Os descartados do sucesso

Paul Di’Anno, Syd Barrett e Gregg Rolie, os que ficaram pelo caminho. Fotos: Divulgação

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O mundo do metal levou um choque no começo desta semana com a morte, aos 66 anos, do inglês Paul Di’Anno, vocalista dos dois primeiros discos do Iron Maiden. Mas não foram raros os fãs casuais – que vão a shows e usam camisas com Eddie, mas basicamente só conhecem coletâneas – que indagaram “Paul Di’Quê?”, já que o grupo só se tornou um fenômeno mundial após a demissão dele. Di’Anno não é o único caso de integrantes de uma banda cuja saída foi importante para que ela atingisse o estrelato, o que não significava que fossem ruins, pelo contrário. Vamos lembrar de alguns.

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Ficaram de fora grupos que já eram um grande sucesso quando houve a saída de um membro-chave, como o Genesis ao perder Peter Gabriel em 1975. Também os que eram quase projetos solo do “dono”, como o Rainbow, que não tem dois álbuns de estúdio com a mesma formação. E ignoramos ainda grupos inicialmente “armados” por produtores ou empresários, como Deep Purple. Por outro lado, incluímos três outros casos em que os artistas deixados pelo caminho continuaram, de alguma forma, a fazer parte da mitologia da banda, mesmo quando obtiveram sucesso próprio.

Punk demais para um supergrupo

Paul Di’Anno era o “vocalista original” do Iron Maiden apenas no sentido de ter cantado na gravação de estreia da banda, o EP The Soundhouse Tapes, lançado em 1979. Dois outros cantores pilotaram o microfone da Donzela de Ferro entre a fundação do grupo pelo baixista Steve Harris, em 1975, e a entrada de Di’Anno três anos depois. A química foi imediata. O novo membro trazia uma voz rascante, uma presença de palco agressiva, quase punk – reforçada pelos cabelos curtos, raros no metal. Em pouco tempo eles eram figuras de proa do que ficou conhecido como Nova Onda do Heavy Metal Britânico (NWOBHM, na sigla em inglês).

O EP (na verdade um compacto com três músicas), produzido de forma independente, e a participação em uma coletânea abriram caminho para o contrato com uma grande gravadora, a EMI, e o lançamento, em 1980, de Iron Maiden, álbum que chegou ao quarto lugar na parada britânica de rock. Além de shows no Reino Unido como atração principal, a banda abriu para medalhões como Kiss e Judas Priest em suas turnês europeias. Killers, de 1981, lançou a primeira excursão mundial do Maiden, abrindo mais uma vez para o Judas nos EUA e arrebatando o público no Japão.

Mas aquela vida não era para Paul Di’Anno. A cocaína e o álcool, segundo ele mesmo, eram consumidos 24 horas por dia, o que comprometia sua performance e os compromissos da banda. Sua participação no processo criativo, que já era pouca, desapareceu. Ao fim da turnê, Harris o demitiu, embora o vocalista dissesse que foi uma saída combinada. Em seu lugar entrou Bruce Dickinson, do Samson, outro nome importante da NWOBHM.

A diferença era gritante, sem trocadilho. Culto e muito mais técnico, Dickinson permitiu ao Iron Maiden um salto criativo e estético já sentido no disco seguinte, The Number of the Beast, e aprofundado nos subsequentes – inclusive por ele próprio ser um compositor prolífico. Powerslave, de 1984, os consolidou como a mais importante banda de metal do mundo, enquanto Di’Anno, mesmo se mantendo em atividade até a morte e gravando alguns bons álbuns, jamais chegou perto do sucesso.

Consumido pela própria loucura

“Lembra-se de quando era jovem? Você brilhava como o Sol.” Esses versos de Roger Waters na canção Shine On You Crazy Diamond tinham um destinatário: Syd Barrett, cantor, guitarrista e principal compositor do Pink Floyd em sua fundação em 1965, mas virtualmente desconhecido de boa parte dos fãs quando o grupo se tornou um dos maiores vendedores de discos de todos os tempos oito anos depois.

Nascido em 1946, Syd, cujo nome verdadeiro era Roger Keith, tinha na pintura sua grande paixão, mas tocava guitarra e piano e participou de diversas bandas amadoras, chegando a montar uma dupla com um colega da faculdade de artes, David Gilmour, ao qual vamos voltar daqui a pouco. Beatles, Stones e os bluesmen americanos eram sua grande influência, como de praticamente toda sua geração.

Em 1965, entrou para o Tea Set, banda de blues rock onde Waters, seu amigo de infância, tocava baixo com o tecladista Rick Wright, o baterista Nick Mason e o guitarrista Bob Klose, que saiu pouco depois. O nome Pink Floyd, inicialmente The Pink Floyd Sound, foi ideia dele, que logo assumiu o papel de líder, embora Waters e Wright também compusessem e cantassem.

Já sem o “Sound”, o quarteto fez sua reputação no underground londrino e conseguiu um contrato como atração fixa no Countdown Club, tocando por horas seguidas. Para não repetir o repertório, começaram a incluir longos improvisos instrumentais. Barrett, porém, não era um solista como os contemporâneos Eric Clapton ou Jeff Beck, e partia mais para efeitos psicodélicos, turbinados por suas experiências com LSD. Jogos de luz e projeções de slides davam um ar ainda mais lisérgico às apresentações.

Logo se tornou o compositor principal, revelando seu lado contador de histórias. O primeiro compacto do grupo, Arnold Layne, falava de um homem que roubava roupas femininas em varais e as vestia em casa. A canção foi barrada pela BBC, que exercia o monopólio da radiodifusão no Reino Unido. O compacto seguinte, a quase infantil See Emily Play, não enfrentou problemas e chegou ao número 6 das paradas.

O álbum de estreia, The Piper at the Gates of Dawn, de 1967, é basicamente um dicionário de psicodelismo, em especial Astronomy Dominé e Interestellar Overdrive. A crítica reagiu bem, e o disco chegou também ao sexto lugar das paradas, mas algo na cabeça de Syd Barrett já não estava no lugar.

Fosse pelo abuso do LSD ou por problemas mentais outros, seu comportamento era cada vez mais apático e desorientado. Não reconhecia pessoas e desparecia às vezes por uma semana sem dar notícias. Não conseguia cantar ou mesmo segurar a palheta. Antes considerado um dos homens mais bonitos da cena de rock britânica, estava macilento, com olhos fundos e sem expressão.

Em dezembro de 1967, David Gilmour entrou como segundo guitarrista e acabou assumindo os vocais, enquanto Barrett perambulava pelo palco. Durante as gravações de A Saucerful of Secrets, segundo álbum da banda, ficou claro que sua permanência era inviável, e ele acabou demitido em abril de 1968. Ainda tentou uma carreira solo, lançou dois álbuns em 1970, com muita ajuda de Gilmour e Waters, e participou de alguns shows e programas de TV. Mas, em 1973, abandonou a música. Ironicamente, o mesmo ano em que o Pink Floyd lançou The Dark Side of the Moon, sua opus magna, que já vendeu até hoje cerca de 50 milhões de cópias.

Barrett teve um último e melancólico contato com o grupo. Em 1975, quando o Pink Floyd gravava o álbum Wish You Were Here (onde está Shine On…), um sujeito barrigudo e com cabeça e sobrancelhas raspadas apareceu no estúdio. Demorou para os antigos colegas o reconhecerem. Pouco depois mudou-se para a casa da mãe em Cambridge, onde pintava seus quadros e cultivava o jardim, até um câncer de pâncreas encerrar em 2006 sua triste história.

Vítima da indústria

É impossível pensar a virada dos anos 1970 para os 80 no rock dos EUA sem falar, para bem e para mal, do Journey, banda que simbolizou o rock de arena e a massificação das rádios. Com refrões grudentos (“Don’t stop belieeeevin’…”), instrumental competente, mas contido, e shows lotados, o grupo dominou o mercado de rock até 1987, suplantado pelo chamado hair metal. Mas tudo isso aconteceu à custa de uma pessoa, o vocalista e tecladista Gregg Rolie.

O grupo foi criado em 1973 por Rolie e o guitarrista Neal Schon, então ambos na banda de Carlos Santana; o baixista Ross Vallory, da Steve Miller Band; e o segundo guitarrista George Tickner. A entrada do consagrado baterista inglês Aynsley Dunbar cimentou a mistura de jazz-rock com progressivo que marcou o autointitulado disco de estreia, lançado no início de 1975. O material era muito bom, em particular Of a Lifetime e o instrumental Topaz, mas isso não se converteu em vendas.

Já sem Tickner, que não fazia muita diferença mesmo, o então quarteto lançou mais dois álbuns, procurando deixar o som um tiquinho mais acessível ao “grande público”, mas, literalmente, sem sucesso. A gravadora CBS deu-lhes um ultimato: contratar um vocalista e fazer uma música mais comercial, na linha de Boston e Foreigner, ou rua. Não que Rolie cantasse mal, pelo contrário, mas havia a ideia de que o vocalista precisava interagir com a plateia, ter presença de palco. Algo difícil de fazer sentado atrás de um órgão Hammond.

Após uma turnê com Robert Fleischman no microfone, eles contrataram Steve Perry como vocalista e o produtor Roy Thomas Baker, conhecido por seu trabalho com o Queen. O resultado foi imediato. Infinity, primeiro álbum no “novo Journey” chegou ao 20º lugar na Billboard – ótimo para quem nunca encostara no Top 100. Mas a mudança de estilo desagradou Dunbar, que reclamava publicamente e acabou substituído por Steve Smith.

Rolie continuou nos teclados e como “covocalista”, cantava com Perry uma ou duas canções nos novos álbuns, e, nos shows, defendia as músicas antigas, cada vez mais raras no repertório. Compondo e cantando cada vez menos, ele ainda enfrentava o desgaste das turnês e um “anacronismo”, já que seu instrumento prioritário era o órgão, muito associado ao agora fora de moda progressivo.

Após o lançamento do premonitoriamente chamado Departure (Partida), em 1980, Rolie anunciou sua saída. Como o processo foi pacífico, ele próprio indicou o substituto, Jonathan Cain, que modernizou o som do grupo com seus sintetizadores e gravou Escape, de 1981, que finalmente levou o Journey ao primeiro lugar das paradas.

À margem dessa explosão, Rolie seguiu a carreira com álbuns solo e projetos, muitos deles com colegas do Journey, em particular Schon, hoje último membro original da banda, mas que não perde a oportunidade de alguma atividade paralela menos pop.

A mágoa que fica

Nem sempre o ejetado fica à margem do estrelato. Dave Mustaine é, sob todos os aspectos, um profissional de sucesso. Lidera há 41 anos o Megadeth, um dos “Quatro Grandes” do thrash metal, que já vendeu 38 milhões de álbuns e lota qualquer local em que se apresente. Mas nada disso o faz superar o rancor de ter sido demitido do Metallica, onde era guitarrista solo, quando a banda já era um sucesso underground e se preparava para gravar o primeiro álbum.

O Metallica foi fundado pelo baterista Lars Ulrich e o vocalista/guitarrista James Hetfield em outubro de 1981 em Los Angeles, e Mustaine se juntou aos dois pouco tempo depois. O primeiro show, com Ron McGovney no baixo, aconteceu em 14 de março de 1982 e, dias depois, fizeram a abertura de uma apresentação do Saxon, outro nome fundamental da NWOBHM. Em julho chegou as lojas a coletânea Metal Massacre 1, que trazia Hit The Lights, gravada ainda sem Mustaine.

A reputação do Metallica foi sedimentada ao longo do ano pelo lançamento de uma série de fitas demo, vendidas em lojas alternativas e shows, culminando com a mais famosa delas, No Life ‘Til Leather. Embora não tivesse participado da gravação, o novo baixista, Cliff Burton, foi creditado na fita. Shows lotados, boa recepção na mídia alternativa, público fiel, performances cada vez mais profissionais… Só faltava um disco de estreia.

Com um contrato com o selo independente Megaforce, o quarteto se preparava para entrar em estúdio quando, em 11 de abril de 1983, Ulrich e Hetfield disseram a Mustaine que ele estava fora. Os motivos seriam o consumo excessivo de álcool e certo comportamento violento – hipocrisia, pois Hetfield também era um redneck encrenqueiro e beberrão. Extraoficialmente, a dupla também disse que o guitarrista não era tão bom assim e que havia sido aceito no grupo lá atrás por já ter um equipamento profissional. Para somar insulto à injúria, Kirk Hammett, do Exodus, foi anunciado no mesmo dia como novo guitarrista solo.

Kill ‘Em All – o título original, Metal Up Your Ass, foi vetado pelas distribuidoras – saiu em julho de 83 e serviu como sal na feridas de Mustaine. Praticamente todo o repertório vinha das demos que ele havia gravado, e, segundo guitarrista, Hammett apenas copiou seus riffs e solos. E a excelente repercussão do disco na crítica e no público (para um disco independente de metal sem concessões comerciais) só agravou o ressentimento.

Movido assumidamente pelo desejo de vingança, Mustaine procurou formar uma banda “mais rápida e mais pesada”, que viria a ser o Megadeth. O álbum de estreia, Killing Is My Business… And Business Is Good, foi lançado em junho de 1985 e trazia uma provocação explícita aos antigos colegas: a canção Mechanix, composta por ele em sua primeira banda, Panic, e acrescentada ao repertório e às demos do Metallica. Em Kill ‘Em All, Ulrich e Hetfield a modificaram, renomearam como The Four Horsemen e se incluíram como coautores. Mustaine a resgatou.

Era de se esperar que o sucesso do Megadeth esfriasse a mágoa, mas a conversa de Mustaine com Ulrich para o documentário Some Kind of Monster, de 2004, mostrou que não. “Eu ouvia todo mundo dizer como Kirk era um grande guitarrista e eu era um merda, um fracassado”, lembrou. Ao menos os dois fizeram as pazes.

Sem biotipo para ser um Stone

E o que dizer do sujeito que é sacado da banda, mas continua nela? Em maio de 1962, o pianista Ian Stewart foi o primeiro a responder ao anúncio do guitarrista Brian Jones procurando músicos para uma banda de rhythm & blues. Os dois seguintes foram Mick Jagger e Keith Richards. Nasciam assim os Rolling Stones. “Nunca vi um pianista branco tocar daquele jeito”, lembraria Richards com admiração.

Já com Charlie Watts na bateria e Bill Wyman no baixo, os Stones se tornaram um nome fundamental da cena R&B londrina, atraindo a atenção do jovem empresário Andrew Loog Oldham, que os transformou nos “bad boys” da invasão britânica. Stewart não se encaixava no papel. Embora fosse dois anos mais novo que Wyman, parecia muito mais velho que os colegas, com cara de sujeito bonachão, trabalhador em indústria (o que ele realmente era), quase pai de família.

A sugestão do empresário foi inusitada: ele deixava de ser um Stone oficialmente, gravava os discos e tocava nos shows, mas fora do palco. “Eu teria mandado Andrew se f***r, mas Stu tinha um coração enorme”, disse Richards. E foi justamente esse coração enorme que encerrou essa parceria. Ian Stewart morreu de ataque cardíaco em dezembro de 1985, aos 47 anos.

George Martin não levou o sobrenome a sério

E é impossível não falar do mais célebre dos excluídos, Pete Best, baterista demitido dos Beatles para dar lugar a Ringo Starr. Filho da dona de um pub onde os Beatles tocavam desde que se chamavam The Quarrymen, Best foi convidado a entrar para o grupo em 1960 a fim de fazer uma turnê em Hamburgo, na Alemanha. Segundo relatos, foi o único dos cinco (Stuart Sutcliffe era ainda o baixista) a não entrar nas anfetaminas para se manter acordado na maratona de apresentações.

Durante uma segunda temporada em Hamburgo e já sem Stu, o grupo gravou um compacto como banda de apoio do cantor Tony Sheridan. Em 1º de janeiro de 1962, gravaram 15 canções – 12 covers e três composições de Lennon e McCartney – para o empresário Brian Epstein apresentar à gravadora Decca, que os esnobou. “Grupos de guitarras estão com os dias contados”, disse um executivo muito ruim de previsões.

Epstein pegou a fita e saiu batendo de porta em porta até dar sorte com George Martin, produtor na EMI, que contratou o grupo.

Uma vez no estúdio, porém, Martin achou que Best não honrava o sobrenome e decidiu trocá-lo por um baterista contratado – prática mais comum do que se imagina. Os demais integrantes concluíram que o melhor era mandá-lo embora e chamar Ringo, que já o havia substituído em algumas ocasiões. Coube a Epstein, a contragosto, dar a notícia. Os fãs não gostaram. Best era muito popular, especialmente entre as meninas, e a reação chegou a incluir violência física e vandalismo. Mas a troca estava consumada.

Por questões de justiça, é preciso dizer que Martin também não confiou muito em Ringo e o botou tocando só maracas na primeira gravação dos Beatles. Mas o baterista acabou se tornando parte vital do grupo, tanto pela música quanto pelo carisma. Não existe história contrafactual, então é impossível saber se eles seriam os Fab Four com Best.

Após um período de depressão, o demitido tentou continuar no meio musical, chegou a lançar compactos sem grande sucesso e aposentou as baquetas em 1968. Tinha no bolso uma boa soma em dinheiro, fruto de um acordo com os Beatles para evitar um processo por difamação. Vinte anos depois, apresentou-se com o irmão durante uma convenção dos Beatles em Liverpool e voltou ao show business com a Pete Best Band, que segue na ativa até hoje. Em 1995, parte das gravações dos Beatles para a Decca entrou na coletânea Anthology 1, rendendo-lhe algo em torno de 4 milhões de libras. Ok, ele não se casou com uma Bond Girl, mas não se pode ter tudo.

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