Edição de Sábado: Se Trump perder
George Washington, primeiro presidente dos Estados Unidos, foi eleito duas vezes sem candidato adversário. Mas, desde 1796, quando John Adams derrotou Thomas Jefferson, as eleições presidenciais no país despertavam uma e somente uma pergunta: quem vencerá? Uma guerra civil e dois conflitos mundiais não impediram que os pleitos de 1864, 1918 e 1944 transcorressem normalmente, e mesmo a polêmica eleição de 2000 foi encerrada dentro dos ritos democráticos. Tudo mudou em 2020, quando, derrotado nas urnas, o presidente Donald Trump tentou manobrar para mudar o resultado, culminando com uma inimaginável invasão do Capitólio por uma turba em 6 de janeiro do ano seguinte, a fim de evitar que o Congresso homologasse a vitória de Joe Biden.
Trump é mais uma vez candidato, agora contra a vice-presidente Kamala Harris, e, com as pesquisas indicando uma competição acirrada, a questão sobre quem vencerá permanece em aberto. Não há muitas dúvidas sobre o que Trump fará se vencer — deportação em massa de imigrantes, perseguição de inimigos políticos, uso de forças de segurança contra cidadãos americanos, tudo declarado por ele mesmo em sua escalada perigosa. Mas uma outra pergunta paira agora: o que o candidato republicano e seu partido e partidários farão se, mais uma vez, forem preteridos pelos eleitores?
Nem a pessoa mais ingênua ou otimista do mundo imagina que Trump vá reconhecer uma eventual derrota eleitoral. Ele e seu atual companheiro de chapa, o senador J.D. Vance, não admitem até hoje a vitória de Biden em 2020. Nos últimos meses, os dois, seus advogados e aliados vêm trabalhando com esse cenário, espalhando desinformação e abrindo processos sem base. Contam ainda com legisladores de estados-chave, agentes da lei e do Judiciário que acreditam estar servindo a um “bem maior” e um sistema eleitoral que pode ter feito sentido há 224 anos, mas que nas últimas décadas vem servindo de barreira à vontade da maioria dos eleitores.
Escolados, os democratas buscam erguer barricadas legais a artimanhas, mas também precisam vencer a eleição. É nesse emaranhado de suspeitas, temores, pesquisas e regras caóticas que vamos nos debruçar agora, enquanto aguardamos o veredito das urnas.
Complicada e imperfeitinha
Em apertadíssima síntese, todas as chances que Trump tem de subverter o resultado das eleições derivam do sistema eleitoral estabelecido pela Constituição dos EUA em 1788. É importante lembrar que o país foi formado por 13 colônias britânicas com governos, culturas e organizações socioeconômicas distintas, unidas basicamente pelo desejo de se livrar do domínio inglês. Seus líderes sabiam que, isoladamente, nenhuma colônia conseguiria se libertar da metrópole. Ao mesmo tempo, todas relutavam em abrir mão de poderes e prerrogativas em favor de um governo central, temendo que este as atropelasse. Couberam à União principalmente a economia, a defesa e a diplomacia.
Outra preocupação era que os já renomeados estados mais populosos e economicamente desenvolvidos, concentrados no Norte, se impusessem aos do Sul, agrários e com grande população escravizada — por óbvio, sem direito a voto. Desses temores nasceu o desenho de um sistema eleitoral profundamente descentralizado.
A eleição presidencial não é uma votação nacional, mas 50 eleições estaduais para escolher os delegados que representam o estado no Colégio Eleitoral e, de fato, elegem o presidente. Somente Maine e Nebraska fazem uma distribuição proporcional. Nos outros 48, o candidato que obtiver 50% dos votos mais 1, leva todos os delegados. Na prática, isso quer dizer que um candidato pode ter, na soma nacional, a maioria de votos populares, mas, se não somar mais delegados, não vai chegar à Casa Branca.
Algumas consequências desse sistema são muito visíveis. Em 1992, o bilionário conservador Ross Perot se lançou candidato independente e obteve 18,9% dos votos populares, mas, como não venceu em qualquer estado, tirou zero no Colégio Eleitoral. Mais grave ainda, em cinco eleições desde o século 19 o escolhido pelo colegiado havia sido derrotado nacionalmente no voto popular. Caso, aliás, de Donald Trump em 2016 — Hillary Clinton obteve quase três milhões de votos a mais, mas o republicano venceu em mais estados.
Por conta disso, existem os chamados estados vermelhos e azuis, com domínio consolidado de republicanos e democratas, respectivamente. E há os “estados-pêndulo”, que mudam de cor conforme a situação. Isso, claro, não é ciência exata. Em 2016 Trump venceu em Wisconsin e Michigan, no chamado “Cinturão da Ferrugem”, até então solidamente democrata. São necessários 270 votos no Colégio Eleitoral para a vitória, e, em caso de empate, o Congresso escolhe o presidente.
Há décadas políticos e acadêmicos defendem o fim do Colégio Eleitoral, mas encontram sempre resistência por parte dos estados menores e, em geral, dos republicanos, grandes beneficiários do atual sistema. Na avaliação do analista Jeff Greenfield, uma mudança será possível caso Trump conquiste a maioria do voto popular, mas perca no Colégio Eleitoral, situação plausível na indefinição do atual quadro das pesquisas.
Até 1974 não havia nos EUA um órgão federal que fiscalizasse as eleições. Naquele ano foi criada a Comissão Federal Eleitoral (FEC, na sigla em inglês), mas seus poderes são muito limitados em comparação, por exemplo, com a Justiça Eleitoral brasileira. Limitam-se basicamente a fiscalizar e divulgar os financiamentos de campanha. As lei eleitorais e o sistema de votação diferem de estado para estado, e a realização do pleito fica a cargo do Executivo local, o que abre espaço para a partidarização do processo.
O voto não é obrigatório, o cidadão que deseja participar do processo precisa se registrar como eleitor, mas é possível votar antecipadamente em alguns estados e até pelo correio, inclusive do exterior. Leis federais proíbem a restrição do direito a voto com base em gênero ou etnia, mas não são raros os artifícios contra essa norma.
E é nesse cenário que as possíveis estratégias de Donald Trump se desenrolam.
Peças no tabuleiro
Os últimos quatro anos tiraram do ex-presidente alguns recursos para um ataque às eleições, mas deram-lhe outros. Em 2020 Trump controlava os departamento de Justiça e de Defesa, portanto, as Forças Armadas — que, é bom frisar, resistiram a suas sondagens para subverter a ordem democrática. Por outro lado, os esforços de seus partidários para reverter a vitória de Biden foram marcados por um certo improviso, ações tomadas conforme a eleição e a apuração se desenvolviam. Não mais.
O Partido Republicano teve tempo de se organizar e afirma dispor de 230 mil voluntários nos estados-pêndulo para “garantir cada voto legítimo”. A estratégia começou com processos em tribunais de diversos estados contra supostas irregularidades nos registros de votos, especialmente acusando imigrantes, um dos alvos preferenciais do trumpismo, de terem conseguido se registrar. Somente cidadãos, nativos ou naturalizados, podem ser eleitores, salvo em pequenos pleitos locais, que aceitam estrangeiros legalizados. Mesmo com essas ações sendo rejeitadas na maioria das cortes, elas são amplamente divulgadas nas redes sociais e na mídia conservadora, criando junto ao eleitorado do republicano a expectativa de que fraudes aconteçam. Uma pesquisa de janeiro deste ano mostra que 66% dos partidários de Trump acreditam que o pleito de 2020 foi fraudado.
Um segundo movimento é restringir o direito ao voto e intimidar eleitores. Na última quarta-feira, a Suprema Corte, de maioria ultraconservadora, reinstituiu ao estado da Virgínia o direito de retirar das listas de eleitores registrados pessoas suspeitas de serem imigrantes. A norma havia sido suspensa após se constatar que muitos dos expurgados tinham cidadania americana. Kamala Harris aparece em vantagem em pesquisas na Virgínia, e o governador republicano Glenn Youngkin é acusado de dirigir o expurgo das listas a grupos que tenderiam a votar nela.
Outra estratégia, agora pós-eleitoral, é tumultuar o processo de apuração. O Legislativo da Geórgia — estado republicano onde Biden venceu em 2020 — chegou a aprovar uma lei exigindo a contagem manual de todos os votos no estado, o que atrasaria em semanas a divulgação do resultado oficial, mas a medida foi derrubada na Justiça. Normalmente, recontagens manuais só ocorrem em resultados muito apertados ou diante de indícios fortes de irregularidades.
Trump conta com outro trunfo: os autointitulados xerifes constitucionais. Trata-se de um movimento de extrema direita antigoverno que congrega policiais na ativa e aposentados para o qual os xerifes locais são a autoridade máxima. Na visão deles, qualquer ingerência estadual e, principalmente, federal, é usurpação do poder da comunidade. Desde o início do ano esses xerifes vêm mobilizando cidadãos para impedir o voto de imigrantes, o que poderia levar a constrangimento de naturalizados. “Em um estado-pêndulo como Michigan ou Wisconsin, com uma diferença de 50 mil ou 70 mil votos, a atuação de um desses xerifes pode comprometer toda a credibilidade da eleição”, alerta Will Pelfrey, professor de direito criminal e segurança nacional na Universidade Commonwealth da Virgínia.
Os democratas, claro, não estão parados assistindo a tudo isso. A campanha de Kamala Harris também mobilizou um exército de advogados e voluntários, em particular nos estados-pêndulo. O melhor exemplo é a Pensilvânia, território democrata entre 1992 e 2012, mas que elegeu Trump em 2016 e voltou-se para Biden quatro anos depois. Com 19 delegados, é o mais importante estado sem um líder claro nas pesquisas e está sendo alvo pesado de uma campanha de desinformação por parte dos republicanos — além de uma forcinha financeira de Elon Musk. Em resposta, os democratas montaram uma “tropa de elite” que envolve a Guarda Nacional (braço das Forças Armadas com permissão constitucional de atual dentro do país), o Departamento de Segurança Nacional, a agência local de situações de crise e o próprio governo do estado.
Além da ação local, a campanha de Kamala conta com mudanças na legislação aprovadas após a invasão do Capitólio e antes que os republicanos retomassem a maioria da Câmara. Elas diminuem a margem de manobra de autoridades locais para intervir na apuração e forçam a certificação dos delegados para o candidato mais votado. Pela norma anterior o Legislativo estadual tinha a última palavra na escolha desses representantes. Outra mudança é que o vice-presidente, que também preside o Senado, não pode atrasar a homologação do resultado — o que Trump cobrou sem sucesso de Mike Pence em 2021. Não que a atual vice, a própria Kamala, pareça ter essa intenção.
Mas todo o esforço para garantir que a vitória nas urnas seja reconhecida depende de um pequeno detalhe: a vitória nas urnas.
Em que pé estamos
Segundo o agregador de pesquisas 270 To Win, os números são mais favoráveis neste momento a Trump. De acordo com os dados da última sexta-feira, 1º de novembro, o republicano teria 262 votos do Colégio Eleitoral — 131 garantidos, 88 com boa vantagem e 43 com ligeira vantagem. Já Kamala Harris tem 226, sendo 191 garantidos e 35 com ligeira vantagem. Há ainda quatro estados completamente indefinidos: a citada Pensilvânia (19 votos), Michigan (15), Wisconsin (10) e Nevada (6). Trump venceu nos três primeiros em 2016; Biden levou os quatro em 2020. Por esses números, Nevada, com todo o respeito, não cheira nem fede. Kamala precisa vencer nos outros três ou nada feito. Trump tem de ganhar em um deles para garantir a eleição. Considerando, claro, que as “ligeiras vantagens” se confirmem.
Especialistas com ampla experiência em analisar tendências eleitorais atiram em diferentes direções. O historiador Allan Lichtman é apelidado de “Nostradamus eleitoral” por ter acertado nove das dez últimas eleições presidenciais dos EUA — seu “erro” foi apenas na primeira eleição de George W. Bush, em 2000, mas a derrota de Al Gore na Flórida é em grande parte atribuída a um modelo confuso de cédula. Em um vídeo publicado em seu canal no YouTube, Lichtman afirma que Kamala Harris será eleita. Ele baseia sua análise em 13 “chaves”, da estabilidade econômica ao carisma do candidato. Por suas contas, a vice-presidente tem nove dessas chaves; Trump, apenas quatro.
Já Nate Silver, o “mago das pesquisas”, escreveu há pouco mais de uma semana que, embora as pesquisas estivessem emboladas, seu instinto apontava a vitória de Trump, acrescentando que não se deve confiar em instintos. Seu último boletim, publicado na sexta-feira, mostra o ex-presidente liderando na Pensilvânia por 0,6 ponto percentual, muito abaixo das margens de erro de todos os levantamentos compilados.
Ou seja, só nos restam duas certezas: os dias após 5 de novembro serão longos e, se as projeções indicarem a derrota de Trump, o jogo não será bonito.
A pragmática corrida pela sucessão na Câmara e no Senado
Quando o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ungiu o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) para sua sucessão, as correntes políticas ainda contabilizavam seus territórios alcançados com as eleições municipais e, claro, mediam o gramado do vizinho. Lira deu o pontapé inicial, fazendo acelerar as negociações que já se desenhavam. Após o anúncio feito no jardim da Residência Oficial da Câmara na última terça-feira, as legendas passaram a definir apoios na Câmara e no Senado num ritmo incomum. Até chegar o fim da semana com a sensação de que tudo está consumado: Motta presidirá a Casa Baixa e não há páreo para o senador Davi Alcolumbre (UB-AP) na sucessão de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no Senado. Só a contagem das cédulas será capaz de mostrar se os negócios fechados nesta semana significaram a largada ou o sprint final das eleições que ocorrerão somente no da 1º de fevereiro de 2025.
De saída, Motta contou com apoio do PP de Lira e do Republicanos. Angariou em seguida PT, MDB e Podemos. A foto do jardim já anunciava o amplo leque de apoios com deputados esticando os pescoços para aparecer ao lado de Lira e Motta, entre eles Dr. Luizinho (PP-RJ), Romero Rodrigues (Podemos-PB), Rubens Pereira Júnior (PT-MA), Silvia Waiãpi (PL-AP) e Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL).
Insatisfações
É fato que a presteza dos passos de Lira e de Motta e os apoios colhidos causaram o sentimento de “já ganhou”, mas também deixaram alguns insatisfeitos. O principal deles é o PSD, partido que saiu campeão das eleições, com 887 prefeituras, que tem a Presidência e a maior bancada do Senado e a quarta maior bancada na Câmara, com 45 deputados. O presidente da legenda, Gilberto Kassab (SP) esperava que a musculatura adquirida pela legenda nas urnas pudesse influir nos apoios ao nome de Antônio Britto (PSD-BA). Só que acabou assistindo, ao longo da semana, sucessivas decisões que acabaram por isolar a candidatura defendida pelo partido.
A decisão que teria deixado Kassab mais irritado foi tomada pela bancada do PT: a de declarar apoio a Motta, numa velocidade somente explicada pelo pragmatismo de poder indicar o próximo ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). “O que eu posso dizer é que se abriu no PSD uma discussão para avaliar nossa relação com o governo federal. Para nós, o PT deu um tiro no pé ao declarar apoio a um candidato que claramente é nosso adversário”, disse, em reservado, um membro do partido. Lembrando ainda que Motta é aliado do ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha, principal artífice do impeachment de Dilma Rousseff.
A ida de Isnaldo Bulhões (MDB-AL) ao anúncio de Motta não foi vista com tanto espanto no PSD. Isso porque a adesão do emedebista foi entendida como consequência de um erro cometido por Brito: deixar de lado Isnaldo, que era pré-candidato, ao costurar uma proposta de dobradinha com Elmar Nascimento (UB-BA).
Brito ainda diz ser candidato, apesar de o União Brasil ter rifado Elmar na quarta e decidido dar apoio a Motta. Lira, por sua vez, quer convencer Brito a desistir fazendo gestões junto a Lula para um ministério. Os deputados do partido querem que ele vá até o fim, mesmo se for para perder.“Não é estranho Lira negociar ministério?”, ironizou um membro do PSD.
"Café quente"
Mas o que importa em uma eleição parlamentar? Com o fim das eleições municipais, a lógica das disputas ideológicas sai de cena e o que entra em evidência agora é a antiga forma pragmática de divisão dos espaços de poder. E esses espaços estão nas mesas diretoras da Câmara e do Senado, nas comissões permanentes, nas relatorias de projetos importantes, na presidência da Comissão Mista de Orçamento (CMO), e na reforma ministerial que está por vir. “E dentro dessa lógica, a divisão que existe na Câmara e no Senado entre os partidos vai se desfazendo. Nesse contexto, o Centrão e a direita estão se unindo de novo para continuar no controle, para seguir no poder”, avalia Raquel Alves, analista política da BMJ Consultores Associados.
Diante de uma perspectiva de chegada de Motta ao poder, Raquel Alves avalia que o grande vencedor dessa eleição será o presidente da Câmara que, mesmo com o fim do orçamento secreto, determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e da perspectiva de não disputar as próximas eleições, conseguiu se manter influente. “Eleger Motta com uma margem de 300 votos, como ele já contabiliza, significará que deu certo o modelo de condução política do atual presidente da Câmara, que também soube se adaptar ao fim do orçamento secreto.” Na linguagem usada pelos parlamentares, Lira soube manter seu “café quente” até fazer seu sucessor.
E no Senado?
Com a candidatura escanteada na Câmara, a tendência é que o PSD fique sem o comando das duas Casas legislativas, mesmo tendo a maior bancada no Senado, com 15 senadores e o atual presidente, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Davi Alcolumbre (UB-AP) é tido como “já eleito” e viu essa condição ser endossada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro na tarde de terça-feira, mesmo antes de a bancada do PL decidir formalmente, o que só ocorreu no dia seguinte. No PSB, Pacheco apoia o amapaense. E tem a turma que defende candidatura própria, mesmo considerando que essa articulação já chega atrasada na corrida pela cadeira.
A articulação puxada pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA) conta, inclusive, com o apoio do ex-presidente José Sarney (MDB-AP), hoje com 95 anos e há 10 anos fora de mandatos eleitorais. Sarney está inconformado com a real possibilidade de ver Alcolumbre novamente na cadeira que já foi sua. Na terça, logo após o anúncio do nome de Motta, ele ligou para a senadora Eliziane e disse que vai conversar com os senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Eduardo Braga (MDB-AM), para retomar a ideia de MDB e PSD juntos em uma chapa encabeçada por sua conterrânea contra seu desafeto. No mesmo dia, o senador Otto Alencar (PSD-BA) retirou seu nome da disputa em uma mensagem enviada para o grupo de WhatsApp da bancada. Após conversar com Kassab, por telefone, Eliziane pediu apoio no mesmo grupo ao partido. Alencar, por sua vez, chamou uma reunião presencial da bancada para a próxima terça-feira para decidir sobre esse assunto. No MDB, no entanto, o pedido de Sarney pode não encontrar eco, uma vez que qualquer oposição a Alcolumbre é vista com ceticismo. “Ninguém quer embarcar em um projeto que a gente sabe que vai perder”, disse um interlocutor do partido.
Mas, apesar do clima de “já ganhou”, deputados e senadores sabem que os ventos podem mudar. Na sucessão, o voto é secreto e, no escurinho da cabine, a chance de ter a insatisfação como conselheira é tão grande quanto os acordos pragmáticos.
Computador é o passado
Eu sou daqueles que perde o amigo, mas não perde a piada. Uma das minhas grandes diversões é mandar para os amigos audiófilos aquele cartum clássico da New Yorker onde um cara diz para outro “as duas coisas que me atraíram no vinil foram o custo exorbitante e a inconveniência”. Pois bem, existe um hobby mais caro e inconveniente que colecionar bolachas enormes feitas de subproduto de petróleo: a retrocomputação.
Escrevo essa introdução com o risco de perder mais alguns amigos, mas vamos lá. Quem não tem saudades dos disquetes de 5¼ polegadas, das telas de fósforo verde, do barulhinho do modem, dos programas distribuídos em fita cassete? Você pode não ter, mas muita gente tem e usa seu dinheiro e tempo livre programando e restaurando equipamentos dos tempos da computação pessoal movida a vapor.
Não há como mensurar o tamanho do mercado da computação saudosista, mas ele existe. A TecToy, por exemplo, ainda vende uma versão de seu Master System, console que fez a alegria de muita criança nos anos 1980. Ela também tem uma versão revista e reduzida do lendário Atari, uma réplica miniaturizada do console original, quase com a mesma dimensão dos seus joysticks. Relançou o Mega Drive em 2020, mas o console baseado em emulação não agradou os retrogamers de verdade por trazer incompatibilidades com vários games clássicos.
“Nosso negócio é o retrô”, diz Marcus Garret, que fundou com o português Filipe Veiga a softhouse Bitnamic, focada em resgatar jogos clássicos de plataformas como MSX, Atari, ZX Spectrum, Intellivision e outras. “Nós tínhamos essa vontade de relançar jogos clássicos e criar jogos novos para as plataformas que a gente usava na juventude”. A reverência com os jogos é exemplar. Os retrodesenvolvedores aproveitam que a capacidade atual das placas de cartuchos são bem maiores que há quarenta anos e acrescentam melhorias como trilha mais robusta, novas telas. Também capricham na apresentação distribuindo o jogo com cartucho, manual e caixinha, coisa que muitos não tinham na época.
Um dos clássicos resgatados foi o jogo Avenida Paulista, criado por Maurício Bussab, onde uma bruxa sequestrava Pietro Maria Bardi, então diretor do MASP, para transformá-lo em um bode e o jogador precisava enfrentar feiticeiros, monstros e terroristas para libertá-lo. A Bitnamic começou a refazer o game para MSX, mas Carlos Madruga, outro retrogamer entusiasmado, se interessou por fazer uma versão do jogo para Intellivision. Em uma demonstração cabal de como os retrogamers formam uma comunidade mundial, Avenida Paulista foi relançado em uma feira nos EUA, por uma empresa italiana com tela e ilustrações criadas por um artista canadense. Foram adicionados gráficos mostrando cenas da região da Paulista dos anos 80 e uma nova trilha ao jogo original, que era basicamente um adventure em modo texto. A nova versão foi lançada como Paulista Avenue Redux em setembro na Portland Retro Gaming Expo (PRGE), uma das maiores feiras mundiais para os fãs de jogos antigos.
Segundo Bussab, a reação normal das pessoas quando ele conta que está lançando um game é “como assim, lançando um jogo para MSX em 2024? Você tá maluco? As pessoas nem imaginam que exista uma comunidade que compra esses jogos”. Um retrogame, com cartucho, manual, capinha e tudo, custa entre US$ 60 e US$ 90, dependendo da plataforma. Em média, cada jogo vende de cem a trezentas cópias.
“As pessoas compram porque lembram da época em que possuíam os consoles, mas não tinham dinheiro para comprar os jogos”, diz Veiga. “Os retrogamers hardcore querem ter o hardware, ter o prazer tátil, até olfativo. Um cartucho do Odyssey tem um cheiro extremamente característico”, diz Garret. “Eles gostam mesmo de mexer com o hardware, o game é consequência”. Quem quiser saber mais sobre games brasileiros da década de 1980 pode ir atrás do documentário Loading… dirigido por Garret.
“Tem gente que olha feio quando eu digo que não tenho hardware nenhum, só jogo em emuladores”, diz Bussab. Para Veiga, esses são minoria. “Não podemos esquecer que o retrogaming nasceu na emulação nos anos 1990. Programadores conseguiram fazer a engenharia reversa dos chips dos anos 1970 e 1980 para rodar programas de plataformas antigas”. Mas o mundo da retrocomputação não se divide apenas em puristas de hardware e pragmáticos de emulador. Existe uma terceira via, que utiliza dispositivos FPGA, chips programáveis como o MISTer, que podem emular (sintetizar é o termo usado, para diferenciar da emulação por software) perfeitamente dezenas de plataformas legado.
Dá para ganhar dinheiro com isso?
O que fazer quando uma peça quebra? Como manter um hobby baseado em um equipamento que não é fabricado há quase quarenta anos? É possível, com muita perseverança e a ajuda de pessoas como Rafael Rigues, cujo hobby é exatamente produzir peças para MSX. “Eu não produzo hardware para ganhar dinheiro, como fonte de renda. É um hobby que ajuda a pagar os custos e comprar mais hardware para manter a plataforma viva”, diz ele.
Em cinco anos, Rigues vendeu cerca de trezentos JoyMega, um adaptador para fazer o joystick do MegaDrive funcionar no MSX. “Eu fico espantado em saber que existem mais de trezentas pessoas no Brasil querendo jogar games de MSX”, diz Rigues. Ele já pensou em exportar esses acessórios, porque existe um mercado muito grande de MSX na Espanha e no Japão, mas desistiu devido à burocracia para se exportar em pequena escala no Brasil.
O futuro é retrô
A retrocomputação vai acabar porque seus defensores são um bando de boomers saudosistas que não duram até a próxima década? Longe disso. Afinal, todos somos hardware e um dia estaremos ultrapassados. “Na PRGE, vi que uma das plataformas de maior sucesso era o PlayStation 3 e me assustei. Caramba, PS3 já é retrô”, diz Madruga.
Em uma época onde tudo é digital, suas músicas, seus filmes e seus livros estão na nuvem, querer ter um console para brincar, um cartucho para assoprar quando o jogo não funciona, não é nenhuma maluquice retrô. É sanidade vintage.
A cultura e o comportamento falaram mais alto junto ao leitor do Meio, mas o saldo político das eleições municipais também teve espaço garantido. Veja os mais clicados da semana:
1. New York Times: Ouça o pianista Lang Lang tocar uma partitura inédita de Chopin, descoberta nos cofres do Morgan Library & Museum, em Nova York.
2. g1: A foto do gaúcho Gerson Turelly, que retrata um homem remando para ajudar a resgatar pessoas presas nas enchentes do Rio Grande do Sul, ganha o 'Standard Chartered Weather Photographer of The Year 2024'.
3. Meio: No Ponto de Partida pós-eleições municipais, Pedro Doria busca compreender o lugar de Tarcísio de Freitas no jogo político, quando o governador se mostra com um pé na barca de Gilberto Kassab e, o outro, na de Bolsonaro.
4. UOL: A incrível história da pequena cidade japonesa que tem apenas uma criança e compensa o vazio com bonecos.
5. New York Times: A morte, aos 79 anos, da comediante Terry Garr, que foi apresentadora do Saturday Night Live e indicada ao Oscar por Tootsie.