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E se cassar Marçal?

Se a candidatura de Pablo Marçal à prefeitura de São Paulo for cassada, anota aí. Ele será certamente o candidato à presidência da direita, em 2026. Esquece Tarcísio, Zema, quem for. Esquece as preferências de Jair Bolsonaro, o que Bolsonaro quer perdeu relevância. Marçal é o candidato, vai vestir o manto do injustiçado, do mártir, e tem vaga certa no segundo turno. Vamos ter um Nayib Bukele brasileiro.

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Ainda assim está crescendo, nos círculos progressistas, entre gente muito preparada, a convicção de que uma cassação resolve o problema. É um erro. Um erro, principalmente, de diagnóstico. É achar que existe uma solução mágica para resolver a radicalização da direita no Brasil. Basta sair expurgando os candidatos. Mas a gente chega lá.

Existem hoje dois processos que podem levar à cassação de Marçal. Um no Tribunal Superior Eleitoral, outro no Tribunal Regional Eleitoral. Lá em Brasília, o processo está nas mãos da ministra Cármen Lúcia e trata da maneira como o PRTB, partido de Marçal, escolheu algumas de suas candidaturas. O partido sofreu, no ano passado, uma intervenção do TSE por conta de uma disputa interna. Um acordo foi feito para pacificação da legenda e Aldineia Fidelix, viúva do fundador Levy Fidelix, ficou com a autoridade sobre indicar o candidato a prefeito de São Paulo. Só que o partido a atropelou e o presidente nacional, Leonardo Avalanche, indicou Marçal. Se o nome de Avalanche lhe é familiar, não é à toa. Vieram a público gravações dele falando de suas relações com o Primeiro Comando da Capital. O PCC. O ponto é o seguinte: se o TSE decidir que o acordo precisava ser mantido e foi violado, isto quer dizer que várias candidaturas serão anuladas. Uma delas, a de Pablo Marçal.

O outro caminho é pelo TRE de São Paulo. Lá está o problema de Marçal ter pago a inúmeras pessoas para impulsionar postagens favoráveis a sua campanha usando recursos pessoais. Em essência, caixa dois. Abuso de poder econômico e, também, abuso dos meios de comunicação social.

Dificilmente algum desses processos terá desfecho rápido. Serão julgados, claro, antes da posse. Se tudo der certo. Mas o cenário mais provável é de que as decisões só venham depois da eleição. Vamos lá. Especulando. Imaginemos um segundo turno disputado, Marçal contra Guilherme Boulos, aí Marçal vence. Euforia entre seus eleitores. E aí o que acontece? A Justiça Eleitoral decide que, por algum destes motivos ou uma terceira razão qualquer, ele não podia estar concorrendo. Tem sua candidatura cassada.

Talvez você não suporte Marçal. Francamente, Marçal me assusta. É um perigo o crescimento deste tipo de político. Torço, com toda franqueza, que a população de São Paulo não o eleja. Mas vista os sapatos de quem escolheu votar em Pablo Marçal, ponha-se no lugar desta quantidade crescente de pessoas que veem nele o campeão de seus valores. Pois é. Vocês têm noção do tamanho da frustração que todos vão sentir?

Agora vamos olhar para além. Não só para Marçal. Jair Bolsonaro foi tornado inelegível por oito anos, não pode disputar a eleição de 2026. O X, a plataforma que a direita radicalizada vê como sua, foi suspensa em todo o território nacional por decisão do ministro Alexandre de Moraes, hoje corroborada pela primeira turma do Supremo Tribunal Federal. Aí Marçal é eleito e, na sequência, cassado.

O que é que essas pessoas ouvem o tempo todo? Que o sistema não deixa eles crescerem. Que o sistema não deixa que suas vozes sejam ouvidas. Que precisam ser calados. Que seu voto não vale nada. Que o sistema sempre impede que elejam os seus. Isso é o que ouvem. E o que veem? Bolsonaro inelegível, X suspenso e Marçal cassado. O que vocês acham que eles vão achar? Pois é.

Aí vocês logo dirão: azar o deles, ué. Quem mandou ficar votando em extremista. Não é tão simples. Mas, antes de chegar neste ponto, deixa eu sublinhar duas palavras aqui. Bolsonaro inelegível, Marçal cassado. São conceitos inteiramente diferentes. Bolsonaro não pode disputar eleições nos oito anos após a sentença. Marçal pode. Sua candidatura está cassada agora. Mas em 2026 ele está limpo.

Não é só que esteja limpo, não. Já há um esboço de acordo com a família Bolsonaro. Segundo a jornalista Malu Gaspar, os dois, Bolsonaro e Marçal, falam sobre a criação de um partido de direita. Bolsonaro não conseguiu. Só que Marçal consegue. Ele tem estrutura e capacidade de organização. E vai passar os próximos dois anos, fora dos limites impostos pela lei eleitoral, viajando pelo Brasil, ampliando seu eleitorado, e construindo a base para ser candidato à presidência da República. Se o fizer, ainda por cima com apoio de Bolsonaro, está certo no segundo turno. E com o manto de mártir.

O problema só começa aí.

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

Este fim de semana entrevistei Vinicius do Valle, cientista político, doutor pela USP, fundador com Juliano Spyer do observatório evangélico. Ele faz uma leitura bastante interessante sobre o público que ouve Pablo Marçal, mostra como nós, da elite cultural, não estamos entendendo nada do que está acontecendo num pedaço grande do Brasil. Você pode ler essa entrevista agora. Está lá no site do Meio. É só assinar.

E este aqui? Este é o Ponto de Partida.

Como é que uma democracia fica de pé? Por muito tempo, essa foi uma pergunta em essência filosófica. Tratava mais de valores, de ideias, do que de prática. Muita gente acha que democracia é sustentada por instituições. Se tem instituições fortes, sei lá, o Supremo, o Congresso, a Polícia Federal, a Procuradoria Geral, se peças o suficiente do Estado de Direito funcionam, aí a democracia fica de pé.

O que só se começou a estudar na prática a partir dos anos cinquenta, com um cientista político brilhante chamado Robert Dahl, é que no mundo real não são coisas abstratas que fazem uma democracia funcionar. O que faz uma democracia funcionar é a convicção, pela sociedade, de que democracia é um bom negócio. De que, para ela, a alternativa é pior.

Um dos cientistas que estudou isso mais a fundo foi entrevistado recentemente pela Flávia Tavares, em outra edição especial do Meio. É um americano chamado Larry Diamond, que escreveu um livro muito carregado de dados, de pesquisas, mas ao mesmo tempo com uma argumentação muito sólida da análise desses dados e um título lindo. O Espírito da Democracia.

Sabe, o que o Diamond mostra é isso. Democracias vêm de baixo para cima, não de cima para baixo. Quando uma sociedade quer democracia, ela impõe a mudança. E, olha, qualquer brasileiro que tenha memória de como foram aqueles anos 1984, 85, sabe exatamente do que estou falando. O Brasil quis muito a democracia. A gente, nós como sociedade, a gente pediu muito por democracia. E ela veio.

Pablo Marçal ou Jair Bolsonaro não são o problema. Este é o erro fatal de diagnóstico. Bolsonaro sempre foi um deputado do baixo clero, essas figuras meio bizarras sempre existiram. O que põe uma pessoa destas na prefeitura da maior cidade da América do Sul ou na presidência da maior economia da América Latina é o desejo de uma parcela importante da população.

A maneira de não ter mais Marçal ou Bolsonaro é desradicalizar esse pedaço da sociedade. Essas medidas de força, cassar, calar, proibir, prender, elas atacam o sintoma piorando a doença. O problema não é a existência de alunos do Olavão, de milicos reacionários ou de coaches picaretas surgidos das redes sociais.

O problema é que um pedaço da sociedade brasileira é bombardeada todos os dias por publicidade, nas redes, de produtos que desejam muito. Ouvi isso do Vinicius do Valle e ele tem muita razão. É diferente da publicidade nos outdoors, na TV ou no jornal. É o anúncio de uma coisa que mexe profundamente com seus desejos. E você não tem grana para comprar tudo aquilo.

Então você quer crescer. Você não quer um mero emprego, de nove às cinco. Você quer crescer e tem gana para trabalhar muito para crescer. É só que o crescimento não vem. A faculdade, para quem estudou na maioria das escolas públicas, é um caminho muito difícil. Sobra os apps, o sonho de viralizar e se tornar influenciador. As bets. Sim, as bets. O varejo e os bancos já estão detectando um movimento importante do orçamento das famílias para apostas. É a chance de faturar numa fração de segundo. Sobra o OnlyFans.

A internet abre um mar de possibilidades de crescimento numa classe média baixa brasileira e, olha, tem muito Luva de Pedreiro para mostrar que alguns furam essa bolha e de fato conseguem algum espaço. Só que, para a maioria, não rola.

É com essas pessoas, esse Brasil imenso, que Pablo Marçal conversa. Ele diz o que essas pessoas querem ouvir. Que a técnica pode ser aprendida, que é preciso ter muita disposição, muita força de vontade, mas quem tem é sempre premiado. São essas pessoas que a esquerda não consegue mais atingir. Porque o discurso da esquerda tem preconceito com evangélicos, teologia da prosperidade, e a ambição de enriquecer.

O novo pobre brasileiro quer trabalhar muito e enriquecer. Não quer trabalho de operário CLT. Se é isso que a sociedade deseja, então é preciso pensar como se organiza a sociedade para abrir mais espaços. É preciso, fundamentalmente, que o sistema educacional brasileiro comece a entregar ensino de qualidade. Porque isso amplia as possibilidades de crescimento, entre outros motivos, porque as pessoas conseguem enxergar mais oportunidades. A gente nunca conseguiu isso, melhorar o ensino. Precisamos educar melhor as pessoas.

Tratar com desdém esses brasileiros, achar que são burros, que são perigosos, que são facilmente manipuláveis, querer tirar do jogo todos que conseguem falar com eles, não vai mudar a sociedade. Vai é radicalizar ainda mais. Enquanto não formos capazes de respeitar esse conjunto de brasileiros e trabalhar para que suas vidas sejam melhores, enquanto não deixarmos claro que eles têm voz sim, podem se manifestar sim, mesmo que não concordemos com suas opiniões ou crenças, enquanto isso não acontecer, o problema vai se agravar.

Se Pablo Marçal for cassado, ele se torna o principal adversário de Luiz Inácio Lula da Silva em 2026. E vai ter muito voto e vai ser uma eleição muito difícil. Só que o problema não é Marçal. O problema é que de barato algo como 20% a 30% da sociedade deseja alguém como ele.

É gente demais convicta de que a democracia não funciona para ela. Se esse percentual aumenta, a democracia cai. Quer preservar a democracia? Começa assim: mostrando para os brasileiros que ela é boa para todos.

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