Notas de poder: as músicas que marcam as eleições americanas

Foto: Saul Loeb/AFP

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“Eu agradeço às minhas estrelas da sorte por estar vivendo aqui hoje. Porque a bandeira ainda representa a liberdade e eles não podem tirar isso. E tenho orgulho de ser americano, onde pelo menos eu sei que eu sou livre. Eu não vou esquecer os homens que morreram, que deram esse direito a mim”. Enquanto a multidão gritava “nós temos Trump”, o ex-presidente Donald Trump subiu ao palco da Convenção Nacional Republicana em Milwaukee ao som destes versos de God Bless the USA. A música de Lee Greenwood, sempre presente em seus comícios, naquele 15 de julho carregava um significado especial. O evento marcava sua primeira aparição pública após a tentativa de assassinato que sofrera dois dias antes. Com um curativo na orelha direita, o punho erguido e embalado pelo hino patriótico, ele transformou sua entrada em uma poderosa narrativa.

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É leviano dizer que as músicas escolhidas pelas campanhas eleitorais são decisivas para a vitória. É impossível isolar esse elemento e atribuir a ele todo o mérito. Existe, no entanto, um fator determinante: a história que o candidato decide contar. Muitas vezes essa trama segue a clássica jornada do herói. Outras tantas, busca reforçar um sentimento de unidade nacional ou vender esperança ao eleitorado. É neste contexto que as canções se tornam peças essenciais, capazes de catalisar emoções e amarrar o enredo. Donald Trump não é o único que entende isso.

Em seu primeiro anúncio de campanha, Kamala Harris divulgou nas redes sociais um vídeo impactante. “Nessa eleição, cada um de nós enfrenta uma questão: em que tipo de país nós queremos viver? Há algumas pessoas que pensam que devemos ser um país do caos, do medo, do ódio. Mas nós escolhemos algo diferente. Nós escolhemos a liberdade”, declara a candidata democrata na peça, embalada pela canção Freedom, de Beyoncé com Kendrick Lamar. Harris não escolheu a obra apenas por seu tema de liberdade. O próprio clipe da composição homenageia Sybrina Fulton, Gwen Carr, Lezley McSpadden e Wanda Johnson, mães negras que perderam seus filhos, Trayvon Martin, Eric Garner, Michael Brown e Oscar Grant III, em crimes de cunho racial. Sua escolha levanta a bandeira da diversidade. E é com ela que a democrata almeja fazer história como a primeira mulher presidente negra e sul-asiática.

Nem de longe, God Bless The USA e Freedom foram as únicas faixas exploradas pelos concorrentes à Casa Branca em 2024. Ainda, em outros ciclos, há hits que marcaram a história eleitoral dos Estados Unidos. Confira:

Canções de Campanha de 2024

Apesar de Freedom ser o jingle principal de Kamala Harris, sua campanha também usa as seguintes músicas em comícios e vídeos:

Por outro lado, a seleção musical de Trump atraiu críticas de vários artistas cujas músicas foram utilizadas sem autorização, muitos dos quais se manifestaram publicamente contra o uso de suas obras e não apoiam o republicano. Escute as canções escolhidas:

Músicas icônicas na história das campanhas presidenciais

Além dos hits deste ano, outras músicas também marcaram a história eleitoral dos EUA:

  • God Save Great Washington – George Washington (1789)

A ideia de usar canções para impulsionar figuras públicas fincou raízes nos Estados Unidos com seu primeiro presidente, George Washington, eleito em 1789. Por mais que não houvesse campanhas partidárias formais na época, letras de músicas populares foram adaptadas como tributos em sua homenagem, com o objetivo ainda de unir a jovem nação em torno de seu líder. God Save Great Washington é exemplo disso, a adequação do hino britânico God Save the King aos padrões americanos, substituindo o termo “King” pelo nome de Washington.

  • Tippecanoe and Tyler Too – William Harrison (1840)

A canção de campanha política mais emblemática da história dos Estados Unidos veio de um dos presidentes mais esquecíveis, William Henry Harrison. Referindo-se à vitória de Harrison na batalha de 1811, na qual sua milícia de Indiana enfrentou tribos nativas americanas, essa música se tornou um verdadeiro lema, elevando as campanhas presidenciais a um patamar inédito. A partir desse momento, desfiles, carros alegóricos, faixas, shows e composições se tornaram ferramentas indispensáveis para os candidatos. Escrita por um joalheiro de Ohio, a melodia, inicialmente intitulada Tip and Ty, fez sua estreia em um evento do Partido Whig em Nova York e rapidamente espalhou-se por todo o país.

  • Happy Days Are Here Again – Franklin Roosevelt (1932)

Por uma feliz coincidência, Franklin Roosevelt se tornou o primeiro presidente a incorporar uma canção já existente em sua campanha, e o sucesso foi tremendo. Durante a Convenção Democrata de 1932, o juiz John E. Mack fez um discurso bastante monótono. Ao final de sua fala, a música Anchors Aweigh foi tocada, mas em nada comoveu o público. Isso deixou os assessores políticos de Roosevelt enfurecidos e, em cima da hora, eles exigiram que uma nova música fosse tocada antes da entrada do candidato. Assim, escolheram Happy Days Are Here Again, do musical Chasing Rainbows, de 1930. Deu tão certo que a música foi adotada como o tema não oficial do Partido Democrata nos anos seguintes.

  • Born in the U.S.A. – Ronald Reagan (1984)

Em setembro de 1984, “Born in the U.S.A.” dominava as paradas, enquanto Ronald Reagan buscava a reeleição contra Walter Mondale. A canção oferece a perspectiva de um veterano da Guerra do Vietnã que retorna para casa e se depara com um país que não lhe oferece nada. “Volto para casa, para a refinaria. O homem que contrata diz: filho, se dependesse de mim… Procurei o meu supervisor do Departamento dos Veteranos. Ele disse: filho, você não entende? Eu tinha um irmão em Khe Sanh lutando contra o Viet Cong. Eles continuam lá, e ele morreu. Ele tinha uma mulher que amava em Saigon. Agora, eu tenho uma foto dele nos braços dela. Debaixo da sombra da prisão ou perto das chamas de gás da refinaria, estou há dez anos sem rumo”, denuncia a canção-protesto. No entanto, como disse Nietzsche, “o texto desapareceu sob a interpretação”, e esse foi o primeiro caso de republicanos se apropriando de produções que, à primeira vista, parecem fundamentalmente americanas — mesmo que, como neste caso, evidenciem as duras realidades de viver nesse país. Essa eleição também deu origem a uma nova tendência, popularizando o uso de músicas pop nas campanhas eleitorais.

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