‘Voz da Morte’ volta em novo álbum do Opeth
Se vai resultar em dois passo à frente, só o tempo dirá, mas The Last Will & Testament (Spotify), 14º álbum de estúdio do Opeth, lançado nesta sexta-feira, pode parecer um passo atrás na carreira do grupo sueco de prog-metal. Pela primeira vez em 16 anos o vocalista e guitarrista Mikael Åkerfeldt resgata o estilo de cantar gutural característico do death metal que marcou mais da metade da trajetória da banda e cujo abandono completo em Heritage, de 2011, dividiu os fãs. Mas, não importa de que lado da torcida se esteja, a versatilidade do cantor, passando facilmente dos grunhidos para o vocais limpos e vice-versa, impressiona.
Åkerfeldt explicou a retomada do estilo antigo de cantar após tanto tempo. “Gosto de estar fora de moda”, brincou. “Então, decidi que a hora de trazer de volta os vocais de death metal seria quando as pessoas parassem de se importar com eles. E foi agora”. Ele conta que o grupo tocou material antigo em apresentações, com uma boa receptividade por parte da plateia. A entrada do baterista Walt Väyrynen, um grande fã do gênero mais agressivo também pesou.
Uma regra apenas
Desde que estreou em disco com Orchid, em 1995, o Opeth tem como regra não ter regras, e o retorno dos vocais guturais se encaixa bem nesse princípio, tirando os fãs mais recentes da zona de conforto. Seguindo uma tradição do progressivo – embora não intentada por ele –, The Last Will & Testament é um álbum conceitual, amarrado por um tema, no caso, o testamento deixado por um homem igualmente rico e conservador. Ao longo das oito faixas, sete delas intituladas somente com um sinal de parágrafo (§) e o número, o ouvinte é apresentado aos segredos da família, como a origem de cada um dos supostos beneficiários, culminando com a balada A Story Never Told e seu solo de encerramento, que fecha o álbum em um tom mais suave que o ouvido ao longo de seus 50 minutos.
Em grande parte é um fan service, reunindo elementos que estavam presentes em toda a carreira do quinteto: temas sombrios, mudanças radicais de andamento, ritmo e (novamente) estilos vocais e instrumentais elaborados – até a flauta do patriarca Ian Anderson, dono do Jethro Tull, se faz presente. Ao mesmo tempo, é um álbum com pouca ou nenhuma concessão a um ouvinte casual, à exceção da já citada balada e, talvez, §3, segundo single, que poderiam servir de “entrada” para quem não está familiarizado com prog-metal, death metal e com a singularidade do Opeth. As demais faixas, ao contrário, podem afastar o público que procura riffs, refrões e canções com uma certa “unidade”.
É um defeito? É uma qualidade? Cabe a cada ouvinte decidir, mas, numa época em que a música é feita para seduzir algoritmos, é reconfortante explorar um álbum que procura desviar das fórmulas do próprio artista e surpreender o público sem perder a identidade.
Irmãos mais unidos do que parece
O leitor leigo deve estar se perguntando o que “prog” e “metal” têm a ver um com o outro? Heavy metal (em sua primeira geração) e rock progressivo nasceram de uma mesma fonte, o blues rock feito principalmente na Inglaterra na segunda metade dos anos 1960, e sempre houve diálogo entre eles. South Side of the Sky, do Yes, é inegavelmente pesada, assim como o seminal álbum Red, do King Crimson, por exemplo. Idem para Cross-Eyed Mary, do Jethro Tull – embora o grupo ter ganhado o primeiro Grammy de heavy metal fosse uma aberração. No sentido contrário, No Quarter, do Led Zeppelin, e Run of the Mill, do Judas Priest, fazem bonito em qualquer coletânea de progressivo. Rick Wakeman, tecladista do Yes, tocou em dois álbuns do Black Sabbath, aliás.
O movimento punk (e principalmente a imprensa que lhe deu ressonância) baniu o progressivo dos holofotes e embruteceu o metal, mas não matou o primeiro nem rompeu a relação entre eles. O trio canadense Rush manteve e expandiu os limites dessa simbiose ao longo de toda a carreira, e, à margem do thrash e do glam metal, a virada dos anos 1980 para 90 viu surgir uma geração de grupos que misturavam peso e elaboração instrumental, a ponto de “prog-metal” virar um gênero em si. Ok, alguns exageram. Uma piada comum é: “Cheguei ao show do Dream Theater com uma hora de atraso, perdi quase a metade da primeira música”.
Na Europa, a evolução foi diferente. Progressivo não existia para a mídia, mas novas e boas bandas nunca deixaram de surgir – faça-se um favor, ouça Porcupine Tree e Anekdoten. Paralelamente, grupos de death metal, um dos gêneros mais extremos de rock pesado, foram gradativamente sofisticando seu som e incorporando elementos de progressivo, folk e música erudita. Algumas, como Anathema, viraram explicitamente progressivas; outras, como Therion e o próprio Opeth, passeiam entre estilos. Some-se a isso subgêneros como metal gótico, sinfônico e folk, e temos no Velho Mundo uma cena de rock pesado muito mais diversificada e interessante, embora menos badalada na mídia, que a dos Estados Unidos.