Ontem foi um dia bem brasileiro
A semana parecia modorrenta — só parecia. Nos bastidores do Supremo, dois ministros se organizavam para aproveitar o último dia de expediente da Corte para pegar o país de surpresa. Tentavam, ali, sozinhos impor decisões monocráticas que não pudessem ser revertidas por nenhum outro Poder. Dois ministros, três decisões. Das decisões, em meio à confusão, só uma derrubada. Uma tarde que, nas contas feitas por Míriam Leitão no Globo, deixou como saldo final uma conta inesperada que custará ao país R$ 4,7 bilhões mais, no ano que vem.
Marco Aurélio Mello, às 14h redondas, quando fechava suas portas o STF, determinou por liminar (PDF) a soltura de todos os presos detidos por terem sido condenados em segunda instância. A medida, que seria cassada poucas horas depois, beneficiaria um grande grupo de presos pela Lava Jato, incluindo o ex-presidente Lula. Aliás, bem mais do que isso: numa assinatura mandava soltar 169 mil pessoas. “Depois de quarenta anos de toga”, disse o ministro a Vera Magalhães, “não posso conviver com manipulação da pauta.” Se queixava de os presidentes do STF usarem de suas atribuições legais para decidir quando cada tema será votado no pleno. E assim, como se estivesse mesmo tudo ensaiado, foram necessários apenas 48 minutos para que a Defesa de Lula protocolasse, já devidamente escrito e arrumado, um pedido de alvará de soltura na Vara de Execuções Penais curitibana. Pedido que sequer deu tempo de transitar.
À Procuradoria Geral da República bastaram quatro horas, dez minutos, para bater no guichê do Supremo com recurso (PDF). A ordem, sugeriu Raquel Dodge, “pode vir a causar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública.” Dias Toffoli sequer piscou. Às 19h39 — quase seis horas após a liminar, pouco mais de uma e meia depois do recurso — tinha já prontas as oito páginas (PDF) da sua decisão. “A decisão já tomada pela maioria dos membros da Corte deve ser prestigiada pela presidência”, escreveu. “Defiro a suspensão até que o colegiado maior aprecie a matéria de forma definitiva, já pautada para o dia 10 de abril.”
Christian Lynch, cientista político e jurista da Uerj: “É tudo uma pantomima tão previsível que chega a ser ridícula. Marco Aurélio dá a liminar na véspera do recesso para aparecer na mídia e causar frisson de libertário. Está careca de saber que o Toffoli vai suspendê-la. Este, por sua vez, já sabendo que o Marco Aurélio daria a liminar na véspera do recesso, já está com a decisão suspensiva em cima da mesa desde semana passada. Só esperando chegar o recurso da PGR pata ser assinada. Enfim, mais uma luta de telecatch entre os ministros. O Ted Boy Marino pelo menos era engraçado.”
Não foi a única decisão do fechar as portas tomada por Marco Aurélio. Ele deu também ordens ao Senado para que, em 1º de fevereiro, realize eleições com voto aberto para sua presidência. Não é medida impopular, mas é canetada com impacto político gigante. Se for mantida tem chances de influenciar diretamente a condução da Casa, pois atrapalha a candidatura de Renan Calheiros. Muitos senadores o olham com simpatia pela capacidade de pressionar o governo Bolsonaro e dele extrair favores em troca de votações na Casa. Não quer dizer que gostariam de apoiá-lo publicamente.
Caos instalado, não se sabe bem onde há ordem, mas é certo que há desordem, desta maneira, informa o Painel que os senadores cogitam simplesmente ignorar os desejos do Supremo. (Folha)
E mesmo tendo impacto direto sobre a presidência do Senado — foi a menor das decisões. Pois igualmente sorrateiro, e aproveitando-se da confusão geral do dia, no gabinete ao lado Ricardo Lewandowski decidiu solitário que o presidente da República não podia adiar para 2020 o reajuste salarial de todos os servidores da administração pública federal. Decisão tomada, aqueles que uns brasileiros chamam holerite, e outros contracheque, serão rodados já com aumento entre dezembro e janeiro. Como salário não pode ser diminuído, não há possibilidade recurso. É assim que o próximo governo terá de iniciar gastando R$ 4,7 bilhões mais. Truque antigo. No fim do ano passado, o ministro fez o mesmo e atrapalhou os planos de redução de despesas de Temer. Agora, o problema fica com Bolsonaro. (Estadão)
E é claro que tinha de aparecer uma deputada bolsonarista para sugerir intervenção militar no STF. Lauro Jardim registrou antes que apagasse o tweet. (Globo)
Então: há duas semanas, representantes da esquerda conversaram com pelo menos dois militares. Tanto do ministro de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen, quanto do comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, ouviram que qualquer decisão a respeito de Lula cabe à Justiça, e que ela “é soberana”. Ouviram também, conta Tânia Monteiro, que decidir libertá-lo agora seria uma tentativa de criar instabilidade antes da posse de Bolsonaro. (Estadão)
Pois é: não tem qualquer cara de que vá ficar só em Lula. 20 de dezembro, ano fechando, a procuradora-geral Raquel Dodge já deixou encaminhado 2019 com mais cinco pedidos de abertura de inquéritos contra Michel Temer. Não bastasse, aproveitou para denunciar o presidente da República por corrupção e lavagem de dinheiro ao beneficiar empresas, em troca de suborno, com o decreto dos portos. Dodge pede que no dia 1º de janeiro, assim que Temer descer a rampa, investigações e processos sejam de presto enviados para as cortes de primeira instância, em São Paulo e no Rio.
E por falar em presidentes, quem não deu as caras ontem, para depor no Ministério Público, foi Fabrício Queiroz, o ex-assessor dum milhão de Flávio Bolsonaro. Os procuradores foram avisados no início da tarde que ele havia sofrido de “inesperada crise de saúde”. Ninguém o vê faz 13 dias. Os Bolsonaro garantem que nada há a esconder e que para tudo haverá explicação. (Estadão)
Seria notícia grande, mas este Meio tem o sério compromisso com seus leitores de encerrar em oito minutos: a Polícia Federal encontrou R$ 300 mil em dinheiro numa busca e apreensão na casa do ministro Gilberto Kassab. Ele é acusado de ter recebido no total R$ 58 milhões da J&F.
O Banco Central confirmou que autorizou a constituição do Banco XP — um banco múltiplo com as carteiras comercial e de investimento. Ao ter um banco dentro de casa, a XP — da qual o Itaú Unibanco tem 49,9% de participação — deve passar a oferecer crédito. A previsão para o início das primeiras operações é o segundo semestre de 2019. (Estadão)
Os EUA anunciaram a retirada total das tropas na Síria. “Derrotamos o Estado Islâmico na Síria”, twittou Donald Trump. “Era minha única razão para estarmos ali.” Os territórios do país ocupados pelo Isis foram retomados.
Então... Como bem observou muito mais do que um leitor, ontem nós erramos cá neste Meio: Paulo Skaf, que o MP paulista quer tornar inelegível por usar em campanha recursos do Sistema S, não chegou ao segundo turno na campanha para governador. Ficou em terceiro. Não bastasse, erramos também em Cultura: A sutil arte de ligar o fod*-se é uma obra de Mark Manson, e não de Mark Ronson — esse, um famoso DJ britânico.
Cotidiano Digital
Um grupo de entidades americanas lideradas pela Campaign for a Commercial-Free Childhood protocolou uma queixa formal contra o Google junto à Comissão Federal de Comércio, autarquia americana que regula o setor. De acordo com um estudo feito pelo grupo, a aba Família na Play Store, do sistema Android, viola o Ato da Proteção de Privacidade Infantil Online, uma lei, e as próprias regras do Google que definem o que pode ser feito para crianças. Entre as irregularidades estão propagandas dentro das apps, muitas voltadas para adultos, incluindo jogatina de cassino online. Vários dos jogos forçam crianças a fazer compras in-app. Um estudo publicado em abril já mostrava que pelo menos metade dos apps infantis gratuitos na loja registram a localização geográfica das crianças, muitas delas compartilhando a informação com terceiros, sem consentimento expresso dos pais.
Não há como impedir anunciantes de conhecer a geolocalização de cada usuário do Facebook em celulares. Um estudo revelou que mesmo havendo comandos nos smartphones que bloqueiam acesso ao GPS por apps específicos, mesmo desligando serviços de localização no próprio app, nenhum impede que a informação chegue ao sistema publicitário da rede social. O usuário é iludido com a impressão de que tem controle sobre os dados, mas a rede continua tendo acesso.
A Uber sofreu uma derrota importante na Corte de Apelações da Inglaterra e Gales, instância anterior à Suprema Corte do Reino Unido. Um trio de juízes decidiu, por 2 a 1, que os motoristas são empregados da companhia, e não empresários individuais. Têm, portanto, direitos trabalhistas. Os ministros questionaram a maneira como a empresa do Vale do Silício se apresenta. Em alguns documentos, afirma ser um serviço privado de aluguel de veículos com motoristas, noutros uma entidade que licencia dezenas de milhares de microempresários. Ainda há possibilidade de recurso.
Uma publicidade natalina: e se no tempo do filme Esqueceram de Mim já existissem assistentes digitais por voz?
Cultura
Os críticos e jornalistas de livros do Estadão fizeram uma lista com os melhores livros de 2018 — do romance à biografia, dos quadrinhos aos estudos literários.
Will Smith é o Gênio da Lâmpada nas primeiras imagens de Aladdin. O Iive-action está previsto para chegar aos cinemas em 24 de maio de 2019.
Aliás... Além da estreia do primeiro filme em live action da Turma da Mônica nos cinemas, Laços — que ganhou um trailer esta semana —, outra novidade está prometida para um dos personagens de Maurício de Sousa em 2019. O Astronauta, criado pelo cartunista na década de 60, será protagonista de uma série da HBO.
Viver
Real Madrid e Al Ain farão a final do Mundial de Clubes, no próximo sábado, às 14h30. O campeão europeu garantiu o seu lugar com uma vitória tranquila sobre o Kashima Antlers, por 3 a 1. Veja os melhores momentos.
Em 2008, na cidade de Lajeado (RS), um homem invadiu a casa de uma mulher, a estuprou e roubou seus objetos. Israel Pacheco foi preso pelo crime duas semanas depois, reconhecido na delegacia pela vítima, jurando inocência. Um mês depois outro homem, Jacson Silva, foi encontrado vendendo os objetos roubados naquela noite. Culpou, porém, Pacheco. À época do crime, o exame de DNA de uma mancha de sangue na cama da vítima já havia mostrado que o material genético não era dele, mas tampouco se sabia de quem. Pacheco acabou condenado a 11 anos e meio de prisão. Mais de um ano depois da sentença, a evolução da tecnologia permitiu que um novo laudo pericial fosse realizado nas evidências do crime. O Codis, programa doado pelo FBI a estados brasileiros para a implementação do banco nacional de DNA de criminosos e de vestígios em cenas de crime, processou as amostras de material relacionados a agressões sexuais que estavam armazenados nos laboratórios, e revelou que Silva era responsável por três estupros na cidade gaúcha, incluindo o que foi imputado a Israel. Ontem, a primeira turma do STF decidiu, por três votos a dois, anular a condenação de Pacheco. É a primeira vez no Brasil que uma condenação é anulada devido a informação de material genético de criminosos. A decisão pode ainda servir de exemplo para futuros casos semelhantes: o que vale mais para uma condenação judicial, a ciência do DNA ou o depoimento de vítimas ou testemunhas?
Lista: Os 10 melhores países para ser mulher.