Caiado inelegível e o cérebro de Lula
Vi um monte de gente, nas redes, celebrando a decisão da juíza Maria Umbelina Zorzetti, do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, que tornou inelegível o governador Ronaldo Caiado. Caiado foi condenado por abuso de poder político, o registro da candidatura do prefeito eleito de Goiânia Sandro Mabel foi cassado e o de sua vice, Claudia Lira, também. Os três foram declarados inelegíveis por oito anos. Enquanto isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está internado no hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Os médicos disseram que ele não ficará com nenhuma sequela, que suas funções neurológicas estão preservadas. Celebraram que ele acordou sem estar confuso. Que passa bem e conversa. Se explicam tudo isso é porque tinham medo de que ele perdesse funções neurológicas, de que acordasse confuso, que tivesse sequelas. Temos um presidente que será candidato à sua reeleição com 81 anos de idade. Que, quando cai de um banquinho no banheiro, precisa passar por duas cirurgias intracranianas.
Não adianta. O tema de 2026 se impõe. O PT precisa decidir quem é o candidato de Lula daqui a um ano se o presidente não tiver condições de competir. Porque, gente, talvez o presidente não tenha condições de competir. Eleição presidencial é puxado. E não é só isso. Os brasileiros têm o direito de se perguntar se querem, em um dos momentos mais delicados da história recente, serem presididos por um homem de 85, 86 anos. Quando foi eleito, Joe Biden era perfeitamente capaz de articular frases inteiras, cheias de bom senso. Dois anos depois, aos 80, essa capacidade tinha ido embora. Ele não ficou gagá. Ele não perdeu propriamente a capacidade de tomar decisões difíceis. O que perdeu foi a capacidade de articular suas ideias. A cabeça pensa, a boca não acompanha. Normal. Esta é uma das muitas pequenas decadências que podem acontecer e que possivelmente acontecerão com todos nós que temos a sorte de ficarmos velhos. Eleger um presidente que terminará o mandato com 85, 86, é se dispor a correr este risco. Queremos?
Se o candidato for Fernando Haddad, e é o nome mais provável em caso de o PT julgar que é melhor ter outro candidato, talvez seja hora de o Partido dos Trabalhadores parar de ficar batendo no ministro da Fazenda. Parece prudente. Parece razoável.
Mas a gente precisa falar também de Ronaldo Caiado. Olha, o cara aprontou. Inacreditavelmente, aprontou. Inacreditavelmente porque, cá entre nós, coisa de amador. Entre o primeiro e o segundo turno, convocou alguma reuniões no Palácio das Esmeraldas, sede do governo do estado, com líderes políticos para pedir apoio à candidatura de Sandro Mabel para a prefeitura da capital. Caiado sabe que é ilegal, que a legislação proíbe. Ainda assim, ele o fez. Por quê? Para quê? Se fizesse a mesma reunião fora do palácio, seria legal. Se falasse as mesmas coisas fora do palácio, seria legal. No momento em que usa uma estrutura do Estado, como o palácio, passa a ser abuso de poder político. É o que diz a legislação.
Agora, ao mesmo tempo, a gente tem de fazer algumas perguntas importantes. A primeira é a seguinte: vai ser assim? Bolsonaro, inelegível, possivelmente preso. Pablo Marçal tem toda a cara de que será tornado inelegível por conta do uso grotesco de uma declaração médica falsa contra Guilherme Boulos. Agora Caiado. A Justiça Eleitoral vai tirar do jogo todos os potenciais candidatos da direita brasileira ao Planalto? Já não falo aqui do que é legal e do que é ilegal. Mas de como os eleitores reagem. A gente acha que o eleitorado de direita vai achar o quê?
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E este aqui? Este é o Ponto de Partida.
Vamos pensar, aqui, sobre o que é Justiça Eleitoral. O objetivo da Justiça Eleitoral é defender os interesses do eleitor. Ela pode atribuir multas, pode cassar candidaturas, pode tornar pessoas inelegíveis. Sandro Mabel foi eleito pela população de Goiânia. Eleito. Pessoas por duas vezes, no primeiro e no segundo turno, foram às urnas, depositaram seus votos, e o puseram em primeiro lugar na lista de candidatos à prefeitura. O que a juíza decidiu, agora, não impacta apenas Mabel. Impacta todos os eleitores da capital. Seu voto foi igualmente cassado. Então o que temos de avaliar é se, ao declarar nulo o voto dos goianos, a juíza está defendendo ou os punindo.
Porque, vejam, se ao usar o Palácio o governador manipulou o voto dos eleitores, então pode-se argumentar que a juíza os defende. Mas se não houve manipulação, aí é o contrário. Aí a juíza está cassando o voto de todo mundo que escolheu Mabel. Aí é uma violência. Então como sabemos se o eleitor foi manipulado? Bem, qual foi o crime que Caiado cometeu? Ele usou uma estrutura que pertence ao Estado para fazer discurso de campanha. Tudo certo. Se ele fizesse o mesmo discurso fora do palácio, num clube privado, em sua casa particular, em qualquer lugar que não pertença ao Estado, o que ele falou seria ilegal? Não, não seria. Caiado podia fazer discurso de campanha. Políticos podem fazer política. É legal. Estamos numa democracia. Ótimo. Se ele fizesse o mesmo discurso fora do Palácio, o efeito seria diferente? O que Caiado fez foi pedir apoio de líderes políticos. Ele era o governador, os líderes ali regionais sabiam que ele era o governador, fizeram seus cálculos políticos e deram apoio. Claro que o apoio deve ter feito diferença na eleição. Mas ter sido no palácio ou não fez alguma diferença? Muito difícil argumentar que tenha feito. Se não fez diferença, tirar os direitos políticos de Caiado, de Mabel e de sua vice é um exagero. E, olha, na boa? Cassar o voto de todos os eleitores de Goiânia é absurdo. Porque esta é a decisão da juíza. Cassar o desejo do eleitor por um crime cometido pelo governador que não fez diferença na eleição. É impossível provar que, se tivesse dito a mesma coisa fora do palácio, o efeito seria diferente. Se o palácio não fez diferença, o crime não alterou o resultado.
Estamos para entrar numa eleição muito delicada. O que leva eleitores à extrema-direita, e isso é a ameaça que se impõe à democracia brasileira, é a percepção de que o sistema não funciona. De que não são ouvidos. De que a democracia é um jogo de cartas marcadas. Decisões como sair proibindo tudo quanto é candidato de direita de concorrer em eleições só confirma isso. Vejam, o caso de Marçal é muito diferente do de Caiado. Caiado fez algo que não deve ter mexido no ponteiro da eleição. Marçal lançou um documento falso, patentemente falso, acusando seu adversário de esquerda de ser consumidor de drogas pesadas. Ele quis emplacar uma mentira absurda a três dias da eleição. Ele quis fraudar a percepção que os eleitores tinham de um de seus principais candidatos. Marçal cometeu um crime contra o desejo do eleitor. É difícil provar que o que Caiado fez tenha alterado o desejo do eleitor. Se não dá para provar, o desejo do eleitor precisa ser mantido.
Isto não é uma defesa do que Caiado fez. É uma defesa da preservação do desejo do eleitor de Goiânia. É uma defesa de que a Justiça Eleitoral intervenha o mínimo possível no voto. O voto precisa ser soberano.
E aí voltamos a Lula. É hora de o PT começar a ser responsável. Conforme este Ponto de Partida ia ser gravado, chegava a notícia de que o presidente ia ser submetido a mais um procedimento cirúrgico. Pela terceira vez em um mês, médicos pretendiam entrar e mexer no cérebro do presidente. Por conta de uma queda que ele teve ao cortar as unhas do pé. Lula é um senhor. Estão mexendo no cérebro dele. Os médicos estão dizendo que está tudo bem e, para cirurgias no cérebro, talvez até esteja, mesmo. Mas, se estiver, é porque está o melhor possível numa situação que é muito ruim.
Estamos em um momento delicado da política do mundo, Donald Trump acaba de ser eleito novamente para a presidência dos Estados Unidos, e Lula não está bem. Se Haddad é o candidato da esquerda, talvez seja hora de, nem que seja apenas por respeito ao plano B, começar a tratá-lo de um outro jeito. As condições são adversas, sabe. É hora de começar a agir com responsabilidade.
A gente não sabe quem vai ser o candidato da esquerda ou o da direita em 2026. Está cedo para dizer. O que está claro, porém, é que os riscos estão aí. Rondando. Não foram embora. E nunca o cenário foi tão incerto quanto está nesse momento.