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Edição de Sábado: Órfãos do feminicídio

Aos 49 anos, no dia 14 de janeiro de 2017, Ana Janete Flores foi uma das 1.133 mulheres vítimas de feminicídio no Brasil naquele ano. Ao ser morta pelo marido com um tiro no rosto, ela deixou dois filhos, William Flores Nunes, então com 23 anos, e Jonathas Flores Nunes, com 34. O pai, um policial reformado de 59 anos, suicidou-se* logo depois. O crime aconteceu em Pelotas, na região Sul do Rio Grande do Sul, enquanto os pais viajavam. Os filhos, que estavam na Região Metropolitana de Porto Alegre, foram acordados na madrugada.

“Ele descobriu uma traição e não aceitou. Era um policial militar, uma pessoa orgulhosa, e não concordou. Foi algo que aconteceu, talvez ela não estivesse feliz no casamento, não soube sair. Infelizmente ele tinha uma arma no momento e atentou contra a própria vida. Se hoje não temos uma educação emocional, os casais de 30 anos antes muito menos”, conta William. 

Hoje, sete anos depois, William pausa bastante ao falar sobre o fato. Em poucas palavras, ele expressa, transitando entre sentimentos, que foi algo importante, mas também complicado. Com uma notável ansiedade, traz questionamentos sobre a saúde mental do pai na época, além de mencionar a solidão da mãe. “Fomos observando, no passo a passo de como aconteceu, que ele vinha de um quadro de depressão. Foi algo que identificamos só depois, infelizmente. Pelo lado da minha mãe, talvez tenha faltado uma figura feminina próxima para ela se abrir um pouco mais. Hoje a gente vai pensando em ‘talvez’ e ‘e se’, mas aconteceu, este é o presente.” O “e se” é a divagação mais recorrente entre parentes e pessoas próximas de quem comete suicídio, e ainda mais numa tragédia que envolve outra violência.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, dos 1.467 feminicídios em 2023, 40 foram seguidos de suicídio, como foi o caso de Ana Janete. Além disso, uma pesquisa apresentada pelo Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em Suicídio apontou que 67 policiais cometeram homicídio com suicídio em 6 anos no Brasil. Na maioria dos casos, foram após feminicídios. As vítimas eram mulheres com quem os policiais mantinham relações afetivas.

Deserto de números

O Estado não sabe que William e Jonathas são “órfãos” do feminicídio. Eles já eram adultos quando Ana Janete foi assassinada e, por isso, juridicamente, não são considerados tecnicamente órfãos. Mas a reportagem se absteve de procurar entrevistar menores de idade sobre um evento tão traumático, já difícil de concatenar em palavras para homens feitos. O que é certo é que essa dor de ver uma mãe assassinada — e não raro pelo pai — está no limbo estatístico.  Há um deserto de números e informações acerca dessas vítimas no Brasil. Apesar de estudos apontarem que um quarto das vítimas de feminicídio em 2023 tinha filhos, o país não tem um levantamento específico nem um órgão que centralize esses dados. 

O Monitor de Feminicídios no Brasil, um mapeamento desenvolvido pelo Laboratório de Estudos de Feminicídios no Brasil (Lesfem) em parceria com as Universidades Federais de Uberlândia e da Bahia, é um dos únicos documentos que levantam esses dados. Em 2023, em 400 casos (23,45%) as vítimas tinham filhas ou filhos dependentes, somando 692 crianças ou adolescentes, o que representa uma média de 1,73 órfão de feminicídios consumados. 

Os dados obtidos pelo Lesfem são levantados a partir de notícias captadas pela internet, por uma ferramenta de detecção. Muitas vezes são utilizadas mais de uma notícia para um mesmo caso, para que sejam obtidos mais detalhes e também para a confirmação de que o caso foi motivado por gênero. A partir de um crivo de pesquisadoras das duas universidades, o feminicídio é inserido na base de dados. 

A coordenadora do Lesfem, Silvana Mariano, destaca que a imprensa é a principal fonte para se estimar o número de órfãos do feminicídio. Além da falta de centralização de dados, os boletins de ocorrência das Secretarias de Segurança Pública não são padronizados nacionalmente e, muitas vezes, não registram se a vítima tinha filhos.

O monitor aponta que, dos casos levantados em 2023 no país, 261 ocorreram na presença de descendentes ou ascendentes da vítima, o equivalente a 15,3%. No relatório do primeiro trimestre de 2024, dos 905 feminicídios consumados, 17,8% ocorreram na presença do filho ou da filha da vítima. 

William e Jonathas já eram maiores de idade ao perderem a mãe, porém, na maioria dos casos de feminicídio, as mulheres deixam filhos menores de 18 anos. Estima-se que uma mulher assassinada deixa, em média, três filhos menores de idade. Um estudo coordenado pelo Lesfem apontou que, das 23 vítimas de crimes que foram julgados na Comarca de Londrina entre 2012 e 2022, 16 tinham filhos menores de idade. 

Já um levantamento da Rede Feminista de Juristas (DeFEMde), em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), corroborou que a maioria das crianças que se tornam órfãs de feminicídio são menores de idade. Dos casos analisados, 66% das vítimas deixaram filhos menores, sendo que 58% dessas crianças tinham menos de 12 anos.

“Esse tipo de violência atinge todas as mulheres, em todos os contextos sociais, é estrutural. Porém, alguns grupos de mulheres têm uma maior prevalência e são atingidas em uma proporção maior. São mulheres jovens, em ciclo de vida reprodutivo e com crianças pequenas em comum com o agressor”, explica Silvana.

A partir desses dados, levantados por universidades e instituições da sociedade civil, fica clara a necessidade de o Estado captar informações oficiais para implementar políticas públicas de assistência e acompanhamento a essas crianças e adolescentes.

A coordenadora afirma que a existência desses órfãos é um problema para o qual o Estado precisa dar alguma resposta. “Na ausência de política pública que atenda, tudo fica a cargo das famílias. Uma privatização de um problema que é social. A sociedade cria esses feminicidas e depois fica para as famílias resolverem o problema gigantesco que decorre desse tipo de violência.”

Muito além do sustento

Entretanto, para as especialistas, saber o número de órfãos não seria o suficiente para o desenvolvimento de ações efetivas. Além da quantificação, é preciso a humanização desses dados: quem são, onde vivem, com quem passaram a morar após a morte da mãe. Em certos casos, outros membros da família recebem a criança ou o adolescente, o que acaba pesando no orçamento familiar. Ainda mais se considerarmos que a maioria das vítimas de feminicídio são mulheres negras (66,9%) de classes mais baixas. “Não pode ser apenas uma pesquisa censitária. Precisaria ser um dado qualificado e alimentado com alguma atualidade para ter políticas de fato eficientes, considerando que só o benefício socioassistencial não é, de longe, suficiente”, atenta Rose Marques, coordenadora de projetos do Instituto Maria da Penha.

O benefício socioassistencial a que ela se refere foi sancionado pelo presidente Lula em novembro do ano passado. A lei institui uma pensão especial para os filhos e dependentes, menores de 18 anos, de mulheres vítimas do feminicídio. O benefício de um salário mínimo (R$ 1.412) é concedido aos órfãos cuja renda familiar per capita mensal seja de até 25% do salário mínimo e será destinada aos filhos que eram menores de idade na data do assassinato da mãe, mesmo que o crime tenha ocorrido anteriormente à lei. Entretanto, até o momento essa legislação não foi regulamentada e nenhum benefício foi concedido aos órfãos.

“Um salário mínimo não vai resolver o sustento dessas crianças. Mas, se não temos o mínimo garantido do ponto de vista socioeconômico, que dirá acesso a psicoterapia, orientação profissional adequada”, constata Rose. Para além da pensão, ela defende que o Estado deve pensar a convivência familiar e comunitária, os direitos à educação e, principalmente, à saúde mental.

“Como a gente acompanha essas vítimas em todas as suas camadas do ponto de vista da saúde mental? A elaboração do luto, a construção de uma percepção de vida que não seja só ancorada na tragédia vivida? Quais possibilidades a sociedade e o Estado oferecem para que isso seja considerado?”, questiona Mônica Sacramento, coordenadora programática da ONG Criola. Para os órfãos, os danos psicológicos e a longo prazo são especialmente preocupantes, visto que o feminicídio é o extremo da violência. Até se chegar ao fato consumado, a criança já foi exposta a um ambiente hostil e de violência. “A gente não consegue olhar para cadeias tão complexas, sistêmicas, permanentes, institucionais e estruturais, e pensar que uma solução financeira, de fato, pode resolver um problema tão profundo”, enfatiza Mônica. 

É comum que crianças expostas a traumas desenvolvam no curto prazo consequências como depressão, ansiedade, alterações de humor e dificuldades para dormir. “Normalmente, o feminicídio não acontece na primeira violência, há um histórico. Aquela criança é criada num lar com muita violência e aprende que violência é uma maneira de amar. Há uma preocupação, porque ou você está criando pessoas que são dominadoras, ou submissas, que irão reproduzir de alguma maneira violência nas suas vidas. Ser criado em um lar violento é ser criado em um lar de tensão”, explica a psicóloga Mariana Luz.

Quando o feminicida é o pai da criança, o cuidado deve ser ainda maior. Como explicar às crianças que o próprio pai matou a mãe? Ela deve escolher um lado? Há um lado? É comum um dilema psicológico entre crianças nas brigas com os pais, pois elas acreditam que devem escolher um vilão e um mocinho. A psicóloga diz que é preciso trabalhar com essa criança, fazer com que ela entenda o processo do que aconteceu, não só com a mãe, mas com ela também, porque a vida dela foi alterada para sempre.

A Justiça chama os órfãos do feminicídio de vítimas indiretas, sendo a mulher a vítima direta do crime. No entanto, sob a perspectiva social, após a perda trágica e violenta de uma mãe, as crianças e adolescentes seguem sentindo os impactos mais imediatos e diretos. “Não podemos reduzir essa situação só à dimensão jurídica e criminal. A justiça criminal que acontece ali não restabelece de fato a justiça. Convencionamos como sociedade que a responsabilização criminal é suficiente, mas quando estamos falando de várias vidas que estão ali, que vão ter de encontrar um jeito de existir depois, ela não é”, enfatiza a coordenadora do Instituto Maria da Penha.

Como eram considerados vítimas indiretas, os familiares mais próximos da mulher assassinada, como pai e mãe, testemunhavam na presença do acusado, gerando um desgaste emocional significativo. Essas vítimas indiretas eram vistas apenas como um meio de prova para o Judiciário. “Nos últimos anos, há um movimento de reconhecimento da necessidade de que essa vítima indireta seja trazida para um protagonismo, humanizando, mostrando ao sistema de Justiça que ela tem cara”, salienta a promotora de Justiça Alessandra Cunha.

Por meio de um projeto no Ministério Público do Rio Grande do Sul, a instituição iniciou uma busca ativa de vítimas, oferecendo atendimento precoce logo após os crimes, em um processo chamado “custódia reversa”. “ Se o acusado de homicídio tem o direito de, em até 24 horas, relatar as condições de sua prisão e ser orientado por um defensor, por que os familiares das vítimas não têm o mesmo suporte?”, indaga a promotora.

O modelo foi implementado há pouco mais de um ano e visa estabelecer o primeiro contato, em vez de esperar os familiares procurarem o Ministério Público, já que muitas dessas vítimas não sabem onde procurar ajuda nem compreendem os aspectos jurídicos envolvidos. Esse contato permite identificar as necessidades específicas das famílias e das vítimas sobreviventes, indo além das demandas jurídicas. O atendimento procura entender as demandas que surgem após a perda e direcioná-las a locais que ofereçam suporte adequado, como assistência social e psicológica. 

Alessandra considera ser necessária uma lei que torne esses projetos e essa rede de apoio obrigação dos órgãos públicos. Defende que não se pode depender de ações isoladas de algumas instituições ou do esforço de poucas pessoas. “É uma política pública que tem urgência em acontecer ", conclui.

Mortes evitáveis

É consenso entre especialistas que falar de órfãos do feminicídio é como enxugar gelo, uma vez que a morte em decorrência do gênero é evitável. O feminicídio é considerado por estudiosos um crime de Estado, por haver uma anuência e também uma ausência do Estado. Ele não acontece espontaneamente. Antes do crime, a mulher passou por diferentes violências, sejam elas físicas ou psicológicas. Ainda que a vítima não tenha solicitado uma medida protetiva por meio da Lei Maria da Penha, normalmente há sinais de que ela esteja vivendo um relacionamento abusivo.

“É muito improvável que ela não tenha passado em um posto de saúde, que a professora da escola da criança não tenha percebido algo diferente ou que o policial da rua não tenha sido chamado pelo vizinho. É muito improvável que o Estado não tenha tomado conhecimento prévio de uma situação de violência que tenha ocorrido naquela família. É por isso que há um elemento da responsabilização do Estado”, afirma Rose.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, houve um aumento de 0,8% nos feminicídios em relação ao ano anterior. Em números absolutos, esse foi o maior já registrado desde a publicação da lei que tipificou o crime em 2015. Estados como Rondônia, Mato Grosso, Acre e Tocantins têm taxas mais altas do que a média nacional, acima de 2 mulheres mortas por 100 mil. 

O feminicídio está relacionado a uma violência estrutural tanto contra as mulheres como contra as crianças. Há muitas ações que o Estado pode adotar para reduzir sua incidência. Para resolver problemas que estão instituídos na estrutura e na cultura de uma sociedade são necessárias soluções a longo prazo. A procuradora do Estado de São Paulo Margarete Pedroso considera que o Legislativo deve criar políticas públicas que não se limitem ao punitivismo exacerbado, como o encarceramento. “Mesmo com esse número assustador de pessoas encarceradas no Brasil, a prisão não é um motivo de temor que impeça um homem de matar uma mulher porque ela é mulher”, enfatiza.

A expansão das Casas da Mulher Brasileira — centros de atendimento especializado na atenção à mulher em situação de violência doméstica —, a criação de mais delegacias 24 horas, um sistema de saúde e um aparato de segurança pública que acolha as mulheres vítimas de violência sem revitimizá-las também estão entre os mecanismos a serem constituídos para alcançar a redução desses crimes.

“Punir é importante, mas educar as polícias para que compreendam o fenômeno do feminicídio e protejam as mulheres ameaçadas também é. Se a mulher tem uma ameaça de morte, ela precisa ser protegida para que a ameaça não aconteça. O Estado precisa levar a sério essa ameaça e construir mecanismos de proteção dessa mulher para que ela não morra”, aponta Luciana Temer, diretora presidente do Instituto Liberta.

Para encontrar soluções de longo prazo, é necessário pensar em um conjunto de ações integradas. A educação desempenha um papel essencial nesse processo, pois é através dela que é possível evitar a necessidade de reparação e punição, promovendo respeito e igualdade. No entanto, as escolas hoje abordam esses temas de forma superficial. O investimento em educação sobre questões sociais, como violência sexual e desigualdade de gênero, ainda é muito limitado. Luciana Temer desenha: “Queremos que a violência não se instale. É lógico que é uma utopia a violência não se instalar, mas diminuir muito eu acredito que é possível, e acredito que só exista um caminho. Não é só a punição do criminoso, é a educação das crianças e dos jovens.”

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Por onde anda o cabo eleitoral Lula?

Há um pessimismo quase inconfesso pairando sobre o PT quando se fala nas eleições municipais deste ano. Se há dois anos a volta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia reacendido o ânimo para tomar da direita e do centro político municípios importantes e capitais nas eleições vindouras, hoje, membros da legenda se deparam com a perspectiva de terra arrasada. Talvez pior que em 2020, quando o partido acreditava ter chegado ao fundo do poço, conquistando, em todo país, somente 179 prefeituras. Nem 2016 havia sido tão ruim. Na época, a legenda de Lula enfrentava denúncias da Lava Jato e Dilma Rousseff era apeada do poder. A petista desceu a rampa do Planalto em setembro, após o impeachment e, em outubro, o PT conquistou 256 prefeituras.

Agora, na presidência, com a economia reagindo, com a taxa de desemprego baixa, a inflação sob controle, o PT corre risco de fazer menos prefeitos do que fez no fatídico 2020. E é isso que intriga. Explicações das mais variadas estão sendo aventadas. Uma delas é a de que a estrela não tem grandeza suficiente para ofuscar, por exemplo, o volume de recursos despejado nos municípios por meio das emendas orçamentárias. Petistas argumentam que, com Arthur Lira (PP) presidindo a Câmara e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) no comando do Senado, o Centrão fez jorrar dinheiro nos cofres municipais. Agora, alegam, é difícil bater a popularidade de prefeitos que tiveram suas imagens beneficiadas com essas verbas.

Um petista chegou a contar ao Meio um episódio que o deixou intrigado já em 2020. Em visita a Caetés, cidade natal de Lula no Agreste pernambucano, viu o então governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), anunciar cerca de R$ 1,5 milhão em ações para o município. Era pouco. Ouviu do prefeito da cidade que só um deputado havia mandado R$ 10 milhões na semana anterior para os cofres da prefeitura. “É difícil competir com prefeituras com cofres cheios de recursos do orçamento secreto. E foi o que aconteceu nos últimos anos. O que tem de prefeito que será reeleito!”, apontou. “Não foi Lula que mudou. Mas o Brasil”, disse outro petista, interlocutor da direção do partido. “Quem manda no país hoje é o Centrão. O orçamento de guerra na época da pandemia, o orçamento secreto e a impositividade das emendas empoderaram demais esse grupo”, reclamou.

Esse é apenas um dos fatores que fazem petistas acreditarem que Lula não é mais aquele cabo eleitoral capaz de fazer diferença, como fazia no passado. Tem também quem reconheça que a esquerda perdeu a chamada guerra nas redes sociais para a direita, e esse aspecto pesa nas cidades maiores. Tem ainda quem reclame das escolhas feitas pelo partido para a disputa nas capitais. E há quem lamente o desinteresse de Lula em se embrenhar nas campanhas, principalmente em municípios onde, por exemplo, o PSD, de Gilberto Kassab e Rodrigo Pacheco, leva candidaturas viáveis. É o caso de Belo Horizonte. Tudo que o deputado Rogério Correia quer é caminhar com Lula pelas ruas da capital mineira, tê-lo em seu palanque, mesmo que seja em um local fechado. O presidente ainda não deu as caras.

Fontes ligadas a Lula dizem que ele pode visitar Belo Horizonte, Cuiabá, Porto Alegre e Goiânia na última semana de setembro, depois de voltar da viagem aos Estados Unidos. Segundo interlocutores, Lula ainda quer voltar a São Paulo, onde apoia o candidato do PSOL, Guilherme Boulos. Membros da campanha mineira, porém, acham que pode ser tarde demais. As pesquisas mostram Correia em quinto lugar com 8% das intenções de voto, atrás do atual prefeito, Fuad Noman (PSD), candidato apoiado por Pacheco, que está com 14%. Quem lidera a disputa, com 29%, é Mauro Tramonte (Republicanos). Na frente de Correia tem ainda o bolsonarista Bruno Engler (PL), com 13%, e Duda Salabert (PDT), com 12%.

A cronologia de prefeituras conquistadas pelo PT de 1982 até 2020 diz muito sobre a decadência da legenda nos Executivos municipais. Nos anos 1990, a trajetória da sigla foi ascendente. Saiu de 38 cidades, conquistadas em 1988, para 54, em 1992. Em 1996, fez mais que o dobro: 116. Depois, o PT inaugurou os anos 2000 administrando 187 municípios. Com a chegada de Lula ao poder, em 2003, o PT conseguiu 409 prefeituras no ano seguinte. E esse número cresceu para 558 em 2008, e 635 em 2012. Foi o ápice. A curva começou a descendente em 2016, com 256, até chegar aos 179 municípios, em 2020.

“Agora, se fizer uma ou duas capitais estará de bom tamanho”, disse um petista do diretório nacional, em reservado, ao Meio. Um chute raro diante das apostas feitas pelo partido. Nas 26 capitais, o PT tem candidatura em 13 delas e apoia partidos aliados em outras 13, com alianças ou coligações. Desses apoios, somente em 8 capitais o partido participa da chapa concorrendo com o candidato a vice. O partido lançou 121 candidaturas para municípios com mais de 100 mil eleitores, sendo 52 em cidades com mais de 200 mil eleitores  — onde ocorre 2º turno — e 56 nos municípios cujo eleitorado varia de 100 mil a 200 mil eleitores. Nesse conjunto de municípios, o partido não tem candidatura majoritária só em 16 cidades.

O fiapo de esperança de que o partido poderá melhorar o péssimo resultado de 2020 está ligado a dois pontos. Um deles é de que a sigla ainda tem uma militância que costuma trazer resultados nas últimas semanas da eleição. Outro alento é que o partido ainda considera que, diante das apostas feitas, poderá conquistar cidades com mais de 100 mil eleitores. Membros da direção do partido citam Uberlândia, no Triângulo Mineiro, onde a deputada Dandara tem chances de ir para o segundo turno.

O empenho de Lula no segundo turno é mais esperado. Em Goiânia, a deputada Adriana Accorsi (PT) tem chances na disputa com o ex-deputado Sandro Mabel (União Brasil). Em Porto Alegre, apesar de ter decaído nas últimas semanas, a deputada Maria do Rosário (PT) ainda tem possibilidade de disputar o segundo turno com o atual prefeito da capital, Sebastião Melo (MDB). Lula não foi a nenhuma dessas capitais para eventos de campanha. Se for a Cuiabá no final desse mês, o presidente tentará colocar o deputado estadual Lúdio Cabral (PT) na disputa do segundo turno com Eduardo Botelho (União Brasil). Para isso, o petista terá que suplantar o bolsonarista Abílio Brunini (PL), que está em segundo lugar nas pesquisas.

Em contraposição a quem desacredita do poder de Lula como cabo eleitoral ou mesmo quem aponte que ele não teve o empenho que se esperava na campanha, interlocutores da cúpula do PT têm dito que “o melhor apoio que Lula pode dar aos candidatos do PT é governar” e apresentar números melhores para a economia como a queda do desemprego, por exemplo. Além disso, fontes ligadas à direção do partido argumentam que o presidente gravou mensagens para os candidatos do partido de cidades com mais de 200 mil habitantes. Outra justificativa é de que houve a opção da legenda em abrir mão de lançar candidatura e apoiar, mesmo não estando formalmente nas chapas, nomes que reúnem condições de combater o bolsonarismo.

Só que essa posição da cúpula não arrefece o clima de insatisfação interna. Dois exemplos acabam sendo bastante citados nesse contexto: em Recife, onde o atual prefeito, João Campos (PSB), será reeleito em primeiro turno, e no Rio, onde o mesmo deve ocorrer com Eduardo Paes (PSD). Embora esteja no apoio dessas candidaturas, o PT nem lutou para ter a vice nas chapas e isso incomoda integrantes da legenda. “Os eleitorados de Campos e de Paes são deles. Não são de Lula e não são do PT. E isso representa perda”, disse um membro do diretório do partido.

E o sucesso de Campos em Recife, associado ao insuficiente desempenho da deputada federal Natália Bonavides, em Natal, ainda exacerba outro sentimento de descaminho no PT: o das capitais nordestinas, onde Lula sempre teve hegemonia. No estado governado pela petista Fátima Bezerra, Natália amarga o terceiro lugar, com 18% das intenções de voto. O segundo turno deve ocorrer entre Carlos Eduardo (PSD), hoje com 41%, e Paulinho Freire (União), que marcou 24%. E em Fortaleza, o candidato petista, Evandro Leitão, está em quarto lugar. Não parece fácil dissipar o pessimismo.

Contrastes e contradições em Cuba

— E aqui em Cuba, como está a economia? – perguntei ao taxista.

Silêncio. Até que seis pesados segundos depois:

— Vocês são do Brasil, certo? É, no Brasil tem de tudo… 

Neste caso, o não-dito respondeu a pergunta de dois turistas recém-chegados à capital do país caribenho. 

Era fácil que me identificassem na rua como um estrangeiro, ainda que não acertassem de onde.

— Italiano? Argentino? Está andando já como um cubano! 

Mas assim que respondia ser do Brasil, o que em outros países rendia tentativas de samba ou citações de grandes jogadores de futebol, era quase uniformemente respondida com falas sobre as novelas. No entanto, nada era tão unânime quanto o “Brasil? Lula da Silva!”. Alguns faziam o “L” com as mãos. Cubanas chegaram a cantar “Lula lá, brilha uma estrela”.

Vários contavam ter parentes no Brasil, que vieram com o programa Mais Médicos, criado em 2013 pela então presidente Dilma Rousseff. Em seguida, algumas frases eram repetidas.

— Já trocou seus dólares por pesos cubanos? Fiquem seguros, Havana tem 2 milhões de habitantes, 1 milhão só de policiais!

De fato, a segurança é algo que destoa muito dos grandes centros brasileiros. Em um episódio, quando o sol começava a baixar, às 20h, fomos alertados para ter cuidado ao passar em uma rua. Como boa parte das outras de Havana, era um pouco escura. Primeiro pensamento de um paulistano seria o de que o aviso se tratava de perigo de assalto. Não, era apenas que a calçada era esburacada e não era incomum tropeçarem nela. 

No entanto, com abordagens constantes, logo percebemos algumas tentativas de golpes contra turistas. Escapamos da festa da cooperativa dos charutos — que era só naquele dia… e no próximo, e no outro depois dele… cigarros famosos à metade do dobro do preço. Mas confiamos demais em um guia turístico, que cumpriu seu papel, nos levando em um carro rosa para os principais pontos turísticos da cidade. No outro dia, antes que pudéssemos passear, nos furtou US$ 100. 

Na maior parte do tempo, cubanos estão dispostos a ajudar com informações ou a prestarem algum serviço, como os motoristas de “bicitáxis”, pequenos veículos que levam dois passageiros e um esforçado motorista que pedala. Alguns poucos cubanos usavam da “malandragem” como forma de driblar a pobreza. É praticamente impossível mencionar algum período da história que Cuba não tenha passado por problemas econômicos. Colônia espanhola, o país depois ficou em dívida com os Estados Unidos pós-independência e a partir da Emenda Platt, aprovada em 1901, o território do país, na prática, virou um protetorado americano. O país recebeu investimentos, mas, por outro lado, vários locais tinham acesso livre apenas para americanos. Era um cassino da máfia e de outros integrantes do crime organizado dos EUA.

Em 1956, Fidel Castro e outros guerrilheiros, exilados após tentarem tomar um quartel-general, voltam à Cuba acompanhados do argentino Ernesto Guevara, o “Che”. Os revolucionários, turbinados pela alta insatisfação com o então ditador Fulgêncio Batista, conseguiram concluir a Revolução Cubana. No início, ela não tinha caráter assumidamente socialista, mas sim nacionalista, e seus combatentes não eram uniformes na ideologia. Foi somente após a dura reação americana que Cuba se aproximou da União Soviética e se tornou uma república socialista.

Mais uma vez, impacto misto: os russos compravam açúcar cubano por valores acima do mercado e vendiam petróleo por preços baixos; por outro lado, o embargo econômico dos Estados Unidos que perdura até hoje, mais de 60 anos depois. O apoio russo também tinha como condicionante a não-industrialização de Cuba, que a tornou muito dependente do aliado. Nos anos 1970 e 1980, o país erradicou muitas mazelas, como o analfabetismo, a miséria e o acesso à saúde, mas nos anos 1990, quando a URSS se dissolve, Cuba entrou no “Período Especial”, quando seu PIB caiu mais de 30% em 3 anos. Racionamento de energia se tornou comum, o fantasma da fome voltou a assombrar os cubanos e parecia que poderia ser o fim do socialismo. A ilha passou a depender do turismo, uma forma de driblar o bloqueio. 

Para Carolina Pedroso, doutora em Relações Internacionais, o peso do embargo ainda é enorme, porque impõe restrições a todos os agentes econômicos que têm comércio com os EUA de se relacionarem com Cuba. Não só países, mas também empresas. Sobre o quanto o resultado das eleições norte-americanas pode ajudar a situação do país, a pesquisadora é cética. “Por ora, considerando a disputa interna nos EUA, não há no horizonte a priorização da agenda com Cuba e, sendo assim, a tendência é que as decisões políticas sigam inalteradas.” Enquanto Donald Trump, em seu mandato, colocou Cuba como um dos países “financiadores do terrorismo”, revertendo todo o estreitamento de laços que a gestão Obama tinha iniciado, Kamala Harris não demonstra que pautará o espinhoso assunto caso seja eleita. 

Durante a pandemia, com as fronteiras fechadas, o Estado cubano conseguiu prover na saúde, mas não proveu na economia. A maior contradição talvez se traduza no fato de que Cuba conseguiu desenvolver vacinas contra a Covid-19, mas não tinha seringas para aplicá-las. Além disso, uma reforma monetária foi feita, mas o resultado não saiu como o esperado. Joana Salém, professora da UFABC e doutora em História Econômica pela USP, entende que a mudança cambial, feita sem reservas internacionais, além de tudo teve um “timing político ruim”, com crises estruturais e conjunturais sobrepostas. Houve reajuste de salários, mas os preços aumentaram ainda mais. Ela ainda lembra que Cuba saiu do capitalismo sem romper com sua condição de dependência, resultando em um socialismo periférico. Muitos cubanos já dizem que a atual situação é ainda pior que a dos anos 1990. 

Nas ruas, há muitas pessoas que pedem dinheiro, medicamentos ou até roupas. Se ninguém dorme nas ruas, as casas cubanas em sua maioria também não são mais do que simples casebres. Cuba ainda distribui a “Libreta”, um livrinho que garante determinada quantidade de produtos nos supermercados. Somente o arroz é suficiente, o resto deve ser comprado, e não há muitas opções, o que encarece os produtos. A solução do povo é comer muitas frutas, sobretudo abacate e o mamey, um mamão com sabor mais forte; trocar a carne por ovos, comer muitos pescados e o famoso arroz e feijão preto. Além disso, todas as portas de casas se tornam algum empreendimento. Há quem venda produtos, há quem ofereça serviços, no sistema chamado de “cuentapropismo”, em que as pessoas trabalham por conta própria. Os empregos estatais são maioria, mas costumam pagar salários mais baixos.

O país também universalizou o ensino público até o ensino superior, já tendo sido o país com a melhor educação da América Latina. No entanto, a economia não é dinâmica o suficiente para acomodar os diplomados, e o fenômeno que no Brasil é o da uberização, em Cuba é o do cuentapropismo. Engenheiros, médicos e advogados podem ser vistos dirigindo táxis, sendo cozinheiros, guias de turismo, entre outras funções.

Enquanto é fácil se encantar ao passar por monumentos históricos, praias deslumbrantes, conhecer um povo feliz, comer boa comida, também não é incomum uma experiência ruim com o acesso à internet, e a infraestrutura é, no geral, precária. O aeroporto tem goteiras, apagões de energia são comuns. 

Mas não é recomendável que se coloquem ideias prévias sobre o país acima da realidade que se impõe. Longe de ser um paraíso ou um inferno — porque nenhum país é —, Cuba é por um lado uma síntese do que passam os países latinos e, por outro, algo completamente único. Um dos poucos países de Estado socialista, mas que exerce um socialismo ainda do século 20, enquanto tenta se encaixar em um mundo que não é bipolar, mas também não é completamente globalizado. “Vai pra Cuba!” — e veja com seus próprios olhos.

Nesta semana, o leitor do Meio foi além da política e navegou por muitos assuntos diferentes. Além de responder em peso à nossa pesquisa deste ano. Obrigado. Veja os mais clicados:

1. Meio: Nossa pesquisa anual para conhecer melhor você, leitor. Ainda é possível respondê-la!

2. CNN Brasil: Brasileiro é finalista do prêmio internacional Weather Photographer of the Year 2024 por foto tirada em enchente no Rio Grande do Sul.

3. Poder 360: Os memes inspirados na breve volta do acesso ao X (ex-Twitter) nesta semana no Brasil.

4. Globo: A produção do Rock in Rio ficou incomodada com as críticas de Travis Scott por conta dos problemas técnicos nos telões do festival.

5. Panelinha: A receita de Picada Catalana, que parece uma mistura de pesto e gremolata.

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