Como os Emirados Árabes Unidos estão correndo por fora na disputa global da IA
A primeira viagem oficial do presidente dos Emirados Árabes Unidos, Sheikh Mohammed bin Zayed Al Nahyan, aos Estados Unidos, em setembro, tinha o objetivo de levar o relacionamento dos dois países a um novo patamar geopolítico, baseado em crescimento econômico e inovação. O acordo bilateral envolve investimentos emiradenses nos Estados Unidos que totalizam US$ 1 trilhão em áreas como energia renovável, tecnologia avançada e inteligência artificial. A cooperação também é importante para Washington, que busca limitar os avanços da China na corrida pelo domínio global da IA e sua influência tecnológica no Oriente Médio.
A parceria com os americanos permitiu que a Microsoft anunciasse, em abril, um investimento de US$ 1,5 bilhão na G42, principal empresa de inteligência artificial emiradense sediada na capital Abu Dhabi. A G42 executará seus aplicativos e serviços de IA no serviço de nuvem Microsoft Azure, além de implantar as ofertas de nuvem da Microsoft.
Os Emirados Árabes Unidos vêm tentando se estabelecer como um importante centro de tecnologia no Oriente Médio, especialmente em áreas como IA e criptomoedas. Livre de disputas políticas, sendo supervisionado por autoridades que têm uma visão mais branda do que muitas nações ocidentais sobre o uso de dados anônimos de cidadãos para treinar modelos de IA, o país é visto como vantajoso para avançar com mais rapidez na corrida pelo desenvolvimento e domínio dessa promissora tecnologia. A renda isenta de impostos também contribui para atrair os pesquisadores de IA mais requisitados do planeta.
Além da G42, os Emirados anunciaram este ano o MGX, um fundo de US$ 100 bilhões, incluindo US$ 30 bilhões de capital fornecido pelos grupos norte-americanos BlackRock e Microsoft e fontes de Abu Dhabi, como a Mubadala e a própria G42, criado especialmente para investir com rapidez em empresas de IA ao redor do mundo, como a OpenAI, que recebeu US$ 500 milhões do fundo na rodada de capital de US$ 6,6 bilhões, no mês passado. A Mubadala, um dos principais fundos soberanos, também investiu na rival da dona do ChatGPT, a Anthropic, e está entre os investidores de risco mais ativos, com oito negócios de IA nos últimos quatro anos, de acordo com a PitchBook.
A peça mais importante da estratégia emiradense é a acadêmica. Pesquisadores do Technology Innovation Institute (TII) financiados pelo governo fazem parte da Abu Dhabi AI Inc, onde o emirado desenvolveu o Falcon, um dos grandes modelos de linguagem (LLM) de código aberto mais avançados do mundo, ao lado do Llama da Meta e da francesa Mistral.
A pequena nação do Golfo, com cerca de 10 milhões de habitantes e a primeira do mundo a nomear um primeiro ministro de IA em 2017, tem mostrado seu potencial ao mundo. Entre 2021 e 2023, o número de trabalhadores de IA quadruplicou para 120 mil. Em 2019, lançou um programa de vistos para profissionais de TI, facilitando a entrada de especialistas em IA. No último mês de maio, Dubai lançou a maior iniciativa de engenharia rápida do mundo, com o objetivo de qualificar 1 milhão de trabalhadores nos próximos três anos. Já a New York University lançou uma filial em Abu Dhabi, que desde então desenvolveu um foco em IA.
O ministro de IA dos Emirados Árabes Unidos, Omar Al Olama, de 34 anos, defende que a inteligência artificial poderia aumentar a qualidade de vida no país ao reduzir o tráfego rodoviário, melhorar a capacidade hospitalar e cortar a burocracia estatal. Nomeado para sua atual função quando tinha apenas 27 anos, Al Olama recebeu a tarefa de transformar os EAU em uma nação líder em IA até 2031. “Omar tem credibilidade única como o primeiro ministro de IA no cenário global”, diz Amandeep Singh Gill, enviado do Secretário-Geral da ONU para tecnologia. “Ele é muito carismático. Sem afetação, ele se aproxima e faz amizade com as pessoas. Sua juventude é parte essencial desse carisma.”
Para além dos Emirados Árabes
Além dos Emirados, outros países do Golfo, como o Catar e a Arábia Saudita, também estão levando a tecnologia a sério, já que a IA pode contribuir com US$ 320 bilhões para o Oriente Médio até 2030, e trazer um impacto de cerca de 14% do PIB somente dos EAU, de acordo com um relatório da consultoria PwC. A Arábia Saudita busca reduzir a dependência de sua economia em petróleo e gás com investimentos massivos em IA. De acordo com uma projeção recente da Saudi Data and AI Authority (SDAIA), o setor contribuirá com 12% de seu PIB até 2030, além de crescer a uma taxa de 29% ao ano. Os fundos soberanos dessas nações investem em nome de seus governos, que foram ajudados pelo aumento dos preços da energia nos últimos anos. A riqueza total dos países do Conselho de Cooperação do Golfo deve aumentar de US$ 2,7 trilhões para US$ 3,5 trilhões até 2026, de acordo com o Goldman Sachs.
Com a crescente demanda por energia para alimentar os data centers, a região, que tem o menor custo do mundo para produzir energia solar, pode combinar sustentabilidade e poder computacional para se tornar um dos maiores players globais de IA. E ser uma alternativa para outras big techs, que ainda procuram outras maneiras de gerar eletricidade suficiente e exclusiva para sustentar suas estruturas computacionais necessárias para o aprimoramento da inteligência artificial.
Energia abundante, regulação menos restritivas, políticas de incentivo para captação de grandes cérebros do setor de pesquisa e muito dinheiro para investir. Essa parece ser a receita dos Emirados Árabes Unidos para correr por fora com Estados Unidos e China, na corrida mundial pelo domínio do mercado de IA. Apesar de apresentar resultados positivos, colocando o país no radar dos grandes players globais, resta saber o desenrolar dessa história diante de uma tecnologia que parece estar nos seus primeiros passos. A ver.