As contas da semana 4×3
A equipe da deputada federal Erika Hilton propõe que os empregados da CLT passem a trabalhar quatro dias por semana, não mais que oito horas por dia. Dá, no horário normal, trinta e duas horas semanais. Contando horas extras, que não pode ser recorrente, pode chegar a trinta e seis. Ou seja, mais quatro horas, só quando precisar.
Será que sabem responder para cada setor da indústria, do comércio e dos serviços, qual será o impacto? Só perguntando. É importante saber.
Isso posto, eu sei: o trabalhador tem direito. Eu sei: está todo mundo exausto. Estamos todos exaustos de trabalho e ferrados de grana. A sensação é coletiva. É de todo brasileiro e não só de nós, brasileiros. Segundo o Serasa, mais de setenta e dois milhões de brasileiros estão inadimplentes com suas dívidas. Um terço dos brasileiros. Veja: este não é o número de endividados. Estes são os que não estão dando conta de pagar o que devem. Quase 80% das famílias brasileiras têm dívidas. Então é evidente que está todo mundo sufocado e em busca de uma saída. Este sufoco é duplo. É falta de grana e falta de tempo. A gente trabalha muito e não ganha o bastante.
Aí alguém faz um aceno desses, vamos trabalhar só quatro dias no emprego oficial, naquele que assina a carteira, todo mundo quer. E esta proposta não sai do nada. O mundo está olhando para automação, para inteligência artificial, e uma das saídas que aparecem para o desemprego que pode surgir é justamente essa. Se vai haver menos emprego, vamos dividir. Se todo mundo trabalha quatro dias mas as empresas precisam produzir cinco ou seis dias por semana, emprega-se mais. A saída faz sentido, tem muito estudo a esse respeito e está todo mundo sério tateando para tentar descobrir como implementar a ideia em grande escala.
Agora, para a maioria dos brasileiros, sejamos realistas. Não vai ser pra descansar, pra ir ao parque. Não vai ser pra ficar com a família. É bonito dizer isso, mas não vai. Vai ser para trabalhar pelo menos mais dois dias para aumentar a renda. O que, aliás, é perfeitamente legítimo, tá? Todos temos o direito de fazer o que quisermos com nosso tempo livre. O que quisermos ou o que a gente precisa fazer. Não vai rolar fim de semana de três dias.
Mas o que isso quer dizer na prática? Porque a PEC diz outra coisa: não pode diminuir o salário. Ou seja, eu ganhava cem para trabalhar 44 horas, virou cem por 32 horas. Meu salário hora era de dois reais e vinte e sete. Passei para a um salário hora de três reais e treze. Dá 38%. Quase quarenta porcento de aumento.
Por que pensar assim? A razão é simples. O restaurante vai continuar precisando abrir sete dias por semana. Fazia isso com um número de funcionários que rotacionava em escalas. Agora vai precisar contratar mais gente. Ou seja, vai gastar mais para oferecer o mesmo serviço. O restaurante vai gastar consideravelmente mais.
O que esta proposta representa na prática é isso. Todo contratado pela CLT recebe instantaneamente um aumento de 38%. Mas só se for CLT, tá? Ou seja, estamos falando de quase 40 milhões de pessoas. 40 milhões de brasileiros terão um aumento de 38% e o resto fica no mesmo lugar em que estava. Aumentamos o abismo entre a turma da carteira azul e o resto.
Vamos continuar aqui. 52% dos empregos CLT são gerados por micro e pequenas empresas. Metade. Um dos principais projetos do governo federal, do governo Lula, para micro e pequenas empresas é o Desenrola. Isso vem da compreensão, por parte do governo, de que estas empresas estão endividadas e com muita dificuldade de manter suas contas em dia.
Aí, enquanto o PT no governo está preocupado em manter estas empresas com o pescoço fora d’água, o PT e o PSOL no Congresso vão ordenar um aumento instantâneo de 40% dos salários de todos os seus funcionários. Afinal, estes empresários são pessoas com dificuldades de sustentar seus negócios e precisam de ajuda ou são exploradores de seus funcionários que precisam compartilhar mais com eles?
Se forem exploradores, vão apertar um pouco o cinto e pagar. Mas aí Desenrola pra quê? Não precisa. É o governo dando dinheiro barato para empresário. Agora, se a tese for de que as coisas estão mesmo difíceis, aí a solução será demitir. Ou contratar fora da CLT.
Uma pista: o governo não está fazendo o Desenrola à toa. Tem os números, conhece as dificuldades, e sabe que essas empresas não aguentam o tranco. O programa realmente é necessário. Outra pista: sabe esses 80% dos brasileiros endividados? Inclui empresários. Justamente estes pequeno e microempresários.
Bem, alguns estudos apontam aumento de produtividade? Sim. Quase todos são estudos europeus que têm indústrias de produtividade alta e empregados altamente qualificados. A produtividade do brasileiro é baixa. Não vejam isso como ofensa, estou junto no mesmo pacote. O fato é que nós criamos menos riqueza. Nós, brasileiros, criamos menos valor por dólar recebido como salário quando comparados com o americano, o francês, o indiano, o chinês. E enquanto não educarmos melhor os brasileiros, isso não tem chance de mudar. Sim, nos estudos pontuais feitos na Europa, os indícios são de que aumentou produtividade. Isso não quer dizer que, nas condições brasileiras, valha a mesma ideia.
A gente não quer fazer um teste aqui no Brasil? Um teste num setor, ou numa cidade? Queremos simplesmente gerar um aumento imediato na carga salarial, instantâneo mesmo, para todos os setores de indústria, comércio e serviços no Brasil e esperar para ver no que vai dar? É a melhor maneira de fazer isso?
Claro, todo mundo quer. Mas e se der ruim? Porque, sim, pode dar muito ruim. Uns dizem que é terrorismo falar em cenários negativos. Claro, para que mexer com a fantasia? Mas vamos explorar o que pode dar errado?
Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.
É, pois é, e estou aqui falando mal de uma coisa que um monte de gente quer. Deixa eu fazer uma pergunta para você. Como você se considera politicamente? Aqui nós não somos anti-esquerda e não somos anti-direita. Aqui a gente acredita, fundamentalmente, em democracia. Aqui a gente defende que a centro esquerda e a centro direita conversem. E isso quer dizer que poucas coisas nos preocupam mais do que um pedaço da direita que se radicalizou enquanto um pedaço da esquerda decidiu que a direita inteira é radicalizada. Isto não é verdade. A consequência de um transformar o outro em vilão é que as conversas acabam.
Você passeia por boa parte da imprensa independente, na internet, e o que você encontra é um contínuo discurso de nós temos todas as virtudes e o outro lado é o Darth Vader. A gente não consegue mudar nada no país se não formos capazes de fazer acordos. A gente precisa de mudança e mudança não acontece se os dois lados não forem capazes de voltar a conversar. Sim, mudanças como mexer na carga horária de trabalho. Só que isso precisa vir junto com estudo e com experiências. Política pública não pode ser mudada no ímpeto, tem de ser mudada com precisão.
Os dois lados têm claques fortes, também. É só abrir as caixas de comentários e ver. Não é só aqui, é em toda parte. As redes sociais, gente. É difícil, hoje, ser razoável, no Brasil. É difícil ser moderado. Se as redes sociais parecem tão agressivas é porque moderados se calam. É claro que se calam. Você abre a boca para ponderar e lá vem pancada. A gente, aqui, vai continuar conversando. Vai continuar buscando o caminho do Meio. Sem acordos não haverá mudança. Se você pensa como nós, e muitos brasileiros pensam, assine o Meio.
Tem pouca gente neste campo político aqui se manifestando. Colaborando. É como se, com exceção dos super engajados, todo mundo tivesse de saco cheio. Eu entendo, sabe? Porque, olha, para entrar na internet e discutir política com a certeza de que você vai ser imediatamente atacado por um dos lados é preciso muito estômago e pele de couro. Mas a gente está fazendo isso. E vamos continuar fazendo isso até essa febre passar. Só que a gente precisa do apoio de vocês. Das assinaturas de vocês. Sim, eu sei que os tempos estão bicudos. Mas são só quinze reais por mês.
São quinze reais para manter viva uma voz pedindo moderação.
E este aqui? Este é o Ponto de Partida.
O primeiro risco é inflação. Sabe qual foi o impacto do surgimento do décimo terceiro salário para a indústria, quando ele surgiu? A lei é de 1962. Houve uma grande revolta, empresários diziam que iam quebrar. Teve tudo isso. Ao fim de dois ou três anos, o impacto na conta das empresas sumiu. Por quê? Porque a inflação comeu o valor dos salários. Os empregados passaram a ganhar menos por mês e compensava com uma grana a mais no fim do ano.
Vejam, o que você ganha é um valor por ano. Se ele é pago em doze parcelas, em treze ou catorze, não faz diferença contábil. Quer dizer, faz sim. Se você recebe esse dinheiro todo no início do ano, pode investir e vê o dinheiro aumentar. Se recebe em duas parcelas, idem. Se recebe em doze parcelas, aí não dá. Se recebe em treze parcelas e as duas últimas são pagas no finzinho do ano, quem foi que pôde investir essa grana? Pois é. Foi o patrão, não você. É o mesmo raciocínio do salário por hora, que é o que vale, no fim das contas. Se houver um repentino aumento de salário hora, dá um tempo e a inflação vai desvalorizar o real até ajustar aquele salário. Quem teve o aumento vai voltar a ganhar o que recebia por hora, mas trabalhando menos horas. Quem não teve o aumento, que está fora da CLT, vai ver só seu dinheiro conseguindo comprar menos coisa, mesmo.
Então temos estes dois riscos imediatos: aumento de inflação para voltar a paridade de valor e, ao mesmo tempo, diminuição das pessoas contratadas por CLT. E as empresas que não tiverem dinheiro em caixa o suficiente para esperar até a inflação compensar os gastos? Essas quebram, mesmo.
E eu, o que estou fazendo aqui, falando as coisas que ninguém quer ouvir? Eu também não sei por que faço isso. Só vou apanhar nos comentários. Não tem serventia, isso.
Ou tem. Tem uma esperança. A esperança é ajudar um pouco a pensar sobre como esse projeto pode ficar de pé. Um dos jeitos é topando ganhar um pouco menos para trabalhar quatro dias. Outro jeito é, de novo, fazendo experiências. O governo pode bolar estímulos para que algumas empresas experimentem a coisa para sentir o impacto. Ou alguns setores. Ou algumas cidades. A melhor maneira de a gente implementar uma mudança radical é fazendo experiências antes para ver como é o melhor jeito de fazer.
O Brasil pode inovar. Mas é importante entender como se faz inovação. Porque, olha, não se enganem. É muito difícil essa PEC passar pelo Congresso. E muitas das pessoas que estão a defendendo, nem todo mundo, mas das pessoas estão só vendendo uma ilusão. Se chama demagogia.