Imposto no PIX?
E aí, Fernando Haddad vai taxar o PIX? A resposta é não. Mas tem uma conversa mais longa para termos a respeito de tudo isso. Então, antes disso, vamos começar do básico porque, sim, mudou coisa e o que mudou foi o seguinte: a Receita Federal já recebia informações dos grandes bancos, tá? Mas, agora, vai receber também dados das operadoras de cartão de crédito e das plataformas de pagamento todas.
Isso não vale só para PIX, vale para DOC, para TED, para qualquer movimentação financeira. Veja, a Receita não vai ser informada sobre quem passou o que para quem. Mas se você somar todo o dinheiro que saiu das suas contas e todo o dinheiro que entrou no mês e o resultado for mais de cinco mil reais para pessoas físicas, ou seja, se você deve imposto de renda, aí o Leão vai ser informado. Para pessoa jurídica o valor para informar à Receita é de quinze mil por mês.
Não tem imposto novo. Não tem nada de novo. Mas, sim, vai ficar bastante mais difícil sonegar. Muito da insatisfação manifestada pelas pessoas é com isso. Vai ficar mais difícil escapar de pagar imposto. Então estão lá os memes todos e é de Taxad pra baixo.
Essa é uma questão no Brasil. Quase 40% dos empregos brasileiros são informais. É muito grande. O Índice de Economia Subterrânea de 2023, que é o último que temos, diz que representa 17,8% do PIB. Isso representa quase dois trilhões de reais. Quer dizer, um quinto da riqueza brasileira é produzida fugindo de pagar imposto. Bem complicado esse país, hein?
Então o que quer dizer que 40% dos empregos brasileiros são informais? A gente vê isso a toda hora. É o eletricista que vem na nossa casa, é o jeito que o dono do boteco na periferia contrata, o camelô. Quem trabalha na barraca na praia. Empreiteiros, inúmeros empreiteiros. Segurança de rua. Se você acha que é só esse tipo de serviço, a turma mais pobre, não se engane. Personal trainer. Dentista. Médico. Psicólogo. Fisioterapeuta. Quer com nota ou sem? Podem não estar em ocupações informais mas parte de sua renda escorre para a informalidade.
Olha, nos Estados Unidos também tem trabalho informal. Não chega a 10%. Tem na França e tem no Reino Unido, não chega a 15%. Essa é meio que uma média europeia, entre dez e quinze por cento.
Porque o tamanho da economia informal é tão grande no Brasil, o problema de como cobrar o imposto devido surge. Mais do que isso, tá? Quanto mais gente sonega imposto devido, mais alto o imposto é para quem paga. Ou seja, para quem está na economia formal. Não tem jeito. O Estado vai prestar determinados serviços para todo mundo. Vai dar saúde, vai oferecer educação, terá segurança. Precisa pagar. Para pagar, precisa que cada cidadão cumpra com sua parte.
Mas vamos complicar um pouco essa conversa? Só para ficar nos exemplos que já estamos usando. A Receita Federal americana recebe tanto dado quanto a nossa sobre os cidadãos? Não, não recebe. Os bancos só passam quando transações únicas cruzam o limite de dez mil dólares. Aqui no Brasil, se no conjunto passar de cinco mil reais, a Receita vai saber. Lá, não. Não querem saber o todo, só quando passa de dez mil dólares. No Reino Unido, as informações passadas ao Fisco são ainda menos detalhadas do que isso. Os bancos precisam monitorar transações suspeitas de lavagem de dinheiro, precisam informar sobre juros pagos por investimentos. Mas a vigília sobre o cidadão é bastante menor. Na França é similar. A preocupação é de colher informação que evite lavagem de dinheiro menos do que sonegação.
Isso faz pensar, né? Em alguns países a economia informal é pequena e a Receita é menos intrusiva na vida do cidadão. No nosso país a economia informal é imensa e a Receita vai sendo mais e mais intrusiva. Mas, vem cá, custa ser intrusivo assim? Não é okay? Não é razoável? Tudo certo, vamos complicar um pouco mais?
Olha o que nós temos em tecnologia bancária. Porque, veja, PIX a gente tem e não tem nos Estados Unidos, não tem na França, não tem em Portugal. Tem aqui. Você faz uma transferência imediata de um banco para o outro e não paga por isso. É um pequeno milagre tecnológico. A gente tem um sistema financeiro digital invejável, melhor do que qualquer país do Oriente.
E, olha, eu morei na Califórnia. Vocês têm ideia do inferno que é preencher formulário de imposto de renda americano? Não é só que seja um inferno profundo, não. É um inferno e o erro é dado. Você passa dias com o raio do formulário, a Receita demora a responder e, mesmo assim, depois ainda vêm para você dizendo que errou no preenchimento do dado xyzabc da linha 350 do formulário B52 e, portanto, dá-lhe multa. Aqui, não. A declaração de imposto de renda já vem preenchida. E correta.
Então não é como se a gente só perdesse, né? Quem está fazendo o que certo? Como é que essas peças se encaixam?
Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.
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E este aqui? Este é o Ponto de Partida.
A gente faz muito, no Brasil, uma discussão meio estúpida a respeito de Estado grande e Estado pequeno. Neste período de transformação da economia, com a Era Industrial se desmontando, empregos em manufatura desaparecendo em todo o mundo, e uma Era Digital surgindo que a gente não sabe bem como será, não tem jeito. Os Estados nacionais vão precisar ter generosas teias de proteção. O Estado de bem-estar social terá de aguentar o tranco para bastante gente. E isso não é simples, principalmente por conta da previdência. Da aposentadoria.
Porque, veja, temos cada vez menos jovens e cada vez mais velhos. Não bastasse, os velhos viverão mais. E tem pouca gente jovem, no mercado de trabalho, pagando previdência. Ou seja, botando no bolo de dinheiro que paga as aposentadorias. Não era assim. Há trinta, quarenta anos, tinha mais gente jovem trabalhando do que velhos aposentados. E os velhos viviam menos. Agora, mistura isso com o fato de que temos uma massa de trabalhadores com ensino médio entrando numa economia do conhecimento em que eles tem baixíssima qualificação para conseguir empregos bem pagos.
Não é só um problema brasileiro. É também um problema americano, francês e britânico. A gente vai precisar de um Estado de bem-estar social sólido. E isso é o liberal aqui falando, para quem acha que liberal é contra. Não é. Não somos.
Agora, vem cá: como paga? Quanto mais gente houver na economia formal, mais fácil fica, não é mesmo? Como resolve essa equação? Como se incentiva que mais e mais negócios sejam formalizados. A pergunta é particularmente importante num mundo em que novos tipos de negócios são possibilitados pelos Ubers, pelos Airbnb, Amazon da vida. E, não, se engana quem acha que só tem negócio pequeno ancorado nas plataformas. Tem gente gerindo vários apartamentos, vários automóveis. Tem gente subsistindo e gente fazendo muito. Tem nômades digitais que moram pelo mundo, cada mês num lugar, alugando o próprio cérebro de frila em frila.
O mundo mudou e existem oportunidades aí. Para países, para cidades, para pessoas. Só que, para tudo funcionar redondo, a gente precisa descobrir um jeito de incentivar a formalidade. Aí não tem jeito. Quanto mais condições se criar para formalizar, menos gente haverá formal. É muito difícil criar um negócio no Brasil. A quantidade de regra, dependendo do setor, é de enlouquecer. É muito caro criar um emprego formal no Brasil.
Por que americanos, franceses e ingleses têm um pedaço maior da economia na formalidade? Bem, porque lá é mais barato e é mais simples ser formal. E, como têm um pedaço menor da economia na informalidade, o Estado não precisa investigar cada pequena transação de cada cidadão. Mesmo assim, sem o Estado investigar cada detalhe da vida do cidadão, o problema da sonegação é menor. E olha que o Estado francês é bem grandinho, tá? A teia de proteção social lá é bastante boa. O sistema de saúde pública inglês é um dos melhores da Europa.
Claro que, porque nós temos esse problema gigante de sonegação, porque criar um emprego no Brasil é tão caro, aí a gente desenvolve uma tecnologia financeira matadora que ninguém mais tem. Facilita muito a nossa vida que o governo já saiba preencher nosso imposto de renda. PIX é uma maravilha. Mas qual é o custo disso? O quanto disso não envolve uma quantidade imensa de esforço jogado fora?
O que a gente não pode fingir é que não existe uma conversa aí para se ter. O trabalho está mudando de forma acelerada. O que as pessoas, principalmente o que os jovens esperam do trabalho, está mudando. Essa é uma oportunidade aberta para termos uma conversa sobre isso. Sabe, nos Estados Unidos o governo Biden rompeu com o liberalismo de Clinton e Obama e, ainda assim, não conseguiu acenar para os americanos mais jovens.
É mentira que o governo Lula queira taxar o PIX. Mas é verdade que quem usa PIX e não paga imposto vai ter de começar a pagar. É verdade que o governo, no Brasil, acompanha com lupa o comportamento de cada brasileiro. Acompanha muito, muito mais do que a maioria das democracias. É verdade, também, que jovens brasileiros querem repensar como funciona a relação do Estado, do trabalho e de cada cidadão.
Os demagogos autoritários de direita estão tocando essa conversa. É hora de democratas começarem a repensar o pacote todo. O Brasil está precisando de umas reformas.