seja: e se o problema é que a sociedade não gostou da decisão?

Agora no fim da tarde, o ministro Fernando Haddad derrubou a portaria da Receita Federal. A decisão que o governo tomou não vale mais. Em grande parte foi por pressão deste vídeo. Haddad afirmou que se inventou pretexto para querer mais uma vez manipular a opinião pública.

Tenho imenso respeito pelo ministro. Mesmo. Minha opinião pessoal? Ele é um cara que luta duro para que o governo seja responsável fiscalmente e não conta com o apoio para isso nem do presidente da República. Mas será verdade que a opinião pública foi realmente manipulada?

Porque, olha, o vídeo do deputado é bom, tá? E já havia passado de 170 milhões de visualizações só no Instagram, que é a maior rede social no Brasil, hoje. Maior do que o Face, maior do que o TikTok. O que quer dizer esse número? Bem, se você passar por um vídeo e só dar uma paradinha na rolagem para ver os primeiros segundos, isso já conta com uma visualização. Ainda assim, é uma quantidade abissal de views. O próprio Nikolas, que é muito popular nas redes, não tem nenhum vídeo equivalente. Alguns estão acusando de que ele comprou essa audiência. Pode ter até algum impulsionamento, mas não se compra tão fácil e barato uma audiência tão grande. O Brasil inteiro está falando do vídeo.

E por que está falando? Porque o vídeo é bom. É bem construído, é direto, e deixa claro um ponto de vista. Vamos lá, e o que ele diz? O que ele argumenta?

Primeiro, ele diz que o objetivo do governo federal não é cobrar imposto do PIX. É ver o que gasta a classe média baixa para cobrar imposto de renda não declarado. Está falando do feirante, do motorista de Uber, de quem está na luta todo dia.

Ele diz, também, que não duvida que o governo venha a cobrar imposto do PIX em algum momento e lembra que o Planalto prometeu que não cobraria a taxa das blusinhas e, depois, mudou de ideia. Quer dizer, o fato de que o governo está prometendo que não fará nada agora não quer dizer que não possa vir a fazer depois.

O deputado também compara a quebra de sigilo bancário que a Receita está fazendo com o povo brasileiro com o sigilo que é mantido do cartão corporativo do presidente e, principalmente, dos gastos da primeira-dama.

Tem demagogia aí. Não é a mesma coisa. Primeiro porque o governo não está quebrando o sigilo bancário de ninguém. Quer saber só quem, no todo, movimenta mais do que cinco mil reais por mês nas plataformas de pagamento. Ele não vai ser informado sobre quem pagou o que para quem. E podem, sim, haver razões para manter sob sigilo ao menos parte dos gastos feitos com a presidência da República. Então o Nikolas está forçando a barra na comparação.

Mas o problema, aqui, é o seguinte. Toda oposição, desde que me entendo por gente, faz demagogia com os gastos do cartão corporativo do presidente. O PT fez com Collor, com Fernando Henrique, com Michel Temer e com Bolsonaro. Tucanos e a direita fizeram com Lula, fizeram com Dilma. E, claro, Nikolas está se aproveitando do fato de que a primeira-dama Janja Lula da Silva é impopular pacas. Então sugerir que ela tem algum tipo de gasto que o governo queira esconder é uma ferramenta de retórica política eficaz pacas. Até porque, ora, o governo não quer mesmo que ninguém saiba quanto se gasta com Janja, muito menos em que se gasta com Janja. É guerra perdida. Por menos que seja e por mais razoáveis que sejam os gastos, a oposição vai atacar e muita gente não vai gostar. Se não forem razoáveis, então, aí nem se fala.

A mensagem principal do Nikolas, porém, é outra. Ele está dizendo o seguinte: você, cidadão de classe média baixa, a turma que tem renda familiar de cinco, seis, sete mil reais por mês. O governo quer saber quanto circula pelas suas mãos nos meios de pagamento digitais. Ao saber disso, o governo saberá se você sonega imposto de renda. Muitas dessas pessoas sonegam, sim. Não vamos esquecer: 40% da força de trabalho brasileira está na informalidade. Não recebe nem como PJ, nem como CLT. Aí o governo vai cobrar dessas pessoas.

Qual é a pergunta essencial aqui. A pergunta é se haverá imposto sobre o PIX que atinja a classe média baixa? Ou a pergunta é se vai aumentar o imposto que a classe média baixa paga?

Porque se a questão aqui é se o pessoal vai pagar mais imposto, a resposta é só uma. Vai, sim. É imposto sonegado? É. É imposto devido? É. As pessoas querem pagar esse imposto? Não. E, para quem vai ser obrigado a pagar um imposto que não desejava pagar, a mensagem do governo é ruim. A do deputado é boa. E essa questão é ainda mais complicada.

Sabe como faço a distinção entre pobre e classe média? Pobre é quem luta para sobreviver. Classe média é quem luta para pagar as contas. Se a gente usa essa definição, a maior parte dos brasileiros, hoje, é de classe média. Mas é uma vida dura, tá? E, se você está na informalidade, na classe média baixa, você depende dos serviços públicos. Depende da escola pública pros seus filhos, do hospital público pras suas doenças. Com a polícia não dá para contar, não. Claro, claro, podemos falar aqui Viva o SUS, e o SUS é ótimo mesmo. A não ser que a gente realmente dependa do SUS. Aí é bom que ele exista, porque a alternativa seria pior, só que é muita fila o tempo todo, ser atendido para algo mais complexo é dificílimo.

Uma das coisas que o Nikolas fala no vídeo é isso: querem cobrar mais de você para continuarem entregando o mesmo hospital público, a mesma escola pública, a mesma falta de segurança. Você está satisfeito? Mas ele tem toda razão.

Existe uma diferença importante, eleitoralmente, entre pobre e classe média. Pobre precisa de qualquer coisa que o governo dê. Tudo é pura necessidade. Classe média já está num lugar em que cobra qualidade do serviço e se preocupa muito com alocação de dinheiro. Se vai faltar quinhentos ou mil reais no orçamento do mês pra pagar imposto, isso é um rombo.

A gente não tem como escapar do fato de que o governo fez uma escolha, tá? Ele escolheu não brigar com juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores que ganham muito além do teto constitucional. Escolheu não brigar com generais e todos os luxos que os militares têm. Escolheu não brigar com trocentos setores da indústria que conseguiram subsídios no governo Dilma, passaram a pagar menos imposto, e estes subsídios foram mantidos por Temer, por Bolsonaro, agora por Lula. Todo mundo que tem voz grossa para falar lá no Congresso, pra fazer lobby, foi defender o seu. O Planalto escolheu, inclusive, não brigar com deputados como o próprio Nikolas Ferreira, e o controle que têm sobre bilhões em emendas. Isso o Nikolas não fala, né? Ele fala mal de todo mundo, mas dos deputados e do presidente da Câmara, Arthur Lira, nisso ele não toca.

Mas o fato é que o governo tinha muitos caminhos para cortar seus gastos ou aumentar a arrecadação. Escolheu não comprar briga com ninguém. Ao não comprar briga com ninguém, precisou voltar pra sala e descobrir onde conseguir pelo menos parte da grana que falta para pagar as contas. O ministro diz que o objetivo não é cobrar imposto da turma que está no corre. E como não? Isso quer dizer que a Receita Federal vai ter um mapa de toda classe média baixa que sonega imposto e não vai botar todo mundo na malha fina? Vai deixar a sonegação continuar justamente quando o governo precisa de dinheiro?

Não, né? Quando um país é de classe média, alguém vai defender que se corte impostos da classe média. Pode vir da esquerda, pode vir da direita. Aqui no Brasil, na prática, quem defende corte de imposto dos ricos é a esquerda. Justificam dizendo que é bom para a indústria e gera empregos. Pode ser. Mas na prática da política econômica é assim. Se você é empresário e de um setor que o governo da vez considerar estratégico, sua vida vai ser fácil. São os tais subsídios que a Dilma criou.

Agora a direita descobriu que defender corte de impostos, ou mesmo defender sonegação para quem ganha pouco, é bom eleitoralmente. É bom, sim. Eleitoralmente, é. Sonegação é crime? Também é.

O problema do governo não é de comunicação, não. O problema é que as pessoas ouviram que iam ter de pagar mais imposto. É exatamente isso que ia acontecer. Não tem como comunicar ninguém disso e deixar satisfeito. O governo fez escolhas, escolheu beneficiar uns e passar a conta para os outros. Pois é. Agora que aguente o tranco. Quem disse que governar é fácil?

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